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Em março, meu tio que eu tinha como um segundo pai, morreu.

Foi sem duvidas a morte que mais


me afetou na vida. Mas dias antes eu já tinha pensado nessa possibilidade.

Quando você tira a morte do seu aspecto de possibilidades, tudo te afeta. Quem já conviveu
comigo por pelo menos um ano, eu garanto, NUNCA me viu afetado em NENHUM sentido.

Eu sempre vi a morte como uma última escapatória inescapável, uma mistura de depressão com
niilismo. Mas ainda de uma visão rasa do assunto. O meu amadurecimento nesse ultimo ano se deu
por isso.

Se eu fosse morrer agora, eu poderia dizer que eu vivi essa vida? Não. Não poderia. Eu servi quem
deveria? Eu ajudei quem deveria ter ajudado? Eu me fiz presente para as pessoas que me apoiam?
Não. A resposta era não.

Até dias antes do meu aniversario de 20 anos eu NUNCA tinha me feito essas perguntas. Dia 3 de
janeiro de 2020 indo ao trabalho eu vi um acidente. Uma pessoa com quase a minha idade, morreu
a caminho do serviço a 2 dias do pagamento, num acidente de moto. (quem já viu acidente de
moto sabe como fica o estado)

Ao chegar no serviço eu chorei copiosamente, eu me vi no lugar daquela pessoa. Poderia ter sido
eu. E se fosse? Eu poderia ter dito que eu fui eu? Eu fiz o que estava ao meu alcance para conseguir
ao menos “chutar o meu sonho”? De novo. A resposta é não.

Eu quero cursar essa faculdade de RH? Eu quero trabalhar em um escritório de terno e gravata e na
sexta sair para beber e esquecer que eu perdi 5 dias da minha vida em vão? De novo. A resposta é
não.

Eu quero morrer sendo o melhor de uma mesa ruim, ao invés de ser ao menos o pior de uma mesa
grande? Compensa eu sacrificar os 50 anos que talvez eu viva para ter prazeres menores agora?
Compensa eu deixar morrer os sonhos de ser alguém de quando eu tinha 10 anos? De novo. A
resposta é não.

Me olhei e vi. Não estou em boa forma física, não estou em boa forma intelectual, não estou em
bom estado emocional/psicológico, não estou em bom estado financeiro. Não cuidava do corpo.
Não cuidava da alma. Não cuidava do emocional e por consequência, não cuidava da mente.

Agora, eu pergunto. Por esse último parágrafo. Era uma vida digna? É... Talvez... Se bem que... Com
19/20 anos, eu fui olhar o conceito de dignidade; algo que infunde respeito; consciência do próprio
valor; honra, autoridade, nobreza...
A resposta tá na própria definição da palavra. Se quiser, que lute com o dicionário.

Foi preciso eu ver a morte para ver que eu não estava vivo. Dali para frente, um véu caiu dos meus
olhos. Na mitologia egípcia, existe um véu nos olhos que é o que separa os vivos dos mortos – véu
de Isis – agradeço por não ter precisado morrer para tirá-lo

Com 19/20 anos, perdido, ninguém ao redor que eu achasse que entenderia, e vivendo a vida de
outra pessoa. Tirando raras pessoas; Brenda, Karinny, Leandro, Rian... Acho que ninguém me
conhecia.

(Um fato curioso, eu NUNCA juntei meus amigos no mesmo lugar. E fazia e tudo para impedir que
ocorresse. Nesse complexo, o que me restava era ser um pouco de mim em cada lugar. Em um
lugar sou “inteligente” no outro “engraçado”, NUNCA os dois para as mesmas pessoas. Mas,
voltando.)

Ainda era(sou) um puta 5° camada desde os 15 anos. Eu odeio perder, FODASSE O QUÊ, futebol?
Aposta? Discussão? Tudo. E preso num ambiente que não me oferecia nem isso. Tudo
autorreferencia, “as pessoas não gostam de mim”, “atura ou surta”.

Passei meses com a imagem de um jovem de 23 anos morto, indo ao trabalho após 3 dias do ano
novo e nas vésperas do pagamento. Sem tomar NENHUMA decisão, só me remordendo, dia após
dia. Se eu morresse com 20 anos, eu vivi? De novo. A resposta é não.

No Poker, tem vezes que você está com uma mão OTIMA e o adversário pede pra aumentar a
aposta, e aumenta, e aumenta... e você pensa “será que eu saio? Ou ele está blefando?” a sua mão
que era OTIMA, passa a te assustar. Você tem um “trio”, mas e se ele tiver um “full house”?

Mas você apostou MUITO e não pode pedir para sair, senão você perde. Era NESSA situação que eu
me encontrei. Eu aceito perder tudo e começar do zero em TODOS os sentidos, ou vou aumentando
apostas até morrer? Hoje é uma resposta óbvia. Antes não era.

Eu sai da mesa pequena, tendo ótimas cartas e nem quis saber qual era a carta do oponente. Eu
não ligo. Para mim, você ganhou.

Peguei o “defeito” que todos criticam(competitividade) em mim e fui estudar para ser melhor que
meu pior inimigo, eu.

Comecei a matar partes do Gabriel que eu queria que sumisse. Eu sou EXTREMAMENTE tímido, não
sabia me expressar, e uma puta insegurança, chegaria a dizer talvez que o álcool era uma ótima
desculpa para aparentar ser quem eu queria ser (tipo o clube da luta, mas sem a esquizofrenia kk)
Levei UM ANO, mas aprendi a conversar (com quem me interessa, rs), estudei PARA CARALHO
Acting para me expressar e falar sobre o que eu penso e gesticula-los, a insegurança passou depois
disso. E se agora eu resolvi esses problemas, não preciso de muletas como a cerva e semelhantes.

Quando penso em desistir ou nem começar algo, me vejo numa maca hospitalar e penso: se eu
morresse em 1 ano, eu me arrependeria de não ter feito isso? Eu me arrependeria de não saber
CONVESAR COM ALGUÉM? Eu me arrependeria de PODER AJUDAR alguém em uma duvida e não
fazer por “vergonha”? Aqui eu encontro o primeiro “sim”, eu morreria infeliz sendo assim.

Graças a ter me aproximado de quem eu quero ser e não quem o meio espera que eu seja. Esse ano
conheci pessoas maravilhosas (agradeço a CADA UM dos anos anteriores também), pessoas que me
ajudaram de formas tão simples e que nunca tinham feito. Apoio.

O tal; “Eu sei que a vida bate, eu apanho também. Vamo se juntar e bater nela, ou vamo apanha
juntos”. Saber que eu pude ajuda-los no mais mínimo que seja, já me deixa feliz. Os tão falados
Idem Velle, Idem Nolle. Não vou me aprofundar (ironia?) em quê, mas já os agradeci publicamente
e no privado sempre que possível.

Bruna, Brenda, Debora, Leandro, Lucas, Hiago, Maycon, Mateus, Matheus... e os primo/prima
também kk. Dentre outros...

A maior faculdade da vida, foi para mim o ano de 2020. Ele preparou terreno para eu poder me ver
de noite antes de dormir e pensar “Se eu morrer hoje, eu sei que fui eu quem vivi. Eu sei que o dia
de hoje, eu cheguei mais perto do sonho.” Posso morrer sem conquista-lo, mas não sem lutar por
ele

Se vale a pena você rezar por aquilo, vale a pena você dedicar CADA GOTA DE SUOR seu por aquilo.
“Audaces Fortuna Juvat” - A Fortuna favorece os audazes.

Mas porque eu comecei isso com o 1° paragrafo falando sobre o meu tio? Para chamar a atenção?
Talvez, mas não.

Do meu ponto de vista, ele viveu uma vida que vale a pena ser vivida. Viveu o lema do Ítalo, sem
conhecer o ítalo. Antes até dele nascer. Tê-lo perdido me fez ver a vida de uma forma mais focada
naquilo que importa.

Ele era colérico, dos temperamentos é o mais obstinado e focado. No leito de morte acho que se
perguntassem se ele viveu a vida, ele faria alguma piada boba(sinto falta disso) e falaria que sim.
Pessoa querida onde ia, sempre fez mais que o exigido, religioso, renda estável, o que estava ao
alcance foi feito.
Saúde, religião, família, trabalho. Nunca inverter essa ordem.

A morte de um desconhecido me fez ver que a vida acaba e que eu não a vivi. A do meu tio me
mostrou que o que tem valor não é material. Mas nem por isso precisa abrir mão dele, mas o foco
não é aqui.

Aqui vem a ideia do Marçal “juntos até depois do fim”, essas são SEM duvidas pessoas com quem
quero estar do outro lado e aproveitar ao máximo tê-las do lado de cá.

Ali surgiu a ideia de santificar o trabalho, nome e o que ele fez. Essa junção me fez de novo ver o
mundo de outra forma. Mas dessa vez eu sei o que devo fazer e os meios a serem usados.

Não é mais um moleque que se deixa ser submisso por afeto, afago ou medo. Acordando cada dia
um pouquinho melhor, ainda que continue um bosta. Indo dormir menos pior. “Não se preocupem
com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu próprio
mal.” – Mateus 6.

Dia após dia. Vivendo o hoje com a clareza de que se o mal vier amanhã, até o dia de hoje. Eu vivi.

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