Você está na página 1de 151

Miguel M.

Gonçalves

Psicoterapia: uma arte retórica?

- Contributos das terapias narrativas -

Setembro de 2002
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Índice

1. Introdução .............................................................................. 3

2. A crise do realismo na doença mental e no self .......................... 11


2.1 Introdução........................................................................ 11
2.2 Críticas conceptuais ao realismo psicopatológico.................... 16
2.2.1 Institucionalização ....................................................... 21
2.2.2 Rotulação ................................................................... 23
2.2.3 Individualização do comportamento disfuncional.............. 33
2.3 Desreificação do self .......................................................... 40
2.3.1 A emergência do self monádico ..................................... 40
2.3.2 Identidade monádica.................................................... 43
2.3.3 Identidade narrativa .................................................... 48
2.3.4 Identidade dialógica ..................................................... 53

3. Psicoterapia como actividade discursiva .................................... 60


3.1 Psicoterapia como construção dialógica ................................ 60
3.1.1 Natureza responsiva do significado ................................ 66
3.1.2 Narração como desempenho ......................................... 74
3.2 Narrativa e psicopatologia .................................................. 83
3.2.1 Narrativas problemáticas .............................................. 84
3.2.2 Narrativas patológicas .................................................. 97

Posfácio............................................................................ ...... 120


Bibliografia............................................................................ .. 142

2
Psicoterapia: Uma arte retórica?

1. Introdução1

Neste livro procuraremos desafiar as perspectivas realistas da

doença mental e da identidade (ou self)2 e reflectir sobre o impacto

terapêutico das conceptualizações que emergem destes

posicionamentos críticos. A nossa proposta central é que a identidade e

a doença mental, longe de serem “coisas” existentes na realidade, são

metáforas que nos têm permitido pensar. O propósito deste livro é

justamente procurar enfatizar o seu carácter metafórico e analisar as

consequências da frequente confusão conceptual que faz equivaler as

“coisas” existentes no mundo e as teorias com que operamos nesse

mesmo mundo.

A reificação destas duas metáforas (doença mental e identidade)

tem sido mutuamente reforçadora no âmbito das abordagens

psicológicas e psicopatológicas. A compreensão da identidade como um

contentor ou uma mónada (cf. Gergen, 1999; M. Gonçalves & O.

Gonçalves, 1995; Sampson, 1993), presente na nossa cultura e nas

concepções psicológicas que dela dependem, permite concebê-la como

o locus do disfuncionamento psicológico. Por sua vez, esta concepção

reificada da identidade torna o enquadramento realista da doença

mental um “facto” natural. Se dentro da identidade existem

substâncias – estruturas, esquemas, auto-estima, eu genuíno, etc. –,

então é admissível que estas nem sempre funcionem de modo

1 Este trabalho resulta da adaptação da Lição de Síntese, apresentada no âmbito das


provas de agregação do autor (Universidade do Minho, 28 de Junho de 2002).
2 Optamos por utilizar de modo equivalente os termos identidade e self.

3
Psicoterapia: Uma arte retórica?

adequado e, deste modo, olhar para a doença mental3 como algo que

existe de facto, análogo às doenças biomédicas, tornou-se uma

perspectiva quase natural desde a invenção da psicopatologia (cf.

Szasz, 1978). Ou seja, a identidade é concebida, dentro dos modelos

psicológicos e psicopatológicos, como uma entidade equivalente ao

corpo, nas teorias biomédicas. Assim, a identidade ou o self é o locus

do adoecimento, o que completa a analogia entre a psicopatologia e a

patologia dos corpos. Ao reflectir sobre a articulação entre estes dois

processos – a visão realista da doença mental e a perspectiva

monádica da identidade – procuraremos desafiar ambas.

Se a identidade, tal como a conhecemos hoje, é uma invenção

que emerge depois do Iluminismo (cf. Danziger, 1997) e a sua

concepção, aparentemente natural, não passa de um processo de

construção histórica que constitui, não só as teorias psicológicas, como

o modo como experienciamos a nossa subjectividade, então abre-se

espaço para pensar o disfuncionamento de modo não substancial. À

desreificação da identidade associa-se, deste modo, a desreificação da

doença mental.

É claro que nos modelos mais profundamente biologistas esta

analogia não é necessária, dado que para estes o corpo (cérebro e/ou

genes) é o locus de disfuncionamento das doenças mentais. Contudo,

3 Não deixa de ser curioso o modo como a linguagem que usamos nos força, mesmo
sem termos muita consciência dela, a tomar opções “teóricas”. Assim, sentimos na
escrita deste texto que somos quase forçados a falar de “doença mental”, mesmo
quando procuramos contestar a sua existência na realidade material do mundo.
Sempre que utilizarmos o termo “doença mental”, neste contexto, não significa, como
é óbvio, que partilhamos da ideia de que se trata efectivamente de uma doença, mas
que nos queremos referir a um conjunto de condições que têm sido designadas como
tal.
4
Psicoterapia: Uma arte retórica?

poderíamos perguntar, como faz Szasz (1997a), qual é então a razão

porque designamos estas doenças de “mentais”... Ou seja, se nesta

perspectiva biologista a responsabilidade pela doença mental se reduz

a fenómenos que ocorrem no cérebro, o que as torna tão diferentes

das doenças físicas? Como pergunta provocatoriamente Szasz

(1997a): porque são então precisas duas especialidades médicas - a

neurologia e a psiquiatria - que têm aparentemente como objecto o

mesmo orgão? Deixaremos, contudo, pelo menos para já, de lado os

modelos que sugerem um reducionismo biológico, para nos centrarmos

sobretudo nos modelos “psi”.

Depois de desafiarmos a reificação da identidade e da doença

mental, iremos reflectir, finalmente, no impacto que a desreificação

produz na psicoterapia. Como pode ser pensada a psicoterapia, se se

recusa a existência de uma identidade singular e material, bem como a

existência de doenças que correspondam a disfuncionamentos nesta

estrutura?

Veremos como um conjunto de modelos terapêuticos congruentes

com a perspectiva crítica que defendemos sobre a identidade e a

doença mental – na sua larga maioria designados por narrativos – se

situam face ao problema da desreificação. Procuraremos reflectir sobre

as pressuposições presentes nestes modelos relativamente às

concepções da identidade e da doença mental, bem como sobre as

potencialidades terapêuticas que, na nossa opinião, são abertas com

estas perspectivas.

5
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Uma parte substancial das análises críticas à concepção

tradicional da patologia e da identidade, bem como uma considerável

diversidade de propostas terapêuticas, tem emergido a partir da

perspectiva do construcionismo social. A nossa própria leitura,

desenvolvida ao longo deste livro, é claramente influenciada por este

posicionamento. Assim, antes de prosseguirmos, julgamos importante

clarificar brevemente o que nos parecem ser as propostas centrais

desta abordagem.

Como sugerimos recentemente (cf. M. Gonçalves & O. Gonçalves,

2001), as diferentes abordagens construcionistas partilham três

pressupostos comuns: (1) o papel constitutivo da linguagem, (2) a

construção relacional do significado e (3) o posicionamento cultural e

político do conhecimento.

(1) Papel constitutivo da linguagem: A nossa cultura habituou-nos

a olhar para a linguagem como se de um meio transparente de

comunicação se tratasse. A mente foi concebida como um espelho do

mundo (Rorty, 1979/2001, 1994), cujos reflexos são tanto mais

adequados quanto mais a imagem reproduzida se aproximar da

realidade “tal como ela é”. Esta forma de conceptualizar o

conhecimento como representação do mundo tem sido fortemente

contestada.

O empirismo adaptou-se notavelmente bem ao dualismo sujeito-

objecto do conhecimento inaugurado por esta metáfora da mente

como espelho (cf. Rorty, 1979/2001), que remonta pelo menos ao

racionalismo de Descartes. Desta forma, na ciência, as metodologias

6
Psicoterapia: Uma arte retórica?

rigorosas tornaram-se formas de “polimento” da mente, isto é,

estratégias para retirar o sujeito da cena do conhecimento.

O construcionismo, pelo contrário, tem insistido que o

conhecimento não consiste numa forma de reprodução da realidade

(“lá fora” ou “cá dentro”), mas defende antes que a linguagem

constitui aquilo de que falamos, fazendo o mundo ganhar forma no

próprio acto de o descrever. Deste modo, as formas de conhecimento

emergem como jogos da linguagem (Wittgenstein, 1953/1995) que

criam as suas próprias regras, fazendo-nos muitas vezes esquecer que

somos participantes daquelas. Como diziam Berger e Luckmann

(1966/1999), “a reificação implica que o homem é capaz de esquecer a

sua própria autoria do mundo” (p. 98). Isto é, a linguagem não é algo

que espelhe uma realidade mais essencial, escondida por detrás das

nossas descrições ou das nossas representações, mas uma ferramenta

que nos permite construir a acção e a significação no mundo social.

(2) Produção relacional do conhecimento: Bakhtin (1929/1984,

1979/1986), que revisitaremos mais tarde, foi talvez um dos

académicos que mais insistiu na impossibilidade de se existir sozinho.

O simples facto de ser impossível conhecer algo com uma linguagem

individual, sem que esta esteja imersa nos significados conferidos por

outras vozes, levou Bakhtin a sugerir que conhecemos em comunidade

(cf. Wittgenstein, 1953/1995, relativamente a um argumento

semelhante a propósito da impossibilidade de operarmos com uma

linguagem privada). Mais ainda, cada perspectiva do “real” é produzida

a partir de uma dada posição social, tornando-se validadora dessa

mesma posição e da comunidade discursiva que lhe está associada.

7
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Desta forma, os esforços em torno do aniquilamento de perspectivas

contrárias (e.g., políticas, religiosas, éticas, científicas) não

correspondem apenas à contestação de um ponto de vista de que se

discorda, mas – como é óbvio na actualidade política internacional -

um modo de destruir as comunidades para as quais a posição em

causa é central para a sua visão do mundo (cf. Gergen, 1996;

Wittgenstein, 1953/1995).

Esta característica do conhecimento é vital na nossa compreensão

da psicoterapia, sendo esta, não uma actividade de insight, de

correcção de crenças disfuncionais, ou de qualquer outra metáfora

mecanicista a que se possa recorrer, mas um modo de co-construção

de significações e de estabelecer novos diálogos entre diversas

posições (externas, mas também internalizadas), de modo a criar

perspectivas alternativas (cf. M. Gonçalves & Pinto, 2001). Voltaremos

a este aspecto a propósito quer da identidade dialógica (parte 2) quer

da psicoterapia como construção relacional (parte 3).

(3) Posicionamento cultural e político do conhecimento: Se o

conhecimento não é contemplativo, se as nossas ferramentas

linguísticas constrangem ou moldam o que podemos compreender,

então conhecer é necessariamente uma actividade política,

culturalmente localizada.

A psicologia, no seu posicionamento objectivista, tem procurado

assumir uma perspectiva face ao conhecimento dos seres humanos

que pode ser caracterizada, para utilizar a expressão de Nagel (1986,

cit. Packer & Addison, 1989), como o "olhar de Deus de sítio nenhum".

Mas esta perspectiva objectivista, no caso da psicologia, é traída pela

8
Psicoterapia: Uma arte retórica?

própria linguagem dado que, como recentemente sugerimos (M.

Gonçalves & O. Gonçalves, 1999, 2001), os termos da psicologia

reflectem de modo claro a cultura americana. A abundância de

expressões com o prefixo self é um bom exemplo deste processo. É

hoje comum pensarmos, no senso comum, a nossa experiência e a dos

outros a partir de conceitos como auto-estima ou auto-confiança,

sendo claro que este fenómeno é relativamente recente na História e

que correspondeu a uma importação da sociedade americana, ela

própria fortemente psicologizada. Mas, mais importante do que a

existência de novos termos é percebermos que estes não se tratam

somente de novos rótulos para velhos fenómenos, mas de novas

formas de constituir a subjectividade. A psicologização do quotidiano

produz certamente múltiplos processos, eventualmente contraditórios,

tendo provavelmente o individualismo como factor comum. É, por

exemplo, pelo menos em parte, responsável pelo recrudescimento do

individualismo autocontido (cf. ponto 2.3 deste livro); tem contribuído

para a multiplicação de uma linguagem centrada nos défices

individuais (a outra face do individualismo é sermos responsáveis pelos

nossos fracassos, mesmo que morais); mas tem permitido também a

emergência de novos recursos de transformação pessoal (e.g.,

psicoterapias).

A identificação do saber com uma actividade política produz uma

importante modificação nas nossas formas de o avaliar. Do critério de

adequação do conhecimento em termos de correspondência ao real

(verdade/falsidade), passa-se a valorizar a compreensão das

consequências de uma dada perspectiva ou teoria. Assim, em vez de

9
Psicoterapia: Uma arte retórica?

perguntarmos se “ a homossexualidade é uma doença?” ou “quais são

as provas científicas que suportam a ideia de que a homossexualidade

é uma doença?”; podemos questionar-nos sobre “quais são as

consequências de olhar a homossexualidade como doença?”, “quem

ganha poder com esta forma de a conceptualizar e quem é por ela

marginalizada?”, “porque se faz esta pergunta, qual é o objectivo

ideológico a ela subjacente?”, ou ainda, “quais são os instrumentos

retóricos responsáveis pelo tratamento da homossexualidade como

uma doença?”. Ou seja, há um deslocamento com importantes

consequências éticas, da preocupação com a adequação

epistemológica do saber para a ênfase nas suas implicações morais e

políticas.

Estes pressupostos que acabamos de apresentar constituem as

principais ferramentas conceptuais que utilizaremos ao longo deste

livro. Para o leitor pouco familiarizado com o construcionismo social

esperamos que a discussão que se segue em torno da doença mental,

da identidade e da psicoterapia ajude a clarificar a forma de

pensamento que aqui tentamos sumariar.

10
Psicoterapia: Uma arte retórica?

2. A crise do realismo na doença mental e na identidade

2.1 Introdução

Ao longo das últimas décadas, à medida que a psiquiatria

biológica parecia ganhar terreno e ia reclamando possuir um

conhecimento seguro sobre a “essência” da doença mental,

movimentos críticos, com discursos e práticas alternativas, foram

emergindo (cf. Georgaca, 2001, para uma revisão). Estas perspectivas

críticas desafiam, de diversas formas, uma ideia nuclear, presente

desde a emergência do saber psicopatológico: a existência de doenças

mentais, análogas de algum modo às doenças do foro biomédico. A

perspectiva tradicional assume um posicionamento ontologicamente

realista em que se afirma a existência de facto da doença mental,

enquanto “coisa” que existe no mundo, independente das nossas

formas de produção de conhecimento. Tal perspectiva realista atinge o

seu expoente numa promessa adiada, que continua presente pelo

menos desde o tempo de Freud – a ideia de que um dia iremos decifrar

os mistérios biológicos subjacentes à doença mental. Esta ideia está,

por exemplo, já bem clara no Projecto para uma Psicologia Científica

(Freud, 1895/1976), que viria a ser publicado postumamente. Nesta

obra, a linguagem dos neurónios e dos investimentos energéticos

sobrepõe-se ao que viria a ser o discurso psicanalítico, matriz de todos

os modelos psicoterapêuticos. O que era, no Projecto, factual (energia,

neurónios, forças) passa com o tempo a adquirir o estatuto de

metáfora no modelo psicanalítico, embora acabe também por sofrer

11
Psicoterapia: Uma arte retórica?

um processo de clara reificação, dado que Freud não resistiu a afirmar

que a teoria psicanalítica era a imagem do psiquismo, decifrada pela

ciência.

Outras metáforas surgirão no decurso do século XX e, com elas,

outras formas de encarar a doença e a saúde mental. Curiosamente,

assistiremos durante este período a um movimento de sentido inverso

– se na psicanálise a “realidade” (isto é, a linguagem dos neurónios)

inspirou a metáfora (isto é, a linguagem psicanalítica), na larga

maioria dos outros modelos terapêuticos as metáforas serão reificadas

e confundidas com a realidade. Deste modo, por exemplo, as

estruturas cognitivas passam a ser confundidas com uma realidade de

facto, talvez equivalente a estruturas presentes no sistema nervoso

central (modelos cognitivistas), a identidade passa a ser algo de real

escondido por detrás das suas próprias incongruências (modelos

humanistas), ou o sistema transforma-se em algo que um observador

atento pode delimitar, compreender e transformar (modelos sistémicos

da primeira cibernética).

Uma das dificuldades que este olhar realista encontra é a

mudança mais ou menos caleidoscópica de práticas, teorias etiológicas

e modelos de tratamento a que temos assistido no âmbito dos saberes

“psi”. Um dos dispositivos retóricos mais importantes para lidar com

esta dificuldade tem sido o discurso progressivo sobre a ciência (cf.

Danziger, 1997; Parker, Georgaca, McLaughlin & Stowell-Smith, 1995;

Richards, 1996), no qual, as mudanças são apresentadas como

fazendo parte de um padrão de progresso, em que nos vamos cada

vez mais aproximando da “verdade” ou, pelo menos, de um

12
Psicoterapia: Uma arte retórica?

conhecimento mais correcto acerca do que é a doença mental. Assim

sendo, o olhar do presente sobre o passado revela o desconhecimento

ou mesmo a barbárie (e.g., crueldade, menor desenvolvimento

moral)4.

Este ideal iluminista do Progresso e da Verdade, que os críticos da

modernidade (e.g., Gergen, 1992; Lyotard, 1989; Vattimo, 1992;

Rorty, 1994) sugerem não ser mais sustentável, difundiu-se

claramente na ciência em geral e nos saberes da saúde mental em

particular. Um exemplo disto é a proposta de Hobbs (1964, cit.

Fernández-Ríos, 1994), segundo a qual a saúde mental evoluiu a partir

de um conjunto de mudanças paradigmáticas – primeiro a ruptura com

o paradigma religioso e o começo do olhar médico sistemático, com a

humanização dos asilos no século XVIII (associado a Pinel e Esquirol);

seguida da ruptura com o paradigma médico, pelo desenvolvimento de

modelos psicológicos explicativos (inaugurada com Freud) e,

finalmente, com a emergência da perspectiva comunitária, em que as

dimensões que transcendem a psique isolada são tidas como alvo de

análise. É claro que esta proposta, que surge nos anos 60, situa o

modelo comunitário no topo do desenvolvimento. Contudo, se

olharmos para o que ocorreu nos últimos 30 anos, torna-se difícil

manter esta posição. O modelo comunitário foi acusado de ser

responsável pela enorme quantidade de sem-abrigo que foram

4 Vattimo (1992) sugere que este olhar está também presente no modo como a
História tem sido conceptualizada. De acordo com Vattimo esta posição progressiva
viria a ser colocada em causa por duas importantes mudanças no século XX: o fim dos
colonialismos europeus mostrou que o progresso da Humanidade era, afinal, o
progresso das sociedades ocidentais e a multiplicação dos mass media veio contribuir

13
Psicoterapia: Uma arte retórica?

libertados dos hospitais psiquiátricos (embora esta asserção seja

provavelmente largamente exagerada), não deu origem a novas

teorias etiológicas nem a práticas terapêuticas convincentes e começou

a ser confundido com a vontade dos políticos de poupar fundos na

saúde mental (cf. G. Caplan, 1993; Rapaport, 1977; Shadish, Lurigio &

Lewis, 1989). É como se as soluções dos anos 60 fossem hoje

concebidas como uma espécie de erro histórico, talvez um erro gerado

por um excesso de envolvimento político dos técnicos de saúde

mental, que se preocupavam com o acesso diferencial ao sistema de

saúde mental por parte dos ricos (que faziam psicanálise de longa

duração) e dos pobres (sujeitos ao tratamento asilar, à medicação ou a

eletro-choques).

Mas o mais curioso não é que se tenha abandonado ou criticado o

modelo comunitário; é ver os modelos que aquele contestava a serem

hoje reabilitados. De facto, os modelos que Hobbs sugeria, de algum

modo, estarem ultrapassados (biológico e psicológico) permanecem

activos e continuam a procurar ganhar dominância. Este texto emerge,

de resto, na encruzilhada desta tensão.

Para além disto, a versão de Hobbs parece conter algumas

simplificações históricas. Por exemplo, o tratamento moral que surge

em torno da política de “no-restraint” foi, inicialmente, particularmente

mal visto pelos alienistas de formação médica, que o encaravam como

uma potencial ameaça ao controlo que tinham dos asilos (Coppock &

Hopton, 2000; Johnstone, 2000). Contudo, ele acabará gradualmente

por ser integrado no modelo médico. Curiosamente, o mesmo

para a erosão das verdades absolutas, através da multiplicação de pontos de vista e

14
Psicoterapia: Uma arte retórica?

fenómeno ocorreu nos séculos XIX e XX com a invenção das

psicoterapias. A psicoterapia foi inicialmente encarada como algo

estranho ao território da medicina, para gradualmente ser reclamada

como uma especialidade da psiquiatria.

Esta concepção progressiva não simplifica somente a história da

saúde mental; reducionismos e simplificações análogas surgem sempre

que olhamos para a história a partir deste prisma. Danziger (1997),

por exemplo, sugere que o mesmo se passa com a história da

psicologia, sendo esta concebida de forma ahistórica, baseada em

nomes de autores famosos ou de movimentos importantes,

esquecendo o modo como os problemas que a psicologia aborda já

vinham antes a ser debatidos (por exemplo, pelos filósofos) ou a forma

como as novas linguagens mergulham as suas raizes em contextos

históricos específicos.

Qual é a alternativa a esta perspectiva realista? Iremos sugerir,

no decurso deste livro, que o construcionismo social oferece um

posicionamento capaz de se constituir como opção à perspectiva

realista, sendo inspirador de novas práticas. Deste ponto de vista, a

própria ideia de progresso dos diferentes modelos de saúde mental não

é vista como uma descrição neutra da realidade, mas antes como fruto

de um conjunto de dispositivos retóricos, legitimadores das práticas a

eles associadas. Os modelos não são meras descrições da realidade,

mas antes suportes de um conjunto de práticas e instituições,

profissionais e académicos. Deste modo, se compreende que, como

mostrou Kuhn (1962/1983), os paradigmas não são facilmente

perspectivas.

15
Psicoterapia: Uma arte retórica?

abandonados, mesmo quando falsificados em algumas das suas

pressuposições mais centrais. Analisemos, pois, alguns contributos que

nas últimas décadas têm conduzido a um desafio da perspectiva

realista em saúde mental.

2.1.2 Críticas conceptuais ao realismo psicopatológico

“Quando uma pessoa faz algo dramaticamente mau – como matar o presidente – é
imediatamente assumido que é louca, sendo a loucura a doença que de alguma forma
pode explicar o acto. Quando uma pessoa faz algo dramaticamente bom – como
descobrir a cura ou a prevenção de uma doença incurável – não é feita uma assunção
similar. Defendo que não é necessária qualquer outra evidência que demonstre que a
«doença mental» não é o nome de uma condição biológica que espera ser elucidada,
mas o nome de um conceito cujo objectivo é obscurecer o óbvio”
Thomas Szasz (1991, p.118)

Quando Rapaport (1977) identificou as características de um novo

paradigma, rival do modelo médico tradicional – o modelo comunitário

-, destacou dois domínios de impacto fundamentais desta abordagem:

na concepção de doença mental e na prestação de serviços. Contudo,

não foi só na saúde mental comunitária que o desejo de contestar as

noções realistas de doença mental e de, simultaneamente, reformar ou

mesmo revolucionar a prestação dos cuidados de saúde, se fez sentir.

A partir dos anos cinquenta surge, em diferentes países (EUA,

Inglaterra, Itália, França), uma grande diversidade de modelos e

movimentos provenientes de diferentes quadrantes teóricos (e.g.,

terapia familiar, antipsiquiatria, psiquiatria de sector), que centram a

sua crítica quer nos modelos internalistas e reificadores da doença

mental (e.g., terapia familiar), quer na prestação dos serviços de

saúde (e.g., antipsiquiatria, saúde mental comunitária).

16
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Não sendo nosso objectivo fazer a história destes movimentos,

procuraremos analisar estas contribuições, sem pretensões de

exaustividade, a partir de um famoso artigo que abalou as profissões

de saúde mental: o estudo publicado por Rosenhan na prestigiada

revista Science: “On being sane in insane places” (Rosenhan, 1984). A

razão porque escolhemos este texto não é obviamente pela sua

actualidade, dado que se trata de um estudo com já algumas décadas,

mas porque ele ilustra de um modo muito claro, como veremos de

seguida, uma diversidade de críticas ao realismo psicopatológico.

Contudo, diga-se de passagem que, apesar de este não ser um estudo

recente, suspeitamos que alguns dos seus resultados se mantêm

provavelmente de uma grande actualidade. Sintetizemos, pois, o

estudo de Rosenhan.

Rosenhan (1984) introduziu um conjunto de oito

pseudo-pacientes em 12 hospitais psiquiátricos. Estes eram

pessoas “normais”5, que se apresentavam nos serviços

queixando-se de ouvir vozes que diziam palavras como

“vazio” ou “buraco”. A escolha destas palavras pretendia

conferir às alucinações um cariz existencial que foi, contudo,

negligenciado pelos técnicos. Os oito participantes foram

internados e diagnosticados com esquizofrenia. Alguns

detalhes são interessantes neste estudo e ultrapassam

largamente, na nossa opinião, a importância dos “erros” de

diagnóstico, que constituem o aspecto mais usualmente

5 Este grupo era constituído por três psicólogos, um estudante de psicologia, um


pediatra, um psiquiatra, um pintor e uma dona de casa. Três eram do sexo feminino e
cinco do sexo masculino.

17
Psicoterapia: Uma arte retórica?

valorizado. Todos os pseudo-pacientes tiveram um período

de alguma confusão inicial na adaptação à instituição,

agravado pelo facto de nenhum ter acreditado inicialmente

que fosse internado com tanta facilidade. De seguida,

preocupados em registar as suas experiências pessoais,

começaram por o fazer às escondidas do pessoal técnico,

mas depois, quando perceberam que ninguém se preocupava

com o seu comportamento, deixaram de ocultar a sua

actividade de escrita, que viria em alguns casos a ser

interpretada como um sintoma compulsivo. Rosenhan

descreve outras situações análogas em que o diagnóstico se

torna “explicativo” de comportamentos que noutros

contextos seriam considerados irrelevantes. Nesta altura, os

únicos que suspeitavam do embuste eram os próprios

pacientes, que afirmavam que os seus pseudo-parceiros

deviam ser inspectores ou mesmo jornalistas.

Logo a seguir ao internamento, em todos os contactos

com o pessoal técnico, os pseudo-pacientes referiam que já

se sentiam bem, que as vozes tinham parado e perguntavam

quando é que teriam alta. As interacções com o pessoal

técnico eram muito reduzidas e, como documenta Rosenhan,

tinham um carácter bizarro. Por exemplo, os técnicos quase

nunca paravam nem olhavam os pseudo-pacientes nos olhos.

Rosenhan contrasta estes resultados com outros obtidos num

contexto universitário, quando um sujeito procurava iniciar

uma conversação com um professor visivelmente apressado.

Os resultados mostram que as características das interacções

são bem diferentes, mesmo quando a pessoa pedia

informações sem sentido.

18
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Um outro aspecto curioso do estudo é que as histórias

de vida dos pseudo-pacientes tinham sido narradas, nas

entrevistas, sem ocultar ou distorcer qualquer informação, a

não ser os aspectos que permitissem identificá-los (e.g.,

profissão). Rosenhan refere como estas histórias foram

distorcidas pelo pessoal técnico de modo a tornarem-se mais

patologizadas.

Uma segunda parte deste estudo foi elaborada quando

surgiram técnicos a reclamar que os resultados de Rosenhan

não seriam possíveis nos seus serviços. Realizou-se, então, o

estudo mais económico da história: Rosenhan anunciou que

iria introduzir pseudo-pacientes num dado contexto

profissional e desafiou os técnicos a identificá-los. Apesar de,

na realidade, nenhum participante se ter apresentado nesse

serviço, a percentagem de pseudo-pacientes identificada foi

significativa.

A polémica em torno deste estudo centrou-se na incapacidade de

os técnicos identificarem os falsos positivos (isto é, as pessoas que

receberam o diagnóstico, sem de facto estarem doentes), com a

argumentação subjacente que os saberes psi não seriam rigorosos e

objectivos. Do nosso ponto de vista, dada a ausência de métodos de

diagnóstico complementar na psiquiatria, estes resultados não são de

estranhar. Se a única forma de diagnosticar uma determinada doença

do foro biomédico fosse o método clínico, sem qualquer auxiliar de

19
Psicoterapia: Uma arte retórica?

diagnóstico, poderiamos suspeitar que os mesmos resultados seriam

obtidos noutras especialidades médicas6.

Julgamos, contudo, que há outras dimensões bem mais

importantes neste estudo que podem suscitar a nossa reflexão.

Apesar da crítica da psiquiatria oficial ao estudo de Rosenhan,

este não procurava demonstrar com os resultados obtidos que os

técnicos eram negligentes. É, assim, muito importante que se possa

exercer um olhar sobre estes resultados que transcenda a análise

individualizada centrada nas competências técnicas. O problema, de

acordo com Rosenhan, não está nas competências ou capacidades dos

técnicos envolvidos, mas na organização dos cuidados de saúde

mental, bem como nas concepções que orientam estes cuidados.

Assim, de modo congruente com as intenções de Rosenhan,

pretendemos neste livro usar estes resultados para problematizar a

noção de doença mental.

Do nosso ponto de vista, a partir do estudo de Rosenhan,

podemos identificar três temas centrais que atravessam as diferentes

críticas aos modelos realistas da doença mental: os efeitos da

institucionalização, o impacto do processo de rotulação e a

individualização do comportamento disfuncional.

Analisemos de seguida cada uma destas ideias.

6 Szasz (1997a) discute este mesmo problema em torno da inexistência de distinção


entre signo e sintoma, no território da psicopatologia. Neste domínio o signo é o
sintoma, o que faz com que se torne virtualmente impossível distinguir doença mental
de simulação.

20
Psicoterapia: Uma arte retórica?

2.2.1 Institucionalização

No estudo de Rosenhan podemos verificar a existência de um

conjunto de mecanismos institucionais que tornam o internamento não

só não terapêutico como, em alguns casos, patologizante. De facto,

como refere Rosenhan, o tempo passado com os pacientes é reduzido

e decresce à medida que se sobe na hierarquia médica, o mundo dos

internados é completamente separado do das equipas responsáveis e a

crença na importância da medicação faz com que os aspectos

relacionais e comunicacionais sejam relegados para um distante

segundo plano.

Estes aspectos são fortemente criticados pelo trabalho de

Goffman (1974), que descreve as instituições totais (entre as quais

situa os hospitais psiquiátricos) como “estufas para mudar pessoas;

[sendo] cada uma um experimento natural sobre o que se pode fazer

ao eu” (p. 22). Goffman procura detalhar os mecanismos sociais e

psicológicos que emergem na adaptação ao internamento, que ele

designa por mortificação do eu. Estes mecanismos constituem,

inúmeras vezes, profecias que se auto-cumprem, dado que tornam a

desinstitucionalização, mesmo para os próprios internados, uma

possibilidade cada vez mais remota. A adaptação eficaz ao mundo

social interno compromete a adaptação ao mundo externo. A

institucionalização torna-se, assim, um processo auto-perpetuante.

Inspirados por estas críticas e pela grave situação dos direitos

humanos dos doentes mentais (em 1949, nos Estados Unidos só 10%

dos internados eram voluntários; Prior, 1996), os movimentos

21
Psicoterapia: Uma arte retórica?

antipsiquiátricos e a saúde mental comunitária fizeram da

desinstitucionalização a sua exigência central (cf. Fleming, 1976;

Gameiro, 1992). A ideia fundamental de que não se pode tratar a

doença mental em espaços socialmente doentes viria a ser alvo de

debate até aos dias de hoje, com a contra-crítica de que a

desinstitucionalização foi responsável pela situação de inúmeros sem-

abrigo. Sem querermos entrar nesta polémica (cf. Shadish, Lurigio &

Lewis, 1989; para uma revisão), parece-nos relativamente consensual

dizer que a desinstitucionalização não se fez, de facto, acompanhar de

alternativas credíveis ao nível da prestação de cuidados de saúde.

Contudo, não só a desinstitucionalização não resultou apenas dos

movimentos críticos (ela foi também uma exigência da própria

psiquiatria oficial), como também não nos parece legítimo atribuir-se à

desinstitucionalização os actuais problemas dos sem-abrigo, como por

vezes se procura fazer. Desta forma, não nos parece que as críticas

legítimas aos movimentos críticos e aos seus efeitos anulem as suas

contribuições nem a pertinência das suas dúvidas sobre as vantagens

da institucionalização. A questão da institucionalização não é, contudo,

central no nosso argumento.

Referimos esta crítica à institucionalização porque ela está

presente de um modo claro no estudo de Rosenhan e constitui uma

dimensão importante na disputa política, que se perpetua até hoje,

entre críticos e defensores da desinstitucionalização. Por outro lado, os

efeitos patologizantes da institucionalização, atrás descritos, são

indissiociáveis de algo que nos parece mais central: o impacto da

etiquetagem social de alguém como portador de um défice interno e as

22
Psicoterapia: Uma arte retórica?

consequências dos processos relacionais que tal etiquetagem

desencadeia.

Estas duas outras dimensões emergentes do estudo parecem-nos

mais relevantes de um ponto de vista conceptual, dado que, para além

de estarem claramente articuladas entre si, permitem um

questionamento à noção tradicional de doença mental. Comecemos

então por discutir o modo como os processos de rotulação estão

presentes neste estudo, bem como as críticas mais recentes em torno

desta questão.

2.2.2 Rotulação

O estudo de Rosenhan é muito claro na ilustração dos processos

de rotulação: a história dos pseudo-pacientes é estranhamente re-

interpretada (e.g., padrões “normais” de interacção com a família e os

amigos passam a estar repletos de ambivalência), o comportamento

explícito passa a ser sintomático (e.g., escrita); enfim, diversas

características triviais dos internados são susceptível de passar a ser

entendidos como mais um indício da sua patologia. Assistimos, nestes

processos, às operações do que em psicologia social se designa por

“erro fundamental” (cf. Leyens, 1985): a atribuição à personalidade (e

neste caso à doença mental) de aspectos que deveriam ser atribuídos

a características do contexto. Leyens (1985) refere, no seu livro,

outros exemplos curiosos das operações do erro fundamental, sendo

um exemplo interessante um estudo realizado com estudantes de

psicologia, em que estes foram convidados a observar um video com

duas crianças a brincar. Numa das condições foi-lhes referido que as

23
Psicoterapia: Uma arte retórica?

crianças eram psicóticas, enquanto a outro grupo as crianças foram

apresentadas como normais. Como seria de esperar, no primeiro caso

os comportamentos triviais das crianças foram alvo de forte

patologização (e.g., carrinhos que chocam são interpretados como

expressão de impulsos destrutivos), não tendo tal ocorrido na segunda

condição.

A nossa herança cultural centenária torna, de facto, difícil atender

aos contextos e tende a operar como se tudo fosse explicável pela

acção dos agentes individuais ou por processos que, apesar de

poderem escapar a estes (e.g., doença mental), se processam dentro

deles. Os modelos psicológicos e psicopatológicos potenciam este

efeito, dado que sugerem que se deve identificar (isto é,

“diagnosticar”) um conjunto de dificuldades internas para que se

possa intervir. Deste modo, os profissionais psi, treinados nesta lógica,

têm uma sensibilidade particular aos défices internos, mesmo quando

estes são, afinal, reacções perfeitamente normais a um dado contexto.

Esta preocupação com a rotulação emerge em modelos

psicológicos de origens diversas, desde a recusa dos diagnósticos na

terapia humanista, à substituição do diagnóstico pela análise funcional

nos modelos comportamentais iniciais, até às elaborações sistémicas

em torno do conceito de paciente identificado; sendo a ideia

fundamental que atribuir um diagnóstico a alguém pode colocar em

operação mecanismos redutores e lesivos de quem é rotulado.

Talvez o autor que de forma mais sistemática tematizou esta

questão tenha sido Scheff (1966, cf. Levine & Perkins, 1984), com a

teoria da rotulação. Scheff articula de modo muito claro a forma como

24
Psicoterapia: Uma arte retórica?

os processos sociais, mais do que a gravidade do desvio, são

responsáveis pela rotulação e pelo desencadear subsequente de uma

carreira desviante. A atenção e o poder dos agentes de controlo, a

disponibilidade de alternativas não patologizantes na comunidade, a

tolerância desta para com o desvio, o poder dos infractores

relativamente aos agentes de controlo e o carácter público ou privado

das violações de normas que estão em causa - estes são alguns dos

processos que podem conduzir alguém a receber um diagnóstico de

doente mental e a enveredar por uma carreira desviante ou, pelo

contrário, a ter infringido pontualmente as normas sociais sem

qualquer desenvolvimento patologizador subsequente. Scheff

distingue, deste modo, a desviância primária, que corresponde a uma

violação pontual de regras (que todos cometemos uma ou mais vezes

ao longo da vida), de uma desviância secundária ou carreira desviante

(que decorre da operação dos processos sociais rotuladores sobre a

desviância primária e que estabiliza esta última).

Ao longo dos anos, o trabalho de Scheff tem sido alvo de duras

críticas. Recentemente, Bowers (2000) procurou mostrar que esta

teoria não é conceptualmente sustentável. Julgo que algumas das suas

críticas são claras e legítimas. Por exemplo, a teoria da rotulação parte

dos fenómenos criminais para compreender a desviância em geral (isto

é, estas teorias foram em primeiro lugar aplicadas à compreensão do

crime), ignora a grande diversidade de reacções sociais ao desafio das

regras, não explica os diferentes percursos desviantes ou a origem da

desviância primária e não é clara quanto ao modo como a auto-

25
Psicoterapia: Uma arte retórica?

rotulação pode ocorrer, isto para referir só alguns dos problemas que

apresenta.

Contudo, apesar de ser claro que a teoria da rotulação levanta

quase tantos problemas teóricos como aqueles que pretende resolver,

esta não deixa de ser um dos modelos teóricos que, de modo mais

sistemático, procura pensar a influência dos processos sociais no que

outrora era encarado como um processo estritamente técnico (e.g.,

detecção precoce, diagnóstico, tratamento). Ou seja, esta teoria é uma

contribuição para podermos pensar a influência dos mecanismos

sociais na emergência e desenvolvimento da doença mental, e não

uma meta-teoria construcionista, como parece querer fazer crer

Bowers (2000). Esta intenção de Bowers é, de resto, clara nos seus

propósitos: se a teoria da rotulação tem problemas, aparentemente

incontornáveis, se todas as críticas à versão oficial da doença mental

dependem daquela, então podemos livrar-nos sem problema de todos

os discursos críticos e assegurar uma posição não ameaçada para os

modelos tradicionais. Por outro lado, a crítica, legítima como referimos,

ao modelo de Scheff também não prova o argumento contrário. Isto é,

não é através da demonstração de que a proposta de Scheff pode não

estar totalmente correcta, que se demonstra que a rotulação não tem

qualquer efeito na estabilização de uma “carreira” de doente mental. A

vantagem desta teoria, na nossa opinião, é a de nos obrigar a

ponderar os efeitos que a rotulação pode ter no impacto da reacção

social face à doença mental e, mais importante ainda, na nossa

reacção enquanto técnicos.

26
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Assim, encontramos na teoria da rotulação a gênese de uma

tradição crítica que culmina hoje , por exemplo, nas críticas aos DSMs

(cf. P. Caplan, 1995; Kutchins & Kirk, 1997; Sarbin, 1997) ou nas

reflexões dos construcionistas sociais, como Gergen (1996; Gergen,

Hoffman & Anderson, 1995), sobre o efeito do “discurso do défice”.

Estas perspectivas, relativamente convergentes entre si, têm-se

centrado em diversos problemas. Em primeiro lugar, o modo como os

diagnósticos têm sido introduzidos ou retirados nas novas versões do

DSM. O exemplo mais claro deste processo é a forma como a

homossexualidade deixou de ser doença no DSM-III (APA, 1980) –

através de uma votação particularmente renhida -, depois da reunião

anual da Associação de Psiquiatria Americana se ter visto perturbada

inúmeras vezes por manifestações de homossexuais que protestavam

contra a patologização da sua preferência sexual (cf. Kutchin & Kirk,

1997). O modo como a homossexualidade foi considerada “não-

doença” depois de 1980 explicita a forma como os diferentes comités

que participam na elaboração deste manual de diagnóstico se

envolvem em processos de negociação, em que diferentes interesses

políticos estão presentes.

Um outro exemplo destes mesmos processos foi a polémica em

torno de um conjunto de “patologias femininas”. No seu livro “They say

you’re crazy”, P. Caplan (1995) descreve o modo como se viu

envolvida em debates em torno do síndroma pré-mentrual (que seria

alvo de inúmeras polémicas e de diversas mudanças de designação) ou

da personalidade masoquista; que surgiram como propostas a ser

integradas no DSM-III R (APA, 1987). A objecção dos sectores

27
Psicoterapia: Uma arte retórica?

feministas quanto a esta última perturbação é que ela se aplicaria sem

qualquer dificuldade às vítimas de violência conjugal, sendo estas

assim responsabilizadas pelo seu mal estar e comportamento dito

“patológico”. O estranho destino desta não menos estranha doença

mental foi o de ser integrada em anexo no DSM-III R (APA, 1987),

com um critério adicional que excluía as vítimas de violência conjugal,

e uma designação mais curiosa: “self-defeating personality disorder”.

O seu destino final seria desaparecer do firmamento psicopatológico,

na nova revisão de 1994.

É esta entrada e saída de cena de diversas perturbações mentais

que leva Beutler (2000) a perguntar ironicamente como é que a

medicina só tem explorado esta faceta de negociação democrática na

psiquiatria e não tem aplicado estas competências políticas para votar,

por exemplo, o desaparecimento do cancro ou das doenças cardio-

vasculares...

Claro que, para além da denúncia destes complexos processos de

negociação, estes autores procuram questionar de que modo estes

diagnósticos têm um impacto negativo nas populações ou grupos

específicos a que se dirigem. Por exemplo, P. Caplan (1995), como

reacção à proposta de criação da “self-defeating personality disorder” -

que patologiza características como “escolher pessoas e situações que

conduzem ao desapontamento, fracasso, ou maustratos”, “pôr de lado

oportunidades para sentir prazer”, “envolver-se em sacrifícios

excessivos”, ou “rejeitar ajuda” -, sugeriu uma nova patologia

designada “perturbação de personalidade dominadora delirante”. Esta

“perturbação” seria destinada a homens com uma “grande dificuldade

28
Psicoterapia: Uma arte retórica?

em identificar e expressar os seus sentimentos”, que “sofrem de um

grande mal estar quando estão na presença de mulheres que têm

dificuldade em disfarçar a sua inteligência” ou com “delirios em torno

da ideia de que as mulheres gostam de sofrer”. Esta ironia de P.

Caplan, como se deve imaginar, não foi particularmente bem recebida

pelos seus colegas que estavam a trabalhar no DSM-III R (APA, 1987),

mas teve a vantagem de evidenciar que o viés de género, que estava

presente na proposta da “perturbação de personalidade dominadora

delirante”, tinha o mesmo suporte científico que a “self-defeating

personality disorder”.

Porquê então esta pressão para o diagnóstico? Há quem sugira

que esta tendência para a criação de novos diagnósticos decorre de

vários processos interligados.

Em primeiro lugar, como sugerem Kutchin e Kirk (1997) falar-se

de disfunção, sem se conhecer qual é a “função”, torna o diagnóstico

particularmente tautológico – ou seja, recebe-se um diagnóstico

porque se apresenta um conjunto de sintomas, mas têm-se aqueles

sintomas supostamente devido àquele diagnóstico. Deste modo, a

doença mental seria uma forma de procurar “explicar” a ocorrência e

persistência de problemas na vida das pessoas (cf. Fisch, Weakland &

Segal, 1982). É fácil de ver que esta explicação é da mesma natureza

que aquela que atribui “propriedades dormitivas” ao ópio, para

justificar o facto de este provocar sono...

Em segundo lugar, o DSM-IV (APA, 1994) tem hoje uma enorme

força política: quer em termos de financiamento dos cuidados de saúde

(nos EUA as seguradoras só financiam a psicoterapia se houver

29
Psicoterapia: Uma arte retórica?

perturbação diagnosticável), quer em termos de investigação (os

subsídios para a investigação no domínio da saúde mental, também

nos EUA, exigem que estes esforços se dirijam a perturbações que

possam ser enquadradas no DSM-IV, 1994).

Finalmente, ao conceptualizar-se o DSM-IV (1994) como um

manual de classificação das doenças mentais, que têm uma existência

tão real e clara quanto as doenças do foro bio-médico, abre-se a

possibilidade de patologizarmos todos os comportamentos socialmente

desvalorizados. Por exemplo, por que não propôr uma nova

perturbação designada “condução delirantemente perigosa”, que

poderia explicar a elevada mortalidade nas estradas portuguesas? Na

verdade, talvez esta seja a “doença mental” mais especificamente

portuguesa, com uma maior mortalidade (diversos óbitos por dia), com

um comportamento mais claramente não razoável e, se olharmos de

um ponto de vista externo, mais difícil de compreender.

É precisamente esta tendência para enquadrar patologicamente

todos os nossos comportamentos menos positivos que tem levado

Gergen (1996) a analisar os processos que têm contribuído para uma

patologização progressiva da cultura, bem como as consequências

sociais desta expansão.

A ideia fundamental é que a cultura tem vindo a ser patologizada,

sendo cada vez mais frequente e fácil encontrar défices e rótulos para

etiquetar todo o tipo de comportamentos, com consequências

particularmente nefastas. Gergen destaca, entre estas, a erosão da

comunidade (isto é, os problemas são retirados do seu enquadramento

comunitário habitual e são colocados na esfera técnica), a

30
Psicoterapia: Uma arte retórica?

desvalorização de soluções não técnicas e a hierarquização (isto é,

inventou-se uma nova hierarquia social, em que ter uma doença

mental, por muito circunscrita que ela seja na nossa vida, pode

constituir uma desvantagem social). Como se depreende da posição de

Gergen, pretender retirar o estigma à doença mental é um contrasenso

e uma tarefa destinada ao fracasso. De facto, a única forma de retirar

o estigma à doença mental é recusar que ela seja vista como uma

doença da mente, dado que só desta forma é possível descentrar a

atenção das supostas incompetências dos pacientes. A este propósito

talvez valha a pena referir, que enquanto nos anos 70 a comunidade

homossexual recusou a ideia de que a sua preferência sexual fosse

uma doença, há uma nova tendência nos EUA para procurar as bases

biológicas da homossexualidade, dentro da própria comunidade

homossexual (cf. Kutchin & Kirk, 1997), com o objectivo aparente de

desculpabilizar esta preferência. De um modo ou de outro, o objectivo

implícito é retirar a carga socialmente acusatória a um conjunto de

comportamentos (neste caso de natureza sexual) – ou porque estes

não constituem uma doença ou porque se tratam de um problema

biológico. Assistimos, assim, a um claro exemplo da forma como as

doenças de foro mental se situam dentro de um enquadramento moral,

ausente nas patologias do foro biológico.

O desenvolvimento da linguagem do défice (isto é, de uma

linguagem que enfatiza os nossos defeitos pessoais) é patente no

aumento do número de diagnósticos do DSM-I até ao DSM-IV, bem

como no aumento de critérios de diagnóstico. Sarbin (1997), por

exemplo, afirma que em 1952 existiam 106 formas diferentes de se

31
Psicoterapia: Uma arte retórica?

ser doente mental, enquanto hoje há cerca de 400. Do mesmo modo,

os critérios de diagnóstico passaram de uma média de 5,9 por

patologia em 1980, para 7,9 em 1994 (ibidem). Se acrescentarmos a

estes números o aumento do recurso a terapeutas, fármacos e

serviços; bem como os inúmeros indicadores da disseminação da

linguagem técnica no senso comum (quantos testes psicológicos é

possível encontrar hoje nas revistas ditas “femininas”?), torna-se claro

que talvez Gergen (1996) tenha alguma razão nas suas reflexões,

independentemente da teoria da rotulação ser verdadeira ou falsa.

Próximo da argumentação de Gergen encontramos as críticas de

Thomas Szasz a propósito da medicalização das nossas vidas actuais,

com a consequência epistemológica de esta transformar

comportamentos desajustados ou socialmente reprováveis em doenças

e com a consequência ética de transformar os médicos (e profissões

associadas) em guardiões da moralidade (cf. Szasz, 1978). Szasz não

nega o sofrimento humano, mas recusa que chamemos a este

sofrimento doença, sugerindo que há aqui uma perigosa analogia entre

o sofrimento do corpo que as doenças físicas (a maioria das vezes)

implicam e o sofrimento moral que o nosso comportamento pode

acarretar. Com ou sem sofrimento, para Szasz (1978, 1994, 1996,

1997a, 1997b, 2001) o nosso comportamento é uma questão moral e

social, não bio-médica.

Julgamos que vale a pena enfatizar que sempre que um

determinado comportamento é lido como doença (seja ele a condução,

o consumo de drogas, ou a violência conjugal) há um conjunto de

processos que são colocados em marcha. Talvez dois dos mais

32
Psicoterapia: Uma arte retórica?

importantes sejam a ocultação das dimensões socio-políticas do

problema e a redução do tratamento ao indivíduo. Por exemplo,

quando se procura ler de um modo estritamente patológico a violência

conjugal ignora-se que há uma longa tradição cultural de tolerância a

esta forma de violência, que só recentemente esta constitui um crime

e que o aparelho judicial só agora começa a mostrar alguns sinais de

querer “meter a colher entre marido e mulher”. Como se vê neste

exemplo, a psicologização de um fenómeno pode ser uma forma de

tornar invisíveis as forças sociais co-responsáveis pelo problema e de

reduzir o tratamento à esfera individual.

2.2.3 Individualização do comportamento disfuncional

Quando os contextos são ignorados, as dimensões interacionais

ficam invisíveis, restando-nos como “explicação” para um dado

comportamento o indivíduo isolado. De facto, os resultados do estudo

de Rosenhan (1984) ilustram, pelo menos parcialmente, o modo como

a interacção em contexto hospitalar pode ter características

patologizantes que são depois reatribuídas aos pacientes, em vez de

serem compreendidas relacionalmente. Não deixa de ser interessante

que, num contexto altamente vigilante à disfuncionalidade, a própria

comunicação seja perturbada. Como mostra Rosenhan, as interacções

em contexto hospitalar caracterizam-se por comportamentos por parte

dos profissionais que, de algum modo, desvalorizam o interlocutor e o

conteúdo do que este comunica.

33
Psicoterapia: Uma arte retórica?

A terapia familiar (cf. Alarcão, 2000; Relvas, 1999, 2000;

Sampaio & Gameiro, 1985; Nichols & Schwartz, 2001; para uma

revisão deste tema) foi talvez o primeiro esforço sistemático para

compreender a patologia a partir de perturbações nas interacções, em

vez de a encarar como um disfuncionamento individual.

De facto, a compreensão monádica dos seres humanos, do

mesmo modo que produz uma ocultação dos contextos, também torna

invisíveis as relações. Ao sermos conceptualizados como

independentes e autónomos estamos condenados a ser os únicos

responsáveis pelo nosso “disfuncionamento”. E, se somos autónomos,

então a explicação para comportamentos que, do ponto de vista do

observador, são irrazoáveis tem que ser construída a partir de

supostas disfunções presentes no nosso interior, seja nas estruturas da

nossa mente ou nos recônditos obscuros da nossa identidade. A única

forma de escapar a esta responsabilização é conceber a doença mental

como estritamente biológica ou reatribuir os seus factores causais a

outros interlocutores (e.g., quando um adulto atribui os seus

problemas ao comportamento que os pais tiveram para consigo

durante a infância).

A propósito da compreensão monádica (que será retomada no

próximo capítulo), Watzlawick (1990) conta uma interessante história

que se terá passado em Palo Alto. Don Jackson e um psicólogo clínico

foram convidados a entrevistar-se um ao outro. Ao primeiro foi dito

que o seu interlocutor era um doente que, no seu delírio, pensava ser

34
Psicoterapia: Uma arte retórica?

psicólogo clínico; por sua vez, ao psicólogo foi dito que iria entrevistar

um paciente convencido de que era psiquiatra.

Os dois homens entraram em diálogo e, quanto mais cada um

deles se comportava competentemente no decurso da entrevista, mais

convencido cada um ficava da realidade do delírio do outro. A

interacção só terminou quando o psicólogo se recordou de que existia,

de facto, um psiquiatra chamado Don Jackson e que este era famoso

pelos seus trabalhos sobre esquizofrenia. O que é mais curioso nesta

experiência é a ilustração da capacidade que os rótulos iniciais têm de

se tornar relacionalmente auto-perpetuantes. Quanto mais um

indíviduo se comporta “adequadamente” mais o outro fica visível na

sua “disfuncionalidade” e vice-versa.

A terapia familiar, que se desenvolve inicialmente em torno de

Bateson e da escola de Palo Alto, veio permitir-nos compreender

melhor estes processos de interacção. As primeiras teorias

desenvolvidas, enquadradas hoje na primeira cibernética, procuravam

olhar para os sintomas psicopatológicos como estratégias do sistema

para manter a homeostasis. Isto é, os sintomas seriam uma forma de

o sistema familiar evitar a mudança (cf. Anderson, 1997; Dell, 1982;

Bogdan, 1985; Relvas, 2000). Mais tarde, terapeutas como Watzlawick

(e.g., 1978; Watzlawick, Weakland & Fish, 1974) vão olhar para os

sintomas como padrões de interacção problemáticos, que se mantêm

dado que constituem, no sistema, a única solução concebível, que se

repete ad eternum. Os sintomas psicopatológicos perdem, deste modo,

a sua funcionalidade sistémica e desapareceriam se as pessoas não os

procurassem “resolver” com tanto empenho. Assim, as soluções de

35
Psicoterapia: Uma arte retórica?

que o sistema dispõe vão transformar-se no sintoma, quando aquele

tem uma reduzida capacidade de mudar as suas regras de

funcionamento (i.e., de encontrar ou de construir outras soluções). Ou

seja, deste ponto de vista, a ocorrência de problemas, bem como a sua

persistência ao longo do tempo, deve-se à procura incessante da

mesma “solução”. Quanto mais o filho se comporta de modo rebelde,

mais os pais o procuram controlar e disciplinar, o que motiva e justifica

a rebeldia do filho, que reforça as tentativas de controlo dos pais... e

assim sucessivamente, num ciclo sem fim. Ou, para dar outro

exemplo, quanto mais alguém se sente ansioso em contextos sociais,

mais procura esconder dos outros essa ansiedade, tornando-se assim

hipervigilante aos sinais desta (e.g., taquicardia, sudação), o que a

leva a procurar desenvolver métodos mais “eficazes” para ocultar a

ansiedade, tornando-a paradoxalmente mais visível; num ciclo vicioso

que se repete e rigidifica. Mas porque mantêm as pessoas as mesmas

“soluções”, se afinal elas se mostram problemáticas? Provavelmente há

várias razões explicativas para tal, sendo talvez a mais importante a

ideia, culturalmente difundida, de que devemos ser persistentes

quando procuramos resolver um problema – se a nossa solução não

resulta à primeira tentativa devemos esforçar-nos mais, até obtermos

os resultados desejados (Fisch, Weakland & Segal, 1982). Uma outra

explicação possível é que, quando num sistema não existem outras

soluções, a única solução disponível é tentada até que produza

resultados, mesmo quando estes insistem em não aparecer

(Watzlawick, Weakland & Fisch, 1974).

36
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Assim, com esta conceptualização cibernética, nas situações de

disfuncionalidade a solução é o problema. Mudam-se as soluções (ou

bloqueia-se a solução original) e o problema desaparece. Bastaria a

simples consideração deste aspecto para separar radicalmente a

terapia do exercício da medicina. Como diz humoristicamente

Watzlawick (1990): “Repare-se na, só aparentemente absurda,

consideração que, no domínio da terapia sistémica, se tem

comprovado a si própria: O que devo fazer de modo a obter aquilo que

pretendo evitar? [isto é, de que que modo o cliente e eu próprio

podemos parar de tentar resolver o problema?] No domínio da

medicina a questão seria: Como posso matar este doente?” (p. 254-

255).

Estes foram, seguramente, os primeiros esforços sistemáticos

para compreender a patologia como resultado, não do

disfuncionamento individual, mas da disfuncionalidade do sistema.

Todos os modelos que são hoje integrados na primeira cibernética (cf.

Relvas, 2000) olham, de algum modo, para o sistema como o criador

do problema, seja devido às estratégias de resolução do próprio

problema que, de modo paradoxal, o perpetuam (e.g., Watzlawick,

Weakland & Fisch, 1974; Watzlawick, 1978), seja através da

patologização dos processos comunicacionais envolvidos (e.g.,

Watzlawick, Bavelas & Jackson, 1967). Se tivermos em consideração o

exemplo referido no estudo de Rosenhan (1984), as interacções

descritas podem ser olhadas como formas de tangencialização (cf.

Watzlawick, 1990), em que o interlocutor de algum modo comunica ter

recebido a mensagem, mas ignora quer o seu conteúdo quer os

37
Psicoterapia: Uma arte retórica?

aspectos relacionais envolvidos. Uma análise da pragmática da

comunicação humana (cf., Watzlawick, Bavelas & Jackson, 1967)

permite-nos antecipar, sem dificuldade, que nos contextos hospitalares

podem surgir outras formas de comunicação patologizantes tais como,

por exemplo, os paradoxos (do género “tem que reconhecer que está

doente para acreditarmos que está a melhorar”), as mistificações (em

que o que a pessoa sente, pensa e percebe é encarado como estando

errado, dado que ela é doente), ou as desqualificações do conteúdo

das mensagens.

Mais recentemente, a influência da 2ª cibernética e o encontro

das terapias familiares, primeiro com o construtivismo e depois com o

construcionismo, conduziu-nos a considerar que o próprio terapeuta

não pode ser separado do sistema, ficando impossibilitado de o

analisar como uma realidade à parte. Já não é o sistema que cria o

problema, através dos processos comunicacionais envolvidos ou das

tentativas de resolução desajustadas, mas o problema que cria o

sistema (incluindo o sistema terapêutico) (cf. Anderson, 1997). Desta

perspectiva, o que interessa é saber como é que as diferentes pessoas

constroem e partilham significados acerca do problema, de tal modo

que em torno deste se constrói uma rede de significados que confere

coerência ao sistema e mantém o seu funcionamento (cf. Andersen,

1993). A centração dos modelos terapêuticos desloca-se, pois, com a

segunda cibernética, dos mecanismos presentes na emergência da

patologia para o modo como são construídos os significados pelas

diferentes pessoas envolvidas no problema e para a forma como estes

sustentam ou aniquilam as relações (cf. Eron & Lund, 1996). Como

38
Psicoterapia: Uma arte retórica?

refere Anderson (1997), a noção de sistema torna-se um construto

arbitrário, dado que as suas fronteiras não podem ser delimitadas por

um observador externo. De Shazer (1991) explicita muito bem esta

ideia ao sugerir que, “tal como o ego, o sistema não está em lado

nenhum porque ele não existe” (p. 26).

Este impacto do construtivismo e do construcionismo na terapia

familiar pode observar-se, simultaneamente, no interior de outras

tradições terapêuticas (e.g., cognitivistas, psicodinâmicas, humanistas;

cf. Neimeyer & Stewart, 2000, para uma revisão) e o construcionismo

social tem insistido na importância de rever os conceitos individualistas

à luz de uma lógica relacional (cf. McNamee, Gergen & Associates,

1999; com exemplos deste esforço aplicado à responsabilidade

individual).

Com esta transformação, a patologia, que tinha, no decurso da

evolução dos paradigmas sistémicos, deixado de estar localizada na

mente individual para estar localizada no sistema, torna-se ainda mais

volátil, ao deslocar-se para o tecido discursivo. Deste ponto de vista,

os problemas passam a ser modos disfuncionais de significar, que são

sustentados activamente pelo cliente e pelos seus interlocutores. Dado

que a produção de significados (“normais” ou “patológicos”) não ocorre

de modo isolado, os outros são co-responsáveis neste processo. A

noção de “outros” neste contexto não é somente a dos outros reais

com quem a pessoa contacta, mas também a do “outro-generalizado”

(Hewitt, 1991), isto é, a cultura e os modos de funcionar socialmente

aceitáveis que constrangem o modo como podemos experienciar a

nossa subjectividade. Como diz Wertsch (1991), a unidade de

39
Psicoterapia: Uma arte retórica?

compreensão em psicologia é sempre, necessariamente, a pessoa em

interacção.

Analisamos, neste capítulo, alguns dos efeitos centrais da

conceptualização da doença mental como uma entidade real, situada

no interior do indivíduo perturbado, bem como algumas das críticas e

alternativas que têm sido sugeridas a esta forma de pensamento.

Do nosso ponto de vista, esta concepção internalizada da doença

mental apoia-se numa visão reificada da identidade que tem,

igualmente, vindo a ser desafiada.

Analisemos, pois, de que forma a identidade tem sido

conceptualizada e que problemas tais perspectivas suscitam.

2.3 Desreificação da identidade

“(O self) não é uma entidade. É antes um local de onde a pessoa percebe o mundo e
age. Há somente pessoas. Os selves são ficções gramaticais”
Rom Harré (1998, p. 3-4)

2.3.1 A emergência da identidade monádica

A psicoterapia, talvez à excepção dos modelos comportamentais e

de algumas perspectivas sistémicas, tem feito depender a mudança

terapêutica da modificação de processos localizáveis na identidade dos

clientes. Podemos encontrar uma infinidade de linguagens terapêuticas

mas, invariavelmente, a identidade tem sido tratada como algo que

existe de facto, localizável na mente das pessoas.

40
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Este investimento nos indivíduos isolados como unidades de

análise corresponde a um desenvolvimento histórico e cultural que

remonta provavelmente ao Iluminismo. Danziger (1997) afirma que a

primeira referência ao self surge em língua inglesa em 1300, sendo

este concebido de modo claramente negativo até ao Iluminismo.

Durante toda a Idade Média, como refere Danziger (1997), a

identidade era o “grande Anti-Cristo e Anti-Deus do mundo” (p.50),

sendo a individualidade tomada como equivalente ao pecado.

Curiosamente, o Oxford English Dictionary contém uma referência

da Idade Média ao self que traduz esta forma de pensamento: “Oure

awn self we sall defy, and folow oure lord God al-myghty” (cit.

Danziger, 1997, p. 50). Para Danziger, esta tendência de encarar o self

como o opositor de Deus prolonga-se até ao Iluminismo e a frase,

acima citada, que faz equivaler self ao Anti-Cristo, é já de 1680.

Corbin (1990) destaca um conjunto de desenvolvimentos

históricos que assinalam o advento do individualismo moderno nos dois

últimos séculos: a emergência do retrato individual e familiar, a

utilização generalizada do espelho e a multiplicação dos nomes

próprios. Outros sinais metaforizam, ainda, no século XIX e no começo

do século XX, esta nova importância do indivíduo, tão ao sabor do

liberalismo burguês: a análise meticulosa dos corpos desviantes (e.g.,

a antropologia criminal de Lombroso), o uso difundido do diário (até

como género literário) e a invenção do bilhete de identidade.

O século XIX é, em diversas vertentes, um importante momento

de desenvolvimento do conceito moderno de identidade: estável,

mesmo quando se desenvolve ao longo do ciclo de vida; diferenciada

41
Psicoterapia: Uma arte retórica?

dos outros; interna aos indivíduos. É a criação de espaços internos

separados do tecido social que ocorre: primeiro o espaço interior da

família, ao desenvolver-se a família nuclear (cf., Shorter, 1995), e

depois o espaço interno do indivíduo isolado e introspectivo. Como

sugere Baumeister (1997), é a partir do momento em que as pessoas

passam a ter a possibilidade de realizar escolhas (e.g., de parceiros,

de profissões) que a vertente executiva do self (i.e., o self como

agente activo) se pode desenvolver. Ora isto, historicamente, ocorre a

partir do fim do século XVIII/início do século XIX. Uma outra

importante dimensão do desenvolvimento da identidade moderna foi a

sua importância como locus de tomada de posição moral, depois da

erosão da Igreja e do Estado como garantes da moralidade. Este

desenvolvimento do individualismo moderno, com o seu concomitante

abandono ou relativização de valores que entram em conflito com os

desejos individuais, explica também a erosão da estabilidade do

casamento nas sociedades ocidentais, com consequente aumento do

número de divórcios, sempre que este se torna um claro entrave ao

desenvolvimento dos projectos pessoais (cf. Baumeister, 1997).

Não deixa de ser irónico, como sugere Gergen (1999), que esta

ideologia da individualidade, que nos parece hoje tão lógica e natural

(quase como se não pudessemos olhar para nós próprios de um outro

modo), tenha sido afinal uma conquista colectiva, uma oferta da

História e da Cultura e tenha envolvido “um presente dos outros (...)

que nós não escolhemos; foi escolhido para nós” (p.8). Ou seja, apesar

da valorização da nossa autodeterminação, esta, paradoxalmente, não

foi autodeterminada, mas imposta pela História, num momento

42
Psicoterapia: Uma arte retórica?

particularmente importante de afirmação da burguesia contra o poder

do clero e da nobreza.

2.3.2 Identidade monádica

A concepção de individualidade presente nos diferentes modelos

psicoterapêuticos, herdeira deste individualismo moderno, implica uma

separação e diferenciação dos outros, bem presente, por exemplo, na

perspectiva hidráulica freudiana em que o investimento no self é

inversamente proporcional ao investimento nos outros (Freud,

1921/1976; cf. Sampson, 1993). Também a perspectiva que Freud

(1923/1976) tinha do funcionamento dos grupos ilustra bem esta

natureza negativa das relações. Em situações grupais a vontade

individual dissolve-se no movimento colectivo, emergindo processos no

funcionamento do grupo que constituem uma ameaça à audo-

determinação dos indivíduos.

A concepção monádica que estas descrições ilustram é dominada

por uma metáfora mecanicista da mente: existem mecanismos

psicológicos no interior dos sujeitos que obedecem a padrões

universais, independentes da cultura e do contexto, e que podem ser

avaliados e modificados.

Pouco importa a forma como estes mecanismos internos são

descritos - seja de uma perspectiva cognitivista em que as estruturas

centrais organizam a actividade cognitiva, sejam o aparelho psíquico e

o jogo das pulsões na psicanálise - dado que o que constantemente

emerge é a ideia de que dispomos no nosso interior de um conjunto de

dispositivos, que, como todos os mecanismos, podem adquirir um

43
Psicoterapia: Uma arte retórica?

funcionamento inapropriado. É claro que o objectivo da psicoterapia

nesta óptica é fornecer aos indivíduos experiências correctoras que

permitam repor o funcionamento normativo destes mecanismos.

À identidade, dentro desta tradição individualista, podemos

atribuir três características centrais (M. Gonçalves, 1995, 1997; M.

Gonçalves & O. Gonçalves, 1995): (1) privacidade, (2) carácter

reificado e (3) unicidade.

1. Privacidade e alienação das relações: A identidade caracteriza-

se por ser individual e privada, situando-se a realidade psicológica,

desta forma, no interior dos indivíduos. Esta concepção foi

implicitamente aceite mesmo pelos teóricos comportamentais, que se

recusaram a investigar a interioridade, fechada na "caixa negra",

irredutível à metodologia positivista de investigação. Uma das

consequências mais interessantes da privacidade é o que Stlororow e

Atwood (1992) designam por alienação interpessoal (cf. Sampson,

1993, 2000; Gergen, 1996; que desenvolvem argumentos

semelhantes), sendo o sentimento de isolamento e de diferenciação

dos outros percebido como necessário e positivo. As relações

interpessoais emergem, assim, de forma negativa, sendo a autonomia

e a independência objectivos importantes na educação e no

desenvolvimento. É a autonomia que assegura a nossa capacidade

moral e de tomada de decisão, a nossa individuação e, enfim, o nosso

equilíbrio. Como referia recentemente Sampson (2000), a escolha,

dentro desta conceptualização monológica, é entre o solipsismo com

autonomia e a dissolução na comunidade. De acordo com aquele autor,

esta é, dentro de uma cultura dialógica, uma falsa escolha, um

44
Psicoterapia: Uma arte retórica?

dualismo enganador, que conduz a uma legitimação sistemática da

autonomia. Se as pessoas não existem sozinhas, então não há

indíviduo sem comunidade, tal como não existe comunidade sem

indivíduos.

2. Reificação e alienação da subjectividade: O conceito de

identidade foi sempre assumido como uma realidade de facto, cuja

base ontológica varia conforme a preferência dos teóricos - traços,

estruturas, esquemas, instintos, aparelho psíquico, eu genuíno... Harré

e Gillett (1994) afirmam que é esta a ambiguidade central da

psicologia cognitiva - saber se as suas estruturas são de facto reais

(componentes do sistema nervoso central) ou se são criações

metafóricas que nos permitem organizar o conhecimento acerca dos

processos cognitivos. Contudo, esta ambiguidade não é somente

central na psicologia cognitiva, dado que todas as produções teóricas

em psicologia procuraram desenvolver conhecimento sobre a nossa

organização interna.

A consequência central da reificação é a atribuição de

propriedades físicas a estas estruturas, produzindo-se, assim, uma

alienação da subjectividade (cf., Stlororow & Atwood, 1992). Como

referem Gilligan, Brown e Rogers (1990), tratar a psique como um

objecto conduz à eliminação do corpo, das relações e da cultura.

Temos assim uma identidade-máquina, cujo funcionamento deve ser

compreendido através de uma lógica objectivista e mecanicista, sendo

valorizada a causalidade eficiente e material, em detrimento de modos

de causalidade final (cf. de Shazer, 1991, Slife & Williams, 1995). Tal

como refere Rychlak (1991), "o facto irónico é que na psicologia somos

45
Psicoterapia: Uma arte retórica?

ensinados a evitar explicações antropomórficas do comportamento, o

que significa que somos ensinados a evitar construi-lo de forma

humana" (p. 6-7). Uma outra forma de causalidade desvalorizada na

concepção monádica é a causalidade formal, presente, por exemplo,

nas teorias que enfatizam a narrativa como metáfora de compreensão

do comportamento (cf. Hermans & Kempen, 1993; White & Epston,

1990).

3. Unicidade e alienação da multiplicidade: A psicologia, ainda que

timidamente reconheça a multiplicidade da identidade, tem enfatizado

claramente a sua unicidade. A multiplicidade tem sido equacionada

como falta de integração, como uma incapacidade da pessoa em

articular os elementos heterogéneos presentes. A unicidade equivale à

ordem, enquanto a multiplicidade significa caos e desordem. Sampson

(1990) refere que esta metáfora da identidade assume que a ordem

(pessoal e social) só pode ser mantida se existir uma centralização, um

locus bem definido de poder e decisão. O modo como as teorias

clássicas do desenvolvimento da identidade contrastam a adolescência

com a idade adulta ilustra bem esta redução da multiplicidade – a

idade adulta é a fase da integração, enquanto a adolescência é o

momento da moratória e de exploração de alternativas (e.g., Marcia,

1966; cf. Sprinthall & Sprinthall, 1993).

Há, contudo, autores (e.g, Wortham, 2001) que assumem que a

identidade não só não é centralizada como é heterogénea. Deste

modo, uma diversidade de elementos (desde os processos de grupo,

familiares, linguísticos, culturais) não centralizados (isto é, supra-

individuais) seriam responsáveis pela coerência da identidade.

46
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Wortham, por exemplo, supõe que a posição interactiva do narrador

face às audiências é uma importante forma de constituição da

identidade. Voltaremos a este tópico mais adiante a propósito das

conceptualizações dialógicas.

Um dos aspectos, na nossa opinião, mais interessantes de olhar

para a identidade a partir destas três dimensões é que esta forma de a

pensar reflecte, basicamente, o senso comum. Ou seja, estas

características traduzem, em larga medida, o modo como as

sociedades ocidentais encaram o que significa ser pessoa. É evidente

que a experienciação da nossa individualidade, mais do que um facto

natural, é, como referimos antes, uma construção histórica. Assim,

esta construção da subjectividade não faz mais do que legitimar uma

tradição cultural como se de um facto natural se tratasse. Como

mostra Danziger (1997), a linguagem psicológica é, antes de tudo,

linguagem de senso comum, o que nos leva a sugerir que esta

apropriação é um importante dispositivo de naturalização da

subjectividade tal como a vivemos, a teorizamos e a investigamos

hoje. E é graças a esta naturalização que nós ficamos com a impressão

de que, ao concebermos a identidade desta forma, estamos a

compreender o modo como a “natureza” a estruturou, ou seja, que

estamos perto do que é a natureza humana. Esta naturalização

esconde a cultura e a história, tornando pouco “naturais” olhares

alternativos que por isso continuam a causar-nos estranheza.

47
Psicoterapia: Uma arte retórica?

2.3.3 Identidade narrativa

Como alternativa a este modelo individualista da identidade, têm

surgido contribuições que utilizam como metáfora central da identidade

a narrativa (cf. Bruner, 1986; Gergen & Gergen, 1988; Hermans &

Kempen, 1993; McAdams, 1993; O. Gonçalves, 2000; Sarbin, 1986).

Ao contrário das perspectivas tradicionais, que vêem a identidade

como algo estável (estabilidade esta responsável pela adaptação

psicológica e social), os modelos narrativos encaram-na como uma

construção em equilíbrio precário, uma actividade que permite

construir significado para si próprio e para o mundo.

Desta forma, a compreensão do mundo e o sentimento de

identidade pessoal resultam não da actividade de quaisquer

mecanismos na mente, mas da elaboração de narrativas que,

provisoriamente, estabilizam ou ordenam a nossa realidade. Estas

narrativas são continuamente contadas aos outros – imagine-se

quando procuramos narrar um episódio da nossa vida - ou a nós

próprios –, por exemplo, na recordação de acontecimentos específicos.

Deste modo, a narrativa constitui um dispositivo linguístico capaz de

dar sentido à nossa experiência; como diz Sarbin (1986), “os seres

humanos pensam, percebem, imaginam e fazem escolhas morais de

acordo com estruturas narrativas” (p. 8).

Sem a construção de narrativas, a nossa vida seria um conjunto

de experiências caóticas difíceis de significar e ordenar. Imagine-se

como seria, por exemplo, a memória de um acontecimento sem o

enquadrar numa estrutura narrativa, sem um contexto, sem o

48
Psicoterapia: Uma arte retórica?

desenvolvimento de acções ou sem o entendimento dos seus

significados.

O modo narrativo de pensamento é uma das formas mais

especificamente humanas de dar sentido à experiência, e isto apesar

da psicologia se ter até hoje centrado no modo paradigmático de

compreensão (Bruner, 1986, 1990), isto é, na nossa capacidade para

pensar de uma forma lógico-proposicional. Como claramente mostra

Bruner, estes dois modos de pensamento obedecem a diferentes

regras: no segundo de acordo com a verdade das proposições, a

linearidade de racícionio, a coerência e a não contradição; no primeiro,

em função da verosimilhança, da complexidade do pensamento

analógico, da exploração das contradições para criar impacto

dramático (cf. O. Gonçalves, 2000).

O pensamento paradigmático é particularmente limitado na

compreensão das acções humanas. Pode-se estudar como funcionam

os processos cognitivos básicos de um modo paradigmático (e.g.,

percepção, aprendizagem), mas quando precisamos de compreender a

acção intencional de alguém necessitamos de operar de modo

narrativo.

A metáfora narrativa tem sido usada na compreensão da

organização do self ou da personalidade (cf. Hermans & Kempen,

1993; McAdams, 1993), da psicopatologia (cf. O. Gonçalves, 2000), da

psicoterapia (cf. Hoyt, 1994, 1996, 1998) e dos processos emocionais

(Harré & Parrot, 1997), entre outros (cf. metáforas discursivas na

compreensão dos processos sociais e cognitivos; Potter & Wetherell,

1987).

49
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Neimeyer (2000) sugere que estas contribuições narrativas se

têm organizado segundo duas linhas distintas mas complementares,

uma mais ligada ao construtivismo e outra sob influência do

construcionismo social.

A primeira procura compreender como é que a narrativa permite

aos indivíduos terem, apesar do caos existencial, uma representação

integrada de si mesmos. Assim sendo, as características atribuídas por

William James ao self (cf. Hermans, 1996; para uma revisão do re-

enquadramento narrativo das teorias de James sobre o self), ou mais

concretamente ao I (como a distinção dos outros, o sentimento de

continuidade e de volição), emergem como resultado da capacidade de

integrar diferentes narrativas da identidade numa narrativa de vida

relativamente coerente. A identidade torna-se, assim, nos modelos

construtivistas, uma integração de histórias mais ou menos articuladas

entre si.

Já os construcionistas, de acordo com Neimeyer (2000),

enfatizam a linguagem enquanto desempenho. A narração de uma

história tem efeitos sociais e a significação emerge, assim, não como

uma actividade contemplativa solitária, mas como resultado do esforço

das pessoas, ao constantemente negociarem uma posição no mundo

social. Desta forma, a centração localiza-se, já não no modo como a

narrativa nos permite obter coerência, mas na capacidade que a

linguagem possui de constituir a nossa realidade. Assim sendo, narrar

uma dada história é uma forma de procurar estabelecer uma posição

no mundo interpessoal. Os construcionistas, na continuação do

50
Psicoterapia: Uma arte retórica?

trabalho de Wittgenstein (1953/1995), enfatizam as origens

socialmente partilhadas da linguagem, o que conduz a que a auto-

biografia se transforme, de acordo com Gergen (1992), numa sócio-

biografia.

O principal objectivo dos construcionistas é evitar uma nova

reificação da narrativa, inerente à concepção desta como uma

representação produzida pelas pessoas individualmente (cf. Gergen &

Kaye, 1992). Pelo contrário, os construcionistas propõem que, ao

narrar, o indivíduo procura construir para si próprio, e

consequentemente para os outros, uma posição no mundo, que pode

ou não ser viabilizada pelos seus interlocutores.

Na nossa opinião, enquanto os construtivistas, na tradição do

cognitivismo, enfatizam o produto narrativo (o Me, se quisermos

adoptar a terminologia de James), os construcionistas, na tradição do

interaccionismo, destacam a actividade de narrar (o I de James).

Deste ponto de vista, como sugerem Potter e Wetherell (1987) as

diferentes metáforas que têm sido usadas para caracterizar a

identidade na psicologia são formas diferentes de “fazer a identidade”.

Assim, por exemplo, as teorias dos traços assumem que há uma

verdadeira individualidade que é o núcleo da nossa identidade,

assegurando a estabilidade e a consistência comportamental. Por outro

lado, os modelos interaccionistas conceptualizam a pessoa como um

agente estratégico, que procura, a partir dos papéis que exerce,

maximizar os seus ganhos sociais. Estas duas versões, como sugerem

Potter e Wetherell, são concepções extremas da identidade. Contudo,

nós usamos frequentemente uma ou outra na justificação da nossa

51
Psicoterapia: Uma arte retórica?

conduta, perante os outros e nós mesmos. Se dizemos, “eu agi deste

modo, porque eu sou mesmo assim”, estamos a explorar a retórica dos

traços para dar sentido ao nosso comportamento, e eventualmente, à

nossa identidade. Contudo, se, por exemplo, dizemos “eu não tinha

outra opção, era esperado que eu reagisse daquela forma”, estamos a

recorrer a um jogo de linguagem próximo da teoria dos papéis sociais.

Qual é a vantagem da narrativa, deste ponto de vista? É que a

narrativa permite integrar os diversos jogos a que recorremos no

quotidiano, já que por detrás de cada uma das justificações prévias

podemos certamente encontrar as narrativas que as sustentam. São as

histórias que as pessoas seleccionam como significativas que lhes

possibilita posicionarem-se no mundo social e lhes permite dar sentido

aos diferentes modos de “fazer a identidade”, a que nos referimos

atrás.

Como se pode depreender do que acabamos de dizer, uma outra

consequência desta posição discursiva ou construcionista é que a

integração das diferentes narrativas numa história de vida mais ou

menos consistente não é algo que exista escondido na mente, mas que

resulta dos posicionamentos que em cada momento assumimos na

interacção com os outros. É precisamente a partir de um

enquadramento dialógico que vários autores (incluindo o próprio

Neimeyer, 2000) sugerem que as polaridades entre as duas posições

que temos estado a discutir podem ser ultrapassadas (Hermans &

Kempen, 1993; Tappan, 2000; Wortham, 1999, 2000, 2001).

Vejamos, então, de que modo esta articulação pode ser realizada.

52
Psicoterapia: Uma arte retórica?

2.3.4 Identidade dialógica

Hermans (e.g., Hermans, 1996, 2001a, 2001b; Hermans &

Hermans-Jansen, 1995; Hermans & Kempen, 1993) é um dos autores

que, de modo mais sistemático, tem procurado analisar as

contribuições da teoria dialógica de Mikhail Bakhtin (1929/1984,

1979/1986; Holquist, 2000a) para a compreensão da identidade de um

ponto de vista narrativo. Um dos principais interesses de Bakhtin, para

além do modo como a linguagem opera, era a história do romance

enquanto género literário (Bakhtin, 1975/2000a,b; Holquist, 2000b).

Hermans e Kempen (1993) utilizam a concepção de romance

polifónico de Bakhtin, em que diferentes vozes estão presentes e se

articulam dialogicamente sem qualquer espécie de narrador

omnisciente, como uma analogia do espaço identitário.

Bakhtin (1929/1984) caracteriza o romance polifónico como

"uma pluralidade de vozes e consciências independentes e separadas

(…) [em que se] revela (…), não uma multidão de personagens e

destinos num mundo objectivo e singular, iluminado por uma

consciência autoral singular; mas uma pluralidade de consciências,

com direitos iguais e cada qual com o seu mundo, combinadas mas

não fundidas (...)" (p.6).

Bakhtin começa por achar que a obra de Dostoevsky é a única

que opera dentro de uma lógica polifónica, mas vai mais tarde admitir

que Dostoevsky é somente um representante claro deste novo género,

que é afinal o romance moderno (cf. Holquist, 2000b).

53
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Segundo a concepção de Hermans e colaboradores, também a

nossa identidade seria uma colecção de narrativas ou vozes em

diálogo, cada uma procurando obter uma posição de domínio sobre

vozes alternativas. Nesta formulação, Hermans e Kempen retomam a

distinção entre o I e Me estabelecida por James. Recordamos que

James (cf. Hermans & Kempen, 1993), ao distinguir no self estas duas

dimensões, atribuiu ao I a nossa percepção de continuidade, distinção

e volição; enquanto o Me seria tudo o que podemos identificar

connosco próprios (o nosso corpo, as nossas características, etc.).

Sarbin (1986), partindo desta distinção, sugere uma re-elaboração

narrativa em que o I seria o autor da narrativa pessoal, enquanto o Me

seria o actor ou protagonista dessa mesma narrativa. Hermans e

Kempen partem precisamente desta distinção, entre o self como

sujeito e o self como objecto, para propor que não há um único autor e

actor, mas que, no self, múltiplos I contam as suas histórias, criando

diversos Me. Deste modo, a identidade seria um espaço dialógico, em

que uma multiplicidade de possibilidades existe. Tal como no romance

moderno, desaparece a figura do narrador ominisciente (Spencer,

1971; cit. Hermans & Kempen, 1993) que controla de um modo claro

todos os acontecimentos e posições das diferentes personagens. Um

exemplo literário, embora talvez extremo, deste desaparecimento, está

presente nas obras em que o narrador vai descobrindo no

desenvolvimento do romance algo sobre si próprio, ou vai construindo

a sua própria identidade no confronto com os seus personagens7. É

7 Li recentemente um livro – A caverna das Ideias - que faz isto de um modo


particularmente interessante e surpreendente. Trata da suposta tradução de uma obra
da Grécia antiga em que o tradutor vai começando a suspeitar que a acção narrada há

54
Psicoterapia: Uma arte retórica?

claro, que como mostram Hermans e Kempen (1993) o self monádico

tradicional é uma analogia deste narrador ominisciente e centralizado.

Hermans e Kempen (1993) sugerem, pois, que a identidade não

tem somente uma organização temporal como também espacial, dado

que existem múltiplas “I-positions”, a partir das quais a narrativa de si

pode ser contada. Estas diferentes “I-positions” seriam análogas às

diferentes vozes que Bakhtin identifica no romance polifónico. A

unicidade fenomenológica da identidade seria obtida, não a partir da

redução a uma posição única (equivalente a um narrador omnisciente),

mas do diálogo que se estabelece entre uma multiplicidade de posições

que se desafiam, concordam com umas, discordam de outras,

procuram dominar as suas rivais, etc.. Como sugerem Morson e

Emerson (1990, cit. Wortham, 2001), o self é mais um fenómeno de

fronteira do que de território, isto é, o self existe somente nos diálogos

que estabelecemos com os outros.

Para Hermans (1996), isto é mais do que admitir o carácter

multifacetado da identidade. As teorias cognitivistas sobre o self já há

algum tempo admitem a sua natureza multifacetada (cf. Markus &

Nurius, 1986). Contudo, encarar a identidade como um espaço

dialógico implica assumirmos a sua multivocalidade. Assim, diferentes

“I-positions”, multifacetadas em si mesmas, procuram contar a suas

histórias sobre os seus Me. Cada “I-position”, cada autor internalizado

que habita o nosso espaço identitário, permite-nos, deste modo, ter

uma imagem distinta de nós próprios (i.e., diferentes Me) e do mundo.

25 séculos tem algo a ver com a sua própria vida (Somoza, 2002) e que a obra
esconde um significado, que à medida que a acção decorre, se torna cada vez mais
perturbador.

55
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Não deixa de ser interessante que quando os clientes em

psicoterapia procuram recusar a sua multiplicidade de posições

possíveis recorram à linguagem dos traços. Assim, por exemplo,

alguém pode dizer-nos que qualquer mudança é muito difícil para si

porque se trata de mudar a sua personalidade ou o seu temperamento.

Curiosamente, quando começa a emergir a possibilidade de mudar, as

pessoas começam frequentemente a identificar múltiplas posições. Por

exemplo, “eu como deprimido” por oposição a “eu que atribuo a devida

importância às coisas”. Aquilo a que assistimos, deste modo, é à

emergência de uma grelha de leitura que enfatiza mais do que uma

perspectiva sobre a realidade, isto é, mais do que uma “posição do

eu”.

Há autores que, reforçando esta proposta dialógica, sugerem que

a cognição é ela própria dialógica. Fogel (1993), por exemplo,

caracteriza a actividade cognitiva como um processo claramente

relacional, sendo a identidade constituída pelos “diálogos [que]

ocorrem entre uma parte do self e outra parte do self: o self imaginado

em diferentes tempos, em diferentes espaços, ou tomando diferentes

perspectivas narrativas. Por outras palavras, ao pensar estamos

sempre a dizer ou a mostrar algo a nós próprios. Fazemos isto pela

natureza inerentemente social da nossa experiência que nos leva a

criar múltiplas perspectivas que são parte da discussão mental” (p.

132).

A diversidade de posições existentes na identidade está

dependente da multiplicidade de recursos linguísticos de que dispomos.

Esta heterogeneidade da linguagem resulta de uma característica que

56
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Bakhtin (1929/1984) designa por heteroglossia, isto é, a capacidade

de a linguagem operar a partir de diferentes géneros discursivos,

consoante as situações (e.g., cumprimentar informalmente alguém

versus conduzir uma discussão de negócios)8, bem como das

audiências reais ou imaginárias a que cada afirmação (“utterance”) se

dirige. Estes diferentes tipos discursivos não são somente diferentes

modos de falar, mas também formas diferenciadas de pensar e de ver

o mundo. Dito de outro modo, estas diversas posições possíveis

constituem diferentes formas de construir significado acerca da

experiência, sendo a multiplicidade da identidade o resultado de

fazermos parte de “diferentes comunidades conversacionais”

(Sampson, 1993, p. 125).

Se, nesta metáfora da identidade, o significado emerge, não só

do conteúdo narrado, mas da actividade de narrar, então estes dois

processos devem ser constitutivos da identidade. Congruente com este

pressuposto, Hermans (1996) propõe que a identidade é

simultaneamente a narrativa (ou narrativas) e a actividade de a(s)

contar ou construir: “O que é o self (...)(?). É a história ou é o

narrador da história (...)(?). Considerar o self a história (o objecto da

narração) reduziria o self somente ao Me” (p. 38).

Vemos aqui uma possível síntese, sugerida também por Neimeyer

(2000), entre as versões construtivistas e construcionistas da

narrativa. Como diz Wortham (2000, 2001), na narrativa não há só o

8 Como sugere Bakhtin (1979/1986), a multiplicidade de géneros discursivos é uma


consequência da multiplicidade de tarefas que desempenhamos. Curiosamente, apesar
de sermos muito competentes em inúmeros géneros discursivos, não temos, ao
comunicar, consciência da existência destes.

57
Psicoterapia: Uma arte retórica?

conteúdo representado como também a actividade de o narrar face a

uma audiência. Estes dois processos – recordar uma dada

representação narrativa de si e partilhá-lha através da narração –

podem ser dois importantes meios de constituição da identidade.

Assim, para Wortham (2001), o self não é apenas construído a partir

da recordação de determinadas narrativas (que são necessariamente

uma representação selectiva da história de vida); ele “emerge à

medida que a pessoa repetidamente adopta posições características

relativamente aos outros (...), [posicionamentos esses] que dependem

dos contextos sociais, das mudanças que neles ocorrem e dos

imprevisíveis contra-posicionamentos dos outros” (p. 12).

Na sua obra “Narratives in action”, Wortham (2001), por

exemplo, mostra de que modo uma participante, ao contar a sua

história de vida, vai adoptando face à entrevistadora (uma mulher

mais nova) uma posição que oscila entre a incompetência (e.g.,

chorar, lamentar-se) e a competência (e.g., demonstra maior

experiência que a entrevistadora). Curiosamente, à medida que a

segunda posição se vai estabilizando no decurso da entrevista, as

narrativas que emergem também contêm temas congruentes com esta

mesma posição. Wortham sugere, pois, que este paralelismo entre o

conteúdo narrado e a posição interactiva (face ao entrevistador e

também a outros internalizados) é um poderoso dispositivo de

constituição da identidade9.

9 Há, nesta proposta, algo de semelhante à ideia de que na comunicação é preciso


distinguir a relação do conteúdo da mensagem (cf. Watzlawick, Bavelas & Jackson,
1967).

58
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Em síntese, a partir de Bakhtin (1929/1984; 1979/1986;

Holquist, 2000a) e das elaborações subsequentes das suas propostas,

duas importantes conclusões emergem: (1) a identidade não é só uma

aquisição pessoal, como também social e (2) é necessário estar atento,

não só ao conteúdo das narrativas, mas também aos desempenhos da

identidade.

A teoria dialógica da identidade permite re-enquadrar o que

acontece no espaço terapêutico de uma perspectiva não realista, isto

é, olhar para a psicoterapia como um processo conversacional. Este

será precisamente o objecto da nossa atenção na última parte deste

livro.

59
Psicoterapia: Uma arte retórica?

3. Psicoterapia como actividade discursiva

“Os psicoterapeutas que reclamam a «neutralidade moral» (...)


estão envolvidos numa forma de auto-engano que só não é
mais insultuosa por ser ridícula.”
Donald Robinson (2001, pp. 328)

3.1 Psicoterapia como construção dialógica

Quando apresentámos, no início deste livro, o construcionismo

social referimos que este olha para o significado como constituído

através da linguagem e situa esta no domínio das relações e da

cultura.

Ao aceitarem estes pressupostos construcionistas, um conjunto

de terapeutas – usualmente designados de narrativos - defende que a

linguagem, mais do que um meio neutro de troca de informações (i.e.,

uma forma de representação ou de simbolização), é um dispositivo de

significação da experiência. Deste modo, tornaram-se particularmente

atentos aos modos de falar que estimulam a mudança em psicoterapia.

Todos estes terapeutas desenvolveram instrumentos retóricos que

convidam os seus clientes a gerar novos posicionamentos, criando

narrativas de vida alternativas e mais satisfatórias.

A ideia fundamental é a de que não há nada mais importante no

processo terapêutico do que a significação e que esta é

fundamentalmente construída na linguagem. De Shazer (1991) sugere,

pois, um regresso “à superfície”, isto é, à linguagem, ignorando as

elaborações em torno das supostas entidades situadas a um nível mais

60
Psicoterapia: Uma arte retórica?

profundo. Esta posição é fundamentada, em larga medida, na filosofia

da linguagem de Wittgenstein (1953/1995), quando este nos diz que

“o nosso erro consiste em procurar uma explicação (...) onde

deveríamos dizer: «este jogo de linguagem joga-se»” (# 654).

Antes de avançarmos convém analisar brevemente três objecções

que são apontadas a esta posição. A primeira, talvez a mais ingénua,

sugere que não mudamos porque modificamos o modo como falamos,

mas porque algo de mais “substancial” muda. A segunda objecção é a

de que esta centração na linguagem faz da terapia uma actividade

meramente cognitiva de natureza intelectualizada, transformando a

conversação terapêutica num diálogo lógico. A terceira, que ao

centrarmo-nos na linguagem esquecemos as verdadeiras “realidades”

opressivas, que por vezes se “escondem” por detrás dos problemas,

como por exemplo, os maus tratos e o abuso.

A objecção de que não se muda mudando o modo como falamos,

supõe que por detrás das palavras que falamos existem significações

que não se alteram se subitamente decidirmos começar a falar de

outra forma. Não há nenhum terapeuta narrativo que sugira que isto

pode acontecer, dado que isto faria da mudança uma actividade de

“faz de conta”. A contra-objecção narrativa é a de que os supostos

significados que estão “por detrás” das palavras articuladas são outras

palavras, quiçá mais fundamentais para a vida da pessoa. Deste modo,

quando a pessoa procura produzir uma substituição intencional de

umas por outras, o que de facto está a acontecer é a pessoa fingir que

acredita numa coisa, quando de facto está a acreditar noutra. Não quer

dizer que este “jogo de fingimento” não possa trazer novidades, como

61
Psicoterapia: Uma arte retórica?

é sugerido nas técnicas de mudança de papel (cf. Feixas & Villegas,

1990), ou nas prescrições paradoxais dos estratégicos; mas não é o

modo habitual como a mudança costuma ocorrer.

Quando sugerimos que a mudança ocorre na linguagem não

estamos, como mostra Rorty (1994), a dizer que não existe um mundo

“lá fora”, mas a afirmar que não há forma de lhe dar sentido sem

utilização das nossas formas humanas de significação. Isto é, a partir

do momento em que procuramos dar sentido às nossas vidas

precipitamo-nos inevitavelmente no mundo da linguagem e este molda

de modo inexorável o que percebemos. Como mostra Wittgenstein

(1953/1995), a linguagem é uma ferramenta e como tal o seu uso

muda o estatuto do objecto sobre o qual ela opera.

A segunda objecção realiza uma confusão entre significação e

linguagem verbal digital. Como sugeriram Watzlawick, Beavin e

Jackson (1967) há quase 30 anos, a comunicação tem sempre dois

níveis: um analógico e outro digital. A diferença fundamental entre

estes níveis é que no plano digital a articulação entre o significado

(e.g., livro enquanto objecto) e o significante (e.g., livro enquanto o

conjunto de letras que forma essa palavra) é arbitrária. Na

comunicação analógica a ligação entre significado e significante

funciona, como a própria designação sugere, por analogia (cf.

Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967). Assim, quando falamos de

construção de novos significados e de novas narrativas no processo

terapêutico, não estamos a pensar somente na linguagem digital; mas

de um modo mais global nas formas de construir significados. Deste

modo, por exemplo, fazer estátuas que representem o problema

62
Psicoterapia: Uma arte retórica?

(prática frequentemente utilizada no contexto da terapia narrativa com

crianças, cf. Freeman, Epston & Lobovits, 1997; Smith & Nylund,

1997) é uma produção analógica, mas que se pode revestir de um

enorme poder na transformação terapêutica. Um outro exemplo

poderia ser o uso de metáforas, que consistem em formas privilegiadas

de significação analógica.

Finalmente, a terceira objecção sugere que nos esquecemos, ou

pior ainda, que ocultamos, através da ênfase na linguagem, as

realidades opressivas que os clientes enfrentam. Poderíamos

argumentar que o que fazemos é estar atentos à forma como estas

realidades constrangem o processo de produção de significados, isto é,

que limites ou constrangimentos aquelas impõem ao modo como a

pessoa está capaz de olhar para a sua vida e para as suas

experiências.

Efran e Heffner (1998) exemplificam a simplificação presente

nesta objecção através da referência à violência conjugal. Neste caso

poderíamos perguntar se a centração nos significados quando um

homem agride uma mulher não produz uma ocultação da violência

enquanto acto concreto. A esta objecção Efran e Heffner respondem

questionando se as agressões são constituídas por meros actos

motores que surgem ao acaso, sem qualquer significado que os

sustente. Se recursarmos, como parece óbvio esta leitura, há que

questionar, por exemplo, se as agressões constituem uma forma de

exercer poder sobre a mulher, um modo de obrigar a calar ou uma

forma de demonstrar que ela se deve submeter à vontade

discricionária do parceiro... Ou seja, quando procuramos perceber o

63
Psicoterapia: Uma arte retórica?

que significa a violência estamos condenados a mergulhar de novo no

mundo da linguagem.

Por outro lado, ao procurarmos desenvolver um conjunto de

acções para procurar parar a violência não temos forma de o fazer fora

do âmbito da significação (cf. Efran & Heffner, 1998). Para procurar

produzir esta mudança várias possibilidades podem surgir. Uma opção

poderia ser a de fazer terapia como ambos elementos do casal, juntos

ou separados. Há, por exemplo, um interessante modelo terapêutico

narrativo que procura desenvolver nos parceiros abusivos uma

compreensão experiencial do modo como as suas parceiras se sentem,

através do desenvolvimento de entrevistas centradas no “outro

internalizado” (i.e., as vozes da companheira internalizadas no

marido), procurando expandir esta posição (cf. Nylund & Corsiglia,

1998). Se esta for a opção, como a elaborar fora do terreno das

significações?

Por outro lado, imaginemos que a mulher decide apresentar

queixa à polícia e que o marido fica juridicamente impedido de se

aproximar dela. Não estaremos de novo perante algo com um

significado (cultural) simbólico muito claro?

Este exemplo sugere que não faz qualquer sentido separar a

“realidade” da “significação”; dado que os seres humanos lidam com

uma realidade claramente simbólica.

Uma grande diversidade de técnicas retóricas que se centram na

linguagem e no modo como esta constitui os problemas têm sido

desenvolvidas, desde as conversas externalizadoras (White & Epston,

64
Psicoterapia: Uma arte retórica?

1990), passando pelo uso das equipas reflexivas (Andersen, 1991), até

ao desenvolvimento de competências narrativas (O. Gonçalves, 2000).

Apesar desta diversidade, encontramos nestes autores uma grande

sensibilidade ao modo como a linguagem constitui o nosso mundo e os

nossos significados, sejam eles funcionais ou disfuncionais. Contudo,

os terapeutas narrativos vão mais longe, ao considerarem que a

linguagem não é privada, isto é, que a significação não é o produto das

operações de uma mente isolada. Assim, estes modelos terapêuticos

estão particularmente atentos ao modo como a significação emerge

enquanto produto relacional. Por exemplo, White e Epston (1990)

sugerem que se criem, dentro e fora do espaço terapêutico, audiências

que celebrem as narrativas alternativas ao problema; Andersen (1991)

convida os terapeutas e os membros das equipas reflexivas a

constituírem-se como recursos na expansão da diversidade dos

significados, através da mobilização de leituras alternativas; de Shazer

(1991) procura identificar com o cliente como é que a cessação dos

problemas transformaria as suas relações significativas e Hermans e

Hermans-Jansen (1995) estimulam o diálogo entre múltiplas posições

internalizadas no Eu.

Ao admitir-se que o que ocorre no espaço terapêutico é, nada

mais nada menos, do que uma interacção de significados que pode (ou

não) conduzir à mudança, reabilita-se a terapia como arte retórica. Ao

sugerirmos que a terapia é um processo conversacional estamos a

partilhar da perspectiva de Efran e Cook (2000) de que não “há

escapatória da proposição de que a terapia é conversação e, desse

modo, um processo de influência social” (p. 123). Olhar para a terapia

65
Psicoterapia: Uma arte retórica?

como um processo que se constrói de modo dialógico ajuda-nos a

clarificar esta influência.

Retomando a análise que realizamos sobre a identidade dialógica,

há dois importantes aspectos da teoria dialógica que julgamos centrais

na compreensão da terapia como arte da conversação: (1) a natureza

responsiva do significado e (2) a narração como desempenho.

3.1.1 Natureza responsiva do significado

Um dos aspectos mais interessantes da leitura dialógica de

Bakhtin (1979/1986) é que ele não concebe a comunicação como algo

em que o receptor (seja este externo ou internalizado) assume um

papel meramente passivo. A ideia de que o receptor se limita a decifrar

o conteúdo da mensagem é uma forma simplista e linear de conceber

a comunicação: “O facto é que, quando o ouvinte percebe e

compreende o significado do discurso, ele simultaneamente toma uma

posição activa e responsiva acerca desse significado. Pode concordar

ou discordar (completamente ou parcialmente), amplificá-lo, aplicá-lo,

preparar-se para sua execução, e por aí adiante” (Bakhtin, 1979/1986,

p. 68).

E, como mostra Bakhtin (1979/1986) mais adiante, isto é

também válido para o emissor que, depois de concluir a sua afirmação,

irá assumir a posição de ouvinte: “Assim, todo o significado real e

integral é activamente responsivo, e não constitui mais do que um

66
Psicoterapia: Uma arte retórica?

estádio preparatório da resposta (em qualquer das formas que esta

seja actualizada)” (p.69). É que, deste modo, o próprio emissor de

uma afirmação espera uma dada reacção na sua audiência e é óbvio

que esta reacção antecipada tem um importante poder sobre o que é

dito. A significação é, pois, eminentemente responsiva e o que é dito

não é somente construído pelo emissor, mas co-construído pelo

receptor. Esta característica da linguagem torna particularmente

visíveis as audiências a quem ela se dirige. Desta forma, o significado

nunca é determinado só pelo emissor, dado que este antecipa os

posicionamentos do receptor. De resto, a posição de emissor e de

receptor não é fixa porque uma afirmação está sempre ligada a um

fluxo de afirmações que a antecedem e que contextualizam o seu

significado. Por outro lado, uma modificação no contexto de afirmações

subsequentes possui a capacidade de alterar o entendimento das

antecedentes, conduzindo a re-interpretações e produzindo novos

posicionamentos. Para elucidar este processo, Bakhtin (1979/1986)

contrasta o carácter aberto da afirmação (proposição em contexto)

com a natureza monológica da frase (proposição isolada). A frase não

possui autor, carecendo assim de um lugar donde seja emitida. Por seu

lado, quando a frase se transforma em afirmação, entrando em

contacto com outras afirmações, um conjunto de aspectos “não

gramaticais” (p. 82) emergem, que fazem com que face a ela seja

inevitável assumir uma posição responsiva. Esta distinção entre frase e

afirmação torna a última constantemente aberta a novos re-

posicionamentos que resultam do contacto com afirmações

posteriores.

67
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Aplicada às conversações terapêuticas, a natureza responsiva da

linguagem torna o cliente co-construtor da mudança, dado que esta

nunca pode ser produzida unicamente pelo terapeuta. Gergen (1996)

refere-se a este processo como uma forma de suplementação – uma

afirmação ou uma acção só ganham sentido quando complementadas

por uma dada posição que viabiliza (ou que pelo contrário, desafia) a

intenção do autor inicial.

Este aspecto tem sido tematizado pelos terapeutas

construcionistas (e.g., Andersen, 1993) e construtivistas (e.g.,

Guidano, 1991), em torno da natureza não instrutiva e não previsível

da mudança terapêutica. Alguns destes autores sugerem que o facto

de os sistemas complexos serem autodeterminados (cf. Maturana &

Varela, 1987) impede que as mudanças que neles ocorrem sejam

direccionadas do exterior. A noção de relação terapêutica como

perturbação estratégica, oriunda da teoria da autopoiesis, reforça a

ideia de que o cliente se modifica no âmbito das possibilidades do seu

próprio sistema.

Esta posição face à (im)possibilidade da interacção instrutiva

varia nos diferentes modelos terapêuticos e relaciona-se com a ênfase

que cada um coloca na co-construção das transformações.

Assim, as terapias de pendor mais didáctico (e.g., cognitivo-

comportamentais) assumem que a mudança pode ocorrer direccionada

pelo terapeuta, desde que o contexto terapêutico se caracterize pela

colaboração, necessária a qualquer actividade de aprendizagem (cf. O.

Gonçalves, 1993). Se o cliente colaborar com o terapeuta, a

68
Psicoterapia: Uma arte retórica?

transformação é facilitada, sendo esta de algum modo prescrita pelo

último.

Do outro lado do espectro situam-se, obviamente, as terapias

centradas no cliente (Rogers, 1951/1975), que sugerem que o que é

transformador é a relação terapêutica, que se estabelece a partir de

características como a congruência, a empatia e aceitação

incondicional.

Os terapeutas narrativos, ao partirem da ideia de que não há

separação possível entre observador e observado e de que o terapeuta

quando conversa com um conjunto de pessoas faz parte do “sistema”

(Anderson, 1997; de Shazer, 1991; Relvas, 2000), sugerem que as

soluções são construídas colaborativamente. De Shazer (1991) utiliza a

metáfora de Bateson da visão binocular para sugerir que, tal como a

profundidade não é algo que possa ser encontrado num dos nossos

olhos, mas que resulta da convergência do olhar dos dois; também as

soluções emergem nas conversações terapêuticas como algo que se

situa entre os dois intervenientes: terapeuta e cliente.

Julgo que a esta metáfora da visão binocular é útil na medida em

que ilustra que a perspectiva do terapeuta tem que ter algo de

semelhahte com a do cliente, mas não pode coincidir totalmente com

esta, sob risco de impedir o aparecimento de qualquer novidade.

Assim, o terapeuta tem que operar numa espécie de “zona de

desenvolvimento proximal” (Vygotsky, cit. Valsiner, 2000), respeitando

a realidade experiencial do cliente, de modo a que este se sinta ouvido

e respeitado, mas procurando colocar questões que se situem fora do

69
Psicoterapia: Uma arte retórica?

âmbito em que este está habituado a significar, de modo a poder gerar

novidade.

Vários terapeutas narrativos se referem a este (des)encontro

terapêutico de múltiplas formas. Assim, para White (1994) é preciso

que o terapeuta mantenha a curiosidade “acerca de como as coisas

poderiam ser de outro modo, uma curiosidade que se situa fora das

histórias totalizantes que as pessoas têm acerca das suas vidas e fora

das práticas dominantes do self e das relações.” (p. 146)

Efran e Cook (2000), por seu turno, sugerem que a terapia, para

poder produzir efeito, tem que permitir a suspensão da pertença aos

diferentes “clubes” sociais ou comunidades conversacionais de que as

pessoas fazem parte. É esta suspensão temporária que permite ao

terapeuta colocar questões e propôr actividades que tenham

capacidade de gerar mudança.

Se os terapeutas sugerem actividades ou se limitam a fazer

perguntas que já emergiram noutros espaços sociais a terapia não tem

qualquer capacidade transformadora. Deste modo, a terapia é, como

mostra, aliás, Tom Andersen (1991), um esforço de permanente

equilíbrio entre o usual e o não usual. Se falarmos de modo demasiado

usual nada de novo acontece; se nos tornarmos demasiado inusuais as

pessoas ignoram-nos ou hostilizam-nos. A terapia é a arte do equilíbrio

entre estes dois extremos.

Harlene Anderson (1997, Anderson & Goolishian, 1992) sugere

que o terapeuta deve exercitar a sua postura de “não saber”,

procurando manter a curiosidade a partir desta posição. Esta postura

faz com que o cliente seja sistematicamente colocado numa posição de

70
Psicoterapia: Uma arte retórica?

“expertise” acerca da sua vida. A posição de Anderson (1997) é a de

que se “se seguir a direcção que o cliente sugere seremos levados

onde é necessário ir” (p. 53). Tom Andersen (1993) partilha desta

ideia ao sugerir que a mudança é uma “consequência natural do

diálogo” (p.325).

Pessoalmente, tenho alguma dificuldade em aceitar a asserção de

Andersen, sobretudo no que diz respeito à classificação da mudança

como “natural”. Ou seja, creio que a mudança é uma consequência do

diálogo, mas parece-me perigoso assumir que qualquer diálogo irá

servir, ou terá necessariamente efeitos terapêuticos. Esta posição face

ao poder “terapêutico” do diálogo relaciona-se, nestes autores, com o

desejo de estabelecer uma relação não hierárquica com os seus

clientes, enfatizando o conhecimento que o cliente tem da sua própria

vida, em detrimento do saber do clínico. Contudo, do meu ponto de

vista, o desejo de reduzir a verticalidade foi levado longe demais

nestas leituras, dado que o terapeuta pode valorizar e respeitar o

conhecimento do cliente, sem precisar de se manter sistematicamente

numa posição de “not knowing”, por exemplo, fazendo questões e

comentários de um modo tentativo (e.g., “pergunto-me o que

aconteceria se...?” ou “será que isto significa que...?”). Provavelmente,

White (1998a) partilha desta relativização do “não saber” quando

rejeita a horizontalidade total, ao sugerir que devemos procurar

reduzir a verticalidade, mas que o terapeuta não pode ser um parceiro

conversacional igual ao cliente, dado que este espera algo do primeiro

que passa pelo seu saber específico.

71
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Enfim, a natureza responsiva do significado, como se pode

depreender do que está atrás, é algo que, apesar de aceite por

diversos terapeutas narrativos, tem sido tematizado de formas

diferentes. Ou seja, apesar de, relativamente a outros modelos

terapêuticos, se enfatizar a co-construção da mudança, esta não é

interpretada da mesma forma pelos diferentes terapeutas narrativos.

Alguns acentuam mais a importância de “deixar tudo em aberto”

(Andersen, 1993, p.306), valorizando a postura de “não saber”.

Outros, como White (1998a), sugerem que o terapeuta tem que se

esforçar por manter a curiosidade na conversação, fazendo perguntas

de um modo tentativo, procurando respeitar a realidade do cliente,

mas simultaneamente procurando introduzir novidades que possam

constituir pontos de abertura para a construção de novas narrativas.

Uma das consequências pragmáticas mais interessantes desta

leitura responsiva do significado, independentemente da posição mais

ou menos radical dos diversos terapeutas sobre a redução da

hierarquia terapêutica, é, como começou a ser anunciado nos anos 80,

a “morte da resistência” (cf. Bogdan, 1985; Dell, 1982; de Shazer,

1984). Para de Shazer (1984) só faz sentido falar-se de resistência

quando consideramos o terapeuta como distinto do sistema familiar

em vez de considerarmos “a família-terapeuta como sistema” (p. 1).

Do mesmo modo, Dell (1982), ao criticar o conceito de homeostase

nas terapias familiares, afirma que “o sistema não resiste; somente se

72
Psicoterapia: Uma arte retórica?

comporta de acordo com a sua coerência organizativa” (p.5)10. Ou

seja, a resistência é somente uma explicação tautológica para o facto

do cliente (ou o sistema) não se comportar da forma como o terapeuta

esperaria (Dell, 1982). É claro que subjacente a esta expectativa

encontramos a ideia de que o sistema pode ser controlado

externamente. Contudo, de acordo com a teoria da autopoiesis

(Maturana & Varela, 1987), não é o meio que controla os sistemas,

mas antes estes que se comportam de acordo com a sua própria

coerência.

Como diz Bogdan (1985) “as famílias não resistem, mas sim os

membros da família. Mas falando de modo mais específico, os

membros da família não resistem de todo. Eles simplesmente se

comportam de acordo com as suas ideias” (p. 7) que, obviamente,

acrescentamos nós, podem ser diferentes das ideias do terapeuta. Esta

posição de Bogdan (1985) abre, a nosso ver, a possibilidade de a

metáfora cibernética ser substituída pela metáfora narrativa, dado que

as “ideias” dos clientes são as suas narrativas.

Uma das vantagens da metáfora narrativa relativamente à

cibernética é, como mostram Zimmerman e Dickerson (1994), a sua

natureza fluída e evolutiva, a possibilidade de deixarmos de falar de

informação e passarmos a falar de experiência e de, nesta mudança de

vocabulário, nos aproximarmos do modo como as pessoas falam das

suas vidas. É este último aspecto que torna, de um modo claro, a

10
Esta argumentação relativa à relação terapeuta-sistema familiar pode ser expandida
para a terapia individual. De facto, a influência da teoria da auto-organização não se
fez sentir somente na terapia familiar. Por exemplo, os terapeutas construtivistas,
como por exemplo Mahoney (1991) e Guidano (1991), partilham desta leitura da
resistência terapêutica.
73
Psicoterapia: Uma arte retórica?

terapia um processo colaborativo e faz da resistência um conceito

pouco interessante.

3.1.2 Narração como desempenho

Uma leitura dialógica da psicoterapia faz mais do que olhar para a

significação como uma construção interpessoal; centra, também, a

nossa atenção na narrativa como um desempenho.

Assim, a atenção aos processos de interacção na conversação

terapêutica sugere que a mudança não ocorre porque uma nova

narrativa é construída - o que nos aproximaria de uma leitura

cognitivista e estrutural da narrativa - mas conduz-nos a enfatizar o

próprio processo de narração. Contar histórias, como vimos a propósito

da identidade dialógica, é muito mais do que uma forma de organizar o

caos existencial; é, fundamentalmente, um modo de nos

posicionarmos no mundo social.

Como sugere Wortham (2000, 2001), contar a história de vida

pode ser transformador para o narrador, dado que lhe permite

desempenhar um posicionamento interactivo face aos outros e a si

próprio (e.g., posições do passado), que pode conduzir à emergência

de diferentes conteúdos representacionais do self. A mudança pode,

pois, acontecer, não somente porque se recorda um conjunto de

posições da identidade que facilitam a mudança, mas, sobretudo,

porque se narram estas versões e, ao fazê-lo, somos levados a

posicionar-nos de modo congruente com aquelas.

74
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Como referimos antes, o que Wortham sugere é que o

paralelismo do posicionamento interactivo com o conteúdo narrado

pode ser uma forma poderosa de construir e consolidar a identidade do

narrador11.

Deste modo, uma preocupação central dos terapeutas narrativos,

não é somente como conduzir o cliente a significações alternativas,

mais funcionais, mas como suscitar posicionamentos interpessoais, no

espaço terapêutico, que potenciem aquelas. Esta preocupação lembra,

aliás, o imperativo estético de Von Foerster (1984): “Se queres

aprender a ver, aprende a agir” (p. 61).

Enfatizamos recentemente este processo (M. Gonçalves, no prelo)

ao distinguir, a partir de Sarbin (1986), o actor do autor da narrativa.

Não somos somente actores das nossas narrativas, como também

somos seus argumentistas (ou autores). Habitualmente, há alguma

congruência entre o argumento (i.e., o conteúdo) e o desempenho das

narrativas (i.e., a acção). Esta congruência, quando fixada em torno de

temas socialmente desvalorizados (e.g., tristeza, violência), tende a

rigidificar-se e a contribuir para a emergência e manutenção de ciclos

viciosos entre o desempenho das narrativas e o conteúdo narrado,

sendo cada um reforçador do outro. Se eu sou deprimido, comporto-

me de modo depressivo, o que reforça a minha concepção de mim

11 Curiosamente, Wortham (2001) sugere que a interpretação que alguns terapeutas


narrativos fazem da mudança é de natureza representacional. Por exemplo, considera
que White e Epston (1990), tal como Anderson (1997), enfatizam o conteúdo da
narrativa em detrimento da sua dimensão de desempenho social. Contudo, parece-nos
que esta interpretação é abusiva, dado que, por exemplo, White (1998b) afirma que “a
produção do self é um processo circular no qual aspectos seleccionados da experiência
de cada um são desempenhados e o seu próprio desempenho contribui para o stock de
eventos do qual se deriva o auto-conhecimento” (p. 24).
75
Psicoterapia: Uma arte retórica?

como deprimido, que cria profecias de que nas próximas oportunidades

me comportarei de modo depressivo, num ciclo vicioso de

patologização progressiva.

Como se pode depreender, a mudança destes ciclos pode

começar no pólo do desempenho (e.g., “de que modo o que fiz

diferente me faz ver diferente?”) ou no pólo do conteúdo narrado (e.g.,

“de que modo ver diferente me leva a agir diferente?”). Estas duas

possibilidades são mais ferramentas retóricas do que uma dicotomia

real, que, por exemplo, enfatize uma posição mais comportamental ou

mais cognitiva. É que ambos os pólos possuem uma textura narrativa.

Isto é, não há acção ou distinção cognitiva que tenha qualquer sentido

fora de um enquadramento narrativo. As nossas formas de pensar,

pelo menos dentro do que Bruner (1990) designa como modo

narrativo, são sustentadas pelas nossas narrativas de vida. Também as

nossas acções só têm sentido quando integradas narrativamente, o

que as transforma em formas de narração. Isto é, sempre que agimos

estamos envolvidos numa forma de narração, dado que só podemos

dar um sentido às nossas acções (em toda a sua multiplicidade) se as

integrarmos em narrativas de vida. Podemos, pois, dizer que conteúdo

narrativo e acção (i.e., narração) fazem ambos parte da narrativa.

Assim, não é só a construção de um dado produto narrativo que

conduz à mudança, mas a própria acção de a narrar. O que nos parece

mais curioso, nesta concepção, é que as soluções12 não são

descobertas, não pré-existem à conversação, mas são construídas à

medida que a interacção terapêutica vai evoluindo. Os terapeutas

76
Psicoterapia: Uma arte retórica?

narrativos têm desenvolvido recursos conversacionais que enfatizam

precisamente este processo.

Por exemplo, os terapeutas centrados nas soluções

sistematicamente re-encaminham o cliente para falar de soluções e de

excepções, produzindo uma reflexão “côncava” ou “convexa” daquilo

que o cliente vai narrando (cf. Berg & Dolan, 2001). É por isso que

O’Hanlon (1998) refere que fazer terapia centrada nas soluções13 é

como fazer terapia centrada no cliente (Rogers, 1951/1975), mas de

um modo retorcido (“with a twist”), dado que as reformulações são

realizadas de modo a reflectir as excepções. Ou seja, a reflexão do

terapeuta é “côncava” para as soluções, enfatizando-as, e “convexa”

para as dificuldades, tornando-as periféricas. À medida que se vai

falando de soluções, que não existem a não ser no domínio

conversacional, o problema vai perdendo o seu poder e a necessidade

de o resolver dá lugar à imaginação da vida sem o seu efeito ou, pelo

menos, com este transformado de modo mais satisfatório. Talvez

tenha sido isto que levou de Shazer (1994) a recuperar uma ideia de

Freud ao falar do poder mágico das palavras.

Já os terapeutas da re-autoria procuram primeiro desconstruir as

narrativas problemáticas, fragilizando-as, antes de centrarem a

narração na actividade de localizar e expandir excepções à narrativa

problemática. Assim, a terapia é um modo de desconstruir uma

12 Estamos a usar aqui o termo “solução” de modo mais genérico do que aquele que é
usado na terapia centrada nas soluções (e.g., de Shazer, 1991, 1994).
13 Na verdade, O’Hanlon (1998; Bertolino & O’Hanlon, 1999) designa o seu modelo
terapêutico por Terapia das Possibilidades (“Possibility Therapy”), destacando algumas
diferenças do seu modelo relativamente à proposta de de Shazer (1991). De qualquer

77
Psicoterapia: Uma arte retórica?

narrativa-problema (através, por exemplo, da externalização) e de

reconstrução de um contra-argumento narrativo (cf. White & Epston,

1990). Como sugerem White e Epston (1990), quando os resultados

únicos (isto é, excepções à narrativa problemática), não são narrados,

estes tendem a perder o seu poder transformador. É numa espécie de

entrelaçamento entre resultados únicos do passado, do presente e do

futuro, explorando-se em detalhe o que o cliente vai fazendo para que

eles aconteçam e os significados que vão emergindo, que a “realidade”

de uma narrativa alternativa se vai consubstanciando (cf. Freedman &

Combs, 1996).

Também O. Gonçalves (2000), na fase de projecção proposta no

seu modelo, promove a construção de alternativas à narrativa-

protótipo, visando o desenvolvimento da diversidade (de acções, de

personagens, de temáticas e de contextos). Curiosamente, o trabalho

de projecção parte das narrativas de vida do cliente, em que uma

metáfora alternativa (do passado e da actualidade) é identificada, para

suscitar o desempenho desta metáfora em novas ocasiões. Contam-se

as narrativas do passado e do presente para que se materializem as

narrativas do futuro.

Finalmente, poderíamos referir o trabalho de Anderson (1997),

com a sua preocupação permanente de permitir ao cliente exercer

competência e responsabilidade. Quanto mais o terapeuta facilita ao

cliente narrar com competência, através da sua postura de “não-saber”

(Anderson & Goolishian, 1992), mais suscita naquele uma contra-

posição de poder sobre a sua vida. Esta atitude de Anderson (1993,

modo o modelo de O’Hanlon apresenta mais semelhanças do que diferenças quando

78
Psicoterapia: Uma arte retórica?

1997) atravessa todas as suas intervenções terapêuticas e é encarada

como um elemento fundamental da mudança. Vemos aqui, não uma

atenção aos conteúdos narrados, que Anderson (1993) por vezes

parece desprezar (por exemplo, ao recusar o aprofundamento de uma

dada narrativa, em detrimento da exploração da diversidade), mas

sobretudo uma valorização da narração.

Sugerimos, pois, que se a identidade pode ser vista como um

desempenho interacional, também a mudança do significado ocorre

dialogicamente. Quando, em psicoterapia, alguém conta uma história

sobre si mesmo, não se limita a comunicar informação relevante, mas

está a constituir-se e a constituir o terapeuta (e os outros actores da

sua história) de um dado modo. Se o terapeuta convidar o cliente a

suscitar outras vozes, abrindo espaço à multiplicidade do self, a

possibilidade de mudança ocorrer é ampliada. Se outros desempenhos

da identidade (I) forem facilitados, outros conteúdos narrativos (Me)

podem tornar-se dominantes. É óbvio que este processo é circular –

novas narrações podem suscitar novas narrativas da identidade, que

possibilitam narrações congruentes com estas, e por aí em diante.

É provável que seja isto que acontece na psicoterapia, um jogo de

posicionamentos do cliente e de contra-posicionamentos do terapeuta

que dão origem a novas posições e contra-posições de cada um.

Vejamos, a título de exemplo, um comentário que uma cliente,

vítima de abuso sexual na infância, nos fez em psicoterapia14:

comparado com o modelo de de Shazer.


14 Este exemplo foi já referido em M. Gonçalves & O. Gonçalves (2001).

79
Psicoterapia: Uma arte retórica?

“Quando saio de cada sessão, deixo ficar aqui a minha


história [de abuso] e volto a ela na semana a seguir. Para
me sentir bem ao longo da semana tenho que a deixar, para
lá fora poder continuar a minha vida.”

Qual é o significado desta descrição? Trata-se somente de

descrever metaforicamente o terapeuta e o espaço da consulta como

um contentor da história opressiva da cliente? Parece-nos que este

comentário faz mais do que isso. A cliente diz-nos (e, mais importante,

assume para si própria) que se vai sentir bem ao longo da semana e

que pretende “continuar com a sua vida”. O que pode significar este

continuar com a vida, senão a limitação e o controlo da história de

abuso? Por outro lado, a cliente construiu um dispositivo explicativo

para eventuais fracassos no processo de contenção. Será que esta

“teoria” nos pode auxiliar em situações de dificuldade? Será que

podemos, por exemplo, explorar que características do contexto

dificultarão esta contenção, desta forma ampliando a percepção de

controlo e des-patologizando a cliente? Podemos perguntar de que

forma recordar este comentário pode, finalmente, auxiliar activamente

a cliente a não recordar a sua história de abuso ao longo da semana,

adiando recordações penosas para o espaço da terapia.

Devemos, então, olhar para esta frase como uma mera descrição

do “estado real” da cliente? De acordo com o que temos vindo a

defender, este comentário pode constituir um importante desempenho

relacional, uma performance que o terapeuta poderá elaborar,

compreendendo o modo como isto está a ser possível, que narrativas

aparecem associadas a esta possibilidade, que competências de

80
Psicoterapia: Uma arte retórica?

domínio sobre a história de abuso estão a ser usadas, que audiências

validam este posicionamento, etc.. Ou seja, o terapeuta pode ampliar

as capacidades constitutivas deste comentário, ao suscitar novos

posicionamentos que permitam desenvolver a elaboração desta

afirmação em direcção a uma narrativa de vida mais satisfatória.

Estes processos que acabamos de referir – natureza responsiva

do significado e narração como desempenho - aplicam-se igualmente

às nossas conversas internalizadas, dado que, quando pensamos ou

falamos solitariamente, as nossas audiências (e.g., eu em outros

contextos, os outros) continuam presentes e são agentes activos na

construção da significação. Berger e Lukmann (1966/1999) explicitam

bem este processo, ao lembrarem que “a totalidade de um mundo

pode ser actualizada, por meio da linguagem, em qualquer momento”

(p.51). Esta capacidade de objectivar o mundo permite que os outros

estejam presentes, mesmo quando estamos sós.

Assim, por exemplo, uma cliente vitima de violação foi internada

num serviço de psiquiatria depois de fortes tendências suicidas terem

colocado a sua vida em perigo. Durante os dias que durou o

internamento começou a dar-se conta que estava a ser invadida por

um sentimento novo – a raiva e o desejo de vingança contra o

agressor. Estas emoções surgiram centradas em torno de uma nova

voz que perguntava porque tinha que estar ela a ser punida (com o

internamento) por uma acção que tinha sido da responsabilidade de

outra pessoa. Esta nova voz, que provavelmente resultou do

81
Psicoterapia: Uma arte retórica?

ventriloquismo15 de outras vozes externas (e.g., da própria terapeuta,

de outras pessoas validadoras) ou de vozes internas desvalorizadas até

então (e.g., a cliente antes da violação ter ocorrido), permitiu começar

a construir a mudança terapêutica.

Deste modo, ninguém muda por contemplação de si próprio, sem

que exista de algum modo a emergência e o desempenho de novas

posições (ou vozes) ou re-investimento em posições prévias ignoradas.

Esta necessidade de incrementar as “I-positions” possíveis (para

usar a terminologia de Hermans) relaciona-se com o facto de, na maior

parte das situações problemáticas, uma dada posição insistir na

dominância, apesar da sua ineficácia ou do sofrimento que gera. A

incapacidade de ver que esta posição é apenas uma entre outras

torna-a ainda mais rígida. De um ponto de vista dialógico (cf. Hermans

& M. Gonçalves, 2000), esta rigidez é mantida à custa da exclusão de

outras posições possíveis. Como diz Watzlawick (1990), perceber que

uma dada posição é apenas uma entre outras implica uma capacidade

de descentração que provavelmente não está muito desenvolvida

quando os problemas têm um poder central na vida das pessoas.

Apesar desta posição dialógica, que temos estado a analisar, ser

partilhada pela larga maioria dos terapeutas narrativos e constituir

uma leitura alternativa da identidade e da psicoterapia face às

propostas realistas, quando procuramos, como faremos na última

parte deste livro, questionar a forma como estes modelos olham para a

15 Para Bakhtin (1979/1986) as palavras e as afirmações que construímos nunca são


só nossas, já foram utilizadas por outras pessoas e conseguimos a nossa originalidade
como autores através de um arranjo idiossincrásico destas vozes (cf. Wortham, 2001).

82
Psicoterapia: Uma arte retórica?

psicopatologia, a unidade que verificámos relativamente à concepção

retórica da prática dá lugar a uma diversidade de posições.

Analisemos, pois, as diferentes formas como as psicoterapias de

orientação narrativa têm conceptualizado a doença mental.

3.2 Narrativa e psicopatologia

Quais são as implicações do desafio à concepção monádica na

abordagem à psicopatologia? Seguramente que não dispomos ainda de

uma leitura dialógica integrada da patologia, mas é já claro que a

velha tradição reificante não é compatível com um modelo dialógico da

identidade. Quanto mais não seja porque, se a identidade perde a sua

localização no real, na mente, a patologia fica sem a sua ancoragem

tradicional. Assim, uma característica comum dos teóricos e terapeutas

narrativos é, como já referimos, a sua centração na significação. Mas,

para além desta característica comum, podemos encontrar linhas

teóricas diferenciadas no que se refere à possibilidade de re-

construção narrativa da patologia.

Do nosso ponto de vista, há terapeutas16 que, no esforço de

desconstruir a patologia, acabam por recusar implicitamente a

existência de “comportamento patológico” (e.g., Andersen, 1993;

Anderson, 1997; de Shazer, 1994; Hoffman, 1992; White & Epston,

16 Na nossa análise iremos somente considerar a produção científica de terapeutas e


não nos centraremos nos esforços de desconstrução produzidos pelos teóricos (e.g.,
Boyle, 1994; Fee, 2000; Hallam, 1994; Hepworth, 1999; Parker, Georgaca, Harper,
McLaughlin & Stowell-Smith, 1995; Wiener & Marcus, 1994).

83
Psicoterapia: Uma arte retórica?

1990), enquanto outros procuram fazer uma leitura narrativa dos

fenómenos psicopatológicos (e.g., O. Gonçalves, 2000; Hermans &

Hermans-Jansen, 1995; Neimeyer, 2000). Parece-nos que os primeiros

centram a sua atenção nas narrativas problemáticas, enquanto os

segundos, implícita ou explicitamente, procuram compreender os

fenómenos psicopatológicos de um ponto de vista narrativo.

Dada esta diversidade de posições, procuraremos, de seguida,

caracterizar, ainda que brevemente, os autores que situamos em cada

uma das perspectivas.

3.2.1 Narrativas problemáticas

Os autores centrados nos problemas não explicam a emergência

destes a partir de qualquer tipo de modelo de competência. Isto é,

segundo estes, quem procura ajuda terapêutica fá-lo, não porque

disponha de menos competências pessoais ou familiares, mas porque

se sente insatisfeito de algum modo com a sua vida. Os problemas

representam o que a pessoa de melhor conseguiu naquele contexto

(Eron & Lund, 1996) e não sinalizam défices situados a um outro nível

(e.g., cognitivo, sistémico). Temos aqui, de novo, uma forte influência

da escola estratégica de terapia familiar, dado que para estes

terapeutas os problemas surgem basicamente por três motivos

(Watzlawick, Weakland & Fisch, 1974): (1) as pessoas fazem algo para

resolver um problema quando o melhor seria nada fazer (e.g., punição

do filho pela sua actividade masturbatória) e deste modo as acções

84
Psicoterapia: Uma arte retórica?

para resolver o “problema” acabam por se transformar no problema;

(2) as pessoas nada fazem para resolver um problema, quando seria

mais adequado fazer algo (e.g., pais que fingem que não sabem que o

filho é toxicodependente) ou (3) uma acção é iniciada, mas no nível de

resolução errado; ou seja, procura-se produzir uma mudança de

primeira ordem, quando seria necessária uma mudança de segunda

ordem, ou vice-versa17 (um bom exemplo deste processo seria a

exigência dos pais de que não só os filhos estudem – mudança de

primeira ordem-, mas de que gostem “espontaneamente” de estudar –

mudança de segunda ordem).

Os teóricos estratégicos têm assim uma posição face aos

problemas de total despatologização (Fisch, Weakland & Segal, 1982)18

e os terapeutas que se centram no conceito de narrativa problemática

situam-se nesta mesma tradição, desenvolvida a partir do Mental

Research Institute em Palo Alto. A pergunta que pode produzir a

mudança não é “porque surgiu este problema?”, mas “como se

mantém este problema?”.

17 Para os estratégicos as mudanças podem ser de primeira ordem se ocorrem dentro


das possibilidades do sistema, mas não o transformam; de segunda ordem, se
modificam o próprio sistema, isto é, se este muda as suas regras de funcionamento.
Uma analogia mecânica sugerida por Watzlawick, Weakland e Fisch (1974) pode
ajudar a compreender o problema de resolução no nível errado. Imagine-se que, na
condução de um automóvel, acelerar é uma mudança de primeira ordem e as
mudanças da caixa de velocidade correspondem a mudanças de segunda ordem.
Imagine-se agora o que seria procurar acelerar o carro somente com o acelerador ou,
pelo contrário, recorrer somente à caixa para produzir aceleração...
18 Quando falamos, nesta secção, de terapeutas estratégicos estamos a restringir-nos
somente aos terapeutas do Mental Research Institute (MRI). Como sugerem Nichols e
Schwartz (2001), terapeutas como Haley e Madanes ou os terapeutas da Escola de
Milão, usam, para além das explicações cibernéticas do MRI, que referimos atrás,

85
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Estes autores recusam, deste modo, qualquer modelo que

assuma que existem razões estruturais (e.g., cognitivas, emocionais,

familiares), por detrás dos sintomas, que os permitam explicar. Ao

contestarem as explicações estruturais, evitam olhar para os clientes

como pessoas que dispõem de menos recursos do que o terapeuta e

que são de algum modo “diferentes de nós”. Aproximam-se, deste

modo, da perspectiva de Szasz (1978, 1997a), ao sugerirem que a

recusa da psicopatologia não significa que as pessoas não sofram (ou

não façam as outras sofrer), mas que não há razões sólidas para

chamarmos a este mal-estar doença. Para Szasz (1997a), a

psicopatologia é constituída por um conjunto de problemas de vida que

foram patologizados, dada a medicalização progressiva que tem

ocorrido nas sociedades ocidentais. As razões que levaram a re-

nomear estes problemas como patologias serão de natureza

estritamente política e não científica, de acordo com Szasz.

Para além das explicações estruturais, um outro recurso

explicativo, particularmente popular nas terapias familiares, é de

natureza funcional. Não se procura, deste modo, saber que

disfuncionamentos se encontram por detrás do sintoma, escondidos na

mente ou no sistema, mas que função ocupa aquele sintoma no

sistema que o suporta. Assim, pode-se encontrar no medo da noite do

filho uma forma de ocultar um medo análogo da mãe ou questionar se

a agressividade da esposa não é uma forma de re-equilibrar o

desiquilíbrio de poder no casal (cf. Madanes, 1981).

explicações estruturais (e.g., os sintomas como resultado de hierarquias invertidas) e


funcionais (e.g., os sintomas como protectores de outros problemas no sistema).

86
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Tal como as propostas estruturais, também este tipo de

explicação funcional têm sido alvo de contestação. A propósito das

explicações sistémicas funcionalistas, Bogdan (1986, cit. Eron & Lund,

1996) pede-nos para imaginar que um homem ganha uma fortuna em

Las Vegas e se torna subitamente uma pessoa materialista, pondo em

risco o seu casamento, dado que a sua companheira aprecia cada vez

menos a sua posição em relação à vida. Será legitimo dizer-se que o

homem evitou até ao presente ganhar ao jogo para proteger o seu

casamento? Bogdan sugere que é este tipo de explicação que surge

nas propostas funcionalista, de que o problema existe porque tem no

sistema alguma função.

Ao recusar, quer as explicações funcionalistas quer as estruturais,

estes terapeutas situam-se próximos da perspectiva de Bogdan (1986;

cit. Eron & Lund, 1996) de que os problemas acontecem

acidentalmente, ou seja, que estes podem ocorrer por mero acaso.

Este perspectiva enfatiza que os problemas podem emergir de modo

não previsível, não havendo necessariamente razões estruturais ou

sistémicas para o seu desenvolvimento19. Esta posição está já contida

na proposta dos estratégicos de que a solução escolhida para resolver

um problema é muitas vezes responsável pela sua manutenção e até

pelo seu agravamento. O acaso situa-se precisamente aqui, na escolha

de uma solução desajustada.

19 Não quer isto dizer que não existam situações lesivas na vida das pessoas (e.g.,
trauma, abuso) que conduzam vulgarmente a situações de sofrimento. Mas, na larga
maioria dos casos em que estas situações não estão presentes, o desenvolvimento dos
problemas pode ter sido acidental, ampliado por estratégias de resolução pouco
adequadas.
87
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Em síntese, há um conjunto de modelos de terapia que sugerem

que um problema pode existir sem que desempenhe qualquer tipo de

função específica (e.g., dificuldades comportamentais do filho para

supostamente manter o casal unido) ou sem que haja razões

estruturais mais “profundas” (e.g., défices do ego, problemas nas

estruturas cognitivas).

A centração destes terapeutas deixa de estar, deste modo, na

patologia, para estar localizada nos problemas. Vejamos, então, de

que modo estes diferentes autores se posicionam face à

conceptualização psicopatológica tradicional.

O modelo centrado nas soluções de Steve de Shazer (1988, 1991,

1994) é talvez a abordagem teórica onde é mais notória a perspectiva

do acidentalismo. Como refere o próprio de Shazer (1985; cit. Eron &

Lund, 1996), os problemas acontecem devido a uma “terrível má

sorte” (p.18). Deste modo, os problemas existem simplesmente

porque existem e porque os clientes, ao falarem constantemente deles,

lhes conferem cada vez mais realidade: nada se encontra escondido

por detrás ou por baixo dos problemas; nada a não ser linguagem.

Esta é a posição simples de que parte todo o edifício da terapia

centrada nas soluções, desafiando as tradições terapêuticas que

procuram atribuir ao problema um significado especial, representativo

de algo disfuncional que se situa na mente ou no sistema. Assim, o

terapeuta tem que desenvolver competências que lhe permitam falar

com o cliente de modo diferente do habitual. Como referiu

88
Psicoterapia: Uma arte retórica?

recentemente O’Connel (2001), a pergunta não deverá ser “qual é o

problema?”, dado que falar dele só lhe conferirá mais realidade, mas

”o que se pode fazer para mudar?” ou “o que acontecerá quando o

problema deixar de existir?”.

Não deixa de ser curioso que, habitualmente, quando pensamos

em excepções estas são definidas por oposição ao problema (e.g.,

ausência de ansiedade, deixar de estar deprimido). Contudo, para de

Shazer (1991) é preciso que os clientes saibam o que querem colocar

no lugar do problema em vez de saberem, somente, que querem

acabar com ele. Na terapia centrada nas soluções (de Shazer, 1988,

1991, 1994) desenvolveu-se, assim, um conjunto de recursos (e.g.,

pergunta-milagre) para auxiliar as pessoas a não falarem das

excepções por referência ao problema, mas para as autonomizar

daquele. Este processo é totalmente contra-intuitivo, dado que fomos

socializados a pensar que para encontrar soluções temos que conhecer

bem o problema e a sua origem.

Anderson (1997) também põe em causa a larga maioria das

noções tradicionais que sustentam o edifício teórico da psicopatologia.

Desde logo recusa, não só a ideia de patologia, como também de

terapia, propondo como alternativa para a sua abordagem a

designação de “collaborative language systems”. No seu último livro,

Anderson (1997) é muita clara na descentração, quer das soluções,

quer dos problemas: “Eu prefiro dilema ou situação de vida a problema

e raramente uso a palavra solução porque não acredito que os

problemas se resolvem, mas antes que se dissolvem” (p.73). Para

89
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Anderson, o problema é uma narrativa que as pessoas desenvolveram

para dar significado às suas vidas e, na larga maioria das vezes, os

diferentes interlocutores não concordam na definição do problema,

criando “realidades em duelo” (p. 74).

De acordo com esta proposta, Andersen (1993) sugere que os

problemas acontecem quando os significados que as pessoas vão

construindo as tornam incapazes de comunicar sem se aniquilarem, ou

quando os significados se tornam incompatíveis e os diferentes

interlocutores deixam de falar e de se ouvirem, rigidificando assim as

suas posições.

Nestes modelos terapêuticos os problemas dissolvem-se à medida

que a conversação terapêutica se desenvolve de um modo dialógico,

que outras vozes vão sendo ouvidas, que se criam novas perspectivas

e que se tornam obsoletas as narrativas prévias. Ou seja, a questão

que deve organizar a actividade do terapeuta não é a de como um

problema pode ser resolvido, mas antes quais são as pressuposições

que o sustentam e como é que estas se podem ver desafiadas (i.e.,

dissolvidas) no diálogo entre os diversos intervenientes.

Se o modelo de Anderson (1997) procura conduzir à dissolução

de problemas (ou de dilemas), já o modelo de White e Epston (1990)

faz da desconstrução dos problemas um elemento central do processo

terapêutico. Tal como a dissolução exige curiosidade, resultante de

uma atitude de não saber (cf. Anderson & Goolishian, 1992), também

a desconstrução se baseia numa curiosidade que procura interrogar

como as coisas poderiam ser diferentes e quais são os

90
Psicoterapia: Uma arte retórica?

constrangimentos (pessoais, culturais, familiares) que impedem a

emergência de uma perspectiva diferente (White, 1994). A

desconstrução é, deste modo, uma forma de retirar poder às histórias

opressivas que as pessoas possam ter construído sobre si. Assim,

White (1998a) sugere que o poder dos problemas decorre da

totalização da história da pessoa. Esta fica reduzida ao discurso

problemático e todos os acontecimentos que ocorrem fora deste

enquadramento são ignorados. Assim, um problema deve ser

encarado como um “sistema de significados que interfere com a

direcção preferida de alguém” (Zimmerman & Dickerson, 1996, p. 30).

Contudo, esta construção de um problema ou, mais

correctamente, de uma história problemática, não pode ser

compreendida de um modo solitário; ela ocorre num dado contexto

cultural e em contacto com audiências que se constituem como co-

autores. A implicação mais central deste posicionamento é que, para

os terapeutas narrativos que se situam neste modelo, o problema deve

ser devolvido à cultura, sendo questionados os “treinos culturais que

influenciam o modo como nos conhecemos a nós próprios, isto é,

género, classe social, preferências sexuais, tais como as práticas

disciplinares de perfeição, auto-vigilância (...), etc.” (Madigan, 1998, p.

85-86). É por isso que White (1994) encara a terapia como uma

prática política em que são desafiadas (ou desconstruídas) prescrições

de poder (e.g., tecnologias do self), que conduzem as pessoas a

internalizar estes discursos sociais e que sustentam as suas narrativas

problemáticas. Os discursos sociais constituem, deste modo, o sistema

de suporte dos problemas, as formas de subjectivação que possibilitam

91
Psicoterapia: Uma arte retórica?

a sua ocorrência. Encontramos aqui a influência de Foucault (1986) na

análise que este realiza do modo como a subjectividade depende das

tecnologias de poder emergentes a partir do século XVII. Como refere

Foucault (1986), a partir desta altura desenvolveram-se dispositivos

que tornaram possível transformar a alma numa forma de domesticar

os corpos. Ou seja, os discursos que se centram na mente permitiram

constituir novas formas de controlo social, em larga medida

transformando-o em auto-controlo. White e Epston (1990) procuram

compreender as histórias problemáticas no contexto da operação

destes mecanismos de controlo e de auto-controlo, constitutivos da

nossa individualidade moderna.

Outros autores narrativos, influenciados ainda pela tradição

estratégica, procuram olhar para os padrões de interacção que

emergem quando os problemas se tornam dominantes. Eron e Lund

(1996), por exemplo, desenvolverem uma teoria da formação dos

problemas em que os significados “disjuntivos”20 que as pessoas

elaboram sobre si ou sobre os outros assumem um papel central.

Deste modo, quando as pessoas se começam a conceptualizar a si

próprias ou aos outros de modo incompatível com as suas narrativas

preferidas, não só surge mal estar, como é mais provável que

interacções problemáticas comecem a ocorrer. Para Eron e Lund

(1996), à medida que estas interacções decorrem, as

conceptualizações não preferidas tendem a rigidificar-se e os padrões

problemáticos de interacção consolidam-se. Com o desenvolvimento

92
Psicoterapia: Uma arte retórica?

deste ciclo vicioso, vai ficando cada vez mais claro para as pessoas (e

eventualmente para o terapeuta) que um problema existe de facto.

Não deixa de ser interessante a semelhança desta leitura com a

proposta de White e Epston (1990), de que as narrativas

problemáticas impedem as pessoas de viver vidas preferenciais, tal

como a sua relação com as propostas de Anderson (1993, 1997), de

que quando os problemas se desenvolvem se criam “realidades em

duelo”.

Outros terapeutas ainda têm procurado compreender, não o

modo como as narrativas problemáticas se estruturam, mas, de um

modo mais “microscópico”, os processos discursivos envolvidos na

disfuncionalidade. Um bom exemplo disto é o trabalho de Efran e Cook

(2000).

Estes autores utilizam a análise das ambiguidades linguísticas

como estratégia para a desconstrução das narrativas problemáticas.

Por analogia com a missão freudiana de transformar o Id em Ego,

Efran e Cook (2000; Efran, Lukens & Lukens, 1990) vêem a terapia

como um modo de substituir a “ambiguidade auto-enganadora pela

clareza linguística” (Efran & Cook, 2000, p. 127). Nestas

ambuiguidades linguísticas destacam dois grupos centrais: hipocrisias

e confusões do tipo lógico. As hipocrisias decorrem do facto de a

complexidade da vida social conduzir as pessoas a contradições entre

as diferentes exigências envolvidas e, consequentemente, ao auto-

engano. A utilidade da hipocrisia é a manutenção do status, sem que o

20 Esta noção, como referem Eron e Lund (1996), foi proposta originalmente por Laing

93
Psicoterapia: Uma arte retórica?

cliente se responsabilize a si próprio (e.g., o cliente que afirma que

não consegue obter determinado objectivo viável, apesar de “tentar”),

sendo deste modo importante identificar quais são as motivações que

o levam a não mudar (e.g., a “não conseguir”). Efran e Cook

recomendam a atenção dos terapeutas a pistas linguísticas que

sugerem um estado de auto-mentira ou, como eles preferem designar,

de “mentira irresponsável”, dado que o cliente ignora que mente. Há

um conjunto de recursos retóricos que são usados pelos clientes para

manter o estado de hipocrisia e que podem ser desafiados pelo

terapeuta. Por exemplo, com um cliente que refere que gostaria de se

levantar cedo, mas que não consegue, pode-se tentar saber o que é

que ele faz para “não conseguir”. Ou então, conduzir o cliente a

reformular, dizendo: “eu queria levantar-me cedo porque a minha

mulher quer que eu trabalhe, mas de facto eu gosto de ficar na cama”.

As confusões do tipo lógico, o segundo tipo de confusões

linguísticas, resultam, não da pertença a diferentes comunidades

sociais, mas da “natureza escorregadia do meio linguístico” (Efran &

Cook, 2000, p. 132). Assim, por exemplo, podemos encontrar

reificações em expressões correntes como “eu tenho o hábito de...” ou

“eu sou o tipo de pessoa que...”. Dizem Efran e Cook que as pessoas

utilizam estes meios discursivos como formas de legitimar os seus

comportamentos, mesmo quando os vêem como indesejáveis. O mais

interessante é que, como os psicólogos partilham da realidade

linguística dos seus clientes, facilmente aceitam este tipo de

“explicações”. Outro tipo de confusão de tipo lógico é o paradoxo da

em 1969.

94
Psicoterapia: Uma arte retórica?

auto-referência, sendo a mais habitual a ideia (também partilhada

pelos psicólogos) de que os nossos pensamentos controlam o nosso

comportamento. Numa situação de conflito (fazer ou não fazer algo)

pode-se ter a ideia de que os pensamentos controlam o

comportamento quando, na realidade, eles são um resultado da nossa

decisão e nada podem fazer “contra nós”, como se fossem agentes

separados de nós próprios. Como dizem Efran e Cook (2000), “a tarefa

terapêutica não é reparar a maquinaria cognitiva ou emocional, mas

mediatizar conflitos entre os desejos pessoais e as exigências sociais”

(p. 138). Ou seja, o trabalho do terapeuta é, pois, de clarificação,

convidando o cliente a assumir uma posição pessoal, com todos as

consequências envolvidas.

Efran, Lukens e Lukens (1990) sugerem que os terapeutas

assumem rápido demais que as pessoas não têm competências para

obter os seus objectivos, quando muitas vezes os objectivos do

terapeuta são simplesmente diferentes daqueles que motivam os

clientes. Um exemplo extremo pode-nos ajudar a compreender este

processo. Imagine-se uma mulher grávida que pede ajuda a um

terapeuta porque não “consegue” deixar de fumar (Efran, Lukens &

Lukens, 1990). É muito provável que haja um objectivo escondido (até

para si própria) que sugere que se o terapeuta não a conseguir ajudar

a deixar de fumar é porque tal objectivo é impossível de obter. Ou

seja, o terapeuta pode ser, de um modo inadvertido, um agente de

manutenção do actual status quo. Como poderia operar o terapeuta

nesta situação? Desde logo não sugerindo estratégias para deixar de

fumar, mas clarificando os objectivos da cliente, nomeadamente a

95
Psicoterapia: Uma arte retórica?

ideia de que só ela pode deixar de fumar e que não há terapia que o

faça por ela, sem esforço ou sofrimento.

Como vimos, todos estes autores orientam a sua intervenção, não

em torno de patologias específicas, mas de problemas (ou no caso de

Anderson, de dilemas) que de algum modo oprimem as pessoas.

Repare-se, no entanto, que apesar desta semelhança, a posição

relativamente ao que consiste a terapia é marcadamente distinta. Por

exemplo, White e Epston (1990) destacam que fazer terapia é

necessariamente envolver-se politicamente; Anderson (1997) recusa a

própria ideia de terapia e enfatiza muito mais uma atitude relacional

do que um conjunto de técnicas; de Shazer (1991) estabelece uma

abordagem minimalista de intervenção e Efran e Cook (2000) fazem

do terapeuta um especialista em linguística. Esta posição face ao que é

a terapia reflecte-se na forma como a relação terapêutica é

conceptualizada. Assim, Anderson enfatiza o “não saber”, White

recomenda uma redução na hierarquia, mas sugere que é impossível -

e mesmo eticamente indesejável (cf. White, 1998a), como já referimos

atrás, – remové-la completamente, de Shazer está mais preocupado

com o que pode produzir mudança, (mesmo que para isso tenha que

usar recursos oriundos do modelo estratégico) e Efran e Cook

assumem claramente uma posição hierárquica face ao cliente.

De qualquer modo, parece-nos que o denominador comum destas

abordagens se situa numa ausência de referência à psicopatologia,

seja, à forma como diferentes formas de disfuncionamento podem

emergir, ou à adaptação dos seus modelos terapêuticos a diferentes

96
Psicoterapia: Uma arte retórica?

quadros nosográficos. Parece-nos, pois, que a resposta destes autores

aos problemas identificados na primeira parte deste livro se situa na

recusa sistemática em utilizar jogos de linguagem que recorram a

noções oriundas da medicina. Não vemos, por exemplo, nestes

terapeutas, referências a diagnósticos, a etiologias, a prognósticos ou

à “eficácia” terapêutica.

3.2.2 Narrativas patológicas

Vários outros autores se afastam desta centração em torno do

problema e têm procurado re-conceptualizar a psicopatologia de um

ponto de vista narrativo, desenvolvendo novos esforços para re-

enquadrar os comportamentos disfuncionais numa teoria narrativa do

self. Estas propostas não desafiam directamente uma das dicotomias

sobre a qual se tem erguido a psicopatologia – a distinção entre

normalidade e patologia (Parker, Georgaca, McLaughlin & Stowell-

Smith, 1995) -, mas procuram sugerir que a patologia pode ser melhor

compreendida a partir de disfunções na produção narrativa do

significado.

Óscar F. Gonçalves (1999, 2000), por exemplo, tem-se destacado

na investigação das narrativas da psicopatologia. A sua mais recente

proposta teórica sugere que se compreenda a psicopatologia como um

resultado de dificuldades a diferentes níveis da produção narrativa.

97
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Assim, os problemas ao nível da estrutura narrativa podem

traduzir-se em dificuldades em obter coerência narrativa. Estes

clientes têm marcados problemas de organização discursiva: [surge]

“o discurso superficial ou tangencial; sobreinclusividade ou excessiva

abstracção; circunstancialismo ou desconexão; apresentação

desorganizada; ausências ou amnésias electivas” (2000, p. 76-77).

Vários estudos, de facto, têm sugerido que a falta de coerência

narrativa está relacionada com o desajustamento psicológico e com

queixas psicopatológicas (e.g., Baerger & McAdams, 1999; Donahue,

Robins, Robert & John, 1993).

As dificuldades em gerar coerência podem, ainda, como refere O.

Gonçalves (2000), dar origem a narrativas hiper-coerentes, como uma

forma de evitar a diversidade existencial.

Por sua vez, os problemas ao nível do processo narrativo são

responsáveis pelas dificuldades que os clientes têm de diferenciação

sensorial (objectivação), emocional e cognitiva (subjectivação) ou dos

significados (metaforização). As narrativas tornam-se pobres, pouco

diferenciadas e perdem a sua qualidade dramática.

Finalmente, os problemas ao nível do conteúdo narrativo podem

contribuir para a emergência de narrativas organizadas em torno de

um mesmo conteúdo, reduzindo-se assim a complexidade temática.

Recordamos, a este propósito, a confissão que Weakland terá feito a

O’Hanlon (1998), em que se ilustra de um modo claro a redução da

complexidade na “patologia”: “Life is one damn thing after another.

Therapy can’t change that. But people who seek therapy are no longer

98
Psicoterapia: Uma arte retórica?

experiencing that – life for them has become the same damn thing

over and over and over” (p. 143-144).

Esta dimensão tem sido estudada por outras perspectivas,

externas à teoria narrativa, nomeadamente no âmbito dos modelos

cognitivos do self, surgindo frequentemente conceptualizada em torno

do conceito de auto-complexidade (cf. M Gonçalves & Salgado, 1999.;

para uma revisão). Os estudos empíricos sobre este conceito têm

revelado resultados contraditórios, uns sugerindo que uma elevada

complexidade do self está associada a ajustamento (tal como está

subjacente, de algum modo, na perspectiva de O. Gonçalves ou na

confissão de Weakland atrás referida) e outros reclamando justamente

o contrário (ibidem).

Na nossa opinião, é muito provável que a discussão em torno da

importância da complexidade, na gênese do desajustamento

psicológico tenha confundido complexidade com reduzida coerência. De

facto, ao medir-se, por exemplo, a auto-complexidade (cf. Linville,

1987) pode-se estar, na verdade, a medir reduzida coerência

narrativa, dado que estas medidas se operacionalizam através da

identificação de uma diversidade de facetas e da reduzida redundância

entre elas21. Do nosso ponto de vista, como referimos anteriormente

21 Numa das tarefas frequentemente utilizada para medir a autocomplexidade (Linville,


1987) sugere-se que a pessoa pense nas diferentes facetas da sua vida (e.g., papéis,
sonhos, projectos) e as caracterize a partir de um conjunto de adjectivos que são
fornecidos. A autocomplexidade é tanto mais elevada quanto (1) maior for o número
de facetas seleccionadas para caracterizar a idendidade e (2) quanto maior for a
diferenciação entre elas, isto é, quanto menos semelhante for a caracterização de cada
faceta, em função dos adjectivos. A ideia fundamental que presidiu à construção desta
tarefa é a de que não basta ter um número elevado de facetas para se ter uma
elevada complexidade da identidade, dado que se pode ter um número elevado de

99
Psicoterapia: Uma arte retórica?

(Hermans & M. Gonçalves, 2000), podemos obter complexidade com

articulação dialógica (i.e., elevada coerência e elevada complexidade)

ou complexidade temática de modo monológico (i.e., reduzida

coerência e elevada complexidade). Assim, na opinião de Hermans e

M. Gonçalves, o mais importante no ajustamento não seria o grau de

multiplicidade, mas antes a capacidade de manter o diálogo entre as

diferentes vozes envolvidas. No âmbito da proposta teórica de O.

Gonçalves, a leitura de Hermans e M. Gonçalves significaria que a

complexidade só seria adaptativa num contexto de coerência narrativa.

A linha de investigação iniciada por O. Gonçalves e colaboradores

(cf. O. Gonçalves, 2000; O. Gonçalves, Maia, Alves, Soares, Duarte &

Henriques, 1996; O. Gonçalves, Korman & Angus, 2000) tem

procurado estudar o modo como a estrutura, o processo e o conteúdo

narrativos se encontram perturbados em diferentes quadros

nosográficos (e.g., agorafobia, depressão, alcoolismo), tendo até ao

momento obtido resultados promissores (e.g., diferenciação de

narrativas-protótipo de diferentes quadros nosográficos), que fazem

supor que uma reconstrução narrativa da patologia pode ser um dos

importantes resultados deste programa de investigação.

De modo menos claro, pelo menos do ponto de vista da

investigação empírica, outros autores têm proposto perspectivas

análogas de interpretação da patologia.

facetas muito semelhantes entre si. Por exemplo, na minha vida, muito
provavelmente, as facetas “eu como psicólogo” está muito mais próxima de “eu como
professor” do que da faceta “eu como filho”.

100
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Neimeyer (2000), por exemplo, recentemente propunha que se

conceptualizasse a importância das narrativas auto-biográficas na

terapia a partir de três dimensões: (1) formas e características

narrativas, (2) pontos de vistas e vozes e (3) questões de autoria e de

audiência. Estas dimensões seriam “pontos de entrada” para os

terapeutas facilitarem a mudança, mas é evidente que podem ser

utilizadas como critérios de diferenciação entre as narrativas

patológicas e as adaptativas, sugerindo Neimeyer (2000), de resto,

que estes critérios sejam utilizados na “compreensão das auto-

narrativas e da sua disrupção” (p.228). Analisemos, então,

sumariamente, cada uma destas dimensões.

(1) Formas e características narrativas: Neimeyer procura

considerar aqui aspectos que O. Gonçalves (2000) integra na estrutura

narrativa. Deste modo, sugere que devemos distinguir o setting da

narrativa (análogo à objectivação de O. Gonçalves, 2000), a

caracterização dos agentes que são envolvidos na história, o

argumento (em que a hiper-coerência ou reduzida coerência podem

ser problemáticas), o tema (refere-se ao porquê da narrativa, sendo

análogo à metaforização da terapia cognitiva-narrativa) e, finalmente,

o objectivo ficcional (análogo à projecção de O. Gonçalves).

(2) Pontos de vista e vozes: Distingue, a partir de Moffet e

McElheny (1995, cit. Neimeyer, 2000), diferentes tipos de narrativas

(e.g., monólogo interior, carta narrativa, autobiografia desvinculada,

narrativa anónima), que se organizam “do privado para o público e do

específico para o geral” (p. 227). Nestas diferentes categorias

narrativas, a posição do autor confere significado ao que é narrado.

101
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Neimeyer refere que não é claro como é que estes diferentes estilos

podem estar envolvidos nas narrativas disfuncionais do self, mas

convida os investigadores a considerar estes diferentes tipos de

narrativas como critérios de investigação.

(3) Autor e audiência: Para além de se ter em consideração as

características estruturais da narrativa e o estilo, é importante analisar

o modo como o autor e a audiência se posicionam mutuamente. Ou

seja, olhar para a narrativa como um desempenho social, uma

actividade dialógica, que se trata de “um instrumento heurístico útil

para investigar, quer a reconstrução do significado, quer os seus

impedimentos no decurso da terapia” (Neimeyer, 2000, p. 234).

Esta última vertente acrescenta alguma ambiguidade à proposta

de Neimeyer, dado que, mais uma vez, sugere que esta grelha

interpretativa possa ser usada na compreensão do processo de

mudança em terapia. De qualquer modo, a possibilidade de se

discriminarem disfunções do self a partir do modo de elaboração das

narrativas auto-biográficas afasta esta proposta das dos autores

centrados no problema.

Também Hermans e Hermans-Jansen (1995; Hermans, 2001), na

sua teoria da valoração e método de auto-confrontação, sugerem que

as disfunções do self correspondem a padrões perturbados de

significação, entre as quais situam as dissociações e as disfunções ao

nível do sistema de valorações.

Estes autores deslocam a sua atenção da auto-narrativa para os

elementos mais nucleares que a constituem, que são, na sua

102
Psicoterapia: Uma arte retórica?

perspectiva, as valorações. Assim, no método de auto-confrontação os

clientes convertem as suas histórias significativas em valorações,

vulgarmente consistindo em frases (podem também ser palavras ou

símbolos) que condensam o significado da experiência. Várias são as

características atribuidas por Hermans e Hermans-Jansen às

valorações. Assim, estas devem (1) dizer respeito à identidade do

narrador, (2) condensar o sentido da história e (3) constituir uma

“unidade de significado” (p. 37).

Depois de identificar as valorações, no método de auto-

confrontação, estas são cotadas numa lista de afectos. Hermans e

Hermans-Jansen (1995) identificam quatro tipos diferentes de afectos:

positivos, negativos, de relação ou união com os outros e de auto-

realização. A organização destes afectos relativamente a cada

valoração permite identificar padrões motivacionais implícitos, para

além da grande diversidade de conteúdos que as valorações podem

ter. Assim, por exemplo, uma valoração que tenha um elevado nível de

P (afecto positivo) e de S (auto-realização), mas baixos níveis de O

(união com os outros) e de N (afecto negativo) pode caracterizar-se

por ser uma experiência de “autonomia e sucesso”. Pelo contrário,

uma valoração com baixos níveis de P (afecto positivo) e de S (auto-

realização), mas altos níveis de O (união com os outros) e de N (afecto

negativo) constitui uma experiência de “amor não correspondido” (cf.

Hermans & Hermans-Jansen, 1995; Hermans, 2001).

Na produção de valorações do self várias são as dissociações que

podem ser identificadas .

103
Psicoterapia: Uma arte retórica?

(1) Omissão: Experiências importantes são excluídas do

sistema de valorações, conduzindo a uma narrativa

lacunar.

(2) Fragmentação: A diversidade de valorações não está

integrada, sendo a articulação entre elas evitada. Na

auto-narrativa resultante podem ser evitadas relações

evidentes entre as valorações.

(3) Dominação: Surge uma dissociação entre o conteúdo e a

componente afectiva, isto é, a valoração está presente,

mas sem a esperada componente emocional.

(4) Distorção: As valorações são distorcidas para que a

auto-estima ou as relações com os outros sejam

protegidas (cf. Salgado, 2000; Salgado & M. Gonçalves,

2000). Tal como com as outras dissociações, elas

operam “ao serviço dos motivos básicos” (Hermans &

Hermans-Jansen, 1995, p. 159), isto é, a relação ou

união com os outros (O) e a auto-realização (S).

As disfunções do sistema de valorações ocorrem quando a

flexibilidade e a auto-narrativa se reduzem a um “tema único” (p.

164). Deste modo, dada a dificuldade de integração de certas

experiências, através do processo de dissociação, a flexibilidade

normalmente necessária na adaptação à diversidade contextual fica

comprometida. Independentemente das mudanças que ocorram no

contexto, a pessoa não faz mais do que suscitar o mesmo tipo de

valorações, tornando a sua resposta inflexível. Este processo, que

contribui para a redução da complexidade temática, é semelhante às

104
Psicoterapia: Uma arte retórica?

dificuldades ao nível do conteúdo narrativo referidas por O. Gonçalves

(2000).

Assim, a agressão pode-se transformar em hostilidade, a

autonomia e sucesso em grandiosidade, a unidade e amor em hiper-

dependência, o amor não-correspondendido em luto prolongado, a

força e unidade em ausência de limites, e a ausência de poder e

isolamento em desespero e desesperança (cf. Hermans & Hermans-

Jansen, 1995, p. 165).

Estes modelos que acabamos de referir oferecem uma enorme

riqueza, quer em termos de potenciais domínios de investigação, quer

como recursos terapêuticos. O seu grande problema, do nosso ponto

de vista, é que, no esforço por compreenderem a patologia de uma

perspectiva narrativa, podem acabar por ser re-absorvidos pela

psicopatologia tradicional e os disfuncionamentos que postulam ao

nível da narrativa podem ser encarados como sinais de perturbações

estruturais, em vez de serem perspectivados como a “patologia” em si.

Ou seja, ao admitirem, ainda que implicitamente, a existência de

patologia, estes autores podem ter que enfrentar a crítica de que o que

estão a descrever a um nível narrativo é o sinal da existência de

perturbações a um outro nível, seja este psicológico (e.g., défices nas

estruturas cognitivas) ou biológico (problemas neuro-fisiológicos).

Parece-nos claro que este problema só pode ser resolvido

conceptualmente, dado não existir um teste empírico definitivo que

permita optar por uma ou outra solução.

105
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Este problema é particularmente acentuado no modelo de

Hermans e Hermans-Jansen (1995), dada a possibilidade de as

dissociações poderem ser interpretadas como tradicionais mecanismos

de defesa. Curiosamente, os próprios autores admitem que esta é uma

possibilidade, embora procurem mostrar que desajustada.

A reconstrução da psicopatologia em termos narrativos pode,

pois, vir a ocupar o mesmo lugar desempenhado, por exemplo, pela

leitura cognitiva dos fenómenos patológicos, iniciada por Beck (cf.

Beck, Rush, Shaw & Emery, 1979). Repare-se como este movimento,

inicialmente preocupado com a forma como as pessoas significavam os

acontecimentos, veio a ser facilmente integrado no terreno da

psicopatologia.

Esta possibilidade é agravada pelo facto de estas teorias poderem

ser conceptualizadas como modelos de competência, significando isto

que as pessoas ajustadas, por oposição às que sofrem de patologia,

possuiriam um conjunto de competências que lhes permitem lidar com

as dificuldades de modo mais adequado. Podemos ver nestas teorias a

possibilidade de re-interpretar o comportamento patológico como um

défice nas capacidades narrativas. O facto de olharmos para as

pessoas identificadas com psicopatologia como tendo determinadas

incapacidades ou incompetências é uma forma de manter um discurso

de défice (com as consequências referidas previamente; cf. Gergen,

1996) e de permitir a re-construção do edifício patológico.

Por sua vez, nos modelos centrados no problema, anteriormente

analisados, a recusa em olhar “por detrás dos problemas” e a

106
Psicoterapia: Uma arte retórica?

centração nas “dificuldades de vida” é uma forma de evitar o défice,

permitindo eliminar a hierarquização que decorre dos modelos de

competência (Gergen, 1996).

Estes modelos, contudo, suscitam também problemas. O primeiro

e mais central é que, como referem Omer e Alon (1997), é impossível

não categorizar: “Porquê caracterizar de todo? Não seria melhor

manter a mente aberta e vazia, cultivando uma atitude de não saber

(Goolishian & Anderson, 1987)? Não se torna a própria tentativa de

caracterizar uma tarefa destruidora e fixadora? A nossa posição (...)

decorre da pressuposição de que não podemos evitar caracterizar” (p.

34). Repare-se que, apesar de rejeitarem as caracterizações

tradicionais, os autores narrativos centrados no problema utilizam

frequentemente rótulos psicopatológicos, falando, por exemplo, de

anorexia, de psicose, etc.. Qual é o significado desta utilização?

O grupo de autores centrados no problema utiliza uma espécie de

explicação minimalista da psicopatologia propondo, quando muito,

elaborações teóricas de cariz geral para explicar o sofrimento

psicológico (e.g., narrativas totalitárias de White & Epston, 1990). Será

que esta grelha explicativa se pode vir a tornar ela mesma

constrangedora e redutora? Isto é, será ela mesma uma espécie de

redução a um tema único; uma forma de evitamento da

complexidade? Serão estas conceptualizações formas de simplificação

do modo como as pessoas constrõem e mantêm os problemas nas

suas vidas? É óbvio que há algo de diferente entre um cliente

fortemente deprimido e outro com queixas obsessivas. Poderemos

reduzir estas diferentes preocupações somente à existência de uma

107
Psicoterapia: Uma arte retórica?

narrativa totalitária? Omer e Alon (1997), por exemplo, sugerem um

sistema de classificação literário e não patologizante. Assim, os seus

clientes são identificados com personagens de histórias épicas,

românticas ou picarescas. Poderá ser esta a solução para evitar

propostas patologizadoras (apesar de, na nossa opinião, este modelo

estar incipientemente desenvolvido)?

O segundo problema destes modelos é que, dada a dominância da

leitura patológica, há um conjunto de instituições e serviços que

assumem uma posição realista. Apesar dos problemas apontados a

estes serviços (cf. parte 2), eles podem constituir recursos importantes

para os terapeutas (e.g., internamento com clientes fortemente

suicidas, utilização de fármacos), que terão dificuldades de articulação

com aqueles se rejeitarem a sua linguagem como inadequada.

Não é que os terapeutas centrados no problema recusem,

necessariamente, a utilização dos “velhos rótulos”, mas procuram

evitar a objectificação e rotulação das pessoas que estes produzem,

sendo a sua posição face às categorias nosográficas de um claro

pragmatismo: “Aderir à filosofia pós-estruturalista não impede a

utilização de ideias estruturalistas. Se não se olha para os diagnósticos

convencionais como categorias estáveis, verdades aculturais, então

estamos livres para usá-los quando eles servem uma função para as

pessoas e a não usá-los quando eles se sobrepõem às pessoas”

(Drewery, Winslade & Monk, 2000, p. 248). Claro que poderíamos

levantar o problema de como saber quando é que estas categorias são

ou não úteis para as pessoas. Como é que, no contexto de uma

relação em que o terapeuta procura reduzir o posicionamento

108
Psicoterapia: Uma arte retórica?

hierárquico relativamente ao cliente (cf. Anderson & Goolishian, 1992;

Anderson & Levin, 1998; M. Gonçalves & O. Gonçalves, 1999), se

conclui, por exemplo, que o diagnóstico serve uma função? Como

saber quando usar ou não as ferramentas da psicopatologia e dos

saberes a ela associados (e.g., psicofarmacologia)?

Estamos, assim, do nosso ponto de vista, face a um dilema: ou

aceitamos os modelos que enfatizam uma leitura narrativa dos

problemas e escapamos à psicopatologia ou apostamos numa leitura

narrativa da patologia e corremos o risco de estar a acrescentar

somente mais uma teoria à extensa lista de critérios que separam a

“normalidade” da patologia.

Como contribuir para a “dissolução” deste dilema? Se aplicarmos

uma leitura construcionista a este problema, teremos que admitir que

não vamos encontrar forma de validar uma ou outra posição a partir

de critérios estritamente epistemológicos (e.g., adequação). Como

dissemos anteriormente, estas conceptualizações distintas constituem

jogos de linguagem (Wittgenstein, 1953/1995) e nenhum deles é

necessariamente mais válido ou mais verdadeiro do que o outro.

Alguns dos problemas levantados anteriormente são de natureza

pragmática e quando pensamos como podemos continuar a usar os

recursos “tradicionais” estamos a enfatizar que uma ruptura completa

com este sistema não faz, para nós, qualquer sentido. O próprio

Gergen (1996) sugere que uma revolução “a la Szasz” seria

desajustada, dado que, por exemplo, faria colocar comportamentos

109
Psicoterapia: Uma arte retórica?

que hoje são tratados a partir do sistema de saúde numa esfera

estritamente jurídica.

Provavelmente, a resposta para este dilema está em ir

identificando formas de convívio que não nos façam esquecer os

problemas que identificamos previamente neste livro, nem procurar

precipitadamente qualquer saída que se assuma como “a solução”. É

possível que a integração dos modelos cognitivos no mainstream

psicopatológico se tenha devido à reificação destes modelos.

Sugerimos, assim, que os modelos narrativos procurem

sistematicamente evitar tentações reificadoras e soluções monológicas.

A reificação constitui, na nossa opinião, o maior perigo para o valor

inovador dos modelos narrativos, na medida em que esta nos fará

esquecer o valor metafórico das nossas construções, e pode levar-nos

a reclamar possuir a solução para estes problemas. O “esquecimento”

da natureza metafórica das teorias, sugerindo a ideia de que o nosso

mapa do mundo é o correcto, conduzir-nos-á à negligência da

dimensão retórica da prática terapêutica, que as terapias narrativas

enfatizam22. Estaremos de volta à linguagem habitual da terapia, com

o seu jargão médico, agora enriquecido pela narrativa. Sejamos claros,

22 Valerá a pena referir que há duas posições possíveis face à retórica. Na ciência
moderna a retórica tem sido concebida como um entrave ao verdadeiro conhecimento.
Esta posição encontra as suas raízes mais profundas em Platão, que julgava possível
conhecer as verdadeiras essências do mundo – as ideias – e recusava a retórica sofista
como um entrave a este conhecimento “real”. Mais recentemente, a recusa deste
platonismo que marcou toda a Modernidade, viria a tornar claro que a actividade de
conhecer implica a posição de quem conhece e que, assim sendo, o conhecimento não
é a descodificação das ideias verdadeiras presentes na natureza, mas uma actividade
humana que é moldada pelas ferramentas do nosso entendimento. Esta perspectiva
tornou possível reapreciar a natureza retórica de todo o conhecimento (cf. Berstein,
1983).

110
Psicoterapia: Uma arte retórica?

não temos nada contra soluções, desde que elas se mantenham plurais

e temporárias23...

Como manter, nas nossas teorias e nas nossas práticas, uma

sensibilidade desenvolvida aos problemas que temos vindo a analisar

é, provavelmente, um desafio que não vai terminar com uma resposta

única. Assim, a diversificação de perspectivas pode contribuir para

quebrar o monólogo e gerar novas posições de significação. Como é

que um século de saber psicopatológico vai resistir a este desafio

talvez seja ainda cedo para sabermos...

.................................................................................................

Seria, aliás, ingénuo pensarmos que as críticas elaboradas

previamente – à reificação da doença mental e da identidade -

eliminam as pretensões das perspectivas realistas e talvez elas

estejam mesmo, neste momento histórico, particularmente

fortalecidas.

Mais uma vez, o que as torna relativamente pregnantes hoje em

dia não é, na nossa opinião, o simples resultado do progresso

científico. Podemos encontrar três grandes mecanismos retóricos

responsáveis por tal “resiliência”, que julgamos importante clarificar,

23 Parece-nos que os modelos de terapia sistémica da 2ª cibernética conseguiram


atingir um interessante ponto de equilíbrio. A utilização da hipótese sistémica (cf.
Relvas, 1999, 2000) permite ao terapeuta recorrer a instrumentos terapêuticos da 1ª
cibernética, desde que eles não sejam encarados pelos próprios terapeutas como um
“encaixe” e sejam, antes, vistos como uma temporária adequação funcional, em
constante negociação com a família (recuperando, assim, a proposta pragmatista de
Von Glaserfeld (1984, 1995) de que a viabilidade do conhecimento deve ser avaliada
em termos de adequação funcional - “fit” – e não de correspondência ou veracidade –
“match”).

111
Psicoterapia: Uma arte retórica?

até para, deste modo, ilustrar a nossa posição de que estes problemas

não serão resolvidos somente com mais investigação empírica.

Um dos impulsionadores desta subsistência é o maior ímpeto que

ganharam recentemente os estudos sobre as bases neurofisiológicas

da doença mental, apesar de, como mostra Williams (2001), as

evidências empíricas não poderem de modo claro mostrar como é que

estes processos biológicos são responsáveis pelo comportamento

disfuncional. Na verdade, o facto de se encontrarem correlatos

neurofisiológicos para perturbações comportamentais não prova que

aqueles sejam os agentes causais da patologia (cf. Williams, 2001,

para uma crítica aos modelos biológicos da doença mental). Aliás, um

dos trabalhos mais demolidores dos modelos neurofisiológicos da

doença mental foi escrito, curiosamente, por um neurocientista –

Valenstein (1997) –, que demonstra que a ideia de que a doença

mental é comprovadamente algo semelhante à doença física está longe

de encontrar suporte claro nas teorias neurobiológicas. E, como

mostram Valenstein (1997) ou Williams (2001), o facto de os

medicamentos terem alguma eficácia não demonstra que os processos

neurobiológicos estejam envolvidos. Deduzir da sua eficácia um papel

causal seria como explicar uma cefaleia através de um défice de

aspirina no sangue (ou, para ser mais correcto, de um défice do

principio activo da aspirina, o ácido acetilsalicílico), ou atribuir ao

estómago a responsabilidade por um traumatismo craniano, pelo facto

do paciente ter vomitado (Williams, 2001).

Também o sucesso da genética no mapeamento do genoma deu

esperanças aos psicólogos evolutivos de virem a conseguir

112
Psicoterapia: Uma arte retórica?

compreender as bases biológicas do comportamento humano e do seu

disfuncionamento. Como mostra Nelkin (2000), a psicologia evolutiva

utiliza uma interessante mistura de retóricas, situadas entre a

linguagem científica, com a sua crueza dos factos, e a linguagem

religiosa, como se as descobertas genéticas nos aproximassem da

linguagem que Deus inscreveu nos seres vivos. Para Nelkin, é a esta

interessante conjugação de retóricas que a psicologia evolutiva vai

buscar o seu sucesso.

Estas duas linhas de investigação e de produção científica têm

sido importantes na manutenção do modelo médico da psicopatologia.

Do ponto de vista destas posições, levadas às últimas consequências, a

existência da psicoterapia será certamente temporária, até que novas

tecnologias, mais congruentes com o espírito de Freud (1895/1976)

em o Projecto para uma Psicologia Científica, sejam colocadas em

prática.

Esta esperança de que a tecnologia terapêutica se venha a

transformar da “cura através da palavra” em cura através da

manipulação neurofisiológica ou genética, ignora, é claro, que a

psicoterapia é utilizada em cerca de 43% de clientes (cf. Messer, 2001)

sem qualquer diagnóstico. Podemos, é certo, alimentar a “esperança”

de que, de acordo com a patologização progressiva (Gergen, 1996),

estes 43% venham a diminuir, dado que assistiremos, provavelmente,

à emergência de outras “patologias” a partir da vida quotidiana.

Esta abordagem esquece também que a psicoterapia se

enquadra, tal como vimos, numa tradição secular do uso das palavras

para produzir a “cura da alma”, através da retórica, existente pelo

113
Psicoterapia: Uma arte retórica?

menos desde a Grécia Antiga (cf. Watzlawick, 1978; Szasz, 1997b).

Como dizia Petrarca, há quase sete séculos (cit. Szasz, 1997b): “O

cuidado das mentes deve ser deixado aos filósofos e aos oradores”,

enquanto o tratamento dos corpos é da responsabilidade dos médicos

que “deverão usar ervas e não palavras” (p. 300).

Uma terceira transformação, talvez mais importante do que as

anteriores, tem contribuído para a aproximação da psicoterapia aos

tratamentos médicos e para a consolidação da imagem realista da

doença mental. Trata-se do sucesso obtido pela Associação Americana

de Psicólogos, ao ter conseguido que os seguros de saúde passassem a

dar cobertura à psicoterapia exercida por psicólogos (cf. Polkinghorne,

2001). Este sucesso dos profissionais da psicologia contribuiu,

contudo, para que a psicoterapia fosse julgada de acordo com critérios

puramente economicistas, nomeadamente em torno da remoção dos

sintomas ou da eliminação do diagnóstico. A influência da política de

seguros na psicoterapia tem-se feito sentir a outros níveis,

nomeadamente na valorização dos tratamentos empiricamente

sustentados e na importância conferida aos sistemas de diagnóstico.

Assim, a psicoterapia passa a ser unicamente o tratamento de

perturbações diagnosticáveis, o que, obviamente, transforma o DSM-IV

(APA, 1994) numa ferramenta de trabalho essencial, apesar de este

contribuir, como sugerem inúmeros críticos (e como vimos

anteriormente neste livro), para a reificação das perturbações

psicopatológicas, para a rotulação de que os utentes dos serviços são

alvo e para a difusão da linguagem do défice (e.g., Gergen, 1996).

114
Psicoterapia: Uma arte retórica?

A outra face deste processo é a crescente valorização dos

tratamentos com suporte empírico. Este investimento pode, por um

lado, ser conceptualizado como uma mudança positiva, dado que há

uma preocupação com a eficácia das intervenções e com a qualidade

dos cuidados prestados. Contudo, como referem Messer e Wachel

(1997), há um conjunto de pressuposições implícitas problemáticas

que são ignoradas nos estudos para obtenção de suporte empírico.

Estes autores destacam um conjunto de problemas não resolvidos, de

natureza política (e.g., imposição de tratamentos “validados” como se

de prescrições médicas se tratassem), conceptual (e.g., a selecção dos

clientes com base no diagnóstico ignora a complexidade dos processos

patogénicos) e metodológica (e.g., maior viabilidade de realização de

investigações com modelos cognitivo-comportamentais). Do mesmo

modo, Neimeyer e Raskin (2000) aconselham os construtivistas

(incluindo nestes também os construcionistas) a não se deixarem

pressionar no sentido da manualização para se adaptarem às actuais

exigências de suporte empírico. Segundo estes autores, os

construtivistas preferem modos mais individualizados de abordagem,

que se centram nos significados que as pessoas atribuem às

mudanças, no interesse pela investigação qualitativa e na desconfiança

relativamente à reificação das categorias nosográficas e face aos

movimentos políticos de validação de um conjunto de terapias à custa

da marginalização de outras.

Estas transformações, introduzidas pela política de prestação de

cuidados de saúde mental, estão a produzir mudanças tão profundas

115
Psicoterapia: Uma arte retórica?

que há quem refira que a psicoterapia tal como a conhecemos está em

perigo (Polkinghorne, 2001).

Podemos sugerir que, enquanto o desenvolvimento dos modelos

de pendor biologista constitui um perigo externo para a integridade da

psicoterapia, já os problemas em torno das políticas de saúde (e.g.,

seguros de saúde) são uma ameaça interna, que culmina, neste

momento nos Estados Unidos, com a polémica em torno dos direitos

de prescrição para os psicólogos.

A re-emergência do tema da causalidade biológica aqui

brevemente documentada, ilustra, de um modo claro, as limitações da

concepção progressiva da doença mental, a que nos referimos no início

deste livro. Pelo contrário, um entendimento pós-progressivo da

doença mental (Danziger, 1997; Richards, 1996) ajuda-nos a

compreender que esta história não é linear; que os diferentes

entendimentos se entrecruzam, desafiam e procuram ganhar primazia

sobre os seus rivais. É que, como sugere Wittgenstein (1953/1995),

cada modelo (ou jogo de linguagem) corresponde a formas específicas

de vida. Em cada enquadramento teórico da doença mental (e.g.,

biológico, psicológico) situa-se um conjunto de investigadores,

teóricos, terapeutas e instituições que não poderiam manter-se se a

sua perspectiva fosse “declarada” unanime e definitivamente errada.

Deste modo, as diferentes tradições parecem sistematicamente

condenadas a conviver, a desafiarem-se e a procurarem ganhar

primazia.

116
Psicoterapia: Uma arte retórica?

A continuação destes diálogos torna claro para nós que, se não é

produtivo ter em relação à doença mental uma perspectiva

progressiva, também não a podemos ter relativamente às terapias

narrativas e às suas propostas. Ou seja, estas novas perspectivas não

devem ser encaradas como representando um progresso, uma maior

aproximação à verdade relativamente àquela que oferecem os modelos

psicopatológicos tradicionais. Uma das propostas mais importantes do

construcionismo é o convite ao abandono deste critério como

instrumento de pressão retórica e de eliminação de vozes divergentes.

E é precisamente este posicionamento pós-progressivo que nos pode

auxiliar a evitar tentações reificadoras.

Curiosamente, como sugere Toulmin (1990), a emergência da

ciência a partir do século XVII, ocorreu como um contra-renascimento,

afastando o Humanismo que procurava fazer do Homem a “medida de

todas as coisas”. O desenvolvimento da ciência oferecia um novo

sonho absolutista numa Europa dilacerada pela guerra entre

protestantes e católicos – num momento em que era preciso, como

pretendia Descartes (cf. Berstein, 1983), um novo ponto de

Arquimedes, que permitisse eliminar as incertezas e, deste modo, criar

novas fundações para o conhecimento, impedindo a diversidade de

perspectivas que aparentemente tinha conduzido à guerra e ao caos. É

curioso como para Descartes só há duas possibilidades em relação ao

saber – ou temos certezas ou mergulhamos no caos.

117
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Três séculos depois, esta (falsa) dicotomia continua presente e

parece estar destinada a ser fortemente re-investida, sempre que os

tempos se tornam difíceis.

Recentemente, como reacção a um artigo de Gergen (2001)

acerca do saber psicológico em contexto pósmoderno, Locke (2002)

reagia do seguinte modo à proposta do primeiro de que o

conhecimento não é (e nunca poderá ser) objectivo:

“Isto implicaria que não há diferença moral entre os terroristas

que desejam matar os americanos e os americanos que desejam

viver.” (p. 458). Questionando-se mais adiante: “Como podemos

resolver os desacordos sem referência aos factos objectivos ou a

critérios de valor objectivo?”, para concluir que, sem isto, “todas as

disputas reflectem nada a não ser o arbitrário, as preferências

subjectivas; e sendo assim, quando for tempo para agir e as

preferências entrarem em conflito, a guerra de Hobbes de todos contra

todos será a consequência inevitável” (p. 458). Repare-se no tom

apocalitico destas palavras e no modo como se acredita que uma

decisão epistemológica (recusar a objetividade) pode destruir o

mundo. Como se, de resto, fossem os critérios científicos ou filosóficos

que têm protegido o mundo da guerra... Esta retórica tem, na nossa

opinião, um preço que consiste na desumanização da ciência (daí que

Toulmin fale de um contra-renascimento), fazendo-nos acreditar que

com o saber científico as decisões humanas são tornadas “claras e

distintas” através da ciência, sem necessidade de qualquer reflexão

fora do campo científico. À proposta renascentista de colocar o Homem

118
Psicoterapia: Uma arte retórica?

no centro do Mundo, seguir-se-ia a visão da Ciência como centro do

Universo.

Como podemos lidar com a manutenção da dúvida, sem nos

precipitarmos na procura de uma certeza única e redutora, é este o

desafio que enfrentamos. E isto é particularmente central num campo

em que os saberes psicológicos e psicoterapêuticos facilmente se

constituem como uma norma moral do que é a “vida saudável”,

inscrevendo-se, assim, inevitavelmente na nossa subjectividade.

119
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Posfácio
Ana Paula Relvas & Miguel Gonçalves

Este posfácio foi escrito a “quatro mãos” e emergiu da arguição

(elaborada por Ana Paula Relvas) das provas de agregação do autor

deste livro que, como referimos atrás, consiste na expansão do

argumento desenvolvido na sua lição de síntese. Deste modo, achamos

que este debate, que emergiu num contexto muito específico, poderia

ser útil numa reflexão final sobre os conteúdos deste texto.

Reproduzimos, pois, de um modo relativamente próximo do seu

contexto de origem as perguntas e reflexões de Ana Paula Relvas e as

respostas e reacções de Miguel Gonçalves.

Ana Paula Relvas: O tema do seu texto é um tema que me

interessa particularmente, nomeadamente nas ligações que se podem

estabelecer com a área específica de intervenção psicoterapêutica a

que ao longo dos anos me tenho dedicado – a terapia familiar

sistémica.

Embora seja claro na apresentação dos conteúdos do seu texto,

logo à partida deixou-me uma dúvida que foi aumentando ao longo da

leitura, para atingir um ponto máximo nos últimos tópicos que

abordou. Interroguei-me sobre como é que relaciona os três elementos

do seu argumento – doença mental, identidade e terapia narrativa? É

evidente que esta questão tem que ver, inevitavelmente, com

questões de proeminência e pontuação na relação (Watzlawick,

Bavelas & Jackson, 1967). Já Bateson (1987) afirmava que o

120
Psicoterapia: Uma arte retórica?

significado depende da definição de um contexto - ou relação -

entendido como a “história, para que possamos ligar os os As e os Bs”

(p. 23) com sentido... Ou seja, qual o sentido relacional dos três

elementos do sistema teórico-interventivo proposto no texto? Qual é o

“padrão que liga” os três aspectos? Se quiser, que história ou narrativa

constrói a partir deles?

Utilizando a metáfora cinematográfica, a que sei que gosta de

recorrer para explicitar as suas ideias neste domínio, a minha questão

é: enquanto realizador de um filme que contasse essa história o que é

mais gostaria de destacar com a sua câmara? Que sequências ou

movimentos? Algum destes elementos assumiria o papel de

protagonista, ou, pelo menos de Actor Principal? Com esse filme

concorreria aos Óscares da Psicologia preferencialmente em que

categoria: Epistemologia e Teoria, Conceptualização(ões) da

Psicopatologia, Propostas Terapêuticas? Ou esta seria uma escolha

muito difícil, senão impossível?

Miguel Gonçalves: Se a sua pergunta remete para questões de

natureza auto-referencial, posso dizer, em resposta, que o meu

interesse por este tema começou pela identidade. Foi em torno desse

tema que pela primeira vez encontrei a leitura divergente da narrativa

e do construcionismo social. Mas, de algum modo, e aproveito para

fazer uma confissão, sempre achei a perspectiva oficial nas teorias da

doença mental, isto é, a leitura médica, redutora. Sempre houve algo

que me incomodou em olhar de modo realista para os DSM e afins,

mesmo antes de eu saber o quê... Podemos, pois, dizer que antes de

121
Psicoterapia: Uma arte retórica?

elaborar argumentos para persuadir os outros, eu próprio já estava

persuadido de que a versão oficial era simplificadora. No meio disto

tudo, a terapia narrativa tornou-se um lugar a partir do qual pude

começar a olhar para estes objectos teóricos de uma forma que achei

mais libertadora e criativa. Como se pode ver, o padrão que liga os

temas da minha lição é marcadamente estético e não apenas científico,

pelo menos, no seu sentido positivista, também redutor.

Aproveito para relacionar este tema com uma outra questão que

me fez: os Óscares da psicologia... A resposta é não, não julgo que

pudesse concorrer aos Óscares. Hoje em dia estamos a assistir a um

revitalizar das posições biologistas e reificadoras. A promessa do

“Projecto” de Freud (1895/1976), a frenologia do século XXI, está de

novo a atrair a imaginação dos académicos e do público... Não é que

eu não acredite que existe uma contribuição biológica para algumas

das condições que designamos por doença mental; acredito é que esta

promessa é largamente exagerada e que a nossa crítica deve ir mais

longe. Por exemplo, deve evidenciar a forma como a psicopatologia

tem um discurso moral – Szasz (1994) mostra isto claramente acerca

da epilepsia. Quando a epilepsia estava no território da psiquiatria o

seu discurso destacava as incapacidades morais do epiléptico, existiam

inúmeras instituições asilares que a eles se destinavam e falava-se

frequentemente do perigo social da epilepsia. E este tempo não vai tão

longe quanto parece... Assim, falava-se de assassinos epilépticos, tal

como hoje os homicídios mais bizarros são explicados a partir da

esquizofrenia. Contudo, quando se assumiu claramente que a epilepsia

era uma doença do cérebro e não uma doença mental, e assistimos à

122
Psicoterapia: Uma arte retórica?

sua passagem tranquila para o terreno da neurologia, vimos a sua

purificação moral a ocorrer. Hoje o movimento é contrário; procura-se

mostrar que esta doença do cérebro está em pé de igualdade, por

exemplo, com a doença de Parkinson, e que não é uma doença mental.

Assim, hoje faria tanto sentido falar de um homicida epiléptico como

de um diabético homicida.

Donde, a questão não está somente nas influências biológicas,

mas no que os discursos sobre a doença nos permitem (ou não) com

eles fazer. Se se quiser - para voltar a Wittgenstein (1953/1995) –,

quais são as consequências deste jogo de linguagem para os supostos

doentes, para os seus terapeutas e para a cultura em geral. Ou seja,

quais são, por exemplo, as consequências para um deprimido, para a

sua família e seus amigos, e também para o seu terapeuta, de

dizermos que a depressão é idêntica à diabetes – numa há serotonina

a menos e noutra há insulina a menos...

E, dada a impopularidade destas perguntas, sinto que concorrer

aos Óscares da psicologia seria muito arriscado...

Ana Paula Relvas: Ainda no contexto desta dúvida inicial,

passaria agora a uma questão sobre as suas opções, no contexto da

perspectiva que adoptou. Desde o início deste texto, apresenta a

posição que defende – a crítica à concepção tradicional da patologia e

da identidade fundamentalmente emergente do construcionismo social

– e indica quais as propostas (teóricas e clínicas) emergentes desta

leitura. Equaciona, ainda, as dificuldades e ambiguidades internas a

essa perspectiva, bem como as alternativas de resolução que para elas

123
Psicoterapia: Uma arte retórica?

foram aparecendo... Contudo, não indica explicitamente quais são as

alternativas que fazem para si mais sentido, isto é, não opta “por um

lado”, pelo qual acharia mais interessante avançar.

Isto é particularmente nítido no último ponto do livro, relativo

aos dois posicionamentos possíveis perante o problema da

psicopatologia: um que, como diz, “recusa implicitamente a existência

do comportamento psicopatológico, centrando-se no problema” e outro

que “procura compreender os fenómenos psicopatológicos de um ponto

de vista narrativo”, procurando uma re-conceptualização da

psicopatologia, mas não desafiando, apesar disso, a distinção

normalidade / patologia.

Como também sabe, estas diferentes propostas correspondem a

duas tradições diversas na abordagem da psicopatologia – a tradição

interaccional/sistémica e a tradição individualista/cognitivista. Apesar

de apontar as dificuldades e potencialidades de ambas, não nos diz,

explicitamente, qual a sua posição pessoal nesta matéria. Contudo,

esta é uma escolha relevante, como é evidente, não no sentido de ter

que optar por uma ou por outra, mas porque as duas têm implicações

profundamente diferentes no que se refere à conceptualização da

psicoterapia – eventualmente não tanto na sua componente técnico-

prática... Como muito bem diz, mesmo dentro de uma das propostas

(a leitura centrada nos problemas), apesar de semelhanças na

concepção da intervenção, a posição relativa ao que consiste a terapia

é marcadamente distinta conforme os diferentes autores. Assim não

posso deixar de me interrogar: como é que conceptualiza a relação

terapêutica? Em que consiste para si a terapia?

124
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Miguel Gonçalves: Neste texto procurei criticar as perspectivas

realistas do self e da doença mental e distinguir duas posições

teóricas, dentro das terapias narrativas, que enfatizam este olhar não

realista. As duas perspectivas que identifiquei, a que enfatiza a leitura

narrativa da patologia e a que sugere o seu abandono, não se limitam,

na minha opinião, a uma distinção entre cognitivismo e sistémica. Por

exemplo, se quisermos situar teoricamente Hermans (cf. Hermans &

Hermans-Jansen, 1995), teremos que o localizar mais próximo dos

humanistas, do que de qualquer outro modelo. Também é difícil, do

meu ponto de vista, dizer-se que White (cf. White & Epston, 1990) ou

de Shazer (1991) são sistémicos, pelo menos nos seus textos mais

recentes.

Assim, ao distinguir duas linhas temáticas dentro das perspectivas

narrativas, optei por pensar quais serão as vantagens e desvantagens

de cada orientação. E não o fiz por diplomacia, fi-lo porque acho que

existem de facto problemas e potencialidades em cada uma. Se me

pergunta qual é aquela de que esteticamente eu gosto mais neste

momento, terei que responder que aprecio mais os modelos que

recusam a noção de patologia, mas julgo que essa preferência não é o

aspecto central.

Acho que devemos olhar para as duas orientações como olhamos

para duas ferramentas distintas. Eu posso gostar mais de fazer

bricolage com um berbequim multi-funções, mas provavelmente de

vez em quando vou precisar de usar um martelo, mesmo que o ache

um objecto pouco simpático. E parece-me que a tomada de posição

125
Psicoterapia: Uma arte retórica?

clara que a Prof. Ana Paula Relvas me pede não pode passar pela

recusa de todos os martelos do mundo, quanto mais não seja porque

reservo o direito de um dia vir a precisar de um.

Deixe-me continuar na minha analogia do bricolage. Julgo que o

mais importante não é escolher a nossa ferramenta preferencial, mas

recusar olhar para as ferramentas como mapas do mundo. Assim,

quem prefere trabalhar com martelos não deve confundir a realidade

com um prego. E é isto que eu julgo que acontece no processo de

reificação. É também por isso que acho que estes diferentes modelos

narrativos têm diversas potencialidades e que elas não estão em

perigo enquanto não surgir a tentação de reificar os conceitos, de

esquecer que afinal a narrativa é somente uma metáfora que nos

ajuda a pensar.

O facto de eu não ter orientado o texto em torno das minhas

preferências permite-me uma maior liberdade... por exemplo, na

investigação uso, frequentemente, o modelo de Hermans (Hermans &

Hermans-Jansen, 1995), mas raramente o utilizo na prática clínica.

Esta segunda pergunta contém uma outra, tendo-me perguntado

como é que eu imagino ou conceptualizo a terapia. Julgo que esta

questão se prende com a grande diversidade de posições que existe

nas terapias narrativas. Por exemplo, White (1994) faz da

descontrução do problema algo essencial, de Shazer (1991) centra-se

nas soluções, Anderson (1997) fala-nos da dissolução de dilemas,

Hermans (Hermans & Kempen, 1993) sugere que é necessário

promover a articulação dialógica entre posições, etc.. O que é que eu

acho que é a psicoterapia? Bom, eu julgo que essa questão é um

126
Psicoterapia: Uma arte retórica?

pouco como perguntar o que é um romance... Bakhtin (1975/2000)

sugere, ao analisar a especificidade do romance, que as suas

definições são normalmente realizadas pela negativa. O que

caracteriza, na opinião de Bakhtin, o romance é a sua posição

dialógica, a sua capacidade de mudar constantemente, de integrar

géneros alheios e por aí adiante. Esta posição lembra a aparente

dificuldade de Wittgenstein (1953/1995) ao procurar definir o que é

um jogo. Conseguimos sempre encontrar um novo jogo que não se

encaixa na definição que tínhamos construído até então. Significará

isto que não sabemos o que é um jogo? Não; normalmente mal nos

envolvemos nele sabemos que estamos a jogar.

Eu julgo que a terapia se assemelha ao romance ou ao jogo, na

medida em que podemos encontrar uma definição aparentemente

consensual para descobrirmos depois que temos que expandir a

definição original para integrar um caso particular de difícil encaixe.

Ausloos (1996) diz que fazer terapia não é resolver problemas, mas

mergulhar nas histórias das pessoas. Como se faz este mergulho? Faz-

se através da desconstrução, da dissolução, do incremento da

multiplicidade?... Eu diria que depende das características da água em

que se entra. Acho que estas diferentes propostas são reconstituições

a posteriori do percurso terapêutico, que nos dão um mapa no fim,

mas não no ínicio deste. Há algum tempo atrás ouvi uma entrevista

com o escritor Ian McEwan em que ele dizia que partia para a escrita

de um romance sem mapa e que, quando os leitores percebiam a

existência de um, tal correspondia ao produto final, resultado de muito

trabalho e de algum sofrimento. Mas dizia também que, a partir de

127
Psicoterapia: Uma arte retórica?

dada altura, no processo de escrita, um mapa começa a emergir e a

desenvolver-se aos olhos do escritor. Na altura achei que esta

definição poderia ser aplicável ao processo terapêutico... É que partir

para um processo terapêutico com a certeza de que o mapa tem que

ser um, específico – por exemplo a desconstrução –, retira-nos a

mobilidade e a sensibilidade a outros caminhos. Provavelmente é por

isso que quando se aprendem manuais terapêuticos de um modo rígido

se corre o risco de reduzir a eficácia terapêutica.

Ana Paula Relvas: Se a primeira impressão que me ficou do seu

texto foi a dúvida sobre o seu posicionamento pessoal no contexto de

toda a temática, a segunda prende-se com o que eu chamaria o seu

enamoramento com a perspectiva construcionista / narrativa que lhe

subjaz. Não quero com isto dizer que adopte uma posição acrítica

sobre ela. Mas parece-me evidente algum entusiasmo implícito que

não deixa muita margem para uma reflexão sobre os perigos e mesmo

para alguns paradoxos criados por esta abordagem.

Para não pensar que estou numa postura de “oposição” vou-me

basear, neste aspecto, em Gergen e Warhuus (2001), no capítulo

intitulado Terapia como Construção Social, publicado na obra de que é

coordenador em parceria com Óscar Gonçalves. Aí, estes autores

apontam cinco “dimensões” teóricas essenciais na mudança das

práticas propostas pela perspectiva construcionista. Mas apresentam,

simultaneamente, os seus respectivos riscos. Assim:

(1) da mente ao discurso. Quatro riscos: objectivação do discurso;

tratá-lo como uma possessão individual; fazer equivaler mudança

128
Psicoterapia: Uma arte retórica?

de discurso a cura; limitação da própria definição de discurso (de

novo no sentido da monovocalidade e/ou do individualismo);

(2) do self à relação. Dois riscos: revivescência de um certo

determinismo social; objectivação / reificação do relacional (como

aconteceu com a noção de sistema na terapia familiar, 1ª

cibernética);

(3) da singularidade à polivocalidade. Risco da transformação do

relativismo em ecletismo; multiple voices, multiple choices -

dificuldade da escolha;

(4) dos problemas às potencialidades. Risco de negligenciar ou de

retirar legitimidade ao sofrimento do cliente;

(5) do insight à acção. Risco de que a conversação terapêutica não

seja transportável para o mundo exterior das relações –

necessidade de práticas de ligação.

Eu diria que o seu texto trata fundamentalmente destas cinco

dimensões, embora colocando ênfases diferenciadas em cada uma

delas. Por outro lado, contrariamente aos autores citados, não aponta

claramente estes riscos (ou outros que eu creio que existem...)

contidos nessas transformações. E aqui entra o tal enamoramento de

que falava. Mesmo assim, creio que não se deixou cegar por ele e que,

portanto, já terá reflectido muito sobre os riscos de que falava...

Miguel Gonçalves: Não tenho uma resposta clara acerca de

como evitar os perigos do construcionismo na terapia... Procuro

organizar a minha prática a partir de duas ideias centrais – uma das

129
Psicoterapia: Uma arte retórica?

quais é a de que é fundamental que as pessoas se sintam respeitadas

e se sintam ouvidas. Esta é a minha primeira preocupação no processo

terapêutico. A segunda é a de ter um olhar pragmático acerca dos

nossos instrumentos, perguntando sistematicamente: o que é que isto

me permite fazer; de que modo este movimento nos vai constituir

enquanto actores; que mudanças torna possíveis?

Claro que estas duas preocupações não chegam para que a

mudança aconteça, elas constituem antes o terreno fértil onde ela

pode ocorrer. Julgo que um dos grandes problemas de quem aprende

terapia é a dificuldade em separar a atitude fundamental face ao outro

que a terapia exige, e que é muito mais do que as célebres

competências de consulta, e a necessidade de fazer algo que torne

visível e produtiva esta atitude. As pessoas antecipam que com elas

façamos algo para além de as respeitar e de as ouvir.

Devo dizer que, se pensar nos problemas que Gergen e Warhuus

(2001) destacam, tenho alguma dificuldade em pensar que eles

possam constituir um obstáculo central no processo terapêutico, se as

duas atitudes que atrás referi forem enfatizadas.

E talvez ache isto porque não uso um, mas diferentes modelos

terapêuticos, de entre os que Gergen e Warhuus procuram criticar.

Deixe-me dar um exemplo. No modelo de de Shazer (1991) há uma

possibilidade omnipresente que é a de que o terapeuta tenha mais

pressa que o cliente – há quem tenha sugerido que isto transforma a

terapia centrada nas soluções em terapia forçada nas soluções (Nylund

& Corsiglia, 1994; cit. O’Hanlon, 1998)... Quando Gergen e Warhuus

falam de enfatizar excessivamente as potencialidades e ignorar o

130
Psicoterapia: Uma arte retórica?

problema, retirando legitimidade ao sofrimento dos clientes, estão

justamente a pensar na possibilidade de uma prática rígida deste

modelo. Do meu ponto de vista, este risco só existe se o terapeuta só

souber (ou só fizer) terapia centrada nas soluções e achar que só essa

forma de terapia é a correcta. Ou seja, neste caso assistimos a uma

reificação do modelo, a uma perda de flexibilidade do terapeuta e a

uma incapacidade de adoptar uma posição dialógica com o cliente. O

terapeuta é a autoridade e procura excluir a diversidade de posições,

incluindo a posição do cliente. O terapeuta utiliza o mesmo

instrumento terapêutico num jogo sem fim, em que quanto mais ele se

mostra desajustado, mais o mesmo instrumento é usado com mais

energia... até que o cliente desista deste terapeuta.

Ana Paula Relvas: Também a propósito da sua reflexão crítica

sobre o construcionismo gostaria que reflectisse sobre três questões de

fundo:

1) Perante tais riscos, e uma vez que me parece impossível

anulá-los a menos que reconstruíssemos a teoria, que

factores de protecção podemos utilizar nos dois contextos

fundamentais em que, pelo menos na minha opinião, eles se

colocam com maior acuidade, ou seja, (1) na terapia

propriamente dita e (2) na formação? Neste segundo

contexto considerando vários níveis: formação pré-

graduada, pós-graduada e, particularmente, a supervisão...

2) Por outro lado, esta última questão faz-me recordar uma

afirmação de Watzlawick (1991) que passo a citar: “nesta

131
Psicoterapia: Uma arte retórica?

abordagem [aqui o autor refere-se a Bateson e à sua

influência na Escola de Palo Alto] o “paciente” é um sistema

de relações e não um indivíduo isolado. Mas esta

perspectiva põe-nos, imediatamente, em conflito com o

venerável conceito de diagnóstico clínico. O sistemas são

demasiado complexos para permitir pouco mais do que uma

caracterização superficial (...) o sistema é, em si próprio, a

melhor explicação. Este postulado – talvez chocante à

primeira vista – tem a enorme vantagem de nos permitir

evitar outra armadilha conceptual, a saber a construção

deplorável de ‘realidades’ clínicas através do uso de termos

diagnósticos aparentemente científicos de que o DSM é um

exemplo monumental” (p. 37). Para concretizar estas

palavras Watzlawick cita, em seguida, o estudo de

Rosenham também citado por si no texto... Não será que a

sistémica pode dar um contributo para equacionar algumas

destas dificuldades não completamente resolvidas pelo

construcionismo e pela metáfora narrativa, enquanto

perspectiva reenquadradora ou meta-modelo? Creio que não

estarei a ser muito exagerada se disser que algo neste

sentido se “lê” nas entrelinhas da secção do seu livro

designada “Individualização do comportamento

disfuncional”. Mas aceitando que a sistémica não pode

desempenhar esse papel, por incapacidade ou desajuste,

não poderíamos pensar nas teorias da mudança

propriamente ditas como esse (ou um desses) meta-

132
Psicoterapia: Uma arte retórica?

modelos? Por outras palavras, não será que, neste contexto,

a metáfora narrativa, só por si, é de algum modo

insuficiente, leia-se redutora?

3) E assim surge a última questão: o que fazer com as outras

- as velhas - aprendizagens e modelos (isto tanto no que

nos diz respeito como no que se refere aos nossos alunos e

formandos...). Será difícil apagá-las do nosso conhecimento

com uma borracha, quando tudo ainda aponta para elas –

desde a cultura ao próprio sistema linguístico, como aliás

nota no seu texto. Na sua opinião, esta questão aponta,

preferencialmente, para a ruptura ou para o

reenquadramento?... Será que esta é, ainda, uma questão

dialógica? Que pontos de encontro ou de convivência se

poderão estabelecer entre os modelos em que o “sistema

engendra o problema” e aqueles em que “o problema

engendra o sistema” – para seguirmos a terminologia

utilizada por Almeida Costa (1994); como estabelecer regras

para tal convivência?...

E continuando com este autor (Almeida Costa, 1994) gostaria de

concluir, sem outros comentários, com uma história que nos conta:

“NIM” é o nome dessa história.

“Atribui-se – provavelmente sem razão – ao Talmude que um

mestre administrava justiça entre dois queixosos, perante os seus

discípulos. Ao primeiro que expôs o seu caso, o juiz, após uma longa

reflexão, decidiu dar-lhe razão. Porém, quando o segundo terminou a

133
Psicoterapia: Uma arte retórica?

sua queixa, o juiz deu-lhe igualmente razão. Aos discípulos que se

admiraram por tão insólita situação, após nova reflexão, respondeu:

“Com efeito, vós tendes razão.” (p. 91).

Miguel Gonçalves: No que diz respeito à formação pré-

graduada, sou um claro adepto da diversidade. Julgo que se os alunos

forem expostos a diferentes modelos e teorias, terão uma maior

capacidade de desenvolver um pensamento crítico, dotado de

complexidade.

Claro que uma imersão prematura no diálogo pode ser difícil de

conseguir, mas acredito que, se existir espaço para os modelos mais

tradicionais, uma postura de desafio destes mesmos modelos

contribuirá para o desenvolvimento da criatividade e para a saudável

suspeição em relação a um conjunto de certezas que imobilizam o

nosso desenvolvimento, pessoal e profissional.

Deste modo, ao nível da formação pré-graduada, julgo que os

alunos devem aprender as teorias e práticas mais tradicionais, mas

que não devem ficar por aí. Acredito que é necessário, desde os

primeiros anos, estimular o potencial crítico. É importante, por

exemplo, perceber que por detrás das verdades da psicologia existem

pressuposições que não estão à vista e que constituem os alicerces das

asserções realizadas (Slife & Williams, 1995). É preciso que os alunos

desenvolvam uma sensibilidade às escolhas dos teóricos e dos

investigadores, bem como às perguntas que organizam o nosso saber.

Por exemplo, é fundamental que os alunos saibam perguntar porque se

estuda (tal como ultimamente tem sido noticiado nos jornais diários)

134
Psicoterapia: Uma arte retórica?

se as crianças que são amamentadas são mais inteligentes, ou porque

se pergunta se os filhos de pais divorciados são menos adaptados, ou

se as mulheres vitimas de maus-tratos se mantêm na relação devido a

problemas psicológicos, e por aí adiante. Ou seja, que posições

ideológicas escondem estas perguntas, independentemente das

respostas que lhes possamos dar?

Julgo, por isso, que uma boa formação epistemológica é

fundamental desde os primeiros anos. Penso, ainda, que uma boa

formação histórica é também indispensável, nomeadamente para

compreender o modo como as teorias na psicologia se têm

desenvolvido, onde foram buscar os seus problemas e a sua

linguagem, e como se integraram na cultura mais lata. Acho, por

exemplo, - para recorrer a exemplos das minhas aulas - inquietante

que os alunos não tenham uma ideia clara de que a psicologia emerge

como ciência positiva em resposta às exigências do Iluminismo, acho

deplorável que se acredite que o modo como vivemos hoje a nossa

subjectividade é necessariamente idêntico ao do homem pré-histórico,

ou ainda que não se saiba que a literatura eugênica do século XIX, na

qual a psicologia participou, acabou por naturalizar o Holocausto (cf.

Gould, 1991). Mais ainda, que o horror que este em nós gerou veio a

pôr de lado durante uns anos estas posições, para algo muito

semelhante re-emergir 30 ou 40 anos mais tarde, de novo disfarçado –

e desta vez de uma forma mais subreptícia - pelo manto da ciência.

Acho lamentável, para dar ainda mais um exemplo, particularmente

relevante para as disciplinas que lecciono, que os alunos ignorem que

135
Psicoterapia: Uma arte retórica?

a promessa da descoberta biológica da doença mental existe desde

que o conceito foi inventado.

Os alunos mais fundamentalistas não gostam nada de ser

desafiados deste modo, diga-se de passagem. Recordo sempre um

aluno que me disse, com um ar perplexo, no final da primeira aula,

que para ele a ciência era como uma religião. E é justamente esta

ciência-religião que eu mais temo e que acredito que temos o dever de

desafiar. A História não recusou a autoridade da Igreja para vermos

agora surgir uma nova Inquisição, que julga os infiéis do método

cientifico. Como diz Rorty (1999), a única defesa contra o

irracionalismo não é o racionalismo platónico fundamentalista, mas a

continuação do diálogo socrático.

Relativamente à formação pós-graduada e à supervisão, eu julgo

que esta deve ocorrer de acordo com os princípios que Polkhinghorne

(1992) designou por epistemologia da prática e que Shön (1983)

chamou prática reflexiva. Julgo que o modelo de formação em torno do

conceito do cientista-prático, que tem organizado a formação em

psicologia, tem sérias limitações, e que cada vez mais tem separado o

mundo dos académicos do dos práticos. Este modelo de formação

acaba por acentuar a distinção entre a produção de saber e aplicação

desse conhecimento. Contudo, quem de facto está minimamente

envolvido na prática sabe que os resultados da investigação têm uma

aplicação marginal no seu trabalho. O grande problema, do meu ponto

de vista, é que esta tomada de consciência por parte dos práticos fá-

los organizarem-se em duas direcções distintas, nada promotoras do

136
Psicoterapia: Uma arte retórica?

seu desenvolvimento enquanto profissionais. Por um lado, o recurso a

formas de supervisão tradicionais em que a larga maioria das vezes as

pessoas pretendem unicamente a confirmação do que estão a fazer e

aceitam muito mal ser postas em causa. Já me vi algumas vezes

envolvido em situações desta natureza, que estão destinadas à

emergência de mal-entendidos. Por outro lado, e provavelmente

depois de verem fracassada a via que acabei de referir, os práticos

desenvolvem a ideia de que vale tudo... De que na realidade não há

princípios fundamentais orientadores e que, independentemente do

que fizerem, algo irá produzir resultados. Julgo que nesse momento

estão apenas a um pequeno passo da invalidação do seu próprio

trabalho, do niilismo e do burn-out. Penso que, por vezes, quando

estes terapeutas lêem os textos dos terapeutas familiares da segunda

cibernética, reforçam ainda mais este nilismo, confundindo a dimensão

técnica da terapia com a sua dimensão atitudinal. Ou seja, lêem a

curiosidade (Anderson & Goolishian, 1992; White, 1994) como

“qualquer coisa serve”, lêem o “not knowing approach” (Anderson,

1997) como “nada vale a pena”...

Muitas vezes ouço uma expressão muita típica dos nossos recém-

licenciados que me preocupa e que é a ideia de que “o curso não nos

preparou para a prática”. Como se algum curso o pudesse fazer, ou

como se existisse uma formação que desse resposta a todos os

problemas que encontramos. Penso que, como professores, temos uma

grande responsabilidade nesta compreensão fechada da prática, como

se para cada problema específico existisse um algoritmo que pudesse

ser aplicado sem mais reflexão. Seria certamentamente uma prática

137
Psicoterapia: Uma arte retórica?

segura, mas muito pouco interessante. Quando ouço isto, costumo

dizer-lhes que Milton Erickson afirmava que para cada cliente criava

uma nova teoria... e, assim, que eles não devem querer ter mais

certezas do que Milton Erickson e que o segredo da prática reside

precisamente nesta criatividade.

Como podemos contribuir para um desenvolvimento diferente dos

práticos? Polkinghorne (1992), ao falar da epistemologia da prática,

sugere que os práticos vão desenvolvendo formas pragmáticas de

elaboração de conhecimento, mas que não utilizam quaisquer critérios

fundadores, sendo estes criados à medida que se vai lidando com os

problemas. Contudo, para que isto aconteça, o prático tem que saber ir

reflectindo sobre a sua própria actividade e sobre si enquanto pessoa.

Desta perpectiva, não deixa de ser curiosa a quase ausência de

literatura sobre o modo como a prática muda as pessoas que se

dedicam aos processos de mudança – ou seja, os terapeutas.

A parte menos positiva da minha reflexão é que continuo à

procura de um modelo de supervisão que me satisfaça, em que de

algum modo se apliquem alguns dos princípios das terapias

narrativas... Ou seja, ainda não tenho uma ideia completamente clara

sobre como um tal modelo poderia operar.

De qualquer modo, e procurando também pensar sobre a questão

das velhas ferramentas a este nível da formação, julgo que recusar a

sua utilidade seria uma perda de décadas de experiência e de reflexão.

O que julgo que acontece é que os velhos instrumentos se vêem

de algum modo re-enquadrados pela nova atitude terapêutica, e

assim, como diz a Prof. Paula Relvas, o seu uso é uma questão

138
Psicoterapia: Uma arte retórica?

dialógica. Os modelos antigos perdem, de facto, a partir desta

perpectiva, o seu poder monológico, isto é, eles deixam de ser “a

realidade tal e qual ela é”, para entrarem em diálogo com uma outra

postura terapêutica em que a realidade tal e qual ela é pouco nos

preocupa. A nova atitude terapêutica de que fala Harlene Anderson

(Anderson & Goolishian, 1992), ou a metáfora narrativa de que falam

White e Epston (1990), têm um enorme poder transformador quando

se encontram com as ferramentas antigas. Lyn Hoffman (1990) fala

deste processo como uma arte de lentes: a realidade muda

caleidoscopicamente consoante as lentes que usamos para a olhar.

Assim, podemos fazer sentido de uma família a partir da linguagem

estrutural de Minuchin (1974/1999), ou através da análise dos

processos comunicacionais feita pela escola estratégica (Watzlawick,

Bavelas & Jackson, 1967), mas subitamente podemos lembrar-nos que

um dos elementos tem ataques de pânico e que seria interessante

fazer exposição interoceptiva aos sintomas de pânico (Craske &

Barlow, 2001), ou podemos ainda optar por explorar o eventual

significado transformador que estes sintomas podem ter na vida das

pessoas, ao constituírem uma espécie de sinal de alarme para o tipo

de vida que se está a levar e por aí adiante...

Qual é a verdadeira lente?, perguntam alguns, mais inquietos

com a verdade, ainda a tremer face à angústia cartesiana de que a

realidade pode não existir e que tudo isto pode ser o sonho de um

demónio, do qual nós fazemos parte.

E para que serve a pergunta?, pergunto eu. O que é que esta

pergunta nos permite fazer? Esta é uma questão que incessantemente

139
Psicoterapia: Uma arte retórica?

devemos colocar a nós próprios quando fazemos terapia. Para que

serve um dado enquadramento, uma determinada compreensão? Mais

uma vez, deixe-me recorrer a um exemplo. Há algum tempo atrás

comecei a fazer terapia com uma pessoa com uma elevada

complexidade de pensamento. No início, quando o ouvia, dava por

mim a pensar muitas vezes: “ele está a intelectualizar”, sobretudo

quando tinha dificuldade em fazer sentido do discurso abstracto deste

cliente. Depois treinei-me a desconfiar desta minha impressão. Dei-me

conta que se continuasse a insistir nesta leitura nada de interessante

poderia acontecer no processo terapêutico. Obrigei-me a ter paciência

e a não me preocupar em demasia com o que não estava a ser capaz

de entender. Ao fim de algumas sessões comecei a perceber que o que

tinha sentido como intelectualização podia afinal ser encarado como

um sinal de grande criatividade e pensamento divergente. É esta

capacidade que a metáfora narrativa nos permite exercitar ou, pelo

menos, é assim que eu a sinto na prática.

Deste ponto de vista, e para responder a uma outra questão que

deixou no ar, a propósito da meta-metáfora sistémica, julgo que

provavelmente esta procura de uma meta-metáfora está destinada ao

mesmo fracasso que a procura da integração das psicoterapias. As

diferentes pessoas trabalham com as metáforas organizadoras que

mais sentido lhes fazem. Para mim, neste momento da minha vida, é a

metáfora narrativa; nos seus múltiplos jogos de linguagens e em

diálogo com os paradigmas mais tradicionais – sistémicos, humanistas,

cognitivistas. Reservo, contudo, o direito de poder mudar de opinião no

futuro.

140
Psicoterapia: Uma arte retórica?

5. Bibliografia

Alarcão, M. (2000). (des)Equilibrios familiares. Coimbra: Quarteto.


American Psychiatric Association (1980). Diagnostic and statistical manual of mental
disorders (DSM-III). Washington: American Psychiatric Association.
American Psychiatric Association (1987). Diagnostic and statistical manual of mental
disorders (DSM-III R). Washington: American Psychiatric Association.
American Psychiatric Association (1994). Diagnostic and statistical manual of mental
disorders (DSM-IV). Washington: American Psychiatric Association.
Andersen, T. (1991) (Ed.). The reflecting team: Dialogues and dialogues about the
dialogues. New York: Norton.
Andersen, T. (1993). See and hear, and be seen and heard. In S. Friedman (Ed.), The
new language of change: Constructive collaboration in psychotherapy (pp. 303-
322). New York: Guilford.
Anderson, H. & Goolishian, H. (1992). The client is the expert: A not-knowing
approach to psychotherapy. In S. McNamee & K. J. Gergen (Eds.), Therapy as a
social construction (pp. 25-39). London: Sage.
Anderson, H. & Levin, S. B. (1998). Generative conversations: A postmodern approach
to conceptualizing and working with human systems. In M. F. Hoyt (Ed.), The
handbook of constructive therapies: Innovative approaches from leading
practitioners (pp. 46-67). San Francisco: Jossey-Bass.
Anderson, H. (1993). On a roller coaster: A collaborative language systems approach
to therapy. In S. Friedman (Ed.), The new language of change: Constructive
collaboration in psychotherapy (pp. 323-344). New York: Guilford.
Anderson, H. (1997). Conversation, language, and possibilities: A postmodern
approach to therapy. New York: Basic Books.
Ausloos, G. (1996). A competência das famílias: Tempo, caos e processo. Lisboa:
Climepsi.
Baerger, D. R. & McAdams, D. P. (1999). Life story coherence and its relation to
psychological well-being. Narrative Inquiry, 9, 69-96.
Bakhtin, M. M. (1984). Problems of Dostoevky's poetics. Minneapolis: University of
Minnesota Press. (originalmente publicado em 1929).
Bakhtin, M. M. (1986). Speech genres and other late essays. Austin: University of
Texas Press. (originalmente publicado em 1979).
Bakhtin, M. M. (2000a). Epic and Novel (originalmente publicado em Russo em 1975).
In M. Holquist (Ed.), The dialogical imagination: Four essays by M. M. Bakhtin
(pp. 3-40). Austin: University of Texas Press. (originalmente publicado em
Inglês em 1981).
Bakhtin, M. M. (2000b). Discourse in the novel (originalmente publicado em Russo em
1975). In M. Holquist (Ed.), The dialogical imagination: Four essays by M. M.
Bakhtin (pp. 259-422). Austin: University of Texas Press. (originalmente
publicado em Inglês em 1981).

141
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Bakhurst, D. & Sypnowich, C. (1995). Introduction: Problems of the social self. In D.


Bakhurst & C. Sypnowich (Eds.), The social self (pp. 1-17). London: Sage.
Bateson, G. (1987). Natureza e espírito. Lisboa: D. Quixote.
Baumeister, R. F. (1997). The self and society: Changes, problems, and opportunities.
In R. D. Ashmore & L. Jussim (Eds.), Self and society (pp. 291-217). New York:
Oxford University Press.
Beck, A. T., Rush, A. J., Shaw, B. F. & Emery, G. (1979). Cognitive therapy of
depression. New York: Guilford.
Berg, I. K. & Dolan, Y. (2001). Tales of solutions. New York: Norton.
Berger, P. L. & Luckmann, T. (1999). A construção social da realidade. Lisboa:
Dinalivro. (originalmente publicado em 1966).
Bertolino, B. & O’Hanlon, B. (1999). Invitation to possibility-land. Philadelphia:
Brunner/Mazel.
Bertsein, R. J. (1983). Beyond objectivism and relativism : Science, hermeneutics, and
praxis. Philadelphia: University of Philadelphia Press.
Beutler, L. E. (2000). Foreword. Duncan, B. L. & Miller, S. D.. The heroic client (pp.XI-
XIV). Boston: Allyn & Bacon.
Bogdan, J. L. (1984). Family organization as an ecology of ideas: An alternative to the
reification of family systems. Family Process, 23, 375-388. (CD-ROM Family
Process).
Bowers, L. (2000). The social nature of mental illness. London: Routledge.
Boyle, M. (1994). Gender, science and sexual dysfunction. In T. R. Sarbin & J. I.
Kitsuse (Eds.), Constructing the social (pp. 101-118). London: Sage.
Bruner, J. (1986). Actual minds, possible worlds. Cambridge, MA: Harvard University
Press.
Bruner, J. (1990). Acts of meaning. London: Harvard University Press.
Caplan, G. (1993). Aspectos preventivos en salud mental. Barcelona: Paidós.
Caplan, P. (1995). They say you’re crazy: How the world’s most powerful psychiatrists
decide who’s normal. Massachusetts: Perseus Books.
Coppock, V. & Hopton, J. (2000). Critical perspectives on mental health. London:
Routledge.
Corbin, A. (1990). Os bastidores. In P. Ariés & G. Duby (Eds.), História da vida privada
(Vol. 5). Porto: Afrontamento.
Costa, J. M. A. (1994) A realidade construída. In J. Gameiro, Quem sai aos seus…
Porto: Afrontamento.
Craske, M. G. & Barlow, D. H. (2001). Panic disorder and agoraphobia. In D. H. Barlow
(Ed.), Clinical handbook of psychological disorders (pp.1-59) (3rd ed.). New
York: Guilford.
Danziger, K. (1997). Naming the mind: How psychology found its language. London:
Sage.
de Shazer, S. (1984). The death of resistance. Family Process, 23, 11-17. (CD-ROM
Family Process).

142
Psicoterapia: Uma arte retórica?

de Shazer, S. (1988). Clues: Investigating solutions in brief therapy. New York:


Norton.
de Shazer, S. (1991). Putting difference at work. New York: Norton.
de Shazer, S. (1994). Words were originally magic. New York: Norton.
Dell, P. F. (1982). Beyond homeostasis: Toward a concept of coeherence. Family
Process, 21, 21-41. (CD-ROM Family Process).
Donahue, E. M., Robins, R. W., Roberts, B. W. & John, O. P. (1993). The divided self:
Concurrent and longitudinal effects of psychological adjustment and social roles
on self-concept differentiation. Journal of Personality and Social Pscyhology, 64,
834-846.
Drewery, W., Winslade, J. & Monk, G. (2000). Resisting the dominant story: Toward an
understanding of narrative therapy. In R. A. Neimeyer & J. D. Raskin (Eds.),
Constructions of disorder: Meaning-making frameworks for psychotherapy (pp.
243-264). Washington: American Psychological Association.
Efran, J. S. & Cook, P. F. (2000). Linguistic ambiguity as a diagnostic tool. In R. A.
Neimeyer & J. D. Raskin (Eds.), Constructions of disorder: Meaning-making
frameworks for psychotherapy (pp. 121-144). Washington: American
Psychological Association.
Efran, J. S. & Heffner, K. P. (1998). Is constructivist psychotherapy epistemological
flawed? Journal of Constructivist psychology, 11, 89-104.
Efran, J. S., Lukens, M. D. & Lukens, R. J. (1990). Language structure and change:
Frameworks of meaning in psychotherapy. New York: Norton.
Eron, J. B. & Lund, T. W. (1996). Narrative solutions in brief therapy. New York:
Guilford.
Fee, D. (2000) (Ed.). Pathology and the postmodern: Mental illness as discourse and
experience. London: Sage.
Fernández-Ríos, L. (1994). Manual de psicologia preventiva. Madrid: Siglo XXI.
Fisch, R., Weakland, J. H. & Segal, L. (1982). The tactics of change: Doing therapy
briefly. San Francisco: Jossey-Bass.
Fleming, M. (1976). Ideologias e práticas psiquiátricas. Porto: Afrontamento.
Fogel, A. (1993). Developing through relationships. New York: Harvester-Wheatsheaf.
Foucault, M. (1986). Vigiar e punir. Petrópolis: Ed. Vozes.
Freedman, J. & Combs, G. (1996). Narrative therapy: The social construction of
preferred realities. New York: Norton.
Freeman, J., Epston, D. & Lobovits, D. (1997). Playful approaches to serious problems:
Narrative therapy with children and their families. New York: Norton.
Freud (1976). Psicologia de grupo e análise do ego. Rio de Janeiro: Imago.
(originalmente publicado em 1921).
Freud, S. (1976). Projecto para uma psicologia científica. Rio de Janeiro: Imago.
(originalmente redigido em 1895 e publicado em 1950).
Gameiro, J. (1992). Voando sobre a psiquiatria: Análise epistemológica da psiquiatria
contemporânea. Porto: Afrontamento.

143
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Georgaca, E. (2001). O discurso da psicopatologia: Uma abordagem crítica ao


dispositivo teórico da psiquiatria. In M. M. Gonçalves & O. F. Gonçalves
(Coords.), Psicoterapia, narrativa e discurso: A construção conversacional da
mudança (pp. 331-373). Coimbra: Quarteto.
Gergen K. J. & Gergen, M. M. (1988). Narrative and self as a relationship. In L.
Berkowitz (Ed.), Advances in experimental social psychology, vol. 21. San
Diego: Academic Press.
Gergen, K. & Warhuus, L. (2001). Terapia como construção social: Características,
reflexões e evoluções. In M. M. Gonçalves & O. F. Gonçalves (Coords.),
Psicoterapia, discurso e narrativa: A construção conversacional da mudança (pp.
27-64). Coimbra: Quarteto.
Gergen, K. (2001). Psychological science in a postmodern context. American
Psychologist, 56, 803-813.
Gergen, K. J. & Kaye, J. (1992). Beyond narrative in the negotiation of human
meaning. In S. McNamee and K. J. Gergen (Eds.), Therapy as social construction
(pp. 166-185). London: Sage.
Gergen, K. J. (1992). El yo saturado. Barcelona: Paidós.
Gergen, K. J. (1996). Realidades y relaciones: Aproximaciones a la construccion social.
Barcelona: Paidós.
Gergen, K. J. (1999). An invitation to social construction. London: Sage.
Gergen, K. J., Hoffman, L. & Anderson, H. (1995). Is diagnosis a disaster? A
constructionist trialogue. In F. Kaslow (Ed.), Handbook of relational diagnosis
(pp. 102-118). New York: John Wiley & Sons.
Gilligan, C., Brown, L. & Rogers, A. (1990). Psyche embedded: A place for body,
relationships, and culture in personality psychology. In A. I. Rabin, R. A. Zucker,
R. A. Emmons & S. Frank (Eds.), Studying persons and lives (pp. 86-147). New
York: Springer.
Goffman, E. (1974). Manicómios, prisões e conventos. São Paulo: Editora Perspectiva.
Gonçalves, M. M. & Gonçalves, O. F. (1995). Funções políticas do self monadal: A
psicologia, o self e o poder. Análise Psicológica, XIII, 395-403.
Gonçalves, M. M. & Gonçalves, O. F. (1999). Personalidade e construcionismo social:
Dos traços às histórias. Psychologica, 22, 123-133.
Gonçalves, M. M. & Gonçalves, O. F. (2001). A psicoterapia como construção
conversacional. In M. M. Gonçalves & O. F. Gonçalves (Coords.), Psicoterapia,
discurso e narrativa: A construção conversacional da mudança (pp. 7-25).
Coimbra: Quarteto.
Gonçalves, M. M. & Pinto, H. (2001). Psicoterapia narrativa com adolescentes e jovens
adultos: A re-autoria de identidades alternativas. In M. M. Gonçalves & O. F.
Gonçalves (Coords.), Psicoterapia, discurso e narrativa: A construção
conversacional da mudança (pp. 302-329). Coimbra: Quarteto.
Gonçalves, M. M. & Salgado, J. (1999). Identidade, complexidade e psicopatologia.
Psicologia: Teoria, Investigação e Prática, 3, 237-256.

144
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Gonçalves, M. M. (1995). Auto-conhecimento e acesso introspectivo: Do self reificado


ao self narrativo. Braga: CEEP.
Gonçalves, M. M. (1997). Psicoterapia e interioridade: Da metáfora do auto-
conhecimento à metáfora da criatividade. Psicologia: Teoria, Investigação e
Prática, 1, 265-275.
Gonçalves, M. M. (no prelo). Identidade, narrativa e transformação nas terapias
familiares (um olhar de fora?). Psychologica.
Gonçalves, O. F. (1993). Terapias cognitivas: Teorias e práticas. Porto: Afrontamento.
Gonçalves, O. F. (1999). Psicoterapia cognitiva narrativa. São Paulo: EdiPsi.
Gonçalves, O. F. (2000). Viver narrativamente: A psicoterapia como adjectivação da
experiência. Coimbra: Quarteto.
Gonçalves, O. F., Korman, Y. & Angus, L. (2000). Constructing psychopathology from a
cognitive narrative perspective. In R. A. Neimeyer & J. D. Rafkin (Eds),
Constructions of disorders: Meaning-making frameworks for psychotherapy
(pp.265-284). Washingon, D. C.: APA Press.
Gonçalves, O. F., Maia, A., Alves, A. R., Soares, I., Duarte, Z. T. & Henriques, M.
(1996). Narrativas protótipo e psicopatologia. Psicologia: Teoria, Investigação e
Prática, 1, 319-328.
Gould, S. J. (1991). A falsa medida do homem. São Paulo: Martins Fontes.
Guidano, V. (1991). The self in process. New York: Guilford.
Hallam, R. S. (1994). Some constructionist observations on “anxiety” and its history.
In T. R. Sarbin & J. I. Kitsuse (Eds.), Constructing the social (pp. 139-156).
London: Sage.
Harré, R. & Gillett, G. (1994) The discursive mind. London: Sage.
Harré, R. & Parrot, W. G. (1997). The emotions. London : Sage.
Harré, R. (1998). The singular self: An introduction to the psychology of personhood.
London:Sage.
Hepworth, J. (1999). The social construction of anorexia nervosa. London: Sage.
Hermans, H. & Gonçalves, M. (2000). Self-knowledge and self-complexity: A dialogical
view. Constructivism and the Human Sciences, 4, 178-201.
Hermans, H. J. M. & Hermans-Jansen, E. (1995). Self-narratives: The construction of
meaning in psychotherapy. New York: Guilford.
Hermans, H. J. M. & Kempen, H. J. G. (1993). The dialogical self: Meaning as
movement. San Diego: Academic.
Hermans, H. J. M. (1996). Voicing the self: From information processing to dialogical
interchange. Psychological Bulletin, 119, 31-50.
Hermans, H. J. M. (2001a). A pessoa como narrador motivado de histórias: Teoria da
valoração e o método de auto-confrontação. In M. M. Gonçalves & O. F.
Gonçalves (Coords.), Psicoterapia, discurso e narrativa: A construção
conversacional da mudança (pp. 157-206). Coimbra: Quarteto
Hermans, H. J. M. (2001b). The dialogical self: Towards a theory of personal and
cultural positioning. Culture & Psychology, 7, 243-282.

145
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Hewitt, J. P. (1991). Self and society: A symbolic interactionist social psychology (5th
ed.). Boston: Allyn & Bacon.
Hoffman, L. (1990). Constructing realities: An art of lenses. Family Process, 29, 1-12.
(CD-ROM Family Process).
Hoffman, L. (1992). A reflexive stance for family therapy. In S. McNamee & K. J.
Gergen (Eds.), Therapy as social construction (pp. 7-24). London: Sage.
Holquist, M. (2000a) (Ed.). The dialogic imagination: Four essays by M. M. Bakhtin.
Austin: University of Texas Press
Holquist, M. (2000b). Introduction. In M. Holquist (Ed.), The dialogical imagination:
Four essays by M. M. Bakhtin (pp. I-XXXIII). Austin: University of Texas Press.
Hoyt, M. F. (1994) (Ed.). Constructive therapies (volume 1). New York: Guilford.
Hoyt, M. F. (1996) (Ed.). Constructive therapies (volume 2). New York: Guilford.
Hoyt, M. F. (1998) (Ed.). Handbook of constructive therapies. New York: Guilford.
Johnstone, L. (2000). Users and abusers of psychiatry (2nd ed.). London: Routledge.
Kuhn, T. S. (1983). La structure des révolutions scientifiques. Paris : Flammarion
(publicado originalmente em 1962).
Kutchins, H. & Kirk, S. A. (1997). Making us crazy: DSM – The psychiatric bible and
the creation of mental disorders. New York: Free Press.
Levine, M. & Perkins, D. V. (1987). Principles of community psychology. Oxford:
Oxford University Press.
Leyens, J.-P. (1985). Teorias da personalidade na dinâmica social. Lisboa: Verbo.
Linville, P. W. (1987). Self-complexity as a cognitive buffer against stress-related
illness and depression. Journal of Personality and Social Psychology, 4, 663-676.
Locke, L. (2002). The dead end of postmodernism. American Psychologist, 57, 458.
Lyotard, J.-F. (1989). A condição pós-moderna. Lisboa: Gradiva.
Madanes, C. (1981). Strategic family therapy. San Francisco: Jossey-Bass.
Madigan, S. (1998). Practice interpretations of Michel Foucault: Situating problem
externalizing discourse. In S. Madigan & I. Law (Eds.), Praxis: Situating
discourse, feminism and politics in narrative therapies (pp. 15-34). Vancouver:
Cardigan Press.
Mahoney, M. J. (1991). Human change processes: The scientific foundations of
psychotherapy. New York: Basic Books.
Markus, H., & Nurius, P. (1986). Possible selves. American Psychologist, 41, 954-969.
Maturana, H. R. & Varela, F. J. (1987). The tree of knowledge: The biological roots of
human understanding. Boston: New Science Library.
McAdams, D. P. (1993). The stories we live by: Personal myths and the making of the
self. New York: William Morrow.
McNamee, S., Gergen, K. J. & Associates (1999). Relational responsibility: Resources
for sustainable dialogue. Thousand Oaks: Sage.
Messer, S. B. & Wachel, P. L. (1997). The contemporary psychotherapeutic landscape:
Issues and prospects. In P. L. Wachel & S. B. Messer (Eds.), Theories of
psychotherapy: Evolution and current status (pp. 1-38). Washington, DC: APA.

146
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Messer, S. B. (2001). Empirically supported treatments: What’s a nonbehaviorist to


do? In B. D. Slife, R. N. Williams & S. H. Barlow (Eds.), Critical issues in
psychotherapy: Translating new ideas into practice (pp. 3-20). London: Sage.
Minuchin, S. (1999). Families and family therapy (28th ed.). Cambridge, Massachusets:
Harvard University Press. (publicado originalmente em 1974).
Neimeyer, R. A. & Raskin, J. D. (2000) On practicing postmodern therapy in modern
times. In R. A. Neimeyer & J. D. Raskin (Eds.), Constructions of disorder:
Meaning-making frameworks for psychotherapy (pp. 3-14). Washington:
American Psychological Association.
Neimeyer, R. A. & Stewart, A. E. (2000). Constructivist and narrative therapies. In C.
R. Snyder & R. E. Ingram (Eds.), Handbook of psychological change:
Psychotherapy processes & practices for the 21th Century (pp. 337-357). New
York: Wiley.
Neimeyer, R. A. (2000). Narrative disruptions of the self. In R. A. Neimeyer & J. D.
Raskin (Eds.), Constructions of disorder: Meaning-making frameworks for
psychotherapy (pp. 207-242). Washington: American Psychological Association.
Nelkin, D. (2000). Less selfish than sacred? Genes and the religious impulse in
evolutionary psychology. In H. Rose & S. Rose (Eds.), Alas, poor Darwin:
Arguments against evolutionary psychology (pp. 17-32). New York: Harmony
Books.
Nichols, M. P. & Schwartz, R. C. (2001). The essentials of family therapy. Boston: Allyn
& Bacon.
Nylund, D. & Corsiglia, V. (1998). Internalized other questioning with men who are
violent. In M. F. Hoyt (Ed.). Handbook of constructive therapies (pp. 401-413).
New York: Guilford.
O’Connell, B. (2001). Solution-focused therapy. London: Sage.
O’Hanlon, B. (1998). Possibility therapy: An inclusive, collaborative, solution-based
model of therapy. In M. F. Hoyt (Ed.), The handbook of constructive therapies:
Innovative approaches from leading practitioners (pp. 137-158). San Francisco:
Jossey-Bass.
Omer, H. & Alon, N. (1997). Constructing therapeutic narratives. Northvale, N. J.:
Jason Aronson.
Packer, M. J. & Addison, R. B. (1989). Entering the circle: Hermeneutic investigation in
psychology. New York: Suny Press.
Parker, I., Georgaca, E., Harper, D., McLaughlin, T. & Stowell-Smith, M. (1994).
Deconstructing psychopathology. London: Sage.
Polkhinghorne, D. E. (1992). Postmodern epistemology in practice. In S. Kvale (Ed.),
Psychology and postmodernism (pp. 146-165). Newbury, Park, Ca: Sage.
Polkinghorne, D. E. (2001). Managed care programs: What do clinicians need? In B. D.
Slife, R. N. Williams & S. H. Barlow (Eds.), Critical issues in psychotherapy:
Translating new ideas into practice (pp. 121-140). London: Sage.
Potter, J. & Wetheral, M. (1987). Discourse and social psychology; Beyond attitudes
and behaviour. London: Sage.

147
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Prior, L. (1996). The social organization of mental illness. London: Sage.


Rapaport, J. (1977). Community psychology: Values, research, and action. New York:
Holt, Rinehart and Winston.
Relvas (1999). Conversas com famílias: Discursos e perspectivas em terapia familiar.
Porto: Afrontamento.
Relvas, A. P. (2000). Por detrás do espelho: Da teoria à terapia com a família.
Coimbra: Quarteto.
Richards, G. (1996). Putting psychology in its place. London: Routledge.
Robinson, D. N. (2001). Conclusion: The values of psychotherapy. In B. D. Slife, R. N.
Williams & S. H. Barlow (Eds.), Critical issues in psychotherapy: Translating new
ideas into practice (pp. 325-329). London: Sage.
Rogers, C. R. (1975). Terapia centrada no cliente (2ª ed.). Lisboa: Moraes.
(originalmente publicado em 1951).
Rorty, R. (1994). Contingência, ironia e solidariedade. Lisboa: Presença.
Rorty, R. (1999). Consequências do pragmatismo. Lisboa: Instituto Piaget.
Rorty, R. (2001). La filosofia y el espejo de la naturaleza (4ª ed.). Madrid: Teorema.
Rosenhan, D. L. (1984). On being sane in insane places. In P. Watzlawick (Ed.), The
invented reality (pp. 117-142). New York: Norton.
Rychlak, J. F. (1991). Telosponsivity, dialectical reasoning, and the concept of self.
Perpectives in Personality, 3, 3-18.
Rychlak, J. F. (2001). Psychotherapy as practical teleology: Viewing the person as
agent. In B. D. Slife, R. N. Williams & S. H. Barlow (Eds.), Critical issues in
psychotherapy: Translating new ideas into practice (pp. 195-204). London:
Sage.
Salgado, J. & Gonçalves, M. (2000). After self-deception: Exploring the dialogical
unconscious. Paper presented at the First International Conference on the
Dialogical Self, 23-26 of June, Nijmegen, The Netherlands.
Salgado, J. (2000). Auto-engano e organização pessoal. Universidade do Minho:
Dissertação de doutoramento não publicada.
Sampaio, D. & Gameiro, J. (1985). Terapia familiar. Porto: Afrontamento.
Sampson, E. E. (1990). Social psychology and social control. In I. Parker & J. Shotter
(Ed.), Deconstructing social psychology. London: Routledge.
Sampson, E. E. (1993). Celebrating the other: A dialogic account of human nature.
New York: Harvester-Weatsheaf.
Sampson, E. E. (2000). Reinterpreting individualism and collectivism: Their religious
roots and monologic versus dialogic person-other relationship. American
Psychologist, 55, 1425-1432.
Sarbin, T. R. (1986). The narrative and the root metaphor for psychology. In T. R.
Sarbin (Ed.), Narrative psychology: The storied nature of human conduct (pp. 3-
21). New York: Praeger.
Sarbin, T. R. (1997). On the futility of psychiatric diagnostic manuals (DSMs) and the
return of personal agency. Applied and Preventive Psychology, 6, 233-244.

148
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Schön, D. (1983). Educating the reflective practitioner: Toward a new design for
teaching and learning in the professions. San Francisco: Jossey-Bass.
Shadish, W. R., Lurigio, A. J. & Lewis, D. A. (Eds.) (1989). After deinstitutionalization.
Journal of Social Issues, 45 (special issue).
Shorter, E. (1995). A formação da família moderna. Lisboa: Terramar.
Slife, B. D. & Williams, R. N. (1995). What’s behind the research? Discovering hidden
assumptions in the behavioral sciences. London: Sage.
Smith, C. & Nylund, D. (1997). Narrative therapies with children and adolescents. New
York: Guilford.
Somoza, J. C. (2002). A caverna das ideias. Lisboa: Quetzal (2ª ed.).
Sprinthall, N. A. & Sprinthall,, R. C. (1993). Psicologia educacional. Lisboa: McGraw-
Hill.
Stlororow, R. D. & Atwood, G. E. (1992). Contexts of being: The intersubjective
foundations of psychological life. New Jersey: Analytic Press.
Szasz, T. (1978). Esquizofrenia: O símbolo sagrado da psiquiatria. Lisboa: D. Quixote.
Szasz, T. (1991). The untamed tongue: A dissenting dictionary (2nd ed.). Chigago and
Illinois: Open Court.
Szasz, T. (1994). Cruel compassion: Psychiatric control of society’s unwanted. New
York: Syracuse University Press.
Szasz, T. (1996). The meaning of mind: Language, morality, and neuroscience.
Westport, Connecticut: Praeger.
Szasz, T. (1997a). Insanity: The idea and it’s consequences. New York: Syracuse
University Press. (publicado originalmente em 1987).
Szasz, T. (1997b). The healing word: Its past, present, and future. In J. K. Zeig (Ed.),
The evolution of psychotherapy: The third conference (pp. 299-308). Bristol:
Brunner/Mazel.
Szasz, T. (2001). Pharmacracy: Medicine and politics in America. Westport,
Connecticut: Praeger.
Tappan, M. B. (2000). Autobiography, mediated action, and the development of moral
identity. Narrative Inquiry, 10, 81-110.
Toulmin, S. (1990). Cosmopolis : The hidden agenda of modernity. Chicago: The
University of Chicago Press
Valenstein, E. S. (1997). Blaming the brain. New York: Free Press.
Valsiner, J. (2000). Culture and human development. London: Sage.
Vattimo, G. (1992). A sociedade transparente. Lisboa: Relógio D’água.
von Glaserfeld, E. (1984). Radical constructivism. In P. Watzlawick (Ed.), The invented
reality (pp. 17-40). New York: Norton.
von Glaserfeld, E. (1995). Construtivismo radical: Uma forma de conhecer e aprender.
Lisboa: Instituto Piaget.
Wachtel, P. L. & Messer, S. B. (Eds.) (1997). Theories of psychotherapy: Origins and
evolution. Washington: American Psychological Association.
Warner, R. (1994). Recovery from Schizophrenia: Psychiatry and political economy
(2nd ed.). London: Routledge.

149
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Watzlawick, P. (1991). Contexte epistemologique et social de la approche systémique.


In E. Rey & B. Prieur (Orgs.), Systémes, éthique, perspectives en thérapie
familiale (pp. 33- 40). Paris : ESF.
Watzlawick, P. (1978). The language of change: Elements of therapeutic
communication. New York: Norton.
Watzlawick, P. (1990). Munchhausen’s Pigtail: Psychotherapy and “reality”. New York:
Norton.
Watzlawick, P., Bavelas, J. B. & Jackson, D. (1967). Pragmatics of human
communication: A study of interactional patterns, pathologies, and paradoxes.
New York: Norton.
Watzlawick, P., Weakland, J. & Fisch, R. (1974). Change: Principles of problem
formation and problem resolution. New York: Norton.
Wertsch, J. V. (1991). Voices of the mind: A sociocultural approach to mediated action.
Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press.
White, M. & Epston, D. (1990). Narrative means to therapeutic ends. New York:
Norton.
White, M. (1994). Deconstruction and therapy. In D. Epston & M. White (Eds.),
Experience, contradiction, narrative and imagination (pp. 109-152) (2nd Ed.).
Adelaide: Dulwich Centre Publications.
White, M. (1998a). Re-authoring lives: Interviews and essays (2nd ed.). Adelaide:
Dulwich Centre Publications.
White, M. (1998b). Saying hullo again: The incorporation of the lost relationship in the
resolution of grief. In C. White & D. Denborough (Eds.), Introducing narrative
therapy: A collection of practice-based writings (pp. 17-29). Adelaide: Dulwich
Centre Publications.
Wiener, M. & Marcus, D. (1994). A sociocultural construction of “depressions”. In T. R.
Sarbin & J. I. Kitsuse (Eds.), Constructing the social (pp. 213-231). London:
Sage.
Williams, R. N. (2001). The biologization of psychotherapy: Understanding the nature
of influence. In B. D. Slife, R. N. Williams & S. H. Barlow (Eds.), Critical issues in
psychotherapy: Translating new ideas into practice (pp. 51-68). London: Sage.
Wittgenstein, L. (1995). Tratado lógico-filosófico e Investigações filosóficas. Lisboa:
Gulbenkian. (originalmente publicados, respectivamente, em 1922 e 1953).
Wortham, S. (1999). The heterogeneously distributed self. Journal of Constructivist
Psychology, 12, 153-172.
Wortham, S. (2000). Interactional positioning and narrative self-construction.
Narrative Inquiry, 10, 157-184.
Wortham, S. (2001). Narratives in action: A strategy for research and analysis. New
York: Teachers College Press.
Zimmerman, J. L. & Dickerson, V. C. (1994). Using a narrative metaphor: Implications
for theory and clinical practice. Family Process, 33, 233-245. (CD-ROM Family
Process)

150
Psicoterapia: Uma arte retórica?

Zimmerman, J. L. & Dickerson, V. C. (1996). If problems talked: Narrative therapy in


action. New York: Guilford.

151

Você também pode gostar