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§ Bases F i l o s o f i c a s e N o ç ã o d e C i ê n c i a

I em A n á l i s e d o C o m p o r t a m e n t o

M árcio Borges Moreira ■Eleníce Seixas Hanna

IN T R O D U Ç Ã O após W undt ter criado o primeiro laboratório de Psicologia


experimental em Leipzig, Alemanha, difundiu-se a ideia de
Este capítulo tem o objetivo de apresentar, em linhas que o objeto de estudo da Psicologia era a consciência (e seus
gerais, uma filosofia chamada Behaviorismo Radical e uma elementos constituintes), e o método eleito, a introspecção
abordagem psicológica (ou ciência do com portam ento) experimental1 (cf. Goodwin, 2005/2005). E nesse contexto
denom inada Análise do C om portam ento, bem como que, em 1913, o psicólogo John Broadus Watson publica
estabelecer relações entre ambas. Faremos um a distinção um artigo intitulado A Psicologia como um behaviorista a
im portante entre o Behaviorismo Radical (corrente atual) vê.2 Esse artigo ficou conhecido posteriormente como O
e o Behaviorismo Metodológico. E importante que o leitor Manifesto behaviorista?
atente para esta distinção, pois a falta dela é, em parte, a Em seu artigo, Watson (1913) argumentou que o uso da
razão de muitas críticas incorretas feitas ao moderno Beha­
introspecção experimental como método principal falhou
viorismo Radical.
em estabelecer a Psicologia como uma ciência natural (uma
O pensamento de B. F. Skinner e alguns dos principais
ciência que lida com fenômenos que ocupam lugar no
pressupostos filosóficos de sua obra serão apresentados
tempo e no espaço, como a Física e a Química). A crítica
brevemente e terão a função de fornecer ao leitor um refe­
de Watson baseava-se principalmente na falta de replicabi-
rencial teórico básico para a melhor apreciação dos demais
lidade dos resultados produzidos, isto é, quando se realizava
capítulos deste livro. Além dos aspectos concernentes ao
novamente um a mesma pesquisa com um outro sujeito,
Behaviorismo Radical, apresentaremos tam bém a noção
uma pessoa diferente, os resultados encontrados eram dife­
de ciência em Análise do C om portam ento e algumas de
rentes da pesquisa anterior. Para se ter um a ideia do que
suas características principais: seu objeto de estudo, sua
representa esse problema, imagine, por exemplo, que se a
unidade de análise e seu método.
mesma questão fosse encontrada na farmacologia, cada indi­
víduo que tomasse um analgésico teria uma reação comple­
O SU R G IM EN TO DO tamente diferente e, provavelmente, nenhuma dessas reações
seria a diminuição de um a dor de cabeça.
_________ BEH A V IO RISM O _________
Por volta do final do século 19, a Psicologia começa a
constituir-se como ciência independente, embalada, prin­
'O s participantes das pesquisas eram exaustivamente treinados a descrever
cipalmente, pelas pesquisas de Gustav Fechner e W ilhelm estímulos apresentados pelo experimentador antes da tarefa experimental
W undt (cf. Goodwin, 2005/2005). Essencial ao surgimento propriamente dita.
2Título original: Psychology as the behaviorist views it.
e desenvolvimento de um a ciência é a definição do seu 3Matos (1997/2006) aponta que o “Manifesto”, na verdade, corresponde a
objeto de estudo e do seu método. Nessa época, sobretudo um conjunto de documentos, e não apenas ao artigo seminal de 1913.
2 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento

W atson (1913) salientou tam bém o u tro problem a O Manifesto behaviorista, como ficou conhecido o artigo
im p o rtan te com relação à introspecção experim ental: de W atson (1913), é um a espécie de marco histórico do
a “culpa” das diferenças entre os resultados obtidos a surgimento do Behaviorismo. Embora muitas das concep­
p a rtir de tal m éto d o era a trib u íd a aos sujeitos (que ções apresentadas por W atson em sua obra ainda se façam
eram tam b ém os observadores), e não ao m éto d o presentes, o que se conhece por Behaviorismo Radical
ou às condições experim entais nas quais esses resul­ (Skinner, 1974/2003), a proposta original sofreu refor­
tados foram produzidos. Se, por exemplo, as im pres­ mulações, e a correta compreensão do que é o Behavio­
sões de um sujeito sobre um determ inado objeto, um a rismo hoje deve ser buscada principalmente não na obra
fruta, por exemplo, diferiam das impressões de outro de W atson (a despeito de sua relevância), mas na obra de
sujeito, dizia-se que um deles não havia aprendido Burrhus Frederic Skinner.
corretam en te a fazer introspecção (a fazer observa­
ções corretas de seus estados m entais). Para W atson,
a Psicologia deveria seguir o exemplo de ciências bem O BEH A V IO R ISM O RADICAL
estabelecidas, com o a Física e a Q u ím ica, as quais _________ DE B. F. SK IN N ER _________
atribuíam as falhas em suas pesquisas aos instrum entos
“ O Behaviorismo não é a ciência do comportamento
e m étodos utilizados em seus estudos, o que levaria a
humano, mas, sim, a filosofia dessa ciência. Algu­
Psicologia a um patam ar equivalente de conhecim ento
mas das questões que ele propõe são: É possível
do seu objeto de estudo.
tal ciência? Pode ela explicar cada aspecto do
W atson (1913) propôs, então, como principais obje­
com portam ento hum ano? Q u e m étodos pode
tivos da Psicologia a previsão e o controle do com porta­
m ento. O com portam ento observável (por mais de um empregar? São suas leis tão válidas quanto as da
observador) seria o objeto de investigação a partir do Física e da Biologia?” Proporcionará ela um a tec­
m étodo experimental, no qual se m anipulam sistematica­ nologia e, em caso positivo, que papel desem ­
m ente características do ambiente e verifica-se o efeito de penhará nos assuntos humanos? São particular­
tais manipulações sobre o com portam ento dos sujeitos. m ente im portantes suas relações com as formas
Para W atson, em bora o com portam ento hum ano fosse anteriores de tratam ento do mesmo assunto. O
o principal interesse da Psicologia, o com portam ento com portam ento hum ano é o traço mais familiar
anim al tam bém deveria ser estudado com o parte im por­ do m undo em que as pessoas vivem, e deve-se
tante da agenda de pesquisas dessa ciência. A obra de ter d ito mais sobre ele do que sobre qualquer
W atson estendeu-se além do texto de 1913 e incluía, outra coisa. E, de tudo o que foi dito, o que vale
segundo M atos (1997/2006), as seguintes características/ a pena ser conservado?” (Skinner, 1974/2003,
proposições principais: p. 7, grifo nosso).
“(...) estudar o com portam ento por si mesmo;
opor-se ao M entalism o e ignorar fenômenos, E dessa form a que Skinner (1974/2003) começa seu
com o consciência, sentim entos e estados m en­ livro cham ado Sobre 0 Behaviorismo. Destaca-se nessa
tais; aderir ao evolucionismo biológico e estudar citação um a distinção geralmente negligenciada: a dife­
tanto o com portam ento hum ano quanto o ani­ rença entre Behaviorismo e Análise do Com portam ento.
mal, considerando este último mais fundamental; Ciência e Filosofia - ou conhecimento científico e conhe­
adotar o determinismo materialístico; usar proce­ cimento filosófico - andam, geralmente, de braços dados,
dimentos objetivos na coleta de dados, rejeitando mas há diferenças entre um a e outra. Com o destacado
a introspecção; realizar experimentação controla­ por Skinner no trecho citado, quando falamos de Beha­
da; realizar testes de hipótese, de preferência com viorismo, estam os discutindo questões filosóficas, isto
grupo de controle; observar consensualmente; evi­ é, questões que orientam a form a como entendem os o
tar a tentação de recorrer ao sistema nervoso para m undo ou um a parte específica dele; estamos falando
explicar o com portam ento, mas estudar atenta­ de um a visão de mundo. A própria possibilidade de
m ente a ação dos órgãos periféricos, dos órgãos um a ciência do com portam ento é, em si, um a questão
sensoriais, dos músculos e das glândulas” (Matos, filosófica, é um a questão de com o “enxergamos” o ser
1997/2006, p. 64). hum ano.
Bases Filosóficas e Noção de Ciência em Análise do Comportamento 3

Behaviorismos e as vicissitudes do direta entre estímulo e resposta, e reinterpretado por


instinto =
Skinner (1938) como um a correlação entre dois eventos
sistema skinneriano
observáveis: “Em geral, a noção de reflexo deve se livrar
Um a consulta rápida sobre o Behaviorismo em muitos de qualquer noção de empurrão’ do estímulo. O s termos
dos m anuais introdutórios de Psicologia ou livros de se referem aqui a eventos correlacionados, e a nada mais”
H istória da Psicologia, atuais e antigos, revelará críticas (Skinner, 1938, p. 21). Diz-se, então, que Skinner subs­
tenazes ao Behaviorismo, críticas apresentadas, m uitas titui a noção de causalidade mecânica pela noção de rela­
vezes, sob rótulos como “mecanicista”, “simplista”, “redu- ções funcionais (Chiesa, 1994/2006; Skinner, 1953/1998).
cionista”, “psicologia estímulo-resposta”, “psicologia da Com o aponta o próprio Skinner (1953/1998), a ciência
caixa-preta” etc. Embora se possa argum entar que a atri­ tem substituído o term o “causa” pelo term o “relação
buição de alguns desses adjetivos a um a determina abor­ funcional”, pois o primeiro remete a forças e mecanismos
dagem científica não seja necessariamente ruim (há um a que “ligam” dois eventos, já o segundo apenas estabelece
má compreensão, ou uso inadequado, desses termos por regularidade entre dois (ou mais) eventos.
alguns autores), atribuí-los ao sistema skinneriano é, Essa m udança no pensam ento skinneriano é com u-
pelo menos em parte, “chutar um cachorro m orto”, isto m ente atribuída (ou correlacionada) à influência do físico
é, tais críticas são feitas, geralmente, tendo como refe­ e epistemólogo Ernest M ach (cf. Chiesa, 1994/2006;
rência concepções behavioristas ultrapassadas (Chiesa, Micheletto, 1997/2006; Todorov, 1989). Ernest Mach (cf.
1994/2006). Chiesa, 1994/2006) causou certa discussão entre filósofos
Essas concepções têm hoje, sobretudo, um interesse e físicos ao afirmar que o conceito de força era absoluta­
apenas histórico, e devem ser atribuídas tanto a pensa­ m ente redundante para o adequado entendim ento e apli­
dores e pesquisadores diferentes de Skinner quanto ao cação da mecânica clássica. A noção proposta por Mach,
próprio Skinner nos primeiros m om entos de sua carreira de que não é necessário inferir ou postular um a “força de
(Chiesa, 1994/2006; Micheletto, 1997/2006). Micheletto atração” para explicar por que objetos caem, é a mesma
1997/2006) sugere que a proposta de Skinner pode ser noção proposta por Skinner (1938), de que não é neces­
dividida em dois m om entos distintos: de 1930 a 1938 sário inferir um a força ou mecanismo que estabeleça o elo
e de 1980 a 1990. Segundo M icheletto, o “prim eiro” entre um estímulo e um a resposta.
Skinner (1930-1938) é marcado por uma forte influência Um ponto marcante no desenvolvimento do sistema de
das ciências físicas, sobretudo a mecânica newtoniana, e pensamento skinneriano, e considerado o “nascimento” do
da filosofia do reflexo: Behaviorismo Radical (Tourinho, 1987), é a publicação,
“(...) Skinner, neste momento, ainda tem uma su­ em 1945, do artigo intitulado Análise operacional de termos
posição associada ao mecanicismo, decorrente de ter psicológicos1 (Skinner, 1945/1972). Skinner fora convidado
mantido características originais da noção de reflexo: para participar de um simpósio sobre o Operacionismo, uma
apesar de operar com a noção de relação funcional doutrina filosófica proposta por Bridgman (1927) e cuja
e não com um a causalidade mecânica, busca um tese principal era a de que os conceitos devem ser definidos
evento no ambiente relacionado com o que o orga­ em termos das operações que o produzem. O significado,
nismo faz, mas considera que este evento deve ser por exemplo, de com prim ento deveria ser buscado nas
um estímulo antecedente que provoca a ocorrência operações pelas quais o com prim ento é medido (Skinner,
da resposta” (Micheletto, 1997/2006, p. 46). 1945/1972; Tourinho, 1987).
Em bora Skinner (1945/1972) reconheça a influência
Já o “segundo” Skinner (1980-1990), como apontado da proposta de Bridgm an em seus trabalhos iniciais,
por M icheletto (1997/2006), mostra-se mais com prom e­ neste m om ento de sua obra ele questiona a utilidade do
tido com o modelo causai que embasa as ciências bioló­ Operacionism o para o desenvolvimento de um a ciência
gicas, influenciado principalmente pela teoria da evolução do com portam ento, sobretudo o que está relacionado
das espécies por seleção natural, de Charles D arw in com a definição e entendim ento de conceitos psicoló­
1859), e menos influenciado pelo modelo newtoniano. gicos. Skinner (1945/1972) argum enta inicialmente que
No entanto, já em 1938, Skinner apresentava uma ruptura
com o modelo causai mecanicista. Um exemplo claro é a
definição de reflexo, entendido à época como um a ligação 4Título original: The operational analysis o f psychological terms.
4 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento

conceitos devem ser analisados como aquilo que realmente meira) é bem diferente do behaviorismo radical
são: comportamentos verbais. Para Skinner, então, analisar (...). O resultado é que, enquanto o behaviorismo
conceitos significa analisar o com portam ento verbal5 do radical pode, em alguns casos, considerar eventos
cientista (ou de quem os usa) e, para tanto, deve-se buscar privados (...), o operacionismo metodológico se
as condições antecedentes e as condições consequentes do colocou em uma posição em que não pode” (Skin­
uso de determinado conceito {análise funcional). ner, 1945/1972, p. 382-383).
As implicações dessa proposta de Skinner (1945/1972),
e os caminhos percorridos para chegar a ela, serão apresen­ C uriosam ente, m uitas das críticas que Skinner
tadas com mais detalhe em capítulos subsequentes deste (1945/1972) fazia aos behavioristas m etodológicos há
livro. Por enquanto, para os propósitos deste capítulo, mais de seis décadas são ainda hoje, feitas ao próprio
basta-nos saber que tal proposta estabelece um a distinção Skinner. Essas críticas são, obviam ente, equivocadas
drástica entre o behaviorismo de Skinner, denominado por —quando feitas ao Behaviorismo Radical. Fica claro no
ele Behaviorismo Radical, e o Behaviorismo praticado (ou texto de 1945/1972, bem como em obras subsequentes
defendido) por alguns de seus contemporâneos, referido de Skinner (p. ex., Skinner, 1974/2003), que o Behavio­
por Skinner como Behaviorismo Metodológico. N o Beha­ rismo Radical:
viorismo Radical, há o reconhecim ento de que eventos • É m onista (entende eventos privados e públicos
psicológicos privados (p. ex., pensam ento, consciência como sendo de mesma natureza)
etc.) devem fazer parte do objeto de estudo de um a ciência • Tem com o critério de verdade a efetividade — no
do com portam ento e podem ser estudados com o mesmo uso do conhecimento —e não a concordância entre
rigor científico que eventos públicos. observadores
O utra importante característica do Behaviorismo Radical • Tom a os eventos privados como legítimos objetos
apresentada no artigo de 1945, e da qual deriva, pelo de estudo, resgatando a introspecção e o estudo da
menos em parte, a possibilidade do estudo científico dos consciência, não como m étodo, mas como com por­
eventos privados, é a proposição de Skinner (1945/1972) tam entos em seu próprio direito. ????
de que eventos privados (ou com portam entos privados)
são tão físicos quanto os eventos públicos (ou com porta­ Com o apontado, um a m udança im portante no pensa­
m entos públicos), isto é, são de mesma natureza: m ento skinneriano foi a transição de um modelo expli­
“De acordo com essa doutrina [behaviorismo me­ cativo menos influenciado pela física e mais voltado para
todológico], o m undo está dividido em eventos o modelo das ciências biológicas, notadam ente a teoria
públicos e privados; e a psicologia, para atingir da evolução das espécies por seleção natural, de Charles
os critérios de um a ciência, precisa se confinar D arw in (1859). Em 1981, Skinner publicou na revista
ao estudo dos primeiros. Esse nunca foi um bom Science um dos mais importantes e influentes periódicos
behaviorismo, mas era um a posição fácil de ex­ científicos no m undo, um artigo intitulado Seleção por
por e defender e frequentem ente defendida pelos consequências (Skinner, 1981/2007). Em bora algumas
próprios behavioristas (...). A distinção público- das ideias apresentadas no artigo já estivessem presentes
privado enfatiza a árida filosofia da Verdade por em trabalhos bem anteriores de Skinner (p. ex., Skinner,
concordância’. (...) O critério último para a ade­ 1953/1998), o artigo representa um a espécie de formali­
quação de um conceito não é a concordância entre zação do modelo explicativo do Behaviorismo Radical: 0
duas pessoas, mas se o cientista que usa o conceito modelo de seleção pelas consequências.
pode operar com sucesso sobre seu material —so­ Em seu livro de 1859, Darw in explica a origem das
zinho se necessário. (...) A distinção entre público diferentes espécies de seres vivos, bem como diferenciações
e privado não é, de forma alguma, a mesma que de uma mesma espécie, a partir de dois processos básicos
a distinção entre físico e mental. É por isso que principais: variação e seleção. Cada indivíduo de um a dada
o behaviorismo metodológico (que adota a pri­ espécie é único, no sentido de ser diferente, em maior ou
menor grau, de outros membros da mesma espécie. Essas
diferenças referem-se a características anatômicas, fisioló­
5Segundo o próprio Skinner (1945/1972), parte da argumentação usada em
1945 era derivada de uma outra obra sua que se encontrava em preparação gicas e comportamentais. Falamos aqui, entao, de variação
e seria publicada em 1957: O comportamento verbal(Skinner, 1957/1978). ou variabilidade entre membros de uma mesma espécie. Os
Bases Filosóficas e Noção de Ciência em Análise do Comportamento 5

membros dessa espécie vivem, geralmente, em um mesmo velozes que a média. Depois de algum tempo, aquela velo­
ambiente, e suas características anatômicas, fisiológicas e cidade média (mais veloz) passou a ser bem mais frequente
comportam entais são favoráveis à vida neste ambiente, naquele grupo de lobos, isto é, havia mais lobos capazes
isto é, a espécie está adaptada ao ambiente. Enquanto esse de desenvolverem velocidades maiores.
ambiente se m antiver inalterado, as características dessa Em seu artigo de 1981, Skinner (1981/2007) afirma que
espécie manter-se-ão inalteradas, mesmo que haja dife­ o processo de seleção natural (Darwin, 1859) é apenas um
renças entre cada membro. primeiro nível —ou tipo —de seleção pelas consequências,
D e acordo com Darwin (1859), entretanto, se houver e que nos explicaria a origem das diferentes espécies, assim
m udanças no am biente da espécie, aqueles indivíduos como nos explicaria parte do com portam ento dos orga­
cujas características mostrarem-se mais adequadas ao novo nismos, como apontado pelo próprio Darwin. Ao obser­
ambiente terão mais chances de sobreviver e passar seus varmos os com portam entos de indivíduos de diferentes
genes adiante (prole). seleção natural espécies, percebemos que há uma série de comportamentos
Eis um exemplo fornecido por Darwin: que estes organismos emitem sem que seja necessária uma
“Vejamos o exemplo de um lobo, que caça vários experiência anterior, sem que haja aprendizagem (Moreira,
tipos de animais, conseguindo alguns pela estra­ Medeiros, 2007). Entretanto, como apontado por Skinner,
tégia de caça, outros pela força e outros pela rapi­ há, de m aneira geral, duas características dos animais que
dez; suponhamos que um a presa mais rápida, um foram selecionadas pelo ambiente que são fundamentais
veado, por exemplo, por algum motivo, aumentou para a Psicologia, pois estão diretamente relacionadas com
seu núm ero em um determ inado local, ou que a nossa capacidade de aprender:
outras presas dim inuíram seu núm ero, durante “O com portam ento funcionava apropriadam en­
a época do ano na qual o lobo mais precisa de te apenas sob condições relativamente similares
comida. Sob essas circunstâncias, não vejo razão àquelas sob as quais fora selecionado. A reprodu­
para duvidar de que os lobos mais rápidos e mais ção sob um a ampla gama de condições tornou-
magros teriam as melhores chances de sobreviver, se possível com a evolução de dois processos por
e, portanto, de serem preservados ou selecionados meio dos quais organismos individuais adquiriam
(...)” (Darwin, 1859, p. 90). comportam entos apropriados a novos ambientes.
Por meio do condicionam ento respondente (pa-
Nesse exemplo, podemos identificar os dois princípios vloviano), respostas preparadas previamente pela
básicos apontados por Darwin (1859): lobos, membros seleção natural poderiam ficar sob o controle de
de um a mesma espécie, diferem, por exemplo, em força e novos estímulos. Por meio do condicionam ento
•agilidade ou rapidez (variação); e quando o ambiente m uda operante, novas respostas poderiam ser fortaleci­
!m aior disponibilidade de presas velozes) aqueles lobos das (“reforçadas”) por eventos que imediatamente
mais velozes têm mais chances de sobreviver e transm itir as seguissem” (Skinner, 1981/2007, p 129-130).
seus genes para sua prole e, consequentem ente, depois
de algum tempo haverá maior quantidade de lobos mais Como apontado por Skinner (1981/2007) nesse trecho,
velozes, isto é, o ambiente selecionou esta característica. quando determ inado com portam ento é selecionado em
Dizer que o ambiente selecionou um a característica é um a determ inada espécie, tal com portam ento somente
o mesmo que dizer que ela se tornou mais frequente. No será adaptativo enquanto as condições am bientais que
exemplo de Darwin (1859), em um primeiro m om ento, o selecionaram perm anecerem as mesmas. N o entanto,
a maioria dos lobos era capaz de correr a certa velocidade o próprio processo de seleção natural teria sido respon­
m édia X. Alguns poucos lobos eram capazes de correr a sável pela seleção de duas características im portantes que
um a velocidade média um pouco m enor que X e outros a passaram a perm itir que os m em bros de um a espécie
um a velocidade média um pouco maior (variabilidade). pudessem , durante o período de sua vida, adaptar-se
Q uando as presas disponíveis no ambiente dos lobos eram a am bientes diferentes —ou lidar mais facilm ente com
aquelas mais velozes, aqueles poucos lobos que eram mais mudanças em seu próprio ambiente. Essas características
rápidos (e isso era uma característica genética deles) foram podem ser definidas como capacidades para aprender a
mais capazes de se alimentar e transm itir seus genes para interagir de novas maneiras com o ambiente. Essas apren­
seus descendentes que, provavelmente, também eram mais dizagens ocorrem de duas maneiras: por meio do condi­
6 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento

cionam ento respondente e do condicionam ento operante Im agine agora um a criança por volta dos seus 3 ou
Assim como (esses dois processos de aprendizagem serão aprofundados 4 anos que pede educadamente um doce a seu pai, e este
o lobo com em capítulos subsequentes). diz não. Ao ouvir o “não”, a criança pede o doce de modo
a caracte-
rística pre- Segundo Skinner (1981/2007), o condicionam ento mais vigoroso, e ouve outro não, passando a pedir cada
servada / operante é um segundo tipo de seleção pelas consequências. vez mais de m aneira mais enérgica até iniciar um a birra
seleciona-
da pelo Em algum m om ento da evolução das espécies, o com por­ (variabilidade). No ápice da birra, seu pai a atende, dá-
ambiente tamento dos organismos passou a ser suscetível aos aconte­ lhe o doce. Imagine que situações parecidas continuem
o condici-
onamento cimentos que ocorrem após o comportamento ser emitido,
ocorrendo até que a criança passe a “dar birras” frequen­
operante isto é, certas consequências do comportamento (eventos que temente. Dizemos então que este com portam ento, “dar
fortalece
birras”, foi selecionado por suas consequências.
certos com- os sucedem) que podem fortalecer esse com portam ento
portamenos e tornar sua ocorrência mais provável. A analogia entre Imagine as diversas interações entre pais e filhos (o
devido a que os pais fazem ou dizem quando os filhos fazem ou
suas conse- seleção natural e seleção operante é direta. N o entanto,
quências a seleção natural produz as diferenças entre espécies, as dizem algum a coisa; e o que os filhos fazem ou dizem
mudanças ocorridas (selecionadas) ao longo de milhares de quando os pais fazem ou dizem alguma coisa); imagine
anos; já a seleção operante estabelece as diferenças compor- as diversas interações entre professores e alunos; imagine
tam entais individuais e as m udanças com portam entais as diversas interações entre alunos; imagine as diversas
ocorridas durante a vida de um indivíduo. interações entre adolescentes pertencentes a um mesmo
grupo; imagine as diversas interações entre amigos; entre
Apenas com o um exercício para entenderm os, de
chefes e funcionários; entre funcionários e funcionários;
maneira geral, o modelo de seleção pelas consequências no
tios e sobrinhos; avós e netos; enfim, as diversas intera­
nível individual (seleção operante), tente imaginar um ser
ções que ocorrem cotidianamente na vida de todos nós. Se
hum ano em diferentes m omentos de sua vida, desde o seu
examinarmos com algum cuidado essas interações, perce­
nascimento até sua morte; e tente imaginar tam bém esse
beremos que a reação dos outros ao que pensamos, falamos
ser hum ano em diferentes situações do seu cotidiano - e,
ou fazemos influencia bastante a nossa maneira de pensar,
ao imaginar essas situações, tente imaginar não só o que
o que falamos e o que fazemos, ou seja, essas reações são
esse ser hum ano está fazendo, mas também o que acontece
consequências dos nossos com portam entos e os sele­
depois que ele faz alguma coisa. Imagine, por exemplo,
cionam, no sentido de tornar alguns de nossos com porta­
um pequeno bebê em seu berço, sorrindo para sua mãe e
mentos mais frequentes e outros menos frequentes. Obvia­
balbuciando. O bebê emite diferentes sons aleatoriamente
m ente, nosso com portam ento tam bém funciona como
(variabilidade) e, em algum momento, emite um som pare­
consequência para o com portam ento das pessoas com as
cido com “mãn”. Quando isso acontece, a mãe do bebê “faz quais interagimos, e também seleciona certos com porta­
um a festa” com seu filho que acaba de dar o primeiro passo
m entos dessas pessoas. O uso do term o “interação” não
em direção à palavra “mamãe”, aconchegando e falando é por acaso e implica analisar as experiências individuais
com o bebê. As reações da mãe poderão ter um efeito forta­ como um processo de retroalimentação. Cada interação
lecedor sobre o comportam ento do bebê, ou seja, poderão do indivíduo com seu ambiente altera o modo como as
tornar mais provável que ele repita aquele som (dizemos interações seguintes ocorrerão, caracterizando um processo
que a reação da mãe funcionou como um a consequência extremamente dinâmico e complexo.
reforçadora para o com portam ento do bebê). A Psicologia, de maneira geral, ocupa-se dos fenômenos
O bebê, então, passa a falar “m a” mais vezes. Neste relacionados com este segundo nível de seleção pelas conse­
sentido, dizemos que esse com portam ento foi selecionado quências. E ntendendo com o os processos de variabili­
por suas consequências no ambiente, neste caso, a reação dade e seleção operam neste segundo nível, nos tornam os
orgulhosa da mamãe. Algumas vezes o “m ã” é seguido por capazes de explicar, entre outras coisas, como a persona­
sons parecidos com “pá”, outras por “dá” etc. (variabili­ lidade de um indivíduo é formada, como surge boa parte
dade). Em algum m om ento, o “mã” é seguido por outro das psicopatologias, como aprendemos a falar, escrever,
“m ã”, e lá estará a mãe para fazer outra “festa” com seu pensar, descrever nossos sentimentos; como surgem nosso
filho, que está quase falando “m am ãe”. Dizemos então tem peram ento e a subjetividade, com o passamos a ter
que o com portam ento de dizer, por enquanto, “m ãm ã” consciência de nós mesmos e do m undo, e um a infini­
foi selecionado por suas consequências. dade de outros comportam entos e processos psicológicos.
Bases Filosóficas e Noção de Ciência em Análise do Comportamento 7

Parte significativa deste livro dedica-se a apresentar cada De acordo com Skinner (1981/2007; 1987), o surgi­
um desses processos à luz do modelo de seleção pelas conse­ m ento da linguagem possibilitou o aparecim ento de
quências. am bientes sociais cada vez mais complexos, ou seja,
A seleção natural, ou filogenia, nos ajuda a entender a tornou possível o rápido desenvolvimento da cultura (ou
origem das diferenças entre as espécies; a seleção operante, de práticas culturais). Para Skinner, assim como o modelo
ou ontogenia, nos ajuda a entender a origem das dife­ de seleção pelas consequências nos explica as origens e as
1 diferenças entre as espécies, explica-nos as origens e as
renças com portam entais entre os indivíduos e, em bora
este segundo nível de seleção nos perm ita explicar um a 2 diferenças dos comportam entos individuais, esse modelo
infinidade de comportam entos e processos psicológicos, tam bém nos explica as origens e as diferenças entre as
3
há ainda um a lacuna para a adequada compreensão do culturas.
ser hum ano. Segundo Skinner (1981/2007), essa lacuna Vimos que a variabilidade nas características (anatô­
é preenchida por um terceiro nível de seleção pelas conse­ micas, fisiológicas e comportamentais) entre membros de
quências: o nível de seleção cultural. um a mesma espécie possibilita a seleção de novas carac­
terísticas que, em algum m om ento, passam a ser mais
D e acordo com Skinner (1981/2007), em algum
adequadas a um ambiente (seleção no nível filogenético).
m om ento da evolução da espécie hum ana, “a musculatura
Vimos tam bém que a variabilidade nos com portam entos
vocal ficou sob controle operante” (p. 131). Isso quer dizer
individuais faz com que novos comportamentos sejam sele­
que vocalizações emitidas por um indivíduo ficaram sensí­
cionados pelo ambiente (seleção no nível ontogenético).
veis às suas consequências, ou seja, passaram a ter sua
Da mesma forma, a variabilidade nas práticas culturais de
probabilidade de voltar a ocorrer aumentada ou diminuída
um grupo perm ite o surgimento de novas práticas cultu­
em função do que acontecia no ambiente do organismo
rais, isto é, a m udança na cultura.
que as emitia. Nesta característica residem a origem (ou
As práticas culturais de um povo, segundo Skinner
possibilidade) da linguagem e o caráter em inentem ente
(1953/1998; 1981/2007), produzem certas consequências
social do ser humano:
para esse grupo. Por exemplo, se a maioria dos indivíduos
“O desenvolvim ento do controle am biental so­ de um determ inado grupo, que m ora à beira de um rio,
bre a m usculatura vocal aum entou consideravel­ emite regularmente comportam entos que m antêm o rio
m ente o auxílio que um a pessoa recebe de ou­ lim po, e observamos esse hábito por meio das gerações
tras. C om portando-se verbalm ente, as pessoas nesse grupo, dizemos então que esses com portam entos
podem cooperar de m aneira mais eficiente em constituem um a prática cultural daquele grupo. Segundo
atividades comuns. Ao receberem conselhos, ao Skinner, ter o rio lim po (livre de doenças, água potável
atentarem para avisos, ao seguirem instruções, etc.) é um a consequência da prática cultural e é esta
e ao observarem regras, as pessoas podem se consequência, esse efeito sobre o grupo como um todo
beneficiar do que outros já aprenderam . Práti­ que m antém a ocorrência dessa prática. Neste sentido,
cas éticas são fortalecidas ao serem codificadas dizemos que esta consequência selecionou aquela prática
em leis, e técnicas especiais de autogoverno éti­ cultural.
co e intelectual são desenvolvidas e ensinadas.
O autoconhecim ento ou consciência emergem
quando um a pessoa pergunta a outra questões
Causalidade e explicação no
com o ‘O que você vai fazer?’ ou ‘Por quê você behaviorismo radical
fez aquilo?’. A invenção do alfabeto propagou Por que as flores caem no outono e não na primavera?
essas vantagens por grandes distâncias e perío­ Por que o céu é azul? Por que as coisas caem para baixo e
dos de tem po. H á m uito tem po, diz-se que es­ não para cima? Por que depois de cozido o ovo não pode
sas características conferem à espécie hum ana ser “descozido”? Por que temos cinco dedos em cada mão
sua posição única, em bora seja possível que tal e não seis? Por que algumas pessoas induzem vôm ito em
singularidade seja sim plesm ente a extensão do si mesmas depois de comer? Por que algumas crianças
controle operante à m usculatura vocal” (Skin­ aprendem mais rapidamente que outras? Por que alguns
ner, 1981/2007, p. 131). grupos sociais odeiam outros grupos sociais? Por que
8 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento

fulano fez aquilo? Por que sicrano tem agido de form a causas gerais utilizadas com um ente pare se explicar o
tão estranha? Essas perguntas são apenas exemplos de um com portam ento, apontando alguns problem as em se
traço bastante característico do com portam ento humano: utilizar tais causas. U m prim eiro ponto destacado por
queremos explicar tudo o que acontece ao nosso redor, Skinner é que nenhum tipo de causa deve ser descartado
principalm ente aquilo que as pessoas (ou nós mesmos) de imediato: “Q ualquer condição ou evento que tenha
fazem ou deixam de fazer. algum efeito demonstrável sobre o com portam ento deve
Em um sentido amplo, explicar significa apontar as ser considerado (p. 24)”. Note, entretanto, o uso da palavra
causas de alguma coisa. Q uando fazemos a pergunta “por “demonstrável”. O problema de se atribuir certas causas
que fulano agiu daquela forma?”, estamos perguntando “o ao com portam ento não é a causa em si, mas a falta de
que causou aquele comportamento?”. D urante um curso evidências que atestem que aquele evento ou condição,
de Psicologia, por exemplo, boa parte do que os professores de fato, exerce alguma influência sobre o com portam ento
ensinam refere-se às causas dos comportamentos dos indiví­ de alguém.
duos; por que pensam o que pensam? Por que sentem o que Se um a pessoa acredita, por exemplo, que a posição dos
sentem? Por que falam o que falam? Por que fazem o que astros no m omento do nascimento de outra pessoa, ou dela
fazem? O u por que deixam de falar, fazer, pensar ou sentir mesmo, influencia ou até mesmo determina os com por­
o que falam, fazem, pensam e sentem? Entretanto, o aluno tam entos de alguém pelo resto de sua vida, esta pessoa
de Psicologia, já no primeiro semestre do curso, depara-se deveria ser capaz de demonstrar essa influência. Skinner
com um “problema” que o acompanhará até o final do curso (1953/1998) aponta que o problem a com explicações
—e até mesmo depois de formado: o estudante começa a advindas, por exemplo, da astrologia e da num erologia
aprender que existem diversas abordagens em Psicologia e “são tão vagas que a rigor não podem ser confirmadas ou
que cada uma delas aponta diferentes causas para os compor­ desmentidas (p. 25)”. Se você diz a um amigo: “Am anhã
tamentos das pessoas. Para complicar mais ainda a vida do vai chover, mas pode fazer sol”, ficará difícil dizer que você
estudante, muitas vezes há conflitos, divergências entre as estava errado na sua previsão. D a mesma forma, dizer, por
explicações. Na aula do primeiro horário o professor diz que exemplo, “os arianos costum am ser bastante ingênuos,
as causas de um determinado fenômeno comportamental porém com espírito inquieto e selvagem às vezes” constitui
(um transtorno de personalidade, por exemplo) são X; já um a proposição difícil de demonstrar que está incorreta,
na aula do segundo horário o professor diz “Turma, X não difícil de avaliar.
explica nada sobre esse transtorno de personalidade. N a O utra explicação (ou causa) que as pessoas geralmente
verdade, as verdadeiras causas são Y e Z ”. usam para explicar o com portam ento de alguém, ou delas
Por que isso ocorre? Por que essa divergência? Essa próprias, é a hereditariedade. Com o já vimos, parte do
“confusão” ocorre por um simples motivo: existem diversos comportamento dos organismos é fruto da seleção natural,
modelos explicativos na Psicologia - e nas ciências em geral. ou seja, é determinado geneticamente. Entretanto, segundo
U m m odelo explicativo refere-se, de m aneira geral, ao Skinner (1953/1998), explicar as diferenças de com por­
m odo como se explicam e se apontam as causas de um tam ento, de personalidade e as aptidões de indivíduos de
dado fenômeno. Por exemplo, imagine o caso de um rapaz uma mesma espécie a partir da hereditariedade pode cons­
que tem dificuldades de iniciar e m anter um a conversa tituir um equívoco. É bastante plausível presum ir que a
com um a garota que ele ache atraente. U m a form a de hereditariedade possa desempenhar algum papel na expli­
explicar essa dificuldade é dizer que o rapaz é tím ido, cação dos com portam entos de um a pessoa. N o entanto, é
introvertido. O utra é dizer que ele tem m edo de ser rejei­ com um exagerar-se na im portância desse papel, além do
tado, ou que tem baixa autoestima, ou, ainda, que hoje fato de que se infere que um com portam ento é inato por
esse rapaz tem essa dificuldade porque em outras vezes desconhecermos os efeitos da experiência individual para
que abordou uma garota que achou interessante as conse­ o seu desenvolvimento (hereditário é o que não consigo
quências foram desastrosas. provar que é aprendido).
Além da falta de dados conclusivos sobre a influência
Por que os organismos se comportam? desses fatores no com portam ento hum ano, isto é, além
O subtítulo acim a leva o mesmo nom e do Capítulo da falta de evidências de que esses fatores são causas
3 do livro Ciência e Comportamento Hum ano (Skinner, (ou influências) legítimas do com portam ento, há um
1953/1998). Nesse capítulo, Skinner aborda algumas problema ainda maior: quanto mais o com portam ento de
Bases Filosóficas e Noção de Ciência em Análise do Comportamento 9

ama pessoa for explicado por esses fatores, menos o papel situações que serão, de fato, a causa (ou causas) da sua
i o psicólogo será necessário (Skinner, 1953/1998). Se a depressão, ou seja, que serão a causa últim a dos “sintomas
'"causa” da timidez de alguém for hereditária, por exemplo, com portam entais” (p. ex., ideias suicidas), bem com o
isso significa dizer que é genética, logo, essa pessoa estaria das alterações neurológicas (p. ex., baixo nível de sero­
“condenada” a ser tím ida pelo resto de sua vida. E curioso tonina).
observar como alguns psicólogos e alunos de Psicologia O s dois outros tipos de causas internas (psíquicas e
gostam de dar tanta ênfase ao papel da hereditariedade na conceituais) apontados por Skinner (1953/1998) podem
“causação” do com portam ento. Devemos reconhecer que ser agrupados em um único tipo, dado que apresentam
a hereditariedade possa explicar parte do com portam ento os mesmos problemas: são circulares e expressam a ideia
de um a pessoa, mas devemos “apostar nossas fichas” mais de outro ser ou agente que habita nossos corpos e causa
na aprendizagem e na interação do que na hereditariedade. nossos comportam entos. Esses dois tipos de causa podem
Psicólogos que acreditam que “pau que nasce torto morre ser exemplificados pelo uso de expressões como “fulano
torto” estão na profissão errada. tem um a personalidade desordenada”, “sua consciência
Skinner (1953/1998) aponta ainda um outro conjunto é seu guia”, “fulano fuma demais porque tem o vício do
de causas - equivocadas —do com portam ento que ele fum o”, “ele joga bem xadrez porque é inteligente”, “ela
chamou de causas internas, que são de três tipos: briga por causa do seu instinto de luta” ou “sicrano toca
• Causas neurais bem piano por causa de sua habilidade musical” (Skinner,
• Causas internas psíquicas 1953/1998, p. 32-33). Esses dois tipos de explicação são o
• Causas internas conceituais. que Skinner (1974/2003) chamou de explicações menta-
listas, isto é, explicações que nos dão a falsa impressão de
Estamos explicando o comportamento a partir de causas estarmos explicando algo quando, na verdade, não estamos.
neurais quando utilizamos expressões como “fulano estava Veremos o porquê a seguir.
com os nervos à flor da pele” e “sicrano tem miolo mole
o u não bate bem da bola”. Podem os usar term os mais Explicações circulares do comportamento
técnicos também, como, por exemplo, “fulano está depri­ Tomemos como exemplo a frase citada anteriormente:
m ido porque seus níveis de serotonina estão baixos”. “fulano fum a demais porque tem o vício do fum o”.
Skinner (1953/1998) faz duas considerações im por­ Q uando dizemos essa frase, estamos querendo explicar
tantes acerca da atribuição de causas neurais do com por­ por que alguém fuma demais, ou seja, estamos apontando
tam ento. A prim eira delas diz respeito ao fato de que a causa do “f u m a r demais”. Estamos tão acostumados com
condições específicas do nosso sistema nervoso não são as este tipo de explicação que muitas vezes não percebemos
causas de um dado comportamento; são parte do compor­ um erro lógico inerente a ele: causa e efeito não podem
tam ento do indivíduo. Por exemplo, quando dizemos que ser a mesma coisa, o mesmo evento (p. ex., “cair água do
um a pessoa está deprimida, estamos dizendo, entre outras céu” não pode ser a explicação de por que está chovendo).
coisas, que ela pode estar tendo pensamentos recorrentes Se dedicarmos um pouco do nosso tem po para analisar
de m orte ou suicídio e tam bém que seus níveis de seroto- proposições com o essa, logo perceberemos que nada
nina podem estar baixos. A causa relevante da depressão, estamos explicando. “Fulano fuma demais” e “fulano tem
para o psicólogo, estará em acontecim entos da vida da o vício do fum o” são exatamente a mesma proposição, isto
pessoa (p. ex., perda de um ente querido). é, têm exatamente o mesmo significado.
U m segundo problem a em se atribuir causas neurais Q uando dizemos “fulano fum a demais”, o dizemos
ao com portam ento é de ordem mais prática: o psicólogo, ao observar o com portam ento de alguém (o núm ero de
no exercício de sua profissão, não dispõe de instrum entos cigarros que um amigo ou conhecido fuma por dia, por
para “acessar” o sistema nervoso de um a pessoa, além de exemplo). Ao observar o comportam ento (fumar demais),
não poder “interferir” diretamente nesse sistema nervoso querem os explicá-lo, indicar sua causa, então dizemos
com, por exemplo, cirurgias e medicamentos. Além disso, “fulano fum a demais porque tcm o vício do fum o”. Dizer
conform e apontado por Skinner (1953/1998), mesmo que fulano tem o vício do fumo, de algum m odo, nos passa
conhecendo todos os aspectos neurológicos relacionados um a ideia de que há algo (o vício) dentro daquela pessoa,
com a depressão, por exemplo, ainda assim deveremos e que este vício a impele a fumar. N o entanto, a única
buscar na história da pessoa com depressão eventos, evidência que temos da existência desse vício é o próprio
10 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento

comportamento de fu m a r O diálogo a seguir talvez deixe explicações que atribuímos ao comportamento dos outros,
mais clara a circularidade desse tipo de explicação: e ao nosso próprio, na verdade, nada explicam. N o Capí­
Pessoa 1 : Por que fulano fum a tanto? tulo 5 deste livro - M otivação —você verá mais alguns
Pessoa 2: Porque ele é viciado. exemplos dessas análises.
Pessoa 1: Ah! Mas como você sabe que ele é viciado?
Pessoa 2: Ora! Porque ele fum a demais! O problema com agentes internos que causam
Pessoa 1: Mas por que ele fuma demais? comportamento
Pessoa 2: Porque tem esse vício! O utro tipo de “causa” interna psíquica que norm al­
Pessoa 1: N ão estou entendendo! Ele fum a demais m ente se atribui ao com portam ento das pessoas, e que
porque é viciado em cigarro ou é viciado em cigarro porque Skinner (1953/1998) também aponta como problemática
fum a demais? ou falaciosa, é a explicação do comportam ento a partir de
Pessoa 2: Os dois, ora! agentes internos como o eu, a consciência, a mente ou o
self. Q uando, por exemplo, alguém diz “fiz o que m inha
Dizer, portanto, que alguém tem o vício do fumo signi­ consciência me ditou”, essa pessoa está dizendo que sua
fica apenas dizer que alguém fuma (demais), mas nada
consciência causou seu com portam ento, ou seja, ela (ou
nos explica sobre a origem, a causa, do fu m a r demais (ou
o que ela ditou) é a explicação do comportamento. Nova­
do vício). É relativamente simples perceber a circulari­
mente, temos, no mínimo, uma explicação incompleta, pois
dade dessa explicação, pois vício do fu m o refere-se a uns
nos restaria ainda responder à seguinte pergunta: “E quem
poucos comportam entos do indivíduo relacionados com
ditou à sua consciência o que fazer?”. O uso de conceitos
o consumo de cigarros. Entretanto, há um a série de outras
como self ou mente, por exemplo, para explicar o com por­
explicações que lançam mão de conceitos psicológicos para
tam ento traz implícita a ideia de que existe um a “outra
explicar comportam entos mais complexos e que incorrem
pessoa” dentro da pessoa, e que “dita” a ela o que fazer. No
no mesmo erro. O uso do conceito de inteligência é um
entanto, quem dita a essa “pessoinha” interna o que fazer?
bom exemplo. Vejamos a seguinte frase: “João joga bem
O utra “pessoinha”? E a essa outra “pessoinha”? Uma outra?
xadrez porque é inteligente”. Certamente jogar xadrez bem
Perceba que quando analisamos esse tipo de explicação
não é a única realização de um a pessoa que nos leva a dizer
caímos em um erro lógico que os filósofos cham am de
que ela é inteligente. H á um a infinidade de coisas que
regressão ao infinito. Nesse caso, criaríamos “pessoinhas”
as pessoas falam e fazem que nos levam a dizer que essas
infinitamente, uma para explicar o que a outra fez.
pessoas são inteligentes. Entretanto, usar, por exemplo,
C om o gigantesco avanço das neurociências na década
inteligência como explicação, como causa de com porta­
de 1990, um outro tipo de explicação falaciosa para o
m entos, implica o mesmo problem a apontado para o uso
com portam ento com eçou a “virar m oda”. B ennett e
de vício como explicação para o comportamento de fumar:
a única evidência que temos de que a pessoa é inteligente Hacker (2003) chamaram esse tipo de explicação dt falácia
é o fato de que ela joga bem xadrez (ele joga bem xadrez mereológica, que consiste em atribuir ao cérebro capaci­
porque é inteligente ou é inteligente porque joga bem dades ou ações que só fazem sentido quando atribuídas a
xadrez?). Então, as frases “fulano é inteligente” e “fulano um indivíduo íntegro, como um todo, e não a partes desse
joga bem xadrez” significam a mesma coisa; uma propo­ indivíduo (p. ex., o cérebro decide; o cérebro escolhe; o
sição não é a explicação, a causa, da outra. cérebro sente, interpreta etc.). Raramente ouvimos dizer
Se pararmos por um m omento para analisarmos os usos “as mãos de fulano pegaram a caneta” ou “as pernas de
que fazemos do conceito de inteligência, perceberemos sicrano caminharam até a porta”. É mais comum ouvirmos
facilmente que não estamos explicando por que algumas “fulano pegou a caneta” e “sicrano cam inhou até a porta”.
pessoas fazem ou falam certas coisas —ou falam ou fazem E mais com um porque o uso correto desses verbos refere-
certas coisas de certas maneiras. O uso desse conceito, por se a indivíduos como um todo, e não a partes deles, assim
exemplo, tem um a função adverbial, isto é, não estamos como decidir, interpretar, escolher etc. Dizer que o cérebro
explicando o comportamento das pessoas, mas sim usando fez isso ou aquilo implica o mesmo erro apontado por
o conceito como um advérbio (jogar bem xadrez versus Skinner (1953/1998) de dizer, por exemplo, “m inha
jogar mal xadrez; Oliveira-Castro, Oliveira-Castro, 2001). consciência decidiu”.
Analisar como usamos certos conceitos psicológicos é uma É necessário ressaltar novam ente que dizer que não
ótim a atividade para percebermos que muitas das causas/ é a consciência de um indivíduo, ou o seu self, ou sua
Bases Filosóficas e Noção de Ciência em Análise do Comportamento 11

personalidade, ou o seu eu interior, ou o seu cérebro, por Se o hom em m uda em função das m udanças em seu
exemplo, que explica o com portam ento das pessoas, que m undo, produzidas por ele mesmo (das consequências
são as causas de seus comportam entos, não quer dizer de de suas ações), então cada hom em é capaz de construir-
forma alguma que, para o Behaviorismo Radical, as pessoas se como hom em , como pessoa, a partir de suas próprias
são um a “caixa-preta” ou um organism o vazio. Apenas ações. Esta concepção, ao contrário do que afirmam muitos
quer dizer que as causas dos com portam entos não devem críticos, talvez seja um a das concepções de hom em que
ser atribuídas a processos ou estruturas internas inferidas mais conferem a este o dom ínio sobre sua própria vida,
a partir da observação do próprio comportamento do indi­ já que não considera o hom em um a “vítima” de motiva­
víduo. As explicações para o que as pessoas fazem, falam, ções inconscientes, de estruturas de sua personalidade e
pensam ou sentem devem ser buscadas na sua história de de instintos, entre outras coisas.
interações com seu ambiente, sobretudo interações com A correta compreensão da proposição de que o hom em
outras pessoas. Neste sentido, o modelo causai na perspec­ age sobre o m undo, modificando-o, e sendo modificado
tiva behaviorista radical é o modelo de seleção pelas conse­ por essas m udanças que ele mesmo produziu (Skinner,
quências (apresentado anteriormente), nos três níveis em 1957/1978), requer a noção adicional de que o hom em é
que ocorre: filogenético, ontogenético e cultural (Skinner, tam bém histórico. Pense, por um instante, em você como
1981/2007). Os demais capítulos deste livro fornecerão você é hoje. Pense que você age sobre seu m undo (p. ex.,
um a excelente amostra de como se explica o com porta­ faz perguntas às pessoas; faz declarações de amor, escreve
m ento a partir desse modelo. recados; pede favores; dá ordens; pede conselhos; dá conse­
lhos; reclama da vida às vezes; diz, às vezes, que não poderia
estar mais feliz; em ite opiniões sobre os mais diversos
A concepção de homem no
assuntos etc.). Todas essas ações produzem , pelo menos
behaviorismo radical ocasionalm ente, m udanças no m undo ao seu redor (p.
“Os homens agem sobre o m undo, modificando-o, e, ex., as pessoas concordam ou discordam de suas opiniões;
por sua vez, são modificados pelas consequências de sua suas declarações de amor são respondidas com carinho ou
ação” (Skinner, 1957/1978, p. 15). Esta é a primeira frase rechaçadas; suas ordens e seus pedidos de favor às vezes
do livro de Skinner chamado O comportamento verbal, a são atendidos e às vezes não; seus conselhos podem ser
qual ilustra, de m aneira geral, a concepção de hom em seguidos; suas “reclamações da vida” podem ser criticadas
do Behaviorismo Radical, denotando o caráter relacional ou confirmadas por outras pessoas e assim por diante).
entre o hom em e o m undo em que vive (lembrando que o De acordo com essa filosofia, chamada de Behaviorismo
principal aspecto desse mundo, para entendermos correta­ Radical, é nesse turbilhão de interações com o seu m undo,
mente essa frase, são os outros membros da mesma espécie, principalm ente com as pessoas que o cercam, que você
as outras pessoas). aprende a ser quem você é, aprende as habilidades que tem,
É com um ouvirmos ou lermos que, para o Behavio­ os “defeitos” que tem, as virtudes que tem, sua maneira
rismo, o hom em é um ser passivo. Essa afirmação é, no de pensar e de sentir, aprende a ter consciência de quem
m ínim o, equivocada e denota apenas a falta de compre­ você é e, entre inúmeras outras coisas, a ter consciência
ensão de muitos autores sobre a obra de Skinner. Apenas a do m undo em que vive. N o entanto, se você pensar não
análise da frase inicial de O comportamento verbal (Skinner, apenas nas suas interações com o seu m undo, e como
1957/1978) já pode nos mostrar que, para o Behaviorismo elas influenciam seu com portam ento, e pensar tam bém
Radical, o hom em é um ser ativo em seu m undo. A frase nas interações das pessoas que você conhece, rapidamente
citada anteriorm ente é com posta por, pelo m enos, três perceberá que certas consequências dos seus com porta­
proposições básicas: mentos influenciam você de maneiras diferentes do que as
• Os homens agem sobre seu m undo mesmas consequências influenciariam o com portam ento
• Os hom ens m odificam seu m undo (essas m odifi­ das pessoas que você conhece. Por exemplo, imagine que
cações são descritas como as consequências de suas você e um colega fizeram um a prova e que os dois não se
ações) saíram m uito bem. Fazer um a prova (responder às ques­
• Os homens são modificados pelas consequências de tões) é com portam ento, é agir sobre o m undo. Receber
suas ações. um a nota boa ou um a nota ruim é um a consequência
12 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento

desse com portam ento. Para facilitar o exemplo, imagine de geração para geração: falamos então do processo de
também que as respostas de vocês na prova foram bastante variação e seleção (de comportam entos) no nível cultural.
parecidas. Portanto, em nosso exemplo, você e seu colega Portanto, dizer que o hom em é um ser social e histórico é
emitiram um mesmo com portam ento, um a mesma ação dizer que ele é, constitui-se como homem, como pessoa, a
sobre o m undo, e as consequências (nota ruim ) foram partir de processos de variação e seleção nesses três níveis:
tam bém m uito similares. No entanto, ao receber a nota, filogenético, ontogenético e cultural.
você diz “vou me esforçar mais da próxima vez” (e você
faz exatam ente isso na próxim a prova) e seu colega diz
“essa matéria é m uito difícil, vou ‘trancar’ a disciplina” (e A PR O PO STA DE UM A C IÊ N C IA
assim ele faz). D O C O M PO R T A M E N T O
Neste exemplo, a consequência das suas ações e das ações
Provavelmente você já ouviu o ditado popular “de
de seu colega influenciou seus comportam entos futuros, e
médico e louco todo m undo tem um pouco”. Para que ele
os de seu colega, de maneiras diferentes. Duas implicações
ficasse um pouco mais completo, deveria ser: “de médico,
importantes podem ser extraídas desse exemplo: a primeira
louco e psicólogo todo m undo tem um pouco”. C om o
é que, mesmo de maneiras diferentes, a consequência do
citado, todos tem os nossas próprias explicações para os
comportam ento, seu e de seu colega, influenciou compor­
comportamentos das outras pessoas e para o nosso próprio.
tam entos futuros (desistir ou se esforçar mais), i. e., vocês
Esse conhecimento —que as pessoas em geral têm sobre
agiram sobre o m undo, modificando-o, e foram modifi­
cados pelas consequências de suas ações; a segunda impli­ os mais diversos assuntos e, nesse caso, sobre o com por­
cação im portante diz respeito ao fato de que um a mesma tam ento hum ano —é chamado de conhecimento do senso
consequência influencia de maneiras diferentes com por­ comum. Inúm eros filósofos, m uitos deles m uito im por­
tam entos de diferentes pessoas. N ovam ente, as razões tantes (p. ex., Sócrates, Aristóteles e Platão), produziram
dessa diferença, de por que diferentes pessoas reagirem um a quantidade absurda de conhecim ento sobre o ser
de formas diferentes a aspectos do seu ambiente, devem hum ano, sobre suas essências, sua natureza, suas razoes
ser buscadas na história de interações da própria pessoa. etc. Esse tipo de conhecimento é chamado conhecimento
Neste caso, poderíamos nos perguntar, por exemplo, como filosófico. Padres, pastores, sacerdotes e clérigos em geral
os seus pais e os pais de seu colega reagiram a notas ruins tam bém têm suas próprias concepções e explicações para
no passado. muitos assuntos humanos; esse conhecimento é chamado
É neste sentido, portanto, que dizemos que, para o conhecimento religioso.
Behaviorismo Radical, o hom em é um ser histórico. O H á, entretanto, um tipo de conhecim ento diferente
hom em é tam bém , para esta filosofia, um ser inerente­ desses três apresentados: o conhecimento científico. Quais
mente social, já que boa parte das modificações que produ­ são, então, as diferenças entre esses tipos de conhecimento?
zimos no m undo são, na verdade, mudanças nos compor­ Poderíamos dizer que o conhecimento do senso comum
tam entos das pessoas com as quais convivemos. é produzido pelas pessoas em geral, que o conhecimento
Com o vimos anteriormente, o hom em é pertencente filosófico é aquele produzido pelo filósofo, que o conheci­
à espécie hum ana e, portanto, parte do seu com porta­ m ento religioso é aquele produzido por religiosos (padres,
m ento e de suas capacidades é resultado de um processo bispos, pastores etc.) e que o conhecim ento científico é
de seleção e variação no nível filogenético. O hom em aquele produzido por cientistas. Mas essa distinção ainda
aprende com suas interações com o m undo, m uda seus nos deixa outra pergunta: o que nos perm ite dizer que
comportam entos em função das modificações que produz alguém é um cientista ou um filósofo ou um religioso?
nesse m undo: processo de variação e seleção (de compor­ A resposta a essa pergunta, e que também distingue um
tam entos) no nível ontogenético. Essa aprendizagem se tipo de conhecim ento de outro, está na maneira como o
dá, sobretudo, pela mediação de outras pessoas. Muitas conhecimento éproduzido.
pessoas em um grupo social fazem m uitas coisas pare­ Dissemos que o Behaviorismo Radical é um a filosofia
cidas, gostam de muitas coisas parecidas, têm crenças e que embasa um a ciência do com portam ento (Skinner,
valores semelhantes, entre outras coisas. Essa similaridade 1974/2003). Essa ciência é chamada Análise do C om por­
entre os com portam entos de indivíduos de um mesmo tamento. Behaviorismo Radical e Análise do C om porta­
grupo é muitas vezes chamada de cultura, e é transmitida m ento tratam do ser hum ano e de seus comportam entos,
Bases Filosóficas e Noção de Ciência em Análise do Comportamento 13

no entanto, abordam esses assuntos de maneiras diferentes, ções de filósofos ou artistas. Isso só é possível porque os
e o conhecimento derivado de cada um desses campos do cientistas descobriram um modo de testar o conhecimento
saber é produzido também de modos diferentes. Se já existe que produzem (o método científico). A m aneira como os
um a filosofia que trata desses assuntos, para que preci­ cientistas trabalham e divulgam o conhecimento produ­
samos de uma ciência que tam bém trata desses assuntos? zido permite que outros cientistas repitam a pesquisa que
O conhecimento filosófico é extremamente im portante e seus colegas fizeram, e que avaliem se os resultados apre­
dele deriva inclusive a própria concepção de ciência. Prati­ sentados po r seus colegas se repetem ou não. A ciência,
camente não há um a ciência que não esteja fortem ente neste sentido, é autocorretiva: equívocos são passíveis de
ancorada em pressupostos filosóficos. Em bora cada tipo identificação e correção.
de conhecimento tenha sua utilidade, cada tipo também É interessante destacar tam bém a seguinte frase da
tem suas limitações. O conhecimento científico (ò produ­ citação anterior de Skinner (1953/1998): “O s cientistas
zido de form a científica) apresenta certas características descobriram tam bém o valor de ficar sem um a resposta
im portantes que preenchem algumas lacunas deixadas até que um a satisfatória possa ser encontrada”. É por isso
pelos outros tipos de conhecim ento. Essas caracterís­ que muitas vezes vemos propagandas de produtos dizendo
ticas do conhecimento científico perm item que, de certa que seus feitos foram testados cientificamente. Q uando o
forma, ele avance mais rapidamente que as outras formas cientista divulga um conhecimento, geralmente ele tem
de conhecimento. Vejamos o que diz Skinner sobre isso: muitos dados (obtidos por meio de experimentação) que
“Os resultados tangíveis e imediatos da ciência sustentam o que está dizendo, e não apenas hipóteses e
tornam -na mais fácil de avaliar que a Filosofia, a argumentos lógico-linguísticos bem estruturados.
Arte, a Poesia ou a Teologia. (...) a ciência é única
ao m ostrar um progresso acumulativo. N ew ton
explicava suas im portantes descobertas dizendo
O objeto de estudo da análise do
que estava de pé sobre os om bros de gigantes. comportamento
Todos os cientistas (...) capacitam aqueles que os Já foi dito que o que distingue o conhecimento cientí­
seguem a começar um pouco mais além. (...) Es­ fico dos demais tipos de conhecimento é a maneira como
critores, artistas e filósofos contemporâneos não ele é produzido, o m étodo utilizado para produzi-lo. Mas
são apreciavelmente mais eficazes do que os da o que distingue um a ciência da outra? O que distingue
idade de outro da Grécia, enquanto o estudante a Física da Química? O u a Biologia da Psicologia? Essa
secundário médio entende m uito mais a nature­ distinção se dá, principalmente, pelo objeto de estudo de
za do que o m aior dos cientistas gregos (p. 11). cada ciência. Se digo que estudo o movimento dos corpos,
(...) Os dados, não os cientistas, falam mais alto então estou falando de um a área da Física; se estudo o
(p. 13). (...) Os cientistas descobriram tam bém desenvolvimento em brionário de répteis, então estou
o valor de ficar sem um a resposta até que um a falando de um a área da Biologia. Porém, qual é o objeto
satisfatória possa ser encontrada (p. 14). (...) O de estudo da Psicologia?
com portam ento é um a m atéria difícil, não por­ Não há na Psicologia, talvez por ser ainda um a ciência
que seja inacessível, mas porque é extremamente relativamente nova, consenso sobre qual é o seu objeto de
complexo. Desde que seja um processo, e não uma estudo. Diferentes abordagens psicológicas (p. ex., Análise
coisa, não pode ser facilmente imobilizado para do Com portam ento, Psicanálise, Psicologia Hum anista)
observação. É mutável, fluido e evanescente, e, por postulam diferentes objetos de estudo para a Psicologia. Para
esta razão, faz grandes exigências técnicas da enge- a Análise do Com portamento, a Psicologia deve ter como
nhosidade e energia do cientista (p. 16)” (Skinner, objeto de estudo as interações dos organismos vivos com
1953/1998, p. 11-16). seu m undo, como apontando porTodorov (1989) em um
artigo chamado A Psicologia como o Estudo de Interações:.
Resum idam ente, o que Skinner (1953/1998) está “A psicologia estuda interações de organismos, vis­
dizendo nesse trecho é que cada nova geração de cien­ tos como um todo, com seu meio ambiente (Har­
tistas que se form a tem um conhecim ento mais preciso zern, Miles, 1978). Obviamente não está interessa­
sobre os assuntos que estuda do que a geração anterior, da em todos os tipos possíveis de interações nem
mas o mesmo não é válido para, por exemplo, novas gera­ em quaisquer espécies de organismo. A psicologia
14 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análi se do Comportamento

se ocupa fundam entalm ente do hom em , ainda muitas de suas palestras: “onde há pessoas se comportando,
que para entendê-lo muitas vezes tenha que recor­ há espaço para o psicólogo”.
rer ao estudo do com portam ento de outras espé­ Você, m uito provavelmente, lerá e ouvirá no decorrer
cies animais (Keller, Schoenfeld, 1950). Q uanto do curso de Psicologia coisas como “para o behaviorismo
às interações, estão fora do âm bito exclusivo da não existe pensam ento”; “a análise do com portam ento
psicologia aquelas que se referem a partes do or­ não estuda as emoções”; “o behaviorismo não estuda a
ganismo, e são estudadas pela biologia, e as que consciência ou a criatividade”; “a Análise do C om porta­
envolvem grupos de indivíduos tom ados como m ento (ou o behaviorismo) não leva em consideração a
um a unidade, com o nas ciências sociais. Claro personalidade do indivíduo”. Frases como essas, em última
está que a identificação da psicologia como distin­ análise, estão “tentando” circunscrever o objeto de estudo
ta da biologia e das ciências sociais não se baseia da Análise do Comportamento. Todas elas, e muitas outras
em fronteiras rígidas: as áreas de sobreposição de parecidas, são absolutamente inverídicas. Todos esses fenô­
interesses têm sido importantes a ponto de origi­ menos/processos psicológicos (personalidade, consciência,
nar as denominações de psicofisiologia e psicolo­ criatividade, pensamento e emoções) fazem parte do objeto
gia social, por exemplo. As interações organismo- de estudo da Análise do Com portam ento. N o entanto,
ambiente são tais que podem ser vistas como um em função de esses fenômenos/processos serem estudados
continuum onde a passagem da psicologia para a pela Análise do Com portam ento como comportamentos,
biologia ou para as ciências sociais é muitas vezes e não como causa de outros comportamentos, m uitos autores
questão de convencionar-se limites ou de não se e psicólogos tendem a dizer, equivocadamente, que eles
preocupar m uito com eles. (...) Nesta caracteriza­ não pertencem ao escopo da Análise do Com portam ento.
ção da psicologia, o hom em é visto como parte da Os capítulos seguintes desse livro ilustrarão m elhor como
natureza. N em pairando acima do reino animal, alguns desses fenôm enos/processos são abordados pela
com o viram pensadores pré-darw inianos, nem Análise do Com portam ento.
m ero robô, apenas vítim a das pressões do am ­
biente, na interpretação errônea, feita por alguns
A unidade básica de análise
autores (...)” (Todorov, 1989, p. 348).
Para que um determinado fenômeno possa ser estudado
Alguns pontos dessa citação m erecem um destaque adequadam ente, é necessário identificar quais são seus
especial. O primeiro refere-se ao fato de que, para a Análise componentes mais básicos, mais simples. Dissemos ante­
do Com portam ento, devemos estudar interações compor- riormente que o objeto de estudo da Análise do Com por­
tamento-ambiente, e não apenas o que o indivíduo faz, tamento são as interações de ações do organismo com seu
fala, pensa ou sente. O que o indivíduo faz, fala, pensa ambiente. Isso quer dizer que não é suficiente somente o
ou sente deve sempre ser contextualizado. Dizer, por que o organismo faz e nem só o ambiente, ou seja, a unidade
exemplo, “M aria chorou” não é de m uita utilidade para de análise não é nem um, nem outro isoladamente, mas a
o psicólogo. N ão estamos interessados somente no que as interação entre ambos. Para a Análise do Com portamento,
pessoas fazem, ou pensam, ou sentem; estamos interes­ portanto, qualquer fenômeno psicológico (ou comporta­
sados nas condições em que este fazer/pensar/sentir ocorre mental) deve ser analisado a partir de relações entre eventos.
e nas consequências (mudanças ambientais) relacionadas A unidade básica de análise que descreve e relaciona esses
com esse fazer/pensar/sentir. U m segundo ponto im por­ eventos chama-se contingência, que pode ser definida como
tante está relacionado com o fato de que não são todas uma descrição (do tipo se isso então aquilo) de relações entre
as interações que interessam à Psicologia, e que o limite eventos (Skinner, 1969; Todorov, 2002).
entre o que é objeto de estudo da Psicologia e o que não O trabalho do psicólogo é, prim ordialm ente, encon­
é nem sempre é m uito claro. O s fenôm enos que estão trar e m odificar tais relações. C ham am os de análise
nessa “fronteira” muitas vezes são estudados por áreas que funcional a identificação dessas relações entre indivíduo
chamamos de áreas de interface, como a Psicobiologia, por e ambiente. M urray Sidman (1989/1995) descreveu de
exemplo. No entanto, de um a coisa podemos ter certeza, m aneira bastante simples essa tarefa e sua im portância
como destacado pelo professor João Claudio Todorov em para o trabalho do psicólogo:
Bases Filosóficas e Noção de Ciência em Análise do Comportamento 15

“Se quisermos entender a conduta de qualquer alguém cometeu suicídio, mas de que nada adiante para
pessoa, mesmo a nossa própria, a primeira pergun­ poderm os identificar suicidas em potencial; ou em que
ta a fazer é: ‘O que ela fez?’ O que significa dizer, nada nos ajude a fazer um suicida em potencial “m udar
1° identificar o comportamento. A segunda pergunta de ideia”.
é: ‘O que aconteceu então?’ O que significa dizer,
2º identificar as consequências do com portam ento. Previsão do comportamento
Certam ente, mais do que consequências determi­ Q uando se fala em prever o com portam ento, em
nam nossa conduta, mas essas primeiras perguntas ciência, deve-se ficar claro que não estamos falando de
frequentem ente hão de nos dar um a explicação nada esotérico e, a exemplo de outras ciências, rara­
prática. Se quisermos m udar o com portam ento, m ente podemos prever eventos do cotidiano com 100%
m udar a contingência de reforçamento —a relação de precisão. Q uando estudamos o com portam ento para
entre o ato e a consequência —pode ser a chave. tentar prevê-lo, estamos tentando identificar que fatores
Frequentemente gostaríamos de ver algumas pes­ o influenciam , que fatores alteram sua probabilidade
soas em particular m udar para melhor, mas nem de ocorrência. Tentar prever o com portam ento é tentar
sempre temos controle sobre as consequências res­ responder, por exemplo, perguntas como “o que pode levar
ponsáveis por sua conduta. Se tivermos, podere­ um indivíduo à depressão?”; “por que algumas crianças
mos m udar as consequências e ver se a conduta aprendem mais rapidamente que outras?”; “que circuns­
também mudará. O u poderemos prover as mes­ tâncias podem levar um a pessoa a desenvolver um trans­
mas consequências para conduta desejável e ver torno obsessivo-compulsivo?” etc.
se a nova substituirá a antiga. Só é possível prever o com portam ento porque existe
Esta é a essência da análise de contingências: iden­ certa ordem, certa regularidade na maneira como as pessoas
tificar o com portam ento e as consequências; al­ se com portam . Essa previsibilidade do com portam ento,
terar as consequências; ver se o com portam ento muitas vezes, é mais óbvia do que pensamos. Vejamos o
m uda. Análise de contingências é um procedi­ que Skinner (1953/1998) nos diz sobre isso:
m ento ativo, não um a especulação intelectual. “Um vago senso de ordem emerge de qualquer ob­
É um tipo de experimentação que acontece não servação demorada do com portam ento hum ano.
apenas no laboratório, mas, tam bém, no m undo Qualquer suposição plausível sobre o que dirá um
cotidiano. Analistas do com portam ento eficientes amigo em dada circunstância é um a previsão ba­
estão sempre experimentando, sempre analisando seada nesta uniformidade. Se não se pudesse des­
contingências, transformando-as e testando suas cobrir uma ordem razoável, raramente poder-se-ia
análises, observando se o com portam ento crítico conseguir eficácia no trato dos assuntos humanos.
m udou. (...) se a análise for correta, m udanças Os métodos da ciência destinam-se a esclarecer es­
nas contingências mudarão a conduta” (Sidman, tas uniformidades e torná-las explícitas” (Skinner,
1989/1995, p. 104-105). 1953/1998, p. 17).

Todos nós sabemos como um amigo irá reagir ao ouvir


Previsão e controle
um a piada mais “picante”; ou como nosso pai irá reagir
Boa parte do conhecimento já produzido pelo hom em ao ouvir que “tiramos” um a nota baixa na prova; ou que
tem a função de dar algum sentido ou significado a ficaremos tristes ou alegres ao ouvir um a ou outra notícia
vários aspectos do seu m undo (p. ex., “há um a vida após etc. Em certo sentido, todos nós somos hábeis em prever
a m orte”), ou simplesmente explicar por explicar, dar uma o com portam ento das pessoas que conhecemos e o nosso
causa (p. ex., “as pessoas agem por impulso”). A ciência, próprio com portam ento, ou seja, somos capazes de iden­
entretanto, busca algo mais. Para a ciência, o “bom conhe­ tificar ordem, regularidade no com portam ento. A ciência
cim ento”, ou o conhecimento útil, é aquele que permite (seus m étodos), segundo Skinner (1953/1998), apenas
previsão e/ou controle sobre seu objeto de estudo (Skinner, aperfeiçoa, amplia, nossa capacidade de prever o com por­
1953/1998). Uma teoria que explique apenas coisas que já tam ento, de tornar as uniformidades explícitas.
aconteceram não é m uito útil. Imagine, por exemplo, uma Para fazer um a previsão, qualquer que seja, devemos
teoria psicológica que explique “perfeitamente” por que nos basear em algum a coisa. Se olham os para o céu e
16 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento

vemos, por exemplo, nuvens escuras, geralmente fazemos C, D, E, F, G e H estavam presentes, por isso choveu. Em
a previsão de que irá chover. Estamos, portanto, nos base­ outro m om ento, você verifica a presença de A, diz que vai
ando na ocorrência de um evento (presença de nuvens chover, mas não chove. Provavelmente, neste caso, um a
escuras) para prever outro (a chuva). Mais im portante das demais variáveis não estava presente. Suponha que
ainda, só somos capazes de fazer a previsão porque obser­ você aprenda a identificar a ocorrência de B (umidade do
vamos essa relação “nuvens escuras-chuva” algumas vezes ar acima de 80% , por exemplo). A partir desse m om ento,
no passado (identificamos uma regularidade na natureza). você só fará a previsão de chuva se verificar a presença
C om o com portam ento, não é m uito diferente (talvez de A+B. Em bora você ainda erre muitas vezes, pois não
apenas mais complexo, dependendo do comportamento). conhece —ou não é capaz de identificar —a presença das
Fazemos previsões sobre o com portam ento (que são demais variáveis, você acertará mais vezes do que quando
eventos) baseado em outros eventos (ambientais, incluindo conhecia apenas a variável A; e a cada nova variável que
como ambiente o próprio com portam ento). você aprende a identificar mais acurada fica sua previsão.
Se podemos prever como um amigo reagirá a uma piada, É assim que o conhecimento científico progride. O mesmo
o fazemos baseados em observações dessa relação: “piada raciocínio vale para o com portam ento e vários exemplos
contada-reação do amigo”. Obviamente, nem sempre acer­ serão apresentados ao longo desse livro.
tamos nossas previsões; nem sempre chove quando nuvens
escuras estão presentes no céu e nem sempre nosso amigo Controle do comportamento
fica vermelho ao ouvir certo tipo de piada. Um meteorolo­ Um primeiro ponto que deve ficar claro quando falamos
gista certamente faz previsões mais acuradas sobre precipi­ de controle do com portam ento, na perspectiva da Análise
tações atmosféricas que um não meteorologista, isto é, ele do Com portam ento, é que o termo “controle” não tem,
acerta mais vezes e com mais precisão. Mas o que o permite neste referencial teórico, nenhum a conotação “ruim ”
fazer isso? De modo geral, o que o perm ite prever melhor (Sidman, 1989/1995). N o dia a dia dizemos, de maneira
certos eventos que nós é o conhecimento que ele tem sobre pejorativa, que fulano é controlador ou que sicrano “fica
as variáveis que influenciam esses fenômenos atmosféricos me controlando o tem po todo” no sentido de “ser obri­
(pressão atmosférica, tem peratura, velocidade do vento, gado a fazer algo”. C ontrole aqui não significa obrigar
umidade do ar etc.). Da mesma maneira, o psicólogo expe­ alguém a fazer alguma coisa; controle deve ser entendido
riente terá mais sucesso nas suas previsões sobre o compor­ como influência. Buscar as variáveis que controlam um
tam ento porque tem conhecimento de mais variáveis que com portam ento significa buscar as variáveis que influen­
influenciam a ocorrência do com portam ento. ciam a ocorrência desse com portam ento, que o tornam
Entretanto, mesmo o meteorologista mais treinado ou mais ou menos provável de ocorrer.
o psicólogo mais experiente eventualmente fará previsões Q uando damos conselhos, estamos exercendo controle
que não se confirmarão. A razão para tais “fracassos” está sobre o com portam ento de alguém, caso o conselho altere
no fato de que cada fenômeno, por mais simples que seja, a probabilidade de quem ouviu o conselho em itir um ou
é quase sempre influenciado por muitas variáveis e, quase outro comportamento; quando elogiamos alguém, estamos
sempre, o cientista ou o psicólogo não conhece todas as exercendo controle sobre o com portam ento dessa pessoa,
variáveis que, em conjunto, são responsáveis por produzir caso nosso elogio aum ente as chances de a pessoa fazer ou
um determ inado fenômeno. A tarefa do cientista, neste dizer aquilo que nos levou a elogiá-la; quando castigamos
sentido, é conhecer cada vez mais quais são as variáveis um a criança que “fez arte”, estamos exercendo controle
que influenciam a ocorrência de determ inado fenômeno sobre seu com portam ento caso o castigo altere a proba­
e as condições sob as quais ele é observado. bilidade de a criança “fazer arte” ou de outro com porta­
Imagine, por exemplo, que um determinado fenômeno mento. D o m om ento em que acordamos até o m om ento
X ocorre sempre que os fenômenos A, B, C, D , E, F, G e em que vamos dorm ir estamos o tem po todo influen­
H ocorrem conjuntam ente. Imagine que este fenômeno ciando o com portam ento dos outros, e os outros estão
seja chover e que A seja “nuvens escuras no céu”. Para que exercendo controle sobre nosso com portam ento.
chova, é necessário que ocorra A+B+C+D+E+F+G+H. Às A partir do m om ento em que nos tornam os capazes
vezes, você olha para o céu e verifica a presença de A, diz de identificar regularidades no com portam ento, ou seja,
que vai chover e, logo depois, começa a chover. Em bora quando encontram os as variáveis (pelo menos algumas)
você tenha observado apenas a variável A, as variáveis B, das quais um dado com portam ento é função, tornam o-
Bases Filosóficas e Noção de Ciência em Análise do Comportamento 17

nos tam bém , na m aioria das vezes, mais capazes de Para que essa pergunta seja respondida adequadamente, é
controlar esse com portam ento alterando as variáveis que necessário criar situações mais simples, com menos coisas
o controlam. E assim, segundo a Análise do Com porta­ acontecendo, para estudarmos o com portam ento e suas
mento, que o psicólogo se torna capaz de lidar eficazmente interações com os eventos que o cercam.
com depressões, transtornos de ansiedade, problemas de Imagine, por exemplo, que você está interessado em
aprendizagem, motivação, transtornos de personalidade, estudar a memória, mais especificamente, você quer saber
criatividade e todos os fenômenos com os quais lida. se a cor das palavras de um texto (preto ou vermelho)
Essa, entretanto, não é um a tarefa fácil. O com porta­ influencia o quanto as pessoas lem bram daquele texto.
mento, geralmente, é multideterminado, i. e., existe sempre Para responder a sua pergunta, então, você pede à sua
^ n a grande quantidade de variáveis que o controlam. A mãe, na sua casa, que leia o “Texto 1” (em letras verme­
r rsquisa em Psicologia nos mostra cada vez mais variáveis lhas) e que depois responda a algumas perguntas em um
que são im portantes para se explicar, prever e controlar questionário. N o dia seguinte, você pede a um colega de
uma variedade de comportamentos. Para complicar ainda faculdade que leia o “Texto 2” (em letras pretas) e que
mais esta tarefa, diferentes variáveis podem controlar de depois responda a um questionário. Se você fizer apenas
formas diferentes comportamentos diferentes de diferentes isso, provavelmente os resultados que você encontrará não
pessoas, pois o controle que um a determ inada variável serão m uito conclusivos.
exerce hoje sobre o comportam ento de alguém só pode ser C om o dito, o com portam ento é m ultideterm inado.
entendido se conhecermos a história desse indivíduo com O com portam ento de lem brar (ou lem brar mais versus
essa variável ao longo de sua vida. Por exemplo, algumas lembrar menos), portanto, não é influenciado apenas por
pessoas sentem-se bem ao serem elogiadas em público, uma variável (p. ex., cor do texto). O grau de dificuldade e
outras não. Essa diferença, ou o efeito do elogio sobre o o conteúdo dos textos que você usou poderão influenciar o
comportam ento desses dois indivíduos, só pode ser enten­ lembrai-, as condições em que os participantes da pesquisa
dida buscando-se a história dessas pessoas em situações realizaram a leitura (barulho, temperatura, cansaço, hora
similares. do dia etc.); a experiência de cada participante com leitura,
e com leitura daquele assunto específico; a motivação em
participar da pesquisa; a forma como você os instruiu a
O método de pesquisa realizar a tarefa; as questões de cada questionário e um a
O m étodo de pesquisa de um a abordagem, ou de uma série de outras variáveis podem interferir no resultado de
ciência, é a m aneira como tal abordagem produz conhe­ sua pesquisa. Para que você possa dizer que foi a cor do
cim ento. Com o dissemos antes, observações cotidianas texto, e não inúmeras outras variáveis, que influenciaram
dos com portam entos de nossos amigos, e das situações o lembrar dos seus participantes (sua mãe e seu colega),
nas quais esses comportam entos ocorrem, nos perm item você deve “isolar” essas outras possíveis influências, ou,
fazer previsões dos com portam entos de nossos amigos, pelo menos, atenuar seus efeitos sobre o quanto os parti­
bem com o influenciar tais com portam entos. Dissemos cipantes lem bram de cada texto após lê-los.
tam bém que os métodos da ciência tornam tais relações H á várias maneiras de se fazer isso, e essas maneiras são
mais explícitas. Para que isso seja possível, é necessário chamadas de delineamentos de pesquisa (ver, por exemplo,
que essa observação das relações entre o com portam ento Cozby, 2003). Uma dessas maneiras, e a mais utilizada em
e a contingência seja feita de maneira diferente. Não basta Análise do Com portam ento, é utilizar o delineamento de
apenas observar tais relações, é preciso observá-las em sujeito como seu próprio controle. Uma das maiores fontes
situações que podem ser repetidas e variadas (o labora­ de variabilidade em um a pesquisa é o próprio sujeito, em
tório é um bom lugar para se fazer isso). função de sua história única de interações com seu mundo.
O tem po todo há m uita coisa acontecendo ao nosso Sendo assim, se você faz a pesquisa com o mesmo sujeito,
redor, antes e depois de nossos com portam entos. Já em condições experimentais diferentes (p. ex., o mesmo
sabemos que eventos que ocorrem antes e depois de nossos sujeito lê o “Texto 1” e o “Texto 2 ”), m uitas das variá­
comportam entos podem exercer alguma influência sobre veis que poderiam enviesar sua pesquisa ficam autom ati­
eles (podem alterar sua probabilidade de ocorrência). Mas camente controladas (ficam constantes entre condições).
o que, de tudo que acontece à nossa volta, é de fato im por­ Pesquisas nas quais se manipula, se altera uma variável, e se
tante para entenderm os determ inado com portam ento? mantêm constantes outras que poderiam também influen­
18 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento

ciar o fenôm eno em estudo são chamadas de pesquisas alavanca em um a caixa, nossa preocupação fundam ental
experimentais. não é com o pressionar a barra, mas sim em entender como
A ênfase em Análise do C om portam ento em tais certas variáveis ambientais afetam esse, ou qualquer outro,
pesquisas, pelos resultados robustos que produzem, é tão com portam ento.
forte que é comum referir-se a esta ciência do com porta­ U m dos princípios com portam entais mais básicos
m ento como Análise Experimental do Com portam ento. é o de que certas consequências aum entam a probabi­
Em bora a pesquisa experimental seja a preferida, ela não lidade do com portam ento que as produziu (Skinner,
é o único tipo de pesquisa utilizado na Psicologia. Vários 1953/1998). Esse princípio foi, e ainda é, am plam ente
outros tipos de pesquisa que não serão detalhados aqui estudado em laboratório, e fora dele, com animais não
(p. ex., pesquisas correlacionais) podem ser utilizados, hum anos e tam bém com seres hum anos, e o estudo desse
dependo de uma série de fatores (incluindo fatores práticos princípio com animais não humanos foi fundamental para
- possibilidade de se fazer a pesquisa - e fatores éticos). se entender melhor como ele opera quando o assunto é o
com portam ento hum ano.
Pesquisa com animais não humanos Por fim, gostaríamos de convidar o leitor a aprofundar
M uitas pesquisas em Análise do Com portam ento (ou seu conhecimento sobre o Behaviorismo Radical e a Análise
Análise Experimental do Com portam ento) são realizadas do C om portam ento. As ideias de Skinner e de seus suces­
com ratos, pom bos e outros animais não hum anos. Se sores mudaram os rumos do conhecimento produzido pela
a Psicologia busca entender o com portam ento hum ano, Psicologia; as novas definições do objeto de estudo e m eto­
por que, então, realizar pesquisas com seres diferentes dos dologia direcionaram a visão do fenôm eno psicológico
seres humanos? A resposta a essa pergunta passa por dois para relações em vez da busca da essência ou descrição de
pontos principais: sua estrutura m ental e para a busca das condições sob as
• O que aprendemos ao estudarmos o comportamento quais os fenômenos psicológicos ocorrem; os desenvolvi­
de animais não hum anos pode, em algum grau, ser mentos conceituais e metodológicos, bem como o grande
usado para explicarmos o com portam ento hum ano conjunto de conhecimentos criados com base empírica e
• O com portam ento de animais não hum anos é mais suas aplicações em outras abordagens e áreas das ciências
simples que o com portam ento de seres hum anos e, como a Farmacologia, Economia, Psicologia Cognitivista.
para a ciência, é im portante partir do simples para falam por si sós; os avanços e as contribuições em temas
o complexo, e não o contrário. que outras abordagens pouco têm a dizer, com o ensino
especial, autismo e educação, para citar alguns, mostram
E im portante lembrar que não são os comportam entos que o reconhecim ento mais amplo de sua importância,
em si dos animais estudados em laboratórios que são de diferentemente do que dizem alguns críticos, ainda está
interesse para o psicólogo, mas sim os princípios compor­ por vir. C om o disse certa vez o poeta inglês Alexander
tamentais que podem ser estudados. Q uando estudamos Pope, “um pouco de conhecimento é uma coisa perigosa:
o com portam ento de um rato, com o pressionar um a embriague-se dele ou nem mesmo prove”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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