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Adolescer nos tempos de Violência1

Paulo de Moraes Mendonça Ribeiro

W. R. Bion, um dos maiores psicanalistas de todos os tempos, disse que


“drogas são substitutos empregados por aqueles que não podem esperar.”
Atualmente é uma preocupação constante dos pais de jovens adolescentes a
questão das drogas. É comum pais pensarem que drogas são maconha, cocaína,
bebidas alcoólicas, etc., mas esquecem-se que comida, sexo, baladas, e mesmo
trabalho ou estudo excessivo podem ser usado como drogas. Bion, seguindo Freud,
chama-nos a atenção para a importância da capacidade de esperar em contraponto
com o des-espero ou a des-esperança. Nas pessoas intolerantes a frustração, a
imaturidade, a confusão, o desamparo e o sentimento de impotência são
substituídos por pré-maturidade, ordem, onipotência e poder.
Há duas formas de manifestar violência: a que aparece nas manchetes de
jornais e revistas é apenas a mais “visível”, uma vez que são explosões “para fora”
do ser; outra forma, tão mortífera quanto a primeira, são as explosões internas, ou
seja, o uso de drogas, a promiscuidade sexual as sabotagens contra si mesmo. Os
adolescentes fazem uso destas duas modalidades, o que varia é a porcentagem de
cada uma em cada pessoa, dependendo de sua personalidade. Volto a ressaltar que
embora a explosão (ou suicídio) para dentro é menos “visível”, ela é tão ou mais
freqüente quanto as explosões externas, e às vezes mais danosas, pois vão se
passando no escuro, no silêncio da solidão de cada jovem. Pais devem estar atentos
aos “pedidos de socorro” que não são gritados, às vezes apenas sussurrados, quase
inaudíveis, ou invisíveis.
Porque tanta violência neste fim de século XX? Antigamente, transgressão
adolescente, nas escolas por ex., era colocar baratas de borracha na gaveta da
professora para assustá-la, ou então tocar a campainha das casas dos vizinhos e sair
correndo, ou passar trotes inocentes pelo telefone... ou pegar na mão da namorada
no escurinho do cinema e depois de um bom tempo lhe roubar um beijo. Hoje
vemos professores espancados, quando não assassinados por alunos; há depredação
perniciosa dos bens alheios e telefonemas falsos que mobilizam equipes de
urgência em vão. Índios e mendigos são incinerados vivos nas grandes cidades.
Namoro parece ser coisa antiquada, agora “fica-se” com alguém que nem se sabe o
nome. Nas baladas, quantidade impera sobre qualidade: o importante é beijar o
maior número de pessoas possível. Em São Paulo há boates nas quais há áreas
“reservadas” para se fazer sexo em público. A alta velocidade do império dos
sentidos é quem reina.
Muita coisa mudou no mundo nas últimas décadas, os papéis na família
estão em transformação; figuras de autoridade e referência foram questionadas e há
grandes vazios em várias áreas de organização da personalidade. Muitas crianças e
jovens se perdem nestes novos caminhos. A mídia tem um enorme apelo sobre as
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Texto inicialmente publicado no INFORMATIVO DO CENTRO MÉDICO DE RIBEIRÃO PRETO, em março de
1999.

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pessoas, tudo parece ser “exagerado”. Vivemos no tempo do exagero; o sexo é
explícito, as drogas são pesadas, a violência chega a ser extrema.
Qual seria a função desse exagero? Precisam os adolescentes de hoje, ter
experiências tão extremas? Exageramos algo quando queremos chamar a atenção
para aquele fato, quando queremos ou precisamos salientar algo. Isto pode
acontecer de algumas formas: 1 – para ressaltar um pensamento ou um
conhecimento, como quando sublinhamos um texto ou escrevemos em negrito; 2 –
para enfatizar emoções de amor, como nos poemas de amor tipo Romeu e Julieta;
3 – para ressaltar emoções de ódio, como nas ofensas desmedidas, ou crimes de
ódio. Penso que por trás do exagero, há uma esperança e um pedido para que se
ouça quem está esbravejando. Percebemos que as várias formas de violência são
exageros nas áreas do amor e/ou do ódio, à procura de alguém que as “ouça” ou
que as “veja”, podendo então conter o caráter excessivo da explosão de violência,
seja para fora ou para dentro do indivíduo.
A violência, deste ponto de vista, além de ser uma forma de expelir o que
não se está sendo tolerado, é também pedido de socorro, de uma forma
desesperada. Lembro-me de um jovem que tratei terapeuticamente, que precisava
se ferir violentamente (e em público), para atrair olhares e cuidados familiares. Ou
de uma outra pessoa que se vestia toda de preto, com um coturno pesado, correntes
espalhadas pelo corpo e a face tatuada, como tentativas de se fazer viva – vista: ao
andar pelas ruas chocando as pessoas, elas olhavam para ela, e isso a fazia sentir-se
existindo nesse mundo, do contrário, não sendo vista, não existia (morria). Como
disse Fernando Pessoa: Morte é curva na estrada, morrer é só não ser visto.
No entanto, não basta apenas “olhar” e “conter” a violência, é preciso que
haja uma transformação benigna da dor desesperada que está sendo expelida e
comunicada, para que não haja necessidade de novas ou tão violentas (exageradas)
explosões. Necessidade de algum extravasamento de conteúdos mentais dolorosos
que não podem ser tolerados, provavelmente todos nós temos e teremos. A questão
aqui está na qualidade e intensidade destas vazões e na capacidade de continência
amorosa de quem puder “ouvir” este tipo de “grito de dor” ou pedido de socorro.
Os adolescentes, na tentativa de crescer, muitas vezes escolhem caminhos
que lhes são prejudiciais. Às vezes, gritar por socorro se auto-agredindo (ou aos
outros) acaba afastando quem mais poderia ajudá-lo a se desenvolver, ao invés de
se aproximar e criar intimidade.
Onde buscar solução?
A solução deste conflito reside no desenvolvimento da capacidade para
pensar e sentir nossas emoções. Os adolescentes de hoje, tem primado pelo
imediatismo, pelos prazeres instantâneos, não podem esperar ou se frustrar. Onde
não se pode esperar, não se instala a “manjedoura” para o nascimento dos
pensamentos. Há uma dissintonia do tempo e do espaço, não sobrando lugar e
momento para a evolução das atuações impulsivas rumo ao sentido e ao
significado. Dos rachas e brigas de rua, das drogas e sexo impulsivo, da violência
dos “esportes” que visam “hipertrofia muscular” do cérebro; precisamos rumar
para a nomeação das ansiedades e angústias dos adolescentes, gerando
transformações benignas de crescimento.

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Como pais, terapeutas e educadores, devemos colaborar junto ao jovem no
desenvolvimento de “tempo” e “espaço” para conviverem com frustração. Onde há
a frustração de um impulso, de um prazer imediato, surge a possibilidade para
pensamentos, e para a inscrição da espera e criação do novo. Frustração é fator de
crescimento mental e é diferente de privação. Diante de uma frustração o jovem se
revolta e se houver alguém ao seu lado, com amor, poderá lhe dizer algo como:
“Eu sei que você gostaria disto agora, mas não pode ter pelo seu próprio bem”.
Privação é abandono afetivo, é lugar de desesperança, inútil para o crescimento.
Frustração bem dosada ensina a pensar a passagem do físico para o mental, do vir a
ter (a droga, o super-carro zero km, a roupa da marca mais tal, o corpo super-
musculoso) para vir a ser (integridade, responsabilidade, ética e criatividade).
Este caminho passa pela capacidade de “sonhar”. O pensamento do
adolescente muitas vezes mostra-se empobrecido. Para não perceber suas dores, há
empobrecimento mental. Sua conversa carece de significados, de metáforas. Não
se lê mais nada, não se vai ao cinema, teatro, concertos de música... Atividades
que, por sua riqueza intrínseca, poderiam ajudá-los a sonhar e a pensar... Há que se
estimular o sonhar. Se o jovem não consegue ‘sonhar’ por si mesmo, podemos
chamá-lo, para ‘sonhar’ conosco, como se pintássemos uma tela juntos, ou
criássemos uma música a quatro mãos. Isto certamente tem o poder de estimular
capacidades antes paralisadas ou “enferrujadas”, restabelecendo movimento,
circulação, oxigenação de áreas da personalidade em estado de hibernação,
asfixiadas ou autistas. Essas atitudes fazem bem também para o adulto que se
dispõe a esse trabalho emocional, sejamos nós pais, irmãos ou analistas da criança
ou do jovem em questão.
O resultado deste trabalho é revigorante, pois uma parte adolescente temos
em todos nós, porque já o fomos e não devemos deixar de sê-lo; pois no espaço
desta bela idade, há questionamentos, muita vitalidade e alegria, busca do novo,
coragem para rupturas com formalismos enferrujados e arcaicos. “Adolescer” é um
estado da mente e não deve ser confundido com doença, com “adoecer”. Se bem
conduzida é uma fase do desenvolvimento humano importante que poderá levar à
lideranças sociais, individuais e políticas; e o mundo a um rumo mais saudável,
justo e progressista.

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