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INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA UNIDADE 02 AULA 05

INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA

A ciência linguística e sua


posição no campo das
ciências humanas

1  OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

„„ Compreender a caracterização da linguística como ciência;


„„ Identificar as razões que fizeram da linguística uma ciência-piloto
no campo das ciências humanas.
INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - A Ciência Linguística e sua Posição no Campo das Ciências Humanas

2  COMEÇANDO A HISTÓRIA
A linguagem é o principal artefato cultural de que o homem dispõe. Como
já discutimos, na explanação sobre a linguagem humana e a comunicação
animal, o homem certamente encontraria outras formas de comunicação para
estabelecer contato com seus pares, mas a linguagem é seu maior bem, ela o
enriquece e o torna único entre todos os seres.

Essa é a provável razão do fascínio e da inquietação que a linguagem


exerce sobre o homem em variadas épocas. Da Antiguidade Grega aos dias
atuais, questionamo-nos sobre certos aspectos da linguagem e sobre seu
funcionamento. Os especialistas que se debruçam sobre os fatos e aspectos
que com ela se relacionam não são apenas os linguistas, visto que, em razão de
sua importância para a cultura geral, torna-se um símbolo mais importante que
qualquer outro (SAUSSURE, 1995).

Nesta aula, veremos como a linguagem foi objeto de análise de estudiosos


de variadas épocas e como o estudo dos fatos da língua foi evoluindo de
especulações e reflexões filosóficas para uma abordagem de rigoroso teor
científico, fato que alçou a linguística ao status de ciência-piloto na área de
humanas.

Antes de prosseguirmos com a discussão teórica sobre o assunto, propomos


que você reflita sobre as seguintes questões:

„„ A linguagem é uma tradução literal da realidade? É a representação do


pensamento? De outra forma: as palavras imitam as coisas?
„„ A relação entre som e sentido é intrínseca e incontestável?
„„ O que são as palavras e como elas se compõem?
„„ Como a língua funciona? Ela tem uma estrutura?
„„ Por que algumas línguas são tão diferentes e outras tão próximas?

3  TECENDO CONHECIMENTO
As questões acima não são fáceis de serem respondidas; se você pensa
que o são, engana-se. Muitas águas rolaram até que respostas satisfatórias
aparecessem. As discussões em torno dos fatos linguísticos nem sempre são
pacíficas e definidas de pronto, sempre há retomadas e novos enfoques em
torno de uma discussão até que ela pareça suficientemente sedimentada.
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UNIDADE 02 AULA 05

Algumas vezes, apesar do rigor das teorizações – seu espírito crítico e o valor
representativo de seu alcance sobre determinados fatos da língua numa dada
época –, faltam-lhes empirismo e objetividade.

Vamos voltar à noção de linguística exposta na aula que tratava da discussão


entre língua, linguagem e a própria linguística. Sem precisar de muitos
desdobramentos, é comum a definição de linguística como “o estudo científico
da linguagem” (LYONS, 1987, p. 45). Essa disciplina busca fazer a descrição e a
explicação dos fatos da linguagem verbal humana (ORLANDI, 2009). Conforme
essa definição, a linguística é uma ciência, a ciência da linguagem. Mas o que é
uma ciência? Como ela se caracteriza? Você sabe?

É HORA DE CONSULTAR O DICIONÁRIO

ciência
Substantivo feminino
5 Rubrica: filosofia.
conhecimento que, em constante interrogação de seu método, suas
origens e seus fins, obedece a princípios válidos e rigorosos, almejando
esp. coerência interna e sistematicidade

5.1 Rubrica: filosofia.


cada um dos inúmeros ramos particulares e específicos do conhecimento,
caracterizados por sua natureza empírica, lógica e sistemática, baseada em
provas, princípios, argumentações ou demonstrações que garantam ou
legitimem a sua validade

(HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico


Houaiss da língua portuguesa 3.0 – 2009)

Antes de qualquer coisa, é interessante se dar conta de que, ao longo do


tempo, foi possível ver definições variadas quanto aos termos ciência e científico.
Quanto à caracterização de um método científico que se queira padrão para
o fazer de toda e qualquer ciência, vale a pena conferir o questionamento de
Lyons (1987, p. 47-50):
Existe também a possibilidade de uma contenda, em
nível mais sofisticado de discussão, quanto à natureza
da objetividade científica e à aplicabilidade ao estudo da
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INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - A Ciência Linguística e sua Posição no Campo das Ciências Humanas

língua daquilo que se conhece comumente como método


científico. Na realidade, cientistas e filósofos da ciência já
não aceitam mais tão unanimemente a existência de um
único método de investigação, aplicável a todos os ramos
da ciência. O próprio termo ‘método científico’ tem um aura
antiquada, até mesmo de século passado. [...] Hoje em dia
é amplamente aceito o fato de que não há um método
científico único aplicável a todos os campos; de que
enfoques diversos devem não só ser tolerados, por questão
de necessidade a curto prazo, em diferentes disciplinas,
como podem ser justificáveis, também a longo prazo, em
virtude de diferenças irredutíveis nos assuntos tratados.

Lyons finaliza a discussão em torno da definição de cientificidade nos


seguintes termos:
Em suma, a questão de uma disciplina ser ou não ser
científica já não pode ser, se é que foi um dia, solucionada
satisfatoriamente fazendo-se referência ao chamado
método científico. Toda ciência bem estabelecida emprega
seus próprios construtos característicos e seus próprios
métodos de obtenção e interpretação de dados.

Essa discussão foi trazida para este texto apenas no sentido de nos deixar a
par de que é importante alargar nosso ângulo de visão sobre conceituações que,
ao primeiro exame, parecem bem formuladas, não apresentando problemas.
Feito isso, é hora de fazermos um esforço didático para compreender como a
linguística alcançou o status de ciência e a razão por que nem sempre pôde ser
considerada como tal.

Esse esforço didático nos possibilita formular que toda disciplina que se
queira firmar como ciência (já discutimos com Lyons o perigo do essencialismo),
além de outras propriedades, deve:

a) apresentar um objeto próprio de estudo;

b) construir um método de análise científico;

c) estar calcada numa base de observação empírica e ser objetiva em


suas elaborações teórico-conceituais.

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3.1  O objeto de estudo da linguística


Em linhas gerais, os estudos da linguagem anteriores ao século XIX não
apresentaram uma configuração mínima desses elementos constitutivos do
caráter científico. Esses estudos ainda não possibilitavam definir com precisão
qual seria o objeto de estudo da linguística. Só a partir do século XIX, com o
estudo histórico-comparativo, é que se começa a formar o que se pode chamar
de método linguístico, o qual viria a tomar contornos definitivos com Saussure
no século seguinte.

A dificuldade para definir o objeto da linguística antes dos comparatistas


deu-se em razão da inexistência de uma definição de língua que parecesse
mais sólida. Quando essa solidez, acompanhada de um refinamento preciso e
de uma coerência interna, esboçou-se no século XIX e se aprimorou no século
seguinte, o caminho para a definição do objeto da linguística, qual seja, “a
língua considerada em si mesma e por si mesma”, pareceu mais fluente.

Sem essa perspectiva de língua, os estudos anteriores não focaram a língua


internamente, mas aspectos dela. Tais estudos, da Antiguidade Grega aos anos
de 1800, enfocaram aspectos diversos: especulações filosóficas acerca da origem
da linguagem e prescrições normativas quanto ao acerto e ao erro no emprego
da língua; preocupações filológicas objetivando interpretar e comentar textos,
utilizando um método próprio – a crítica; estudo das relações de parentesco
entre as línguas e da mudança linguística. Cada um desses enfoques nos
estudos da linguagem e da língua corresponde a uma fase diferente da
ciência linguística plenamente fixada no século XX. O enfoque filosófico e
disciplinador caracteriza a fase da Gramática [normativa]; as preocupações de
ordem filológica caracterizam a fase da Filologia; a fase da Gramática histórico-
comparativa é constituída pelo enfoque da comparação entre as línguas e da
mudança linguística (SAUSSURE, 1995).

As duas primeiras fases não apresentavam qualquer preocupação


científica. O estudo dos fatos da linguagem não conheciam sistematicidade
nem regularidade. Benveniste (1991), por exemplo, observa que, desde os
filósofos gregos ao século XVIII, a língua não era objeto de observação, mas de
especulação. Não havia uma preocupação em estudá-la por si mesma, como
um sistema, nem em testar se têm validade geral as categorias advindas das
gramáticas grega e/ou latina. O mesmo, porém, já não se pode dizer quanto
aos estudiosos histórico-comparatistas. Várias das formulações de Saussure
tiveram formação primeira em seus antecessores. O grande mérito do linguista
genebrino foi dar corpo e clareza a algumas ideias que já se tinham visto na
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teoria linguística, mas de forma latente (LEROY, 1977).

A definição de linguística que você viu no início desta aula, como “o estudo
científico da linguagem”, tem referência, sobretudo, na configuração que a
disciplina adquiriu no início do século XX.

Mas quais mudanças se operaram no fazer linguístico para que a disciplina


fosse elevada ao estatuto de ciência? O primeiro passo foi dado por uma
definição considerada coerente e produtiva, para fins de estudo, acerca de qual
seria o objeto da linguística. A formulação foi dada por Saussure e encontra-
se registrada no Curso de Linguística Geral com os acréscimos dos editores:
“a Linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua considerada em si
mesma e por si mesma” (SAUSSURE, 1985, p. 271). A formalização do objeto
de estudo da linguística se deu a partir da conceituação do termo língua:
“sistema de signos que exprimem ideias”, no qual o valor de cada elemento é
relativo, depende da função que contrai dentro da cadeia sistemática da língua
(SAUSSURE, 1985).

A conceituação de língua nesses termos, em que a atenção passava a


ser dada à estrutura e ao funcionamento, e não mais à evolução, constituiu
uma oposição enérgica em relação aos neogramáticos no que diz respeito
ao entendimento da disciplina linguística como ciência. Na visão desses
estudiosos histórico-comparatistas do século XIX, a consideração da mudança
linguística e a explicação desse processo eram os traços definitivos da elevação
da disciplina à condição de ciência. Saussure entendia que uma abordagem
estática da língua poderia ser igualmente explicativa e científica. Destacou,
ainda, a primazia da abordagem sincrônica sobre a diacrônica, invertendo os
valores que seus antecessores atribuíram a essas duas formas de tratar os fatos
linguísticos (SAUSSURE, 1985). Mas, vamos deixar a distinção entre essas duas
abordagens para uma aula específica e retomar mais diretamente a discussão
da caracterização da linguística como ciência.

Acabamos de discorrer sobre uma das propriedades centrais para a


caracterização de uma disciplina como ciência: o objeto de estudo. Antes
de tecer considerações acerca de outra propriedade, convém refletir o que
significou para a linguística a definição de seu próprio objeto de estudo. O
ganho foi enorme porque, a partir de então (na verdade, desde o século XIX com
a preocupação histórica), ela tornou-se autônoma, independente. A linguagem
continuava a interessar a muitos pesquisadores e a várias ciências, mas era
sobre a língua que a linguística se debruçava. Antes dos neogramáticos, o
estudo da linguagem, que esteve amplamente integrado em outras disciplinas,
foi realizado em consonância com os métodos próprios delas, visto que a
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disciplina linguística ainda não houvera constituído seu próprio conjunto de


técnicas e procedimentos.

Ainda em relação ao objeto, é importante assinalar que a forma como o


selecionamos em linguística difere da maneira como se processa tal seleção
noutras ciências. Em linguística, o ponto de vista cria o objeto, enquanto
noutras ciências o objeto precede o ponto de vista, de forma que sempre se
estará diante de um mesmo objeto, independente do ângulo de visão sob o
qual será examinado. Já na ciência da língua, a depender do ponto de vista
sob o qual se examina um dado linguístico, é possível ter diferentes objetos de
pesquisa. Leiamos Saussure a respeito da questão:

Outras ciências trabalham com objetos dados previamente


e que se podem considerar, em seguida, de vários pontos
de vista; em nosso campo, nada de semelhante ocorre. Al-
guém pronuncia a palavra nu: um observador superficial
será tentado a ver nela um objeto linguístico concreto;
um exame mais atento, porém, nos levará a encontrar no
caso, uma após outra, três ou quatro coisas perfeitamente
diferentes, conforme a maneira pela qual consideramos a
palavra: como som, como expressão duma ideia, como cor-
respondente ao latim nudum etc. Bem longe de dizer que o
objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o ponto de
vista que cria o objeto; aliás, nada nos diz de antemão que
uma dessas maneiras de considerar o fato em questão seja
anterior ou superior às outras. (SAUSSURE, 1985, p. 15)

Para a linguística ganhar autonomia no campo das ciências humanas,


contribuiu não apenas essa maneira de conceber seu objeto, mas também
a metalinguagem que utilizou para estabelecer suas definições, conceitos e
procedimentos analíticos. Em vez de lançar mão de uma metalinguagem não
formal (que usa a linguagem alfabética), tão ao costume das ciências humanas,
recorre ao emprego de uma metalinguagem formal (que usa símbolos abstratos),
adotada amplamente nas ciências naturais. A adoção da metalinguagem formal
(O  SN + SV)1 também contribuiu para a autonomia da linguística, além de
lhe dar uma destacada posição entre as ciências humanas. A escrita formal da
linguística, sempre sendo aperfeiçoada, alcança seu ápice nos anos 1950 com
a colaboração do linguista norte-americano Noam Chomsky, que a torna ainda
mais rigorosa, “integrável à teoria dos sistemas, da matemática” (ORLANDI, 2009).

Dizer que a linguística é autônoma é afirmar sua independência em relação


1 O: oração; SN: sintagma nominal; SV: sintagma verbal.
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a outras ciências no tocante ao aparato teórico e à metodologia de análise.


Tal autonomia, entretanto, não significa isolamento, pois a linguística é uma
ciência interdisciplinar; suas relações com outras disciplinas são amplas. A fim
de oferecer uma ideia acerca dessas conexões, vejamos a figura abaixo, que
LOPES (2007, p. 25) nos informa ser uma adaptação de Peytard (1971):

SEMIOLOGIA

Crítica Literária Estilística


Literatura

APLICAÇÃO NA LINGUÍSTICA
LINGUÍSTICA APLICADA

Estatística Psico-Linguística
LINGUÍSTICA

Teoria da Ensino de
Informação Línguas

Lógica Tradução
Matemática Mecânica

Psicanálise Antropologia Musicologia Documentação

Aplicação
Penetração
Empréstimos

LOPES (2007, p. 24) faz a leitura dessa figura nos seguintes termos:

A Linguística é uma ciência interdisciplinar. Ela toma em-


prestada a sua instrumentação metalinguística dos dados
elaborados pela Estatística, pela Teoria da Informação, pela
Lógica Matemática, etc., e, por outro lado, na sua qualida-
de de ciência-piloto, ela empresta os métodos e conceitos
que elaborou à Psicanálise, à Musicologia, à Antropologia, à
Teoria e Crítica Literária, etc.; enfim, ela se dá, como Linguís-
tica Aplicada, ao Ensino de Línguas e à Tradução Mecânica.

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UNIDADE 02 AULA 05

3.2  O método de análise da linguística


Vejamos, agora, outra propriedade importante para a caracterização
de uma disciplina como ciência: o método de pesquisa. A exigência de um
método científico, como parte das expectativas para que uma disciplina seja
reconhecida como ciência, foi cumprida pela linguística. Criou seu próprio
método de investigação científica, extremamente rigoroso e amplamente
produtivo, a ponto de se tornar instrumento metódico-analítico de variadas
ciências, a exemplo da antropologia, da sociologia, da psicologia, e ser aplicado
como procedimento de análise em diversas áreas do saber, por exemplo, a
crítica literária e a crítica cinematográfica entre outras.

Trata-se do método estrutural. Foi desenvolvido por Saussure e veio a


público a partir do lançamento do Cours de linguistique générale (1916). Como
funciona esse método? Em linhas gerais, os que se dizem estruturalistas
consideram que um dado elemento sob análise está integrado num sistema e
seu valor é sempre relativo, visto que só pode ser determinado pelas relações de
solidariedade e de oposição que estabelece com outros elementos no interior
do próprio sistema. Em linguística, os estruturalistas, entendendo que a língua
forma “um arranjo sistemático de partes”2 – em que o valor de cada uma delas
só se conhece pelas relações de solidariedade ou de oposição que mantém
com outras na cadeia sistêmica –, esforçam-se por compreender as relações
que unem os elementos no interior do sistema a fim de determinar o valor
funcional dos variados modos de relações. No dizer de Lyons (1987, p. 203-204),
uma descrição estrutural busca demonstrar “de que maneira todas as formas e
sentidos estão inter-relacionados num determinado sistema linguístico [...], de
que maneira todos os componentes se encaixam.”

Como se pode notar, a abordagem estruturalista – centrada na estrutura


do objeto em análise – tornou-se útil a diversos campos de investigação
científicos e não científicos em razão do rigor e da coerência da análise
resultada. Mais do que uma corrente linguística em particular, mais do que a
nomeação de algumas correntes (que mais se aproximam de que se distanciam
em razão das semelhanças e diferenças envoltas nas especificidades dos
princípios metodológicos que defendem) e mais do que a totalidade delas, o
estruturalismo constitui um tipo de abordagem que se erigiu num método de
análise estrutural fecundo (DUBOIS, 1998).

Acima, falamos a respeito da aplicabilidade do estruturalismo a várias ciências


e a variados campos do saber. Além dos exemplos de aplicação na antropologia

2 BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I. 3. ed. Campinas: Pontes, 1991.


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dados por Lévi-Strauss, pode ilustrar o emprego do método estrutural a análise


realizada por Affonso Romano de Sant’Anna em seu livro Análise estrutural de
romances brasileiros. O foco de atenção do analista nesse tipo de análise não
recai sobre uma personagem ou sobre uma narrativa específica dentro da
narrativa maior que é o romance, mas procura perscrutar o que é subjacente
na relação contraída por uma ou mais de uma personagem, por uma ou mais
de uma narrativa dentro do grupo (de personagens ou de narrativas) em que
estão inseridos.

3.3  A exigência do empirismo como traço caracterizador de


uma ciência
Após essas considerações sobre o método científico da linguística,
examinemos a questão do empirismo, o traço considerado fundamental
para caracterizar uma disciplina como ciência. Diz-se que uma ciência é
empírica quando lida apenas com dados verificáveis publicamente por
meio da observação e da experiência. Um e outro termo traduzem a base
do conhecimento empírico. Que tal recorrermos novamente ao auxílio do
dicionário a fim de compreender melhor a noção de empirismo?

É HORA DE CONSULTAR O DICIONÁRIO

empirismo
substantivo masculino
1Rubrica: filosofia.
doutrina segundo a qual todo conhecimento provém unicamente da
experiência, limitando-se ao que pode ser captado do mundo externo,
pelos sentidos, ou do mundo subjetivo, pela introspecção, sendo ger.
descartadas as verdades reveladas e transcendentes do misticismo, ou
apriorísticas e inatas do racionalismo

(HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico


Houaiss da língua portuguesa 3.0 – 2009)

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Na linguística geral moderna, não há espaço para especulação nem para


intuição. Os dados têm base na observação e são testados, muitas vezes, de
forma exaustiva; analisados – com elevada frequência – a partir de modelos
matemáticos, para que se tenha uma racionalização mais segura das implicações
advindas dos resultados e para que se proceda a uma descrição mais objetiva
de determinado fato em análise.

A época das especulações, como já vimos, no diálogo mantido com


Benveniste, ficou para trás, circunscrita até o século XVIII. Mas, ainda hoje, os não
experimentados em linguística têm dificuldade de concebê-la como ciência.
Uma das razões prováveis é a comparação estabelecida entre ela e outras
disciplinas das ciências naturais, desprezando as especificidades guardadas
na maneira das formulações teórico-conceituais e na maneira da descrição de
determinado objeto em análise, mesmo que a metalinguagem utilizada pela
linguística seja a formal, bem característica das ciências tomadas como padrão
pelos leigos.

Outra razão possível advém da familiaridade que os falantes têm com a


língua. Tal familiaridade, construída desde a infância, tem impossibilitado uma
reflexão mais objetiva dos falantes em relação aos fatos linguísticos. Como
consequência desse olhar pouco reflexivo, e muitas vezes irrefletido, observa-se
na visão dos falantes sobre a língua uma série de preconceitos das mais variadas
ordens: culturais, sociais, étnicos, geográficos entre outros (LYONS, 1987).

A fala, por exemplo, é, para os leigos, o lugar das irregularidades, é o lugar


do caos. Mas a sociolinguística quantitativa já demonstrou exaustivamente que
isso não é verdade, pois há sistematicidade nas variações linguísticas, a exemplo
do que ocorre com a flexão de número no sintagma nominal, descrevendo
que há certas posições que favorecem a presença da marca de plural (é o caso
da primeira posição, ocupada pelo termo à esquerda do núcleo) e outras não
(CAMPOS & RODRIGUES, 1993).

O linguista, entretanto, não se deixa levar por concepções de ordem tão


intuitiva e subjetiva a respeito dos fatos linguísticos, exige-se dele um exame
objetivo. Em nome da objetividade – outro traço requerido de uma disciplina
científica –, ele deve tomar tais concepções como um desafio, apresentar uma
definição elucidativa dos termos por meio dos quais se formulam preconceitos
acerca das línguas ou mostrar a completa inadequação deles, além de sua
tarefa principal: descrever os fatos da língua e fornecer explicações de como
eles se processam.

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INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - A Ciência Linguística e sua Posição no Campo das Ciências Humanas

EXERCITANDO
„„ Quais fatores e posturas concorreram para que a linguística ganhasse o
status de ciência? Você destaca algum deles?

„„ Discorra a respeito do fator que foi decisivo para que a linguística se


tornasse uma ciência-piloto na área de humanas.

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UNIDADE 02 AULA 05

4  APROFUNDANDO SEU CONHECIMENTO

Este livro do linguista suíço Ferdinad


de Saussure, considerado por muitos o
iniciador da Linguística Moderna, constitui
um marco decisivo nos estudos linguísticos.
É mesmo um divisor de águas, de modo que
se pode falar em linguística pré-saussuriana
e linguística pós-saussuriana. Nesta obra
póstuma, trazida a público por dois de seus
amigos, Saussure expõe de maneira objetiva
e coerente vários dos conceitos de linguística
geral tal como os conhecemos hoje. Por
seu valor, a obra é referência indispensável
Figura 1 para os estudos em linguística, seja para dar
continuidade a algumas de suas teses, seja
para refutá-las.

Neste livro, integrado à coleção Primeiros


Passos, Eni Orlandi passa em revista, em
linguagem despojada e tão característica
de seu estilo, as fases por que passaram os
estudos da linguagem e da linguística desde
a Antiguidade Grega aos dias atuais. Com
sua capacidade de síntese e de observação,
apresenta-nos aspectos de discussão
teórica longe do tecnicismo atrelado a essa
discussão, de modo que qualquer leitor
interessado em obter uma visão panorâmica
dos estudos da linguagem, distanciando-
se da particularização dos pormenores,
Figura 2
encontra nessa obra uma noção ao mesmo
tempo segura, elucidativa e simples do que
vem a ser Linguística e do percurso por que
passou ao longo do tempo.

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INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - A Ciência Linguística e sua Posição no Campo das Ciências Humanas

5  TROCANDO EM MIÚDOS
Nesta aula, discorremos acerca das fases por que passaram os estudos da
linguagem e da linguística. Vimos como se configuraram tais estudos em cada
uma dessas fases e a mudança na forma de concebê-los a partir do século XIX.
Acompanhamos os termos em que se operou a mudança e a valiosa contribuição
de Saussure para que a linguística se tornasse não apenas uma sólida ciência da
língua, como também se destacasse como ponta entre as ciências humanas.

6  AUTOAVALIANDO
„„ Você diria que as especificidades inerentes ao campo das ciências hu-
manas e as inerentes à linguística põem em dúvida seu caráter cientí-
fico? Justifique.

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REFERÊNCIAS
BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I. 3. ed. Campinas: Pontes,
1991.

CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure: fundamentos e visão crítica.


16. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

CAMPOS, Odette & RODRIGUES, Ângela. Flexão nominal: indicação de pluralidade


no sintagma nominal. In: ILARI, Rodolfo (org.). Gramática do português falado -
Vol. II: Níveis de análise linguística. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 1993.

DUBOIS, Jean. et al. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 1998.

FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à linguística: objetos teóricos. São Paulo:
Contexto, 2002.

LEROY, Maurice. As grandes correntes da linguística moderna. São Paulo: Cultrix,


1977.

LOPES, Edward. Fundamentos da linguística contemporânea. 23. ed. São Paulo:


Cultrix, 2007.

LYONS, John. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: Guanabara,


1987.

ORLANDI, Eni. O que é linguística. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2009.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 24. ed. São Paulo: Cultrix,
2002.

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