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SUSAN BASSNETT

ESTUDOS DE TRADUÇÁO
FUNDAMENTOS DE UMA DISCIPLINA

Tradução de
Vivina de Campos Figueiredo
Revisão de
Ana Maria Chaves

SERVIÇO DE EDUCAÇÁO E BOLSAS

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN I LISBOA


Tradução
do original inglês intitulado
TRANSLATION STUDIES
O 1980, 1991,2002 Susan Bassnett
AI1 Rights Reserved Ao meu pai, que tudo tornou possível.

Tradução autorizada da edição em língua inglesa


publicada por Routledge, membro de Taylor & Francis Group

Reservados todos os direitos de acordo com a IU

Edição da
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
Av. de Berna - Lisboa
2003

ISBN 972-31-1019-9
Depósito Legal n.' 198 101103
Estudos de tradução

Nos fioais da década de setenta nasceu u m nova dis-


ciplina académica: m Estudos de Tradução. Era manifesta
a dificuldade de lermos literatura traduzida sem nos per-
guntarmos se os fen6menos linguísticos e culturais seriam
realmente "traduzlveis" e sem explorarmos com alguma
profundidade o conceito de "equivai~ncia".

Quando Estudos de Tradução, de Susan Bassnett, foi


publicada na série New Accents, depressa se tornou na
obra introdutória que todos os estudantes e leitores inte-
ressados por esta problemhtica tinham de possuir. A Pro-
fessora Bassnett aborda os problemas centrais da tradução
e oferece-nos uma hist6ria da teoria da tradução que tem
inicio na Roma antiga e engloba as obras-chave do sé-
culo XX.Em seguida explora problemas específicos da
tradução literária atraves de uma análise de textos prhtica
e focalizada, e termina com um vasto leque de sugestões
para leituras subsequentes.
Vinte anos após a sua publicação, a &a dos estudos
de tradução continua em expansão, mas hã algo que não
mudou: actualizada pela segunda vez, Estudos dr Tradu-
ção, de Susan Bassnett, continua a ser uma obra de leitura
obrigatória. Prefácio do Director da Série
New Accents
Susan Bassnett 4, Professora Catedrática de Estudos
Literários Comparados em Tradução no Centro de Estu-
dos Culturais Comparados da Universidade de Warwick.

Parece sem dúvida difícil justificar um terceiro Prefá-


cio à strie New Accents. O que resta para dizer? A série
iniciou-se h&vinte e cinco anos com um prop6sito muito
claro. A sua principal preocupação era o mundo cada
vez mais perplexo dos estudos literános e académicos, as-
solado por monstros frenéticos denominados 'Teoria",
"Linguistica" e "Política". Visávamos em particular os es-
tudantes de graduação e inicio de pós-graduação que esta-
vam a aprender a lidar com estes novos desenvolvimentos
ou a ser persistentemente alertados para os seus perigos,
A New Accents colocou-se deliberadamente de um das
lados. Assim, o primeiro Prefácio falava vagamente em
1977 de "um tempo de mudança social rhpida e radical" e
da "erosão das premissas e pressupostos"em que assenta o
estudo da literatura. "As modalidades e categorias herda-
das do passado", afirmava-se, "parecem já não se adaptar
à realidade vivenciada pelas novas geraçaes". O objectivo
de cada volume seria "estimular o processo de mudança início para o que, ao longo dos anos, veio a dimm-se
ao inv& de a ele resistir", combinando a exposiçh objec- como as diferentes vozes e os diferentes temas dos estu-
tiva e factual das novas ideias com uma explanação clara dos literários. Todavia, as obras agora re-apresentadas
t detalliada dos desenvolvimentos conceptuais com elas possuem mais do que um mero interesse histórico. Como
relacionados. Se a inimiga era a mistificação (ou, pura e os seus autores referem, as questões por elas levantadas
simplesmente, a demonização), a lucidez (com a devida manem toda a sua acuidade e os argumentos com que es-
vknia aas compromissos inevitavelmente em jogo) tor- grimiam a mesma força pembadm. Em resumo, não es-
nou-se numa amiga. Se havia um c'discursodo futuro mar- távamos enganados. A investigação a&mica evoluiu r&-
cadamente diferente" que nos chamava, queriamos pelo pida e radicalmente por forma a acompanhar, quiç8
menos ser capazes de o entender. promover, transformaçtks sociais de fundo. Houve pois
Com a devida referência ao apalipse, o segundo que desenvolver um novo conjunto de discursos capazes
PrefBcio expressava piedosa inquietação pela natureza de mediar tais mvaluçães. Mas o processo não terminou.
brutal da besta que poderia agigantwse, portentosa, dos Neste mundo fluido que habitamos, aquilo que outrora era
escombros. "Como pderemos 116s reconhecer e lidar com impensfivel dentro e fora da academia parece ser agora
o novo?", dizia-se em tom de lamento, não deixando no aceite com naturalidade.
entanto de referir o tímido progresso de "uma hoste & ac- Não me cabe dizer se as obras publicadas na N m
tividades tangencialmente respeitáveis para as quais não Accents constituíram alertas, mapas, guias ou achegas
possuirnos nomes tranquilizadores" e prometendo inde- relativamente a este novo temno a desbravar. O nosso
fectivel vigilancia "nas fronteiras do jã justificado por maior feito foi, porventura, cuitivar a percepção de que tal
terreno existia A única justificaç80 possivel para uma ter-
precedência e nos limites do penshvei". A conclusão de
ceira, e relutante, tentativa de escrever um PrefBcio é a
que "o irnpensfivel C, afinal, aquilo que de forma oculta
conviq30 de que ele continua a existir.
molda os nossos pensamentos" pode parecer um lugar co-
mum. Porém,na medida em que confere alguma estabili-
dade a um mundo de certezas em constante derrocada, não
t motivo para corar de vergonha.
Na circunsthcia, qualquer esforça subsequente,e cer-
tamente final, s6 pode olhar para trás com modéstia e re-
jubilar por a skrie continuar bem viva, congratulandese,
não sem boa razão. por ela se ter feito tribuna desde o
Agradecimentos

A autora e a editora gostariam de agradecer ãs seguin-


tes individualidades e empresas por terem autorizado a re-
produção de algum rnateriaI:

E. J. Biill, Leiden, pelo diagrama tirado da obra To-


wards a Science of Translating (1964) de Eugene Nida;
MIT Press, Cambridge, Mass., pelo diagrama tirado da
obra Language Thought and Relarivity (1956) de B. L.
Whorf, Oxford University Press pela tradução de Charles
Kennedy do poema Seafarer tirado de An Anthology of
Old English Poetry (New York, 1960) e também pela tra-
dução de Sir William Marris do Poema 13 de Catulo, pu-
biicada pela primeira vez em 1924; University of Michi-
gan Press, Ann Arbor, pela tradução de Frank Copley do
Poema 13 de Catulo, publicada pela primeira vez em
1957; Amold Mondadori pelo poema Un'abm notte de
Ungaretti e pelo excerto de Fontamara de Silone; Stand
pela tradução de Charles Tomlinson e Penguin Books Ltd
pela tradução de P.Creagh do poema de Ungaretti; Jour-
neyman Press pela tradução de G. David e de E. Mossba-
cher de Foriramam & Sifone; S. Fischer-Verlag, Frank-
furt-arn-Main pelo excerto de Der Sauberberg & Mann;
Martin Secker & Warburg Ltd e A M A, Knopf, Inc, pela
tradução de H.T.Lowe-Porter de TRe Magic Mountain de
Mann; Faber & Faber Ltd pela tradução de Rabert Lowell
de Phaedm e pela tradução de E m Pound de Seafarer ti-
ra& de The Translationsof Ezra Pountd; Tony Harrison e
Rex Collirigs, Londres, por Phaedra Brittanica de Tony
Harrison.
Na dkada que se seguiu I? primeira ediçãot deste Ii-
vro, os Estudos de Traduçao estabeleceram-se solida-
mente como uma disciplina &ria e aut6noma. Apareceu
um número substancial de obras, fundaram-se revistas, e
muitas revistas de prestígio e tradição dedicaram números
temáticos aos Estudos de Tradução,ao mesmo tempo que
a investigqão nesta área ia florescendo no mundo inteiro.
No século XXI, os Estudos de Tradução terão esquecido
os seus começos, algo apolog&ticos,tal como os Estudos
Ingleses j i praticamente esqueceram os seus não muito di-
ferentes inicios. Na verdade, hoje em dia esta área de es-
tudos ocupa tantos estudiosos que muitos dos antigos
pressuposms sobre a marginalidade deste trabalho foram
radicalmente postos em causa, sendo o principal dos quais
a ideia de que o estudo da tradução poderia ser relegado
para uma sub-categoria da Literatura Comparada. A pers-
pectiva actual inverte essa avaliação e propõe, muito pela

I A primeim ediçao desta obra da^ de 1980. [N. T.)


contrário, que a literatura comparada seja considerada ou enfraquecida tende a traduzir mais textos do que uma
como um ramo dessa disciplina muito mais abrangente cultura que goza de uma relativa centralidade e poder é
que & a dos Estudos de T r a d ~ ç ã o . ~ confirmada por inúmeros estudos de caso de situações tão
Uma característica identificadora do trabalho desen- diversas como a passagem da epopeia para os romances de
volvido nos Estudos de Tradução tem sido a conjugação cavalaria na Europa do século XII, o desenvolvimento de
do trabalho em várias áreas: linguística, estudos literhios, literaturas em línguas nacionais no declinio da grande tra-
história da cultura, filosofia e antropologia. Muitas são as dição latina no Renascimento, o aparecimento de novas
culturas que tem desenvolvido numerosos esfoqos para nações na Europa central e oriental nos finais do skculo
abrir o imenso campo da genealogia do pensamento siste- XVIII e princípios do século XX, o legado p6s-colonial na
mhtico sobre tradução e para investigar o modo como a América Latina e. mais recentemente, em Africa. A hist6-
tradução desempenhou um papel modelador na formação ria literkia mostra claramente como i frequente e imensa
dos sistemas literários e na histbria das ideias. O grupo de a dívida para com a tradução, e os Estudos de Tradução
Te1 Aviv, cujos principais expoentes são ltamar Evan-Zo- expiaram o processo pelo qual os textos são transferidos
har e Gideon Touty,desenvolveu o conceito de polissis- de uma cultura para outra.
tema literirio, j i esboçado nos anos 70, e forneceu uma Têm-se levantado vozes em alguns quadiantes ale-
metodologia pela qual podemos investigar todo o pro- gando que o novo trabalho desenvolvido pelos Estudos de
cesso de absorção de um texto traduzido par uma dada Tradução - o qual procura evitar a antiga abordagem ava-
cultura num determinado tempo histdrico. A sugestão de liativa que simplesmente tratava de comparar traduçbes e
Evan-Zohar de que uma cultura marginal, nova, insegura debater as dii'erenqa! num vazio Formalista - teri oscilado
excessivamente na direcção oposta. O aparecimento da
? A Tradução foi durante muito tempo cnnsidcradacomo um sub-cornpar- colectAnea de ensaios organizada por Theo Hermans em
iimenio da LiteraiuraComparada. pese embara o faciu & que. drbdr a primeira 1985 com o titulo The Manipulaiion qf Literature suscitou
utilimçào desse temo nu principio do século XUI, os ctíiicos niio re tenham
ainda entendido sobre o que t a Literaura Compard&a, se ela çonutiiui ou n8o alguma controvérsia porque, como o titulo sugere, os co-
uma di~iplinii.qual v seu ohjrcto de estudo. etc. No meu prõximo livro, sobre laboradores desse volume (entre os quais me incluo) argu-
a Literatura Comparada no mundo actulil, esta questiu 6 analisada a fundo c n
solução proposta parece-se com a que mudou radicalmente o csiaiuto da Se-
mentavam que a tradução, tal como a critica, a edição e
mibtica no final dos anos 60.A Sernibiiça I'oi originalmente encarada como um outras formas de reescrita, é um processo manipulador.
ramo da Linguisiica e. ncstu nuva p r s p ~ x t i v aC, a Linguistica que 6 consideda AIguns sugeriram que este tipo de abordagem se centrava
com mais propriedade como um ramo da Semibtica. N u mposiçiunamento da
Trnduçio c dn Literatura Cumparado.os Estudos dc Tradufb impor-se-ào como demasiado no destino de um texto na cultura receptora, e
a disciplina principal tcndo como importante rumo a Litetatuta Coniparda. que, através da observação do que aconteceu nos proces-
preciosidades. J& no século XViII, as methforas dominan-
sos de leihua, de reescrita numa outra lingua e & subse-
tes para descrever a tradução são a do espelho ou a do re-
quente recepção, a atenção era desviada do texto original
trato. a do representado ou do artificial em contraponto
e do seu contexto cultural. certo que h&que reconhecer
com o real, enquanto que, no século X X ,as metáforas do-
que esta k a perspectiva de algumas pessoas que trabalham
minantes e m como referéncia a prupriedade e as relaçtíes
nesta área, as quais encaram como sua principal tarefa a
de classe. Note-se que nos anos oitenta do século XX ai-
de observar o impacto de uma tradução no sistema recep-
gumas mulheres que rrãbaihavam nesta área começaram a
tor, mas essa niio 6 de m d o algum a perspectiva genera-
fdar da wadução numa linguagem figurativa usando ima-
lizada. Os Estudos de Tradução, no seu estado actuai de
gens de infidelidade, deslealdade e casamento reconsti-
&senvolvimento, estão suficientemente hplantados e
tuido. 56 me dei conta de que eu própria estava a usar esta
são suficientemente abrangentes para admitirem mais do
tenninoIogia quando encontrei outras mulheres a f&lo,
que uma abordagem e, embora o trabalho levado a cabo
como Barbara Johnson ou Barbara Godard,
pelo gnipo de Te1 Aviv seja muito valioso, h&outros de-
Uma área de irabalho inteiramente nova que surgiu
senvolvimentos em curso noutros locais.
depois & este livro ter saido em 1980 6 a da escrita e tra-
Uma área que se destacou muito recentemente d o es-
dução femininas. O estudo das traduções de Adrienne
tudo sistemAtico de depoimentos sobre a tradução feitos
Rich feito por Myriam Diaz-Diocmtz em 1985 e o nii-
por tradutores e linguistas em diferentes tempos e lugares.
mero especial da revista Tessem em 1989 são apenas dois
0 estudo dos prefácios dos tradutores ensina-nos muito,
exemplos de um campo interessantíssimo actuaimente em
não apenas sobre os critérios adaptados pelo tradutor indi-
expansão. Quando. em meados da d8caâa de 80, Lucie
vidual, mas sobre o que esses critdrios reflectem da con-
Armitt, na altura estudante de p6s-graduação a trabalhar
c e w de tradução partilhada pela comunidade em geral.
comigo em Warwick, dirigiu uma investigação sobre a
Alem disso, o estudo da linguagem figurativa utilizada pe-
poiítica editorial britânica no que respeitava ã traduçáo da
los tradutores nos depoimentos sobre o seu trabalho pode
escrita feminina, ela descobriu que esta era uma questão
dizer-nos algo sobre o estatuto da íradução como acto tex-
em que praticamente ningdm tinha pensado. Contudo, e
tual. Assim, por exemplo, o estudo realizado por Theo
ao mesmo tempo, as listas das editoras apresentavam um
H m a n s sobre as rnetáf.oras utilizadas pelos tradutores
ndmero cada vez mais elevado de tltulos relacionados com
holandeses, franceses e ingleses do Renascimento revelou
os estudos sobre as mulheres, e o debate sobre a existên-
um extenso leque de ideias sobre a tradução: o tradutor
cia ou não de um discurso especificamente feminino ga-
segue nomalmente as pisadas do autor do texto originai,
nhava terreno por todo o lado. Esse estudo coincidiu com
usando as mesmas roupagens, reflectindo a luz, procurando
XXI

o aparecimento dos primeiros artigos e comunicações so- literários aparentemente inócuo^.^ Enquanto criança,
bre o tema do discurso feminino e da traduçgo, e a proli- quando lia histórias de aventuras nas quais os heróis bran-
feração de trabalhos nos iIltimos anos é sinal de que esta- cos eram atacados por selvagens, ele tomava automatica-
mos perante uma nova h& desenvolvimento. mente o partido dos brancas contra os carapinhas. Quando
Do mesmo modo, tal como os estudos literários mu- se deu conta de que adoptando esta posição estava a colo-
daram de natureza e de metodologia assim que o seu de- car-se ao lado dos imperialistas brancos contra o seu pró-
senvolvimento transvasou as fronkiras da Europa, tam- prio povo e a aceitar um sistema de valores eumêntrico,
bém os estudos de tradução começaram a perder o seu começou a ver o mundo de maneira diferente. Do mesmo
cakter excessivamente eurochrico. Os Estudas de Tra- modo, o tradutor que agarra um texto e o transpõe para ou-
dugo desenvolveram-se rapidamente na h&, no seio tra cultura tem de considerar cuidadosamente as implica-
das comunidades hguisticas chinesa e h b e , na Arnkrica ções ideológicas dessa transposição. A metiifora do tradu-
Latina e em h c a . Tal como os Estudos Literários procu- tor como canibal baseia-se numa nocão revista do
raram sacudir a sua herança emCntfica, também os Ea- significado de canibalismo, considerado não do ponto de
tudos de Tradu~ãose -cam em v h r k direcções, uma vista do europeu colonizador a quem o conceito horroriza,
vez que s ênfase no factor ideológico, bem como no lin- mas da perspectiva dos povos cujas prãticas canibalescas
guistico, abre caminho i3 discuss8o do tema nos termos derivam de uma visão alternativa da sociedade.
mais vastos do discurso p6s-colonial. Os tradutores brasi- A concepção canibalista de traduçiio envolve um con-
leiros apresentaram uma metáfora nova, que pode aplicar- ceito modificado do valor do texto original em relação il
-se a esta nova pwspectivri alternativa sobre a tradu@o - a sua recepqão na cultura de chegada. A concepção tradicio-
imagem do tradutor como canibal devorando o texto ori- nal de tradução, datada do século XlX,que aqui abordare-
ginal num ritual que resulta na criaçgo de algo completa- mos mais tarde, baseava-se na relação senhor-servo, re-
mente novo,3Wole Soyinka descreveu a forma como a sua produzida no processo de tradução - ou o tradutor toma
perspectiva, tal como a de um continente inteiro, mudou a o texto original e o 'melhora' e 'civiliza' (cf. FitzgeraId
partir de uma tomada de consciência acrescida, quando acerca dos textos persas} ou o tradutor se aproxima do
identificou o racismo implicitamente presente em textos texto original com humildade e lhe presta homenagem (cf.
Rossetti sobre textos italianos do século XIJ). A concepção
Agradeço a Elw Meira, da Universidade de Belo Horizonte, por ter c b -
m d o a minha aten@o para esta metáfora e por me kr sugerido a leitura da obra ' SDYINKA. Wole - The Crjlic and Soçicly: Barlhes, Leftuçracy and
pioneira de Silviano Santiago - U m literatum nos trbpkos. Enmbs mbw &- Oiher Myihologies. In CATES, Henry Loiiis Jr Icd.) - Hlrirk Lit~rnriireand Li-
pettú&ta ~IJiurai.São Paulo: Bdiiwa h p d v a , 1978. Icnity T h ~ o t yLondon:
. Methucn. 1984. p. 27-59.
canibatista da tradução oferece uma perspectiva diferente, mente ligada ii teoria dos sistemas, mas mais dixectamente
que se articula com a noção de tradução proposta por Jac- preocupada com as implicações ideolbgicas da tradução,
ques Derrida, quando argumenta que o processo de tradu- desmvolve-se uma abordagem que reflecte sobre a trans-
ção cria um texto 'original', em oposiqão h ideia tradicie ferência inkrcultural nos seus aspectos linguísticos, histõ-
nd segundo a qual o 'original' t o ponto de partida. O ricos e sócio-políticos. André Lefevere desbravou muito
debate sobre a tradução que Derrida enceta em "La Tours deste terreno. Uma das grandes questões que coloca diz
de Babei" constitui um marco importante, porque, antes respeito a problemas paratextuais: o que acontece na tra-
dele, a maior parte do discurso sobre ttaduç8o era extraor- dução de textos kabes, onde não existe uma Iradição
dinariamente antiquado quando comparado com o nível é.pica e a lirica 6 o modo predominante, para luiguas e m -
do discurso na &a da teoria da literatura. As opiniões que peias, onde o &picosempre foi o modo mais elevado e a lí-
Demda subscreve sobre ri tradução não s50 isentas de fra- rica relegada para uma posição secundária?Implicará isso
gilidades - uma das suas metáforaspara representar o pro- que todas as traduções da poesia lírica h b e sejam de
cesso da traduç8o t o rasgar do hímen, a penetração ou a certa maneira lidas atravhs da lente deturpadora da tradi-
violação do texto original, que é dessa forma feminizado ção literdria ocidental que coloca a f i c a numa posição su-
de um modo sexista de pdssimo gosto - mas, apesar disso, balterna? Ou, para dar um exemplo diferente, terá a tradu-
o seu ensaio assinala a chegada de uma corrente p6s-es- ção de Shakespeare para as línguas do sub-continente
truturalista dos Estudos de Tradução e demonstra mais indiano um sign$mdo diferente da tradução de Sbakes-
uma vez os avanços da disciplina na 6ltim dkada. peare para japon*s? Na índia, onde, no século XIX,Sha-
Neste momento são claramente visíveis algumas li- kespeare era o epítome de tudo o que de grandioso existia
nhas de desenvoIvimentono conjunto da disciplina global na tradiçk inglesa e onde o lorde Macadey podia dizer
dos Estudos de TraduçZo. A linha de investigação origin4- que uma prateleira de uma boa biblioteca europeia valia
ria da Iinguistica aplicada continua a dar os seus frutos e, por todos os livros da fndia e da ArAbia, arrancar Shakes-
agora, existe mesmo um ramo de investigaçáo diferente peare das suas raízes na língua inglesa podia ter uma im-
preocupado com a tradução e a filosofia da linguagem. A plicaçáo revolucionãna que não teria na tradução para
abordagem baseada na teoria dos sistemas, com a sua h- uma lingua como o Japones, pois que o Japão nunca foi
fase no pó10 meta, pode considerar-se uma escola & pen- colonizado pelo impdrio britstnico.
samento dentro dos Estudos de Traduçb e, com a publi- É na funnula~áode questões como esta que radica a
cação do boletim informativo T M S S T em Te1 Aviv e a perspectiva (possivelmente tambem já uma escola de
revista Turget, esta escola tem agora um papel preponde- pensamento) que encara a tradução como um dos proces-
rante no âmbito internacional. Noutras latitudes, originai- sos de manipulação literária, uma vez que os textos são
XXIV xxv
reescritos atravessando fronteiras linguisticas e que essa Outra grande área de investigação dentro dos Estudos
reescrita ocorre num contexto histórico-cultural clara- de Tradução é constituida pela anAlise da história da tra-
mente definido. Esta escola de pensamento tarnbkrn se dução, da!! atitudes face ao acto de traduzir que prevalece-
preocupa com a transmissão de textos entre literaturas e o ram em diferentes momentos da História, das afirmações
temo 'refracção' foi cunhado por Lefevere para substituir dos tradutores e das implicações doutriniúias da tradução.
a velha terminologia da 'influencia'. A reflexão envolve o Os centros de tradução da Universidade Georg-August de
espelho, a cópia do original; a refracção envolve uma mu- GWtingen, a Universidade Cat6lica de Lovaina e a Uni-
dança de percepção e esta imagem é muito útil para des- versidade Estadual de Nova Iorque em Binghamton têm
crever o que acontece quando um texto 6 transferido de em curso projectos de investigação de larga escala acerca
uma cultura para outra. Alem disso, a teoria da refracção da diacmnia dos Estudos de Tradução, e os professores e
implica necessariamente a consideração da evolução lite- estudiosos da Tradução na Universidade Estadual de Nova
riiria e, portanto, coloca a tradução num crintinisum tem- lorque estão tambdm muito preocupados com a investiga-
poral ao invés de a encarar como uma actividade que ção pedagiigica e profissional. A medida que alargamos os
acontece no vazia. Lefevere explica-se bem quando enu- conhecimentos sobre o que a tradução significa em dife-
mera alguns absurdas da hist6ria cultural que derivam de
rentes culturas, as nossas atitudes em relação h prática da
uma concepção excessivamente estreita da tradução:
tradução também mudam e com elas a nossa percepção do
DA que pensar ... que um obstinado tradutor da Bíblia para slernãri, papel desempenhado pela tradução na histbrirt literária.
um monge augustiniancidesfradado, tenha sido, também por causa Em 1980, quando saiu a primeira edição deste livro,
da sua tradução, largamente responsável pela Reforma que mudou eu ainda sentia que tinha de defender o meu trabalho em
a face da Europa pura sempre; ou que o Aramaico que Jesus Cristo tradução junto das pessoas que colocavam questões como
faIava fossc destituído de verbos copulativos. especificamente do
estas: ''Como 6 que alguém pode falar de tradução?',
verbo 'ser', apesar de os te6logos se terem questionado durante
séculos sobre o verdadeira significado do 'C' que aparece. na tra-
"Como podemos avaliar traduções?", "Qual é a vantagem
dução grega, em frases do tipo 'este t o meu corpo' e que tenham de se debater Histbria a propósito da tradução de poesia?',
queimado, semprc que tiveram esse poder. aqueles que discorda- "Não é a tradução. para todos os efeitos. uma actividade
ram da sua reescrita.' secundária?" Sempre acreditei que a tradução era uma ta-
refa complexa, que envolvia uma grande habilidade, pre-
LEFEVERE, Andre - Why Waste Our Time on Rewrites'! The Tmuhle paraçiio, conhecimento e afeiqão intuitiva pelos textos,
with Interpretation. and h e Role of Rewriiing in ~ i n
Alternniive Paradigm. In
HERMANS, Theu (ed.) - Thu Manipirlatiritt cif Litemture. hndnn: Crooin
e. i medida que descubro o desenvolvimento dos Estudos
Hclm, 19R5. p. 241-2. de Tradução h escala mundial, sinto cada vez mais que a
XXVJI

minha primeira crença, ingénua e instintiva, se justificou.


grande da nossa percepção da bisaria cultural devido ao
Nesta disciplina M espaço para muitas abordagens e o mé- trabalho desenvolvido nos Estudos de Tradução, e o facto
rito de grande parte da investigação feita na dkcada pas- de uma grande parte desse trabalho ocorrer fora da tradi-
sada foi o de colocar um fim na velha orientação norma- ção euru-americana 6 um indicador inquívoco da veloci-
tiva. Jii não se fala de tradução nos temios daquíio que um dade e do alcance dessa transformação.
tradutor 'deve' ou 'não deve' fazer. Esse tipo de termino-
logia avaliativa apenas tem cabimento na aula de aprendi-
zagem & Ifngua, onde a traduqão tem um papel pedagó-
gico muito prõciso e claramente d e f ~ d oO. debate sobre
a tradugão literiria, nos termos em que tem vindo a ser de-
lineado pelos Estudos de Tradução, p i e muito bem aju-
dar a melhorar a qualidade das íraduções, mas se isso
acontecer não será devido a qualquer formulário piescri-
tivo. Ao contrário, isso dever-se4 a uma acrescida com-
ciencializaçãoda complexidadeda traduçgo e a urna valo-
rização do estatuto do iradutor e do texto traduzido.
A investigação nos Estudos de Tradução ainda mal co-
meçou. Há dúzias de livros por escrever, teses de doutora-
mento por fazer, textos teóricos por descobrir e traduair, a
história literária. passada pelo crivo do novo conhe.ci-
mento, aguarda ser reescrita. Quem teria acreditado, nos
anos sessenta, que o feminismo haveria de transformar o
chone literirio, impor uma reavaliação do processo de
canonização, mudar o nosso conhecimento do passado e
alterar radicaente a nossa perce~ãoda linguagem e da
cultura hoje? E, contudo, essas mudanças aconteceram, e
uma perspectiva alternativa, baseada na diferenp sexual
acaba de entrar de modo decisivo nos estudos literários.
Penso que testemunhamos uma transformação igualmente
PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇAO

Os anos oitenta foram uma ddcada de consolidação


para a novissima disciplina conhecida como Estudos de
Tradução. Tendo feito a sua aparição nos finais dos anos
setenta, começou a ser levada a sério e deixou de ser
olhada como uma hea de pesquisa de importância secun-
dária e sem valor científico. Ao longo dos anos oitenta as-
sistiu-se a um crescimento constante do interesse pela teo-
ria e prhtica da tradução e, nos anos noventa, os Estudos
de Tradução tornaram-se finalmente numa disciplina de
direito próprio, na década que testemunhou a sua globali-
zação. Considerada no passado uma actividade marginal,
a traduçiio começou a ser olhada como acto fundamental
do intercirnbio humano e nunca o interesse por ela susci-
tado foi maior do que hoje em dia, em que o estudo da tra-
dução acompanha o aumento da sua prjtica em todo o
mundo.
A explosão dos meios electr6nicos de comunicação
nos anos noventa e as suas implicações nos processos de
globalização deram particular visibilidade as questões li- h estampa pelo menos meia d6zia de enciclopédias da tra-
gadas & comunicação inkrcultural. Não só passou a ser dução, e mais se seguirão. Os novos cursos universitsrios
importante aceder cada vez mais ao mundo atravts da re- de tradução, de Hong Kong ao Brasil e de Montreal a
voluç8o & infomqão, mas tomou-se urgentemente im- mena, constituem mais uma prova do interesse interna-
portante saber mais sobre o nosso próprio ponto de par- cional pelos estudos de tradução, interesse este que não dá
tida. É que a globalização tem a sua antitese, como foi sinais de abrandar no &ulo XXI.
demonstrado pelo renovado interesse, manifestado h es- Com tanta energia direccionada para uma investigação
cala mundial, nas origens culturais e na exploração das mais aprofundada do fen6meno da tradução, é evidente
questões de ihntidade, A tradução tem um papel crucial a que tais desenvolvimentos não sejam homogdneos e que
desempenhar ao contribuir para meihorar a compreensão se configurem em diferentes comentes e tendências. Não
de um mundo cada vez mais fragmentado. O tradutor, tal deve. portanto. surpreender-nos que o consenso quanto à
como refwiu o especialista irlandês Michael Cronin, 6 traduçáo tenha desaparecido durante os anos noventa.
t m M m um viajante, alguém em viagem de uma fonte Contudo, ele foi substituído pela vibrante diversificação
para outra. O século XXI promete seguramente ser a que ainda hoje povoa o mundo inteiro. Durante os anos oi-
grande idade das viagens, não s6 atravts do espaço, mas tenta, a teoria da relevância de Emst-August Gutt, a teoria
tambem através do tempo.' E significativo que um dos do skopos de Katharina Reiss e Bans Vermeer e o trabalho
principais desenvolvimentos nos estudos de traduçfio de Gideon Toury sobre pseudotraduçãoforneceram outros
desde os anos setenta tenha sido a investigaqão em histh- tantos mdtodos de abordagem da tradução, enquanto nos
ria da tradução, pois examinar o modo como a tradução anos noventa floresceram, e contiriuam a florescer, novas
ajudou a moldar o nosso conhecimento do mundo no pas- linhas de investigação geradas pelo enorme interesse sus-
sado deixa-nos mais bem equipados para moldar os nos- citado pela investigação com corpus, tal como foi preco-
sos pcáprios futuros. nizada por Mona Baker. Com efeito, após um período em
Por todo o lado existem provas deste interesse pela
que a investigaçáoem hdução autom8tica parecia ter so-
traduçgo, Nas duas últimas décadas surgiram muitos li-
çobrado, a impodncia da relação entre a tradugão e as
vros sobre tradução, apareceram novas revistas de tradu-
novas tecnologias ganhou proeminência e tudo indica que
ção, foram criadas organizações profissionais iniemacio-
vird a ta ainda mais importhcia no futuro. N h obstante,
nais, como a Sociedade Europeia de Tradugão, e foi dada
e apesar da diversidade & métodos e abordagens, existe
I CKONiN, MichaeI - Acmss the Liries: Trawl, Language, Tranr-
um traço comum h maior parte da investigação em Estu-
latim. Cwk: Cork University h s s , 2000. dos de Tradução: a ênfase nos aspectos culturais da tradu-
ção e nos contextos em que a tradução ocorre. Conside- Kathwina Reiss, Hms Vermeer e Wol fram Wilss, para no-
rada outrora uma subdivisão da linguística, a tradução é mear apenas os mais conhecidos, contribuiu muito para
hoje entendida como uma área de investig@o interdisci- derrubar as barreiras que separavam as disciplinas e para
plinar e o elo indissof6vel entre língua e cultura tornou-se empurrar os estudos de tradução para longe de uma posi-
na ponto de focagem do interesse acaddmico. qão de possível conhnto. Não devemos tambem esquecer
A divisão aparente entre as abordagens cultural e lin- a enorme importhia de figuras como J. C. Catford, Mi-
guistica da tradução, tão característica de muita da inves- cbael Halliday, Peter Newmark e Eugene Nida que, com o
tigação em traduç80 desenvolvida nos anos oitenta esti a seu trabalho de investigação m traduçk, lançaram as
desaparecer, por um lado devido hs mudanças operadas na bases da pesquisa futura antes de os Estudos de Tradução
linguística, com a adopção de uma perspectiva mais cul- terem começado a afmar-se como disciplina de pleno
tural, e, por outro, devido a uma atitude menos defensiva direito.
daqueles que preconizavam uma abordagem da tradução Os estudos litedrios evoluíram também de uma wn-
enraizada na hist6ria cultural. Nos primeiros anos, quando cepção inicial e mais elitista de tradução. Tal como Peter
os Estudos de Tradução estavam ainda a encontrar o seu France, d k t o r do Oxforcd G u i h to Literature in English
espaço, os seus defensores opunham-se tanto aos linguis- Trunslarion.faz questão de acentuar:
tas como aos estudiosos da literatura, acusando os iinguis-
Os t e o i z a d m e os estudiosos r&n uma tarefa muito mais oom-
tas de não considerarem as dimensões contextuais mais plexa a cumprir do que decidir entre o bom e o mau; o objccto das
alargadas t os estudiosos da literatura de viverem obceca- suas preocupações t.por exemplo, discernir as vsrias possibilida-
dos com juízos de valor desprovidos de qualquer sentido. des 4 a se abrem ao tradutor e o modo como elas se modificamde
Defendia-se a impodncia de tirar o estudo da tradução da acordo com o contexto cullurd, wial e hist6rica.2
alçada quer da literatura comparada quer da linguística, e
eram frequentes as polémicas sobre a autonomia dos Es- Existe um volume crescente de trabalhos de investigação
tudos de Tradução. Hoje em dia estas posiç&s evangkli- que reflectem este objectivo mais complexo, pois. à me-
cas parecem esbanhamente antiquadas, e os Estudos de dida que hii cada vez mais investigação em Estudos &
Traduçao estão melhor na sua pele, mais capazes de pedi- Tradução e se torna mais fácil e rápido o acesso aos dados
rem emprestados e emprestarem mktodos e tknicas a ou- históricos, começam a ser colocadas perguntas impoxtan-
tras disciplinas, O importante trabalho de estudiosos da
FRANCE, Petsr - Tmnslation Siudics and Translation Críticism. I n
tradução da área da linguística, figura como Mona Baker, W N C E , Pctcr (ad.1- The O$od Giiide 10 Literuium b Engiish TmnsIatim.
Roger Eell. Basil Hatim, Ian Mason, Kirsten Meilrnkjaer, Oxford: Oxford Univenity h s s , 2W, p. 3.
tes sobre o papel da tradução na constmgão de um chone Nos anos noventa surgem duas imagens contrastamtes
do tradutor. De acordo com uma leitura do papel do tra-
literirio, as estra~giasutilizadas pelos tradutores e as nor-
dutor, este é uma força do bem, um artista criativo que
mas vigentes em determinado momento histúrico, o dis-
garante a sobreviv&nciada escrita no tempo e no espap,
curso dos tradutores, os problemas da medição do impacto
um mediador intercultural e um intkrprete, uma figura
das traduções e, mais recentemente, os problemas relati-
de incomensur8vel importância para a continuidade e
vos ao estaklecimento de uma ética da tradução. difusão da cultura. Em contraponto, existe uma outra
Das novas correntes, a mais aliciante 6 talvez a ex- interpretação que vê a tradução como uma actividade alta-
pansão da disciplina de Estudos de Tradução para lã das mente suspeita em que a desigualdade nas relações de
fronteiras da Europa. No Cana& fndia, Hong Kong, poder (desigualdades econ6rnicas. políticas, sexuais e
China, Áfnca, Brasil e Amdrica tatina, as preocupações geogrUicas) se reflecte na mecânica da produçiío de texto.
dos acadtmicos e dos tmdutores são significativamente Como afirma Mahasweta Sengupta, a tradução pode tor-
diferentes das dos Europeus. Nestes países a gnfase é co- na-se em submissão ao poder hegemdnico das imagens
locada na desigualdade da relação de tradução, e podemos cnadas pela cultura de chegada:
ver escritores como Gayatri Chdmvorty Spivak. Tejas-
wini Niranjana e Eric Cheyfitz afirmarem que a tradução 1...I uma breve recepiuilaqão do que vende no Ocidente como algo
foi efectivamente usada no passado como instrumento do repmntativo da fndia e da sua cultura 15 a prova mais cabal do
poder da representação: ficamos prisioneiros dos estereõtipos cd-
poder colonial, um meio de silenciar a voz dos povos co- turais criados e +mentados pelos textos traduzidmP
lonizados. No modelo colonial havia uma cultura domi-
nante sendo as restantes subservientes, e a traduçao refor- Os estudos de tradução continuarão a enfatizar no
çava esta hierarquia de poder. Nas palavras de Anuradha novo mildnio a desigualdade das relações de poder que ca-
Dingwaney, racterizam o processo de tradução. Porkm, enquanto nos
séculos passados esta desigualdade era apresentada em
Os processosde tradu* que twnam uma outra culhira compreen- termos de um texto original superior e uma c6pia inferior,
sível contêm graus de viol&ncia varihveis, m especial quando a
essa relação 6 hoje analisada por outros prismas a que
cultura traduzida se mstinii como a do ''ou~ro''.~
podemos chamar com propriedade p6s-coloniais. A par do

SENGUPTA. Mahasweia - Trrinslrition as Manipulation: The Power of


r DINGWANBY. Anuradha - InWuctiw: Trrinslating 'Third W d d ' CUI-
+

Images and Images of Power. In DINGWANEY. A; MALER. C. (eds,) - Beiween


tures. h DINGWANEY. A.; MAIER, Caml (eds.) - Beiween hnguages and
Laiiguqes and Culrrrres. Tmnslaiion und Cms-Culiuml Texis. Pinsburgh/Lon-
Cuhres. TmnshIon and Cm-Culiuml T m .PirtçbwghKmhn: Universiiy
don: University of Pirtnburgh Pleas. 1995. p. 172.
af Pinsburgh Ress,1995, p. 4.
trabalho enhisiasmante dos grandes especialistas indianos, a fidelidade ao original. No Brasil, a teoria canibalista do
chineses e canadianos, escritores como Octavio Paz, Car- consumo textual, inicialmente proposta nos anos vinte,
10s Fuenks e Haroldo e Augusto de Campos reivindica- foi reformulada de modo a oferecer uma perspectiva al-
ram uma nova definição de tradução. Significativamente, ternativa do papel do tradutor em que o acto de tradução
tdos estes escritores são originhios de paises da América é apresentado em termos de met8foras ffsicas destinadas
do Sul, antigas colónias empenhadas em reavaliar o seu a enfatizar simultaneamente a criatividade e a indepen-
passado. Todos eles estabelecem paralelismos com a ex- dência do trad~tor.~
periencia colonial em defesa de uma reapreciação do pa- Hoje em dia a mobilidade dos povos em todo o mundo
pel e significado da tradução. Pois um origind era sempre reflecte o próprio processo de tradução, pois a tradução
visto como superior h sua "c6piaW,precisamente d o não é somente a transferência & textos de uma llngua para
mesmo modo que o modelo do calonialismose baseava na outra - ela 6 hoje corratamente vista como um processo
noção da apropriaçh de deuma cultura inferior por unta cul- de negociação entre textos e entre culturas, um processo
tura superior. Como tal. a tradução estava condenada a em que ocorrem todos os tipos de transacções mediadas
ocupar uma posição de inferioridade relativamente ao pela figura do tradutor. Significativamente, Homi Bhabha
texto de partida do qual se considerava proveniente. usa o termo "tradução? nao para descrever uma transacção
A luz da nova percepção p6s-colonial da relação en- entre textos e línguas, mas no sentido etirnol6gico de
tre os textos de partida e de chegada, essa desigualdade
transportar algo de um lugar para outro. Usa o termo tra-
de estatuto foi reconsiderada e hoje tanto o original como dução metaforicamente para descrever a condição do
a tradução são vistos como produtos iguais da criativi-
mundo contemporâneo, um mundo onde diariamente mi-
dade do autor e do tradutor, embora Paz alerte para a di-
lhões de pessoas migram e mudam de lugar. Num mundo
fwença fundamental entre as tarefas que cabem a cada
assim a tradução é fundamental:
um. Ao escritor cabe dar 2s palavras uma forma ideal e
imut6vel enquanto ao i o u t o r cabe a tarefa de as libertar -
Devemos ter presente que 6 o "inter" a fronteira da tradução e da
do confinamento da língua de partida insuflando-lhes uma renegaciação, o espaço interm4din-que carrega o fardo do signi-
nova vida na llngua para que são tradu~idas.~ Consequen- ficado de cultura?
temente, perdem força os velhos argumentos que defendem
Para uma diacusu;lri da metárora canibaliria, c(. BASSNETT, Susan:
PAZ, Oclavio - Translalion: Lileraiure and Letiers. Tmd. Irene de1 Cor- TRIVEDI. Harish (eds.) - Pn.rmI~nialTmnrlmi~lt:TReory and Pmrtice. New
ral. in SCHULTe, Rainer: BIGUENET. John (eds.) - Theories nf Twnslatinrr. YwWLondon: Rouiledge. UHW.
An Anihology af fisqvs fmm Drydrn !o Lierrida. Chicago: Univcrsity of Chi- ' BHABHA. Horni - me Locarim of Cillrure. LondoniWew York: Rout-
cago Press. 1992. p. 36-55. Idge, 1994, p. 38.
Destacam-se trEs estratagemas centrais a muitas das centro das atenções dos áridos debates sobre fidelidade e
teorias da tradução desenvolvidas por escritores não euro- equivalência para um exame do papel da texto tiilduzido
peus: uma redefinição da terminologia da fidelidade e da no seu novo contexto. Significativamente, esta nova pers-
equivalgncia, a importância de dar maior visibilidade ao pectiva veio abrir caminho para projectos de investigação
tradutor e uma bansferencia da ênfase para a tradução subsequentes sobre a histdria da traduçlio, conduzindo
como um acto de reescrita criativa. O tradutor 6 visto tarnErn a uma reavaiiação da importância da tradução en-
como um libertador, alguém que liberta o texto dos signos quanto força de mudança e inova* na história literária.
fixos da sua forma original, acabando com a subordinação Em I !B5 Gideon Toury publicou Descriptiw Trunsb-
ao texto de partida, mas procurando visivelmente fazer a fim Sludies and Bqond, um livro que reavaliava a abor-
ponte entre o autor e o texto originais e os possiveis leito- dagem pela teoria dos polissistemas. tão pouco do agrado
res da lingua de chegada. Esta perspectiva assim revista de alguns especialistas devido à sua ênfase excessiva no
enfatiza a criatividade da tradução, reconhecendo-lhe uma sistema de chegada. Toury sustenta que, uma vez que a
relação mais harmoniosa do que a de rnodeIos anteriores tradução visa em primeiro lugar satisfazer uma necessi-
que descreviam o tradutor atravks de imagens violentas de dade da cultura de chegada, 6 lógico fazer do sistema de
"apropriqão", "penetraç30" ou "posse". A abordagem chegada objecto de estuda. Acentua tambkrn a necessi-
pós-colonial tradução vê o intercâmbio linguístico como dade de estabelecer padrões de regularidade do comporta-
essencialmente dialógico, um processo que ocorre num mento tradutivo, a fim de estudar como são formuladas as
espaço que não pertence nem ao ponto de partida nem ao normas e como operam. Towy rejeita expiicitamente a
ponto de chegada. Como Vnnamala Viswanatha e Sherry ideia de que o objecto da teoria da tradução t melhorar a
Sirnon afirmam, "as traduções constituem uma reveladora qualidade das tradugíes: os teorizadms têm as suas prio-
porta de entrada para a dinâmica da formação da identi- ridades, diz ele. enquanto os profissionaisda tradução tem
dade cultural nos contextos colonial e p6s-col0nial."~ responsabilidades diferentes. Embora as opini&s de Toury
At&ao final dos anos oitenta os Estudos de Tradugáo não sejam universalmente aceites, elas siío largamente
foram dominados pela abordagem sistérnica de Itamar respeitadas e 6 significativo que durante os anos noventa
Even-Zohar e Gidmn Toury. A teoria dos polissistemas tenha sido produzido muito trabalho sobre as normas aia-
era uma proposta radical na medida em que desviava o dut6rias e sido exigida uma maior cientificidade no estudo
da tradução.
VISWANATHA, Warnal: SIMON, Sherry - 'Shifting Gmnds of Ex- A teoria dos polissistemas veio preencher a lacuna
changc'; B. M. Srikanthaia and Kannada Translation. h BASSNIEIT. Susan;
TRIVEDI. Harish (edi.) - Prs~culuniulh s l a r i o n : Tliwry und Pmcrice. New
aberta nos anos setenta entre a linguistica e os estudos li-
Yorkniondon; Routledge, 1999, p. 162. terários, lançando as bases para a nova &a interdiscipli-
nar dos Esmdos de Tradução. De importhcia central para rior do grupo de estudiosos da tradução vagamente ligados
a teoria dos polissistemas era a &nfasena poética da cul- i abordagem polissistémica. Alguns, como Theo Hermans
tura de chegada. Dizia-se que deveria ser possível prever e Gideon Toury, procuraram estabelecer parhetros te&
as condições que permitiam a ocorrência de traduções e ricos e metodoI6gicos dentro dos quais a disciplina pu-
também os tipos de esimttgias passiveis de ser usados pe- desse desenvolver-se, e outros, como André Lefevere e
los tradutores. Tornou-se então necessário desenvolver es- Lawrence Venuti, começaram a explorar as implicações
tudos de caso sobre as traduções através dos tempos a fim da tradução num enquadramento histbrico e cultural
de averiguar da veracidade de tal hip6me e estabelecer muito mais alargado. Lefevere começou por desenvolver
princípios fundamentais, o que levou h emergemia do que a noção de tradução como refracção mais do que reflexo,
foi posteriormente designado par estudos descritivos de propondo um modelo mais complexo do que a velha no-
tradução. Os Estudos de Tradução começavam a ocupar çBo de tradução como espelho do original. Inerente à sua
um espaço próprio, investigando a sua própria genealogia concepção de tradução como refracção estava a rejeição
e procurando afirmar a sua independencia como domínio de qualquer nqão linear do processo de traduçgo. Os tex-
acaddmico. tos, argumentou, tem de ser vistos como sistemas com-
Enquanto, anteriormente, a tnfase era posta na com- plexos de significaç$io e cabe ao tradutor d e s ~ ~ c ea r
paração do original e da tradução, muitas vezes com o in- recodificar tudo o que estiver acessivel nesses sisterna~.~
tuito de averiguar as "perdas" e as "trtraiçóes" ocorridas no Lefevere constatava que muitas das teorizações sobre tra-
processo de tradução. a nova abordagem adaptava uma dução assentavam na prática da tradução entre línguas eu-
perspectiva deliberadamente diferente, procurando, não ropeias e sublinhava que os problemas de acessibilidade
avaliar, mas sim compreender as mudanças de enfase ope- dos códigos linguisticos e culturais se intensificam quando
radas durante a transferência de textos de um sistema lite- se sai do h b i t o da cultura ocidental. Em trabalhos pos-
rário para outro. A teoria dos poiissistemas aplicava-se teriores Lefevere desenvolveu as suas preocupações com
exclusivamente na tradução litefia, embora operasse a metaf6ríca da tradução através de uma investigação
dentro de uma noção dargada do liteiario, que contem- Aquilo a que chamava as grelhas conceptuais e rextuais
plava um vasto leque de elementos de produção literária, que restringem tanto as escritores como os tradutores, su-
incluindo a dobragem e a legendagem, a literatura infan- gerindo que
til, a cultura popular e a publicidade.
.. .-
Mediante uma série de estudos de caso, este alarga- ' CI. LEEVERE. Andrê - Tmnslation. Rewríring and rke Wmipulariun
mento do objecto de estudo levou a uma divisão no inte- af Litemty Fume. Londoflew Y d : Rouildp, 1992.
Os problemas levantados pela tradução devem-se pelo menos
esse artista criativo mediador de línguas e culturas. Numa
tanto L discrepâncias entre as grelhas conceptuais e textuais oomo
L discrepânciasentre as lfngurt~.'~ obra importante publicada em 199 I, Suzanne Jill Levine,
tradutora de literatura latino-americana, autodescreveu-se
Estas grelhas culturais determinam o modo como a espirituosamente como "uma escriba subversiva", uma
realidade é reconstmida tanto no texto de partida como no imagem que prefiguca a concepção que Venuti tem do tra-
de chegada, e o sucesso da operação será determinado pela dutor como um poderoso agente de mudança cult~ral.'~
perfcia do tradutor a manipular tais grelhas. iefevere de- O livro de Levine aponta para uma outra M a de in-
fende que estas whas culturais, uma noção derivada da vestigação em Estudos de Tradução focalizada na subjec-
noção de capital cultural de Piem Bourdieu, põem em re- tividade do tradutor. Estudiosos da tradução como Venuti,
levo a criatividade do tradutor, uma vez que é algukm ine- Doughs Robinson, Anthony Pym e Mary Snell-Homby,
vi tavelmente empenhado num processo criativo complexo. tradutores que escreveram sobre o seu trabalho como Tm
Do mesmo modo, Venuti insiste na criatividade do tra- Parks, Peter Sush, Barbara Godard e Vanamah Mswana-
dutor e na sua presença visível na tradução." Foi tal a im- tha, todos eles acentuaram de diversas maneiras a impor-
portância assumida pela investigação sobre a visibilidade tância do papel do tradutor. Esta nova €nfase na s u b j d -
do tradutor nos anos noventa que pode ser considerada vidade resulta de duas influências distintas: por um lado,
como uma linha distinta de desenvolvimento dentro da a importância crescente da investigação sobre a ética da
disciplina global. A tradução, no dizer de Venuti, reverên- tradução e, por outro, uma sitengo cada vez maior hs
cia igualmente prestada h culturas de partida e de che ques-s filos6ficas mais alargadas subjacentes h badu-
gda,"recorda-nos que nenhum acto de interpretação pode ção. A seleitura de Walcer Benjamin feita por Jacques Der-
ser definiti~o".~~Como tal, a tradução é um acto arriscado, rida abriu as comportas para uma reavaliação da impor-
potencialmente subversivo e sempre carregado de signifi- tância da tradução não s6 como f m a de comunicação,
cado. Nos anos noventa, a figura do tradutor subserviente mas tamb6m como continuidade.14 A tradução, afirma
foi substituída pela do tradutor visivelmente manipulador, Derrida, assegura a sobrevivencia de um texto. A tradu-
ção torna-se efectivamente na outra vida de um texto, um
Io LnFEVERE. A d r é - Composing lhe Other. h BASSNETI: Susan;

TRIVEDI. Hdsh (edg.)- Pnsirnlonial Tmnslafion:Tkeoty and Pmctice. New


novo "original" numa outra língua. Esta concepção posi-
YorkRandon: Routlcdgt, 1999.
' 1 VENUTI. Lawrence - The T d m r ' s 7milsibil-v:A Hi.rtory of Tmns- 1' LEVINE. Suzaane JiU - The Subversive Scribc. Saínt Paul. Mimepote:
Iation. L o n & n , w York: Rouiladge. 1995.
Graywolfhsr, 1991.
1"ENUTI, -
L a w n c e The $c&Is q f h l u ~ i oLodorJNew
~. Yok ld DERRIDA. J q u e s - l h a Tours de B h l . Jn GGRAHAM. J. (ed.) - D$
Routladge. 1998. p. 46. ferciice in T m h i m . Ithaca, PI. Y.:Cornell Universiry -5, 1985.
tiva de tradução vem reforçar a importância da tradução Tradução, amvks das suas múltiplas alianças, fazem per-
enquanto acto de comunicagTio simultaneamente intercd- guntas sobre o que acontece quando um texto é transferido
tural e intertemporal. Quem,por exemplo, teria acesso hs da cultura de partida para a cultura de chegada.
poetisas esquecidas da antiga G&ia sem a tradução?, per- Os fios que entretecem a trama comum que liga os di-
gunta Josephine Balrner no seu esclarecedor prefácio hs v e m s prismas por que a tradução tem sido estudada nas
suas iraduções de poetisas ~18ssicas.~~ duas 6ltimas dkadas constituem uma ênfase na diversi-
O &senvolvirnento dos Estudos de Tradução nos anos dade e na rejeição da velha terminologia da tradução como
noventa pode ser visto, antes de mais. como o estabeleci- fidelidade a, e traição de, um original, põem em destaque
mento de uma série de novas alianças que vieram aproxi- os poderes de manipulação do tradutor e uma concepção
mar as linhas de investigação em hist6ria e na prática e fi- da tradução como meio de lançar pontes que anulem o es-
losofia da tradução de outras correntes intelectuais. Os paço entre o ponto de parti& e a ponto de chegada. Esta
elos entre os Estudos de Tradução e a teoria p6s-colonial celebcação da intermediação, destacada também por estu-
representam precisamente uma dessas alianças, tai como o diosos de outras áreas, reflecte a natureza m u t h l do
fazem os elos entre os Estudos de Tradução e a linguística mundo em que vivemos. Tempos houve em que era consi-
de corpus, Outra aliança significativa é a que existe entre derado arriscado t indesej&velocupar um espaço que não
os Estudos de Tradução e os Gender Stdies. Pois a lín- fosse nem uma coisa nem outra, uma t e m de ninguem
gua, como afirma Sherry Sirnon, não reflmte simples- sem identidade definida. Hoje, no século XXI,as frontei-
mente a realidade, ela ajuda a moldar o significado. lWs ras políticas, geográficas e culturais são vistas como mais
tradutores esGo directamente envolvidos nesse processo fluidas e menos confinantes do que alguma vez o foram na
de moldagem, seja o texto que estão a trabalhar um ma- história recente, e é cada vez maior a mobilidade dos po-
nua1 de instniçaes, um documento legal, um romance ou vos atravds dessas fronteiras. Num mundo assim, o papel
um cliíssico do teatro. Tal como os Gender Stdies vieram do tradutor reveste-se tarnwm de maior imporiância, ra-
desafiar a noção de um conceito de cultura uno e singular zão pela qual a tradução 6 tão avidamente debatida e tão
ao fazerem perguntas inc6mdas sobre os modos como se procurada. A expansão da World Wde Web apenas nos
formavam as tradições canónicas, também os Estudos de deixa vislumbrar todo o potencial ainda oculto da tradu-
çZo. A medida que a tradução electrónica se toma cada
BAMER. Jwphhe - Classicd Wumen riets. Newmtle upon 3 n e : vez mais sofisticada, os Estudos de Tradução terão abso-
Blwdaxe Books, 1997.
Ib STMOM, Sherry - Gendcr in Ttamlatiw. Culiural Ideniiy m d rhe ri-
luta necessidade de se desenvolver. E parecem apostados
litics aJTtwnsmksion. Load01~'NcwYork: Rontledge, 1996. em f d - 1 0 no futuro previsível.
Em 1978, num breve Amciice h Actas do Col6quio
sobre Literatura e Tradução (Lovaina, 1 9761,Andd Lefe-
vere propôs que si designação Estudos de Tradução fosse
adoptada para a disciplina que se ocupa "dos problemas
levantados pela produção e descrição de ~ d u ç r i e s " .Este
~
livro constitui uma tentativa para delinear o h b i t o dessa
disciplina, dar algumas indicaçaes sobre o tipo de traba-
lho que tem sido feito at6 ao momento e sugerir novas li-
nhas de orientação para a investigação. Mais importante
ainda, trata-se de u m a tentativa que visa demonstrar que
os Estudos de Tradução são, de facto, uma disciplina de
direito próprio: não um mero ramo da Literatura Cornpa-
rada nem uma &a específica da Linguistica, mas um

I LEFEVERE A n M -TransIation Studics: Tbc Gnnl nf the Discipline. In

HOLMES. Jarnm S.: LAMBERT, J d ; BROWK, Raymand van den (ads.) -


Litemiuw and TransIuiion. h v a i n : ACCO, 1978. p. 234-5. Lefeverr q u i u a
via delineada por James Hrilmea na e u artigo T h e Name and Natum of Trans-
Itltion Studies",publicado pela Secçh de Emdos de TraducSoda Universidade
de Arnstcrdb. em Agosto de 1975.
vasto e complexo campo de estudos com rrimificações de Nao admira que um conceito tão redutor de tradução
grande alcance. ande de mãos dadas com o baixo estatuto concedido ao
A aceitação. relativamente mente, do termo Estudos tradutor e com a distinção geralmente feita entre escritor e
de Tradução é susceptfvel de surpreender aqueles que tradutor, com prejuízo do último. Já em 193 1, na sua con-
sempre partiram do pressuposto de que a disciplina já ferência intitulada Sobre e Tr&çdo, Hilaire Belioc sinte-
existia por via da utilização largamente difundida do tizou o problema do estatuto em palavras que permanecem
temo 'tradução', sobretudo no processo de aprendizagem perfeitamente actuais:
de línguas estrangeiras. Mas, na verdade, o estudo siste-
A tute da tradução C uma me subsidi4ria e derivada. Por causa
mático da tradução ainda está a dar os primeiros passos, disso nunca logrou merecer a dignidade & trabdho original e tem
Precisamente porque tem sido encarada como uma parte sido por demais prejudicada enquanto manifesiqão literária Esta
integrante do processo de aprendizagem de línguas estran- desvalorizaçáo teve o efeito nefasto de baixar o grau de qualidade
geiras. a tradução em si própria tem sido pouco estudada. exigido e em certos @ d o s quase destruiu a arte por completo.
O correspondente mal-entendido dai decorrente sobre a sua natu-
O que se entende normalmente por tradução envolve a
rem somou-se assim h sua degradação, não tendo sido apreendida
transferência de um texto originalmente escrito numa Iín- nem a sua importãncia nem a sua dificuldade.3
gua, a Ifngua & partida (LP)2, para uma língua de chegada
(LC) por forma a garantir que I) o significado dos dois A tradução tem sido entendida como uma actividzide
textos seja aproximadamente o mesmo e que 2) as estru- secundária, como um processo mais 'mecânico' do que
turas da LP sejam preseniadas tanto quanto possível, mas 'criativo', ao alcance da compethcia de quem quer que
não tanto que distorçam gravemente ns estruturas da LC. tenha um domínio básico de uma lingua diferente da sua;
Espera-se, então, que o professor avalie as compet6ncias em suma, como uma ocupação de baixo estatuto. Também
linguísticas dos alunos pelo resultado produzido na LC. E o debate sobre os produtos da tradução tendeu, com bas-
termina aqui a questão. A ênfase 6 colocada na compreen- tante frequ&ncia,a manter-se a um nível não muito ele-
são da sintaxe da Iingua que d objecto de estudo e no uso vado: os estudos que proclamam debater a tradução 'cien-
da tradução como meio de demonstra essa compreensão. tificamente' são, a maior parte das vezes, pouco mais do
que juizos de valor idiossincráticossobre traduções, esco-
Ao longo do texto serão usadas as seguintes abreviaturas; LP - Língua Ihidas ao acaso. da obra de grandes escritores como Ha-
de Partida e LC - Lfngua de Chegada. mero. Rilke. Baudelaire ou Shakespeare. Nesses estudos
m b & nseifio u t i l i EIS~exptesdks
~ sin6nimas - língua ou sistema ori-
ginal; lingua ou sistema fonte: língua ou sistema a l w Ilnpua ou sískma meta).
[N.T.] B E W . Hilaire - On Tm~slarion.Oxford: 'lhe Clatendon Press. 193 1.
envolvia abnegação e a repressão dos seus próprios im-
apenas o produto é analisado, o resultado final do pro- pulsos criadores, sugerindo que
cesso de tradução, não o próprio processo.
A forte tradição anti-&rica anglesax6nica reve- fosse ele dono da sua própria vontade. e muitas vezes teria apro-
lou-se particularmente infeliz no que respeita aos Estudos veitado detenninada gmça espia1 do seu idioma e da sua epoca;
de Tradução, porque se aliou habilmente ao legado do muitas vezes determinado ritmo Ihe teria servido, se n% fosse a
'tradutor-servo' que surgiu no mundo de língua inglesa no estrutura do autor - ou determinada estrutura, se n%o fosse o ritmo
do autor..?
skculo XiX.No &ulo XVIiI surgiram em diversas Iln-
guas europeias alguns estudos sobre a teoria e a prática da
tradução e em 1791 foi publicado o primeiro estudo te& No extremo oposto, escrevendo sobre poesia persa em
rico, em língua inglesa, sobre b.adução - a obra Essay on 185 1, Edward Fitzgerald @de afirmar: "E para mim um
the Principiesof Translation,de Aiexander Tytler (v. infra deleite tomar seja que liberdades forem com estes persas,
p. 109-1 10). No entanto, e embora no princípio do d- que (penso eu) não sãa Poetas o suficiente para intimida-
culo XIX a tradução ainda fosse encarada como um m6- rem quem o queira fazer, e que realmente carecem de um
todo serio e dtil de ajudar um escritor a explorar e a moldar pouco de Arte para Ihes dar o retcque final"."
o seu estilo natural, essa época tarnMm testemunhou uma Estas duas posiçks - uma que estabelece uma reiação
viragem no estatuto do tradutor, com o trabalho de um hierárquica na qual o autor da LP age como um senhor
número crescente de tradutores 'amadores' (entre os quais feudal cobrando vassalagem ao tradutor; a outra que esta-
muitos diplomatas ingleses) para quem o objsctivo das tra- blece uma relação h i e q u i c a na qual o tradutor é absul-
duçbes tinha mais que ver com a divulgação dos conteSidos
histdxia da uadução que d mais breve do que a de qualquer outro país industria-
de uma detenninada obra do que com a exploração das l i í e aeibui esta deficiênciaa quabu f a bgsiws:
propriedades formais do texto. A transfomaç80ao nível dos a) O isolacionismo politico e comercial da America do &ula XIX.
conceitos de nacionalismo e de lingua nacional agudizou b) A tradicional fidelidade cullural1comunidade de lingua inglesa.
C) A compkente auto-sukiencia americana em teaio&ia. -
as barreiras interculturais e o tradutor acabou gadbal- d) A força do mim da Terra Prometida junto dos emigrantes e o seu sub
mente por ser visto, não como um artista criador, mas sequente desejo de integmçk.
como um elemento na relação de senhor-servo que man- A teoria de Fischbach d ink-tc pelo fwo de apresentar cmspon-

t&mcom o texto da LP.4 Dai que Dante Gabriel Rossetti


&ias com a atitude inglesa relativamente h ~~ no quadro da expansão
colonial britaaicri.
pudesse declarar em 1861 que o trabalho do tradutor ROSSE'ITI, Dante G M e l - Prefácio k suas ~ u ç & sdos Primeiros
Poeias [dianos. I n h m s d Trarnlatio~~s, 1850-1870. London. Oxford Uni-
vmity Press. 1968, p. 175-9.
1 No seu artigo, intiiulado 'Translalion in the Unitd States" (8abd VII. FTIZGERALD E.- Cana a Cowell. 20 de Março de 1957.
2. 1968. p. L 19-24). Henry fixchbach afirma que os Estados Unidos t2m uma
vido de toda a responsabilidade para com a cultura inferior O legado do século XIX tambkm levou a que o estudo
da LP - apresentam ambas uma forte coerência com o da tradução em Ingles tenha dedicado muito tempo des-
crescimento do imperialismo colonial no século XTX, e é coberta de um nome para descrever a pr6pria tradução.
delas que deriva a ambiguidade com que são encaradas as Alguns estudiosos, como, por exemplo,Theodore Savory,'
traduçiks no skulo XX.É que, se a tradução é entendida definem a traduçso como uma 'arte'; outros, como, por
como uma ocupação servil, B improvdvel que seja dignifi- exemplo, Eric Jacobsen: definem-na como um 'oKcioP;
cada pela análise das técnicas utilizadas pelo servo e, se a enquanto outros, talvez mais sensatos, na senda dos ale-
tradução t encarada c o m a actividade pragmhtica & um mães, a descrevem como uma 'ci&n~ia'.~ Horst FrenzIovai
individuo que tem por rnissão 'elevar' o texto original, a mesmo ao ponto de optar por 'arte', mas com q w c a t i -
vos, alegando que "a tradução não é nem uma arte criativa
andise do processo de tradução iria ferir o gmago do sis-
tema hiedquico estabelecido.
nem uma arte imitativa, mas algo que se situa entre as
duas." Esta enfase na discussão terminológica aponta de
A forma como os sistemas educativos passaram a
novo para a pmblem2itica dos Estudos de Tradução ingle-
depender cada vez mais do recurso a textos traduzidos no
ses onde um sistema de valores est8 subjacente h escolha
ensino, sem alguma vez tentarem estudar o processo de
do nome. 'Ofício' implicaria um estatuto ligeiramente in-
tradução, constitui uma prova adicional das atitudes con-
ferior ao de 'arte', e com oonotações de amadorismo;
tradit6rias relaiivmente h tradução no mundo de lingua
'cisncia' poderia sugerir a ideia de mecanicismo e desva-
inglesa. Daí que um nilmero crescente de estudantes brita- lorizar a noção de que a tradução 6 um processo criativo.
nicos e norte-americanos leiam autores gregos e latinos Em todo o caso, esta discussão é despropositada e o que
traduzidos ou estudem obras narrativas de importantes es- faz 6 desviar as atenções do problema centrd, que é o de
critores do século XiX ou textos dramáticos do seCu10 encontrar uma terminologia que possa ser utilizada no es-
XX,tratando o texto traduzido como se tivesse sido origi- tudo sistem8tico da tradução. Em Inglês, at6 ao momento
nalmente escrito na sua língua. Esta é, sem dúvida, a s6 apareceu uma tentativa para resolver a questão da ter-
grande ironia do debate sobre tradução: que os indivíduos
que rejeitam a necessidade de investigar cientifimente a ? SAVORY. Theadore - The A n of Tmnslmion. London Cape. 1957.
tradução devido ao seu tradicional baixo estatuto no * JACOBSEN.Eric - h s l a i i m , A Tmditiod Crrbf.C~openhagen:Nor-
disk Foriag, 1958.
mundo stc&fii& sejam precisamente os mesmos que en- * NIDA. Eugene - Toward a Science of Tmnslating. biden: E.J. Bnll.
sinam um niímem substancial de textos traduzidos a alu- 19b4.
l0 FRENZ Horst - '"ihc An of Translation", In STAUMCHT, N.P;
nos rnonolingues. -
FRENZ, H.(4s.) Cm~pamtiveLiremzure: Method and Perspective. Cmbn-
d a k Southern iilinois Univemity h, 1%i, p. 72-%.
rninologia, com a publicação, em 1976, do Dictionaryfor resume bem a ideia de que a tradução requer muito mais
the Analysds of kferuty Translation, da auioria de Anton do que um conhecimento de circunstância de duas línguas:
PopoviE ": uma obra que estabelece, ainda que de forma
provisdria, a base para uma metdologia do estudo da Uma tradução n8o t uma composição monista, mas uma iakqe
nemçãv e um composto hetm&nm de duas estruturas. De um
tradução. lado, os conteúdos semânticos e os contornos formais do originaI,
Desde o principio da década de sessenta do século XX do outro, todo o sistema de mçoa estéticos que compãem a lingua
ocorreram mudanças significativas no campo dos Estudos da aadu~ão.'~
de Tradução. Essas mudanças tiveram a ver com a cres-
cente aceitação do estudo da Linguística e da Estilfstica no A &nfasena Linguistica e as primeiras experiências
âmbito da crítica literária - o que conduziu ao desenvolvi- em tradução automhtica no principio dos anos 50 do sé-
mento da metodologia crítica - e também com a redesco- culo XX conduziram a um rápido desenvotvimento dos
berta do trabalho dos Formalistas Russos. Os mais impor- Estudos de Tradução na Europa de Leste, mas, no mundo
tantes avanços nos Estudos de Tradução verificados no de língua inglesa, a afmnação da disciplina fez-se mais
&ulo XX prov&mdo trabalho fundacional realizado na lentamente. No seu breve estudo de 1965, J. C. Catford
Rússia e, subsequentemente, pelo Circulo Linguístico de abordou o problema da intraduzibilidade lingulstica (v.
Praga e seus discipulos. O trabalho de VoloSinov sobre infm, p. 64-71):
Marxismo e filosofia, o de Mukaiovskf sobre semi6tica
Em fruduçâo dá-se a substiniiç8o de sentidos da LP por sentidos
da arte, o de Jakobson, Prochmka e k v f sobre tradução da L€, não a transferência de sentidos da LP para a E.
Na trans-
(v. Capitulo 3), todos estabeleceram novos critérios para a fmência M uma implantqão dos sentidos da LP no texto de che-
fundação de uma teoria da tradução e demonstraram que, gada. Estes dois processos tem de ser claramente diferenciados
longe de ser uma ãctividade diletank acessível a qualquer numa teoria da tradu~ão.~
detentor de conhecimentos dnimos numa outra lingua, a
tradução é, como afirma Randolph Quirk, "uma das mais Catford abriu assim uma nova fase do debate sobre a tra-
difíceis tarefas que o escritor pode empreender."I a Levj dução em Inglh. Pordm, sendo embora uma teoria impor-
tante para o linguista, ela t redutora, porque pressupõe
l1 W W V I ~A .n m - Dictionaryfir the Amlysis of Utemiy Translation.
Aibem: Universidade de Alkrfa, Depanãmento de Litemtum Cornparsda '"vY. J. - Umeni pwkladu (A Arte da "haduçW). Praga, 1%3. Apud
1916. HOLMES, I. (ed.) - ?%a Naium of Tnmsla~iun.'lhe Hague: Mwmn. 1970.
l1 QUIRK, Randolph - The Linguist and the English Langtiage. Landon: I' CATFORD. . C - A iinguisiic TRmryof Tmmlution. hmh~
I. Oxfd
Edward Amold, 1974. U n i v h t y Pms, 1965.
uma teoria restrita do sentido. O debate sobre os concei- desta & ~ ã o a, sua clara intenção de ligar a teoria A
tos-chave de equivalgncia e intraduzibiIidade cultural pratica é inquestion4vel.A necessidade do estudo sistema;-
(v. Capitulo 1) avançou bastante desde o aparecimento do tico da tradução surge directarnente dos problemas encon-
seu i i m . trados concretamente durante o processo de tradução e é
Fizeram-se grandes progressos nos Estudos de Tradu- tão essencial que os profissionais da tradução tragam a ex-
ção de& 1965. Os trabalhos desenvolvidos nos Paises periência da sua prática h discussão teórica quanto 6 im-
Baixos, em Israel, na ChecosIovAquia. na União Sovihtica, portante que os resultados do debate te6rico sejam aplica-
na Repiíblica Democ&tica Alemã e nos Estados Unidos das na tradução de textos. Divorciar a temia da prática.
parecem indicar o aparecimento de várias escolas, clara- colocar o teorizador contra o praticante, como aconteceu
mente definidas, que privilegiam diferentes aspectos do noutras disciplinas, seria bágico.
vasto campo dos Estudos de Tradução. Por outro lado, os Embora os Estudos de Tradução abarquem um campo
especialistas em ~ u ç ã têm o beneficiado muito do tra- muito vasto, é possível dividi-lo, gmso modo, em quatro
balho realizado em áreas perifericamente afins. O trabalho
&masgerais, cada uma apresentando um certo grau de so-
dos semioticistas italianos e russos, os desenvolvimentos
breposição com as outras. Duas são orienta& pam o
em gramatologia e narratologia, os avanpos no estudo do
produto, na medida em que incidem sobre os aspectos fun-
bilinguismo e do multilinguismo, bem como no campo da
cionais do Texto de Chegada, e duas são orienr&s pam
aprendizagem de iínguas pelas crianças, têm, todos eles,
o pmcesso, na medida em que incidem na anãlise do que
utilização no h b i t o dos Estudos de Tradução.
Os estudos de Tradução estão, portanto, a cobrir ter- realmente acontece durante o processo de tradução.
reno novo, estabelecendo pontes entre a Estilistica, a His- A primeira categoria envolve a HiJtóna da Trudução
M a Literfia, a Lingul'stica, a Semi6tica e a Estética. Ao e faz paite integrante da história literária, O tipo de traba-
mesmo tempo, convdm não esquecer que se trata de uma lho desenvolvido nesta h inclui investigação sob= as
disciplina solidamente enraizada na prática. Quando An- teorias da tradução em diferentes momentos histdricos, a
dré Lefevere tentou definir o objectivo dos Estudos de resposta crítica hs traduções, os processos pdticos de en-
Tradução. sugeriu que a sua finalidade era "produzir uma comenda e publicaç30 das traduqões, o papel e a função
teoria compreensiva que também pudesse ser usada como das traduções num dado período, a evolução rnetodol6gica
norma de procedimento para a produção de t r a d u ~ õ d , ~ ~ da tradução e, de longe o tipo de estudo mais comum, a
e ainda que alguns possam questionar a especificidade d i s e da obra de tradutores individuais.
Na segunda categoria, a Tmduçiío pia cultura da lín-
'5 LEFEVEI(E, André - Op.cit. gua de chegada, o trabalho estende-se aos textos e autores
individuais e inclui o estudo da influsncia de um texto, au-
tor ou género, a absorção das normas do texto traduzido embora haja pouco estudo sistem8tico sobre a hist6ria da
no sistema da língua de chegada e os princípios de selec- tradução e parte do trabalho sobre tradução e linguistica se
ção que operam nesse sistema. distancie bastante da corrente principal do estudo da tra-
A terceira categoria, a 7ladução e a Línguística, inclui duçgo. Para evitar a fragmentação, k importante que o es-
estudos que incidem sobre a comparação do arranjo dos tudioso de tradução esteja consciente das quatro ceitego-
elementos linguísticos nos textos dos dois sistemas na que rias, mesmo quando investiga em uma &a especffica.
respeita aos niveis fonémico, morfhico, lexical, sintag- Há, evidentemente, um grande obstãculo final à espera
m(iticoe sintáctico.Encaixam-se nesta categoria os estudos de quem se interessa por tradução: a avaliaçfio.Se um tra-
sobre eguivalhcin linguística, sobre o sentido linguistica- dutor pensa que tem, em paire, a função de 'melhorar' quer
mente determinado, sobre a intraduzibiiidade linguistica, o texto de partida quer outras traduções j B realizadas - e
sobre tradução autodtica, etc. e também os estudos sobre essa é, na verdade, a razão frequente por que fazemos tra-
os problemas de tradução de textos não literários. duções - subjaz a esta posição um juízo de valor implícito.
A quarta categoria, livremente designada Tradução e A maior parte das vezes, quando abordam o seu trabalho,
Poética, inclui toda a hea da cradugão litefia, teoria e os mdutores evitam analisar os seus mktodos e concen-
prática. Os estudos podem ser de caracter geral ou especi- tram-se em expor as fragilidades dos ouúos tradutores. Por
fico~de um gknero litefio, incluindo a investigação dos outro lado, os críticos avaiiam frequentemente as traduç&s
problemas especificas Ievantados pela tradução de poesia, atravds & um de dois pontos & vista, ambos redutores: a
textos d d t i c o s , libretos ou tradução de audiovisuais, partir do estreito critério da aproximação ao texto de par-
quer a dobragem quer a legendagem. Encaixam-se tam- tida (uma avaliação que s6 pode ser feita se o critico tiver
bém nesta categoria estudos sobre as Mticas de traduto- acesso hs duas línguas) ou tratando o texto traduzido como
res individuais e comparações entre as mesmas, estudos se fora uma obra escrita na língua de chegada. E,se esta úl-
sobre os problemas de formular uma Ntica, estudos so- tima posição goza de uma inquestimfiveI validade - afinal
bre as iriter-relações entre os textos de partida e de che- é importante que um texto drarn8tico possa ser dramatizado
gada bem como sobre as inter-relaçáes entre autor, uadu- e que um poema possa ser lido -, a forma arrogante como
tor e leitor. Esta categoria inclui, acima de tudo, estudos os criticos se prestam a definir urna tradução como boa ou
que visem formular uma teoria da tradução literána. mB a partir de uma posição estritamente monolingue de-
fi mais generalizado, b justo did-10,o trabalho desen- monstra o lugar peculiar que a imduçáo ocupa relativa-
volvido nas categorias 1 e 3 do que nas categorias 2 e 4, mente a outro tipo de metatato (uma obra derivada de ou-
tro texto existente ou contendo-o), a própria crftica literária.
Na sua famosa dpiica ao ataque de Mathew Arnold Como adiante ficarfi demonstrado, os crítdrios para a
sua tradução de Homero, Francis Newman declarou que realizaçih de traduções e para a função do texto de c h e
gada sofreram grandes modificaçtks ao longo dos tempos.
Os estudiosos f m a m o ulbunal da Erudiçào; mas, do Gosto. t o
A preocupaçZio do skulo X M inglês com a reprodugilo do
púbiico educado, mas iletrado, o dnico e Igitimo juiz: e C a esse
que desejo agradar. Nem mesmo os estudiosw, enquanto institui- 'estilo de época' através da utilização de arcaísmos nos
~910,iêm o direito, e muito menos os estudiosos individualmente, textos traduzidos tomou frequentemente o texto traduzido
de pronunciar, no seu tribunal, uma sentenca final sobre questões num texto muito mais inacessfvel do que o original. Pelo
de g0sto.l6 contrário, a propensão do século XVII francês para galici-
zar os gregos, mesmo em pormenores como a mobilia e o
Newman distingue aqui entre avaliação baseada em
rios puramente acadbmicos e avaliação baseada noutros vestuhio, provocou nos tradutores alemães uma violenta
elementos e, ao faz&Io, estánaafirmar que a avaliação t reacção oposta. O enérgico Homem renascentista de
culturalmente determinada. Mão vale portanto a pena pug- Chapman é muito diferente do da versão s6bria e magis-
nar por uma tradução definitiva, uma vez que a iradu~ão tral de Pope, muito ao jeito do s4culo XVIII. Contudo, se-
estA intimamente ligada ao contexto em que é produzida. ria inútil comparar as duas imagens com o intuito de as
N o seu rnuitissimo Útii livro Translating h t r y , Seven avaliar dentro de uma esrnitura hierhrquica.
Smtegies anda Blueprinl, André LRfevere compara k d u - O problema da avaliação das traduç6m está intima-
ções do poema & deICatulo, não para fazer uma avaliação mente ligado à questão atrlts referida do baixo estatuto da
comparativa, mas para mostrar as dificuldades e tambem, tradução, o que autoriza os criticos a pronunciar-se sobre
por vezes, as vantagens de um determinado mdtodo. Pois os textos traduzidos a partir de uma posição de superiori-
não existe um cânone universal segundo o qual os textos dade assumida. O crescimento dos Estudos & Tradução
devam ser avaliados. Hh conjuntos de cânones que se des- como disciplina deveria orientar-se no sentido de elevar o
locam e mudam constantemente e cada texto articula-se nlvel do debate sobre as traduções e, se houver cridrios a
numa contínua relaçgo did8ctica com esses chones. A estabelecer para a avaliação das traduções, eles deverão
iradução definitiva 6 tão impossível como o p m a defini- ser postulados a partir do interior da disciplina e não de
tivo ou o romance definitivo, e qualquer avaliação de uma fora.
tradução só pode ser feita tendo em conta quer o processo Neste livro a questão da avaliação não d sequer discu-
da sua criação quer a sua função num dado contexto.
tida, em parte por razões de espaço, mas sobretudo porque
l4 NEWMAN, Francis - Homeric Tranulation in 'Zhmry and Pracliat. In
ele tem por objectivo estabelecer os fundamentos da dis-
Essays b.y Mathew Arnold. Liondon: Oxford University Press, 1914, p. 313-77. ciplina e não apresentar uma teoria pessoal. O livro orga-
niza-se em três secções, numa tentativa de apresentar o
máximo possível de aspectos que compõem o campo dos
Estudos de Tradução. O Capitulo 1 aborda as questões
centrais da traduçgo - o senti&, a incraduzibilidade e a
equivaldncia -, e ainda a questão da tradução enquanto
parte da teoria da comunicação. O Capitulo 2 percorre di-
ferentes periodos para mostrar como os conceitos de tra- Questões fundamentais
dução foram diferentes ~ K Ilongo dos tempos, mantendo-se,
apesar disso, ligados por l a p s comuns. O Capitulo 3 exa-
mina os problemas específicos envolvidos na tradução da
poesia, da narrativa e do drama. Na conjunto, a ênfase re-
cai na tradução literária, embora algumas das quesths
abrdadas no Capituio 1 sejam apiicãveis a todos os as- O primeiro passo para a anhlise dos processos de tra-
pectos da traduçáo e da interpretação. dução io reconhecer que, embora a tradução impIique um
Estou bem ciente de que, entre os aspectos da tradução núcleo central de actividade linguística, ela pertence mais
não desenvolvidos neste livro, o problema da tradução en- propriamente h sernidrica, a ciência que estuda os siste-
tre línguas de diferentes sistemas é claramente o mais cru- mas, as estruturas, os processos e as funçiks dos sinais
cial. Este aspecto é brevemente afiorado na Capítulo 1. (Hawkes, St~ucturalisrnand Semiotics. Londres, 1977).
mas como infeIizmente s6 posso trabalhar com línguas De acordo com uma abordagem estritamente linguística, a
indo-europeias, achei mais prudente não me aventurar em tradqão consistiria em transferir o 'sentido' contido num
áreas fora da minha competência, excepto ao nível dos conjunto de signos linguisticos para outro conjunto de sig-
princípios tebricos gerais susceptíveis de aplicação a todas nos linguisticos atraves do recurso competente ao dicio-
as Iinguas. nário e h grarnatica; contudo, o processo envolve tarnbbm
Subjaz a todo este debate sobre a tradução a convicç8o um vasto conjunto de critdrios extralinguísticos.
de que existem princípios gerais do processo de tradução Edward Sapir sustenta que "a língua d um guia para a
que podem ser determinados, categorizados e, em última malidade social" e que os seres humanos se encontram A
insthcia, utilizados no ciclo texto - teoria - texto inde- rncrc2 da língua que se tornou o meio de expressão da sua
pendentemente das línguas envolvidas. swiedade. A experiencia, insiste Sapir, 6 largamente de-
terminada pelos hábitos linguisticos da comunidade e
cada estrutura isolada representa uma realidade distinta:

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