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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MÉDIA E TECNOLOGICA


INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA

ANALISE DOS ASPECTOS MAIS IMPORTANTES DA OBRA “S.


BERNARDO” DE GRACILIANO RAMOS (1934)

JACKELINE ARRUDA LIMA

PALMAS/TO
JUNHO/202
RESUMO

O presente ensaio acadêmico tem por objetivo trazer reflexões acerca da obra “S.
Bernardo” de Graciliano Ramos, será abordado como essa obra é vista pela crítica literária
e quais os pontos que chama atenção na obra que remete ao regionalismo e a alguns
problemas sociais. No mais será levado em consideração as características psicológicas
do personagem Paulo Honório, um personagem narrador que conta sua própria história a
partir de uma auto analise da sua trajetória até conquistar as terras de S. Bernardo, mas
ultrapassando os limites da ética e da moral para conseguir alcançar seus objetivos.

ABSTRACT

This academic essay aims to bring reflections about the work “S. Bernardo” by
Graciliano Ramos, in the light of the thinking of literary critics such as Afrânio Coutinho
and Antônio Candido, it will be discussed how this work is seen by literary critics and
what are the points that draw attention in the work that refers to regionalism. In addition,
the psychological characteristics of the character Paulo Honório will be taken into
account, a narrator character who tells his own story from a self-analysis of his trajectory
until conquering the lands of S. Bernardo, but surpassing the limits of ethics and morals
to achieve your plans.
1. Introdução

A obra de “S. Bernardo” de Graciliano Ramos foi publicada em 1934, ainda na


segunda fase do modernismo, fase essa caracterizada pelo foco no regionalismo,
especialmente o nordestino, denunciando as agruras da seca e da migração, dos problemas
do trabalhador rural, da miséria e da ignorância.

O Brasil nesse período dos anos 30 passa a ser encarado como uma parcela do
Ocidente, o que de fato coincide com a nossa condição de povo formado sob o influxo
dominante da civilização europeia. As influencias da cultura negra não são esquecidas,
mas sente-se mais o peso do Capitalismo, do Machismo, do Existencialismo e da
Psicanalise, aspectos que podem ser facilmente percebidos na obra de Graciliano Ramos
por meio das atitudes tomadas pelo personagem narrador Paulo Honório.

“O meu fito na vida foi apossar-me das terras de S. Bernardo, construir


esta casa, plantar algodão, plantar mamona, levantar a serraria e o descaroçador,
introduzir nestas brenhas a pomicultura e a avicultura, adquirir um rebanho
bovino regular.” (RAMOS, 2005, p.12)

Percebe-se, nesse trecho da obra um dos aspectos que será abordado neste ensaio,
a ganancia pelo dinheiro, os problemas sociais incorporados na sociedade pelo sistema
capitalista, fazendo com que pessoas simples como Paulo Honório tornassem pessoas sem
escrúpulos capazes de fazer qualquer coisa para alcançar status social e riquezas.

Vale ressaltar, que os romancistas da segunda fase do modernismo, aderiram à


concepção moderna e modernista de literatura, porém sem o espírito iconoclasta da
geração de 1922. Nesse sentido, Graciliano um dos mais talentosos escritores de nosso
Modernismo, foi um intelectual sóbrio, permanentemente desconfiado e avesso à vaidade.
Assumiu sempre uma postura de independência, colocando-se como humanista que lutou
pela liberdade e pela justiça social, com total retidão ética.

Dessarte, na obra o autor traz aspectos questionáveis por alguns críticos como
Augusto Frederico Schmidt, devido a narração do romance ter sido escrita pelo
personagem rude e ignorante, Paulo Honório. Desse modo, à comparação com o que
deveria ser a realidade e o que a realidade é, pode ser percebida sob a perspectiva de uma
sociologia implícita nas obras de Graciliano, em que o mesmo aborda temas nacionais e
cotidianas, no entanto distancia-se do que é percebido como natural no mundo social, do
que se espera do romance social.

“Ocupado com esses empreendimentos, não alcancei a ciência de João


Nogueira nem as tolices do Gondim. As pessoas que lerem terão, pois, a bondade
de traduzir isto em linguagem literária, se quiserem. Se não quiserem, pouco se
perde. Não pretendo bancar escritor. É tarde para mudar de profissão.”
(RAMOS,2005, p. 13)

Adiante será abordado esses aspectos da linguagem da obra de Graciliano, pois


sendo o personagem narrador rude quanto a escrita é intrigante o fato de ter escrito sua
própria história e não ter designado tal função a outra pessoa com conhecimentos da
escrita e leitura.

No mais, também será analisado de forma sucinta as características psicológicas


do personagem e os problemas sociais que aparecem a partir de suas atitudes, como a
questão do machismo, a desvalorização da mulher.

2. Aspectos intrigantes das características de Paulo Honório como narrador

A princípio é valido ressaltar, o inicio da história de Paulo Honório contada por


ele mesmo, onde tenta explicar-se no primeiro capítulo porque ele mesmo escreveu sua
própria história.

De início, Paulo Honório narra em primeira pessoa que iria delegar a função de
escrever a sua história a seus amigos que eram mais cultos,

“Padre Silvestre ficaria com a parte moral e as citações latinas; João


Nogueira aceitou a pontuação, a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a
composição tipográfica; para a composição literária convidei Lucio Gomes de
Azevedo Gondim, redator e diretor do Cruzeiro.” (RAMOS, 2005, p.7)

A questão que se contrapôs logo em seguida foi depois de um discursão sobre


como o livro deveria ser escrito, Paulo Honório não aceitou o fato de que não se escreve
uma história como se fala “João Nogueira queria o romance em língua de Camões, com
períodos formados de trás para diante. Calculem” (RAMOS,2005, p.8), por isso, revoltou-
se com os amigos que até então já vinham dando sugestões da forma como deveria ser
contada a história.
Assim surge uma das questões apontadas pelo crítico Auguste Frederico, em que
os aspectos linguísticos e à ideia de Graciliano Ramos ter trazido um personagem rude
para contar sua própria história traz estranheza não só aos críticos literários, mas aos
leitores, de modo que, a linguagem apresentada na obra apesar de ser direta e curta quanto
ao que se pretende passar para a compreensão do leitor, não é desconexa e muito menos
tosca, eis a implicância trazida por críticos como Schmidt, a inverossimilhança na obra
com a realidade social.

“O processo de romance do S. Bernardo, tem, a meu ver, alguns defeitos dos


quais o principal é a forma por que o autor nos conta a sua história, fazendo com
que o seu personagem, de um momento para o outro, tenha a absurda ideia de
fazer da sua vida um romance, ele, um ser inteiramente inculto e bárbaro, prático
e utilitário. Acho isso, positivamente, arbitrário, e em flagrante contraste com o
equilíbrio psychológico em que o livro transcorre todo.” (SCHMIDT,1934 apud
LIMA, João Paulo; FILHO, Silva. 2010, p.104)

Além do mais, observando os acontecimentos, lembranças trazidas por Paulo


Honório narrador, percebe-se de fato que houve uma certa discrepância quanto o narrador
querer fazer da sua história um romance, visto que, o personagem não é nada romântico,
é grotesco e só pensa em sua posição social, em alcançar riquezas materiais e não um
amor para a vida inteira.

Em meio a esses aspectos Graciliano Ramos não se preocupa em trazer um


personagem que conte sua própria história, mesmo ele sendo um personagem rude que
apenas aprendeu a ler na cadeia com o sapateiro Joaquim, quando foi preso por mata João
Fagundes, personagem que relacionou-se com Germana, moça que Honório namorou.
Desse modo, Paulo Honório afirmar que aos 50 anos não iria munir-se de “noções que
não obtive na mocidade” (RAMOS,2005, p.12).

“O que é certo é que, a respeito de letras, sou versado em estatística,


pecuária, agricultura, escrituração mercantil, conhecimentos inúteis
neste gênero. Recorrendo a eles, arrisco-me a usar expressões técnicas.”
(RAMOS, 2005, p.12)
3. Percepções sobre a crítica do autor Graciliano Ramos ao sistema
capitalista

O autor Graciliano Ramos traz em sua obra uma perspectiva crítica sobre o
sistema capitalista, talvez não esteja tão explicito quanto pareça, mas analisando a obra e
a forma como o personagem Paulo Honório, protagonista, é colocado ao longo da
narrativa, percebe-se essa crítica.

Trata-se de uma idealização de que esse sistema tira a humanidade do ser humano,
pois tudo para aqueles que só pensam no dinheiro não passa de objetos de valor, até
mesmo quando trata-se de pessoas, como é o caso de Casimiro Lopes, amigo fiel de Paulo
Honório que na verdade o ver apenas como algo útil de uso.

“Casimiro Lopes, que não bebia água na ribeira do Navio,


acompanhou-me. Gosto dele. É corajoso, laça, rasteja, tem faro de cão
e fidelidade de cão.” (RAMOS,2005, p. 19)

Mais adiante, Paulo Honório personagem, retorna a Alagoas sua terra natal, onde
pretende da um jeito de ter as Terras de S. Bernardo que até então estavam sobre os
domínios de Padilha, filho do seu antigo patrão Saulistano Padilha que já havia morrido.
Nesse ponto de partida, o protagonista trama a queda de Padilha para que esse perca as
terras para ele, o próprio Honório.

Nessa perspectiva, o personagem narrador, que traz à tona a voz do autor narrador
em primeira pessoa, Graciliano Ramos, evidencia o sistema latifundiário do Nordeste
Brasileiro, em que a predominância do domínio está nas mãos daquele que possui terras,
por isso o interesse ganancioso de Honório em conseguir conquistar as terras de S.
Bernardo para não mais passar por humilhações. No entanto, ele é quem passa a humilhar
e menosprezar as pessoas ao seu redor, chegando a ser responsável pela morte de um dos
personagens, Mendonça, que era dono de terras que faziam divisa com S. Bernardo.

Paulo Honório reduz tudo ao seu interesse egoísta: os homens não são
senão instrumentos de sua ambição, meios que ele utiliza para a obtenção do fim,
da realização individual a que se propõe. A construção de um burguês: eis o
conteúdo da primeira parte de São Bernardo. Note que Graciliano, ao contrário
dos naturalistas, não nos apresenta um burguês acabado, estático e definido de
uma vez por todas: ele narra a evolução psicológica de Paulo Honório, o
desenvolvimento de sua violenta e apaixonada ambição em estreita ligação com
a totalidade dos objetos que torna possível a realização de seus desejos. Esta
desenfreada ambição capitalista é o conteúdo do ‘demonismo’ de Paulo Honório.
(COUTINHO, 1967, p. 86-87 apud SIRINO,2015)

Diante a fala do critico Coutinho, é possível perceber que ele evidencia o realismo
(uma das influencias na 2 fase do modernismo) presente na obra de Graciliano, o autor
procura trazer por meio de sua obra problemas de seu tempo a partir da construção do
personagem Paulo Honório ao longo da narrativa. Logo, mais uma vez percebe-se a crítica
aos problemas sociais trazidos pelo autor ao capitalismo no contexto em que o próprio
autor vivia. Ainda vale destacar, que o autor traz não só tempos reais ao contexto da
história mais também espaços geográficos, visto que, o mesmo é natural de Alagoas, onde
se passa a história do personagem Paulo Honório.

Como observado, Graciliano traz em sua obra um certo tom de crítica ao


capitalismo, devido a desconstrução humana de Paulo Honório em relação a forma como
passa a tratar as pessoas a sua volta, as coisificando. Nesse sentido, esse processo de
coisificação se dá pelo autoritarismo presente na obra devido ao sistema latifundiário, a
ainda que destacar o autoritarismo presente na obra e as disputas pelos domínios de
limites de terra como evidenciado em uma conversa/briga entre Honório, dono de S.
Bernardo e Mendonça, dono de Bom Sucesso.

“_ O senhor andou mal adquirindo a propriedade sem me consultar,


gritou Mendonça do outro lado da cerca. [...]

_ Depende do senhor. Os limites atuais são provisórios, já sabe* É bom


esclarecermos isto. Cada qual no que é seu. Não vale a pena consertar a cerca.
Eu vou derrubá-la para acertarmos onde deve ficar.” (RAMOS,2005, p. 31)

A discursão sobre os limites de terras evidencia mais uma das características do


regionalismo nordestino presente na obra como já mencionado antes, mas de forma mais
explicita percebe a caracterização do latifúndio pelo interesse em terras para plantações
de mamona, algodão e cana de açúcar e os conflitos sociais existente entre os fazendeiros
que levou a morte de um deles, como já mencionado, o Mendonça.

“Depois da morte de Mendonça, derrubei a cerca, naturalmente, e levei-


a para além do ponto em que estava no tempo de Salustiano Padilha. Houve
reclamações. [...] Como a justiça era cara não foram a justiça. E eu, o caminho
aplainado, invadi a terra do Fidélis, paralítico de um braço, e a dos Gama, que
pandegavam no Recife, estudando direito. Respeitei o engenho do dr.
Magalhães, juiz.” (RAMOS, 2005, p. 49)

Logo, a partir destes conflitos sociais, a ignorância que leva as pessoas nos anos
30 a miséria são algumas das características do período literário desta obra. O
autoritarismo de quem possui mais terras, facilita a conquista de muitas outras coisas
devido o contato direto com figuras políticas importantes, por isso o personagem Paulo
Honório conseguia suas conquistas sem ao menos pagar o preço justo a elas,
aproveitando-se da fraqueza do outro seja pela ignorância, pela falta de condição de o
outro não poder lutar por seus direitos, à miséria.

“Violências miúdas passaram despercebidas. As questões mais sérias


foram ganhas no foro, graças as chicanas de João Nogueira.” (RAMOS,2005, p.
49)

Nesse sentido, a literatura se faz instrumento de contestação, de denuncia para evidencia


os problemas sociais existentes na sociedade, a literatura se faz politica pelo encontro com
a vida cotidiano do homem retratado em uma obra que busca a reflexão critica da
sociedade seja de forma implícita ou explicita, já que nem todos os autores tiveram a
coragem de explicitamente denunciar em suas obras as agruras da sociedade, valendo
assim relembrar o período em que o autor Graciliano Ramos foi preso em 1936, acusado
de ligação com Partido Comunista.

4. Uma breve reflexão sobre as brutalidades de Honório à luz de abordagens


do crítico Antônio Cândido em “Ficção e Confissão” (2006)

Ao longo de todo enredo até o capitulo XIV da obra S. Bernardo, o personagem


narrador Paulo Honório descreve sua história apenas voltando ao seu “fito na vida” de
apossa-se das terras de S. Bernardo, descrevendo também sua personalidade grotesca com
as pessoas a sua volta.

Assim, o que impressiona o leitor ao chegar nesse capitulo especifico da obra é


que a partir de então o personagem não mais deixa de lamentar-se da sua vida, de forma
implícita e explicita as vezes. Eis, pois o momento em que se percebe o tom de melancolia
na obra S. Bernardo, pois até então o narrador tinha se mostrado um ser sem
ressentimentos com os seus feitos na vida para alcançar seus objetivos.
Madalena, personagem que se casa com Paulo Honório, talvez, segundo o que o
personagem narrador nos passa, seja a causa da sua doença, algo que falaremos mais a
frente sobre. Ao longo da história Honório conta como começou a interessar-se por
Madalena, na verdade estava à procura de uma esposa para dar-lhe um herdeiro. No
entanto, com um tom machista via todas as mulheres como “bicho esquisito, difícil de
governar” (RAMOS, 2005, p.67). De fato, ele encontrou em Madalena uma mulher de
personalidade forte que não “dava o braço a torcer”, ou seja, posicionava-se diante do que
não concordava, inclusive da forma como Honório tratava os empregados.

Em vários momentos da obra, a partir desse capítulo especificamente, o


personagem mostra-se cada vez mais como uma pessoa agressiva, diferente de Madalena,
mulher “instruída”, mas muito sentimental, cheia de empatia com o sofrimento do
próximo, tenta ajudar a todos a sua vota que passam por dificuldades.

Mencionando algumas das agressividades de Paulo Honório, em algum momento


do enredo o personagem Brito o ataca pela mídia por meio de “dois artigos furiosos em
que o nome mais doce que o Brito” (RAMOS,2005, p. 81), lhe chamava era de assassino.
Isso, porque supostamente Honório que mandou matar Mendonça dono das antigas terras
Bom Sucesso. Devido a esse impasse de Brito, Honório foi atras do escritor da Gazeta e
lhe deu uma surra, ele não afirmar a principio que foi uma surra de mata, mas em uma
conversa entre ele e o padre Silvestre é possível compreender a tamanha agressividade.

“– A notícia que circulou ontem foi que ele estava no hospital, com uma
punhalada, informou padre Silvestre. Constou até que tinha morrido. Felizmente
hoje sossegamos. Ferimentos leves, não‽” (RAMOS,2005, p. 94)

Mais adiante, Honório quase mata um de seus funcionários a pancadas, segundo


ele, personagem narrador, o empregado ou vaqueiro, não havia colocado ração para os
animais, foi tira-lhe satisfação e o pobre coitado do empregado disse que havia colocado
sim, por esse motivo Honório deu-lhe uma surra.

“Mandei-lhe o braço ao pé do ouvido e derrubei-o. Levantou-se zonzo,


bambeando, recebeu mais uns cinco trompaços e levou outras tantas quedas. A
última deixou-o esperneando na poeira. Enfim ergueu-se e saiu de cabeça baixa,
trocando os passos e limpando com a manga o nariz que saia sangue.”
(RAMOS,2005, p. 127)
Até aqui percebe-se que o personagem principal dessa história não é normal
psiquicamente, dai pra frente as coisas só pioram, Honório passa a ver todos como uma
ameaça, passa a humilha cada vez mais seus trabalhadores, como o coitado do Padilha
que ele ia mandar embora por ciúmes de Madalena, na verdade ele tinha ciúmes de todos
os caboclos da fazenda com Madalena, por ela ser uma mulher humilde e com grande
empatia como já mencionado, tratava a todos muito bem e ficava revoltada com as
brutalidades de Honório com seus empregados, inclusive em relação a pisa que deu no
Marciano, o vaqueiro. Assim, em meio as suas indignações, Madalena sempre ia tirar
satisfação com o esposo sobre suas eventuais brutalidades, nesse ponto que os ciúmes de
Honório passam a ser mais explícitos.

“– Fiz aquilo porque achei que devia fazer aquilo. E não estou habituado a
justificar-me, está ouvindo‽ Era o que faltava. Grande acontecimento, três ou
quatro muxicões num cabra. Que diabo tem você com Marciano para estar tão
parida por ele‽” (RAMOS, 2005, p. 129)

Dai em diante, Honório passa então a reclamar de tudo em Madalena, seja porque
é uma pessoa boa demais com os outros e sempre quer ajudar, seja porque é simpática,
pois até do juiz Dr. Magalhães passa a ter ciúmes. Começa pensar em Madalena como
uma mulher sem religião, comunista, que defende materialismo histórico um termo
utilizado por ele sem ao menos saber ao certo o significado.

O personagem Honório passa a analisar sua própria vida, vendo os avanços de S.


Bernardo, no entanto apesar de todas as conquistas o personagem não vive feliz com a
vida que tem, com os objetivos alcançados na vida, eis o momento de conflito interno
consigo mesmo que, no entanto, acaba machucando e tratando mal quem está a sua volta
pelo seu descontentamento com a vida.

Assim, em concordância com Antônio Candido (2006), o drama do livro é


construído em cima das conquistas de Honório sempre no sentindo material o que o crítico
chama de “um arraigado sentimento patriarcal” (CÂNDIDO,2006, p. 35), no entanto ao
deparar-se com o amor o personagem sente dificuldade em lidar com algo do qual ele não
tem controle, assim como tem controle com os bens matérias.

“Com efeito, o patriarca à busca de herdeiro termina apaixonado, casando por


amor; e o amor, em vez de dar a demão final na luta pelos bens, se revela, de
início, incompatível com eles. Para adaptar-se, teria sido necessário a Paulo
Honório uma redução afetiva impossível à sua mentalidade, formada e
deformada.” (CÂNDIDO,2006, p. 36)

Nesse ponto, das observações de Cândido em “Ficção e Confissão”, é importante


relembrar o tom das críticas implícitas ou explicitas de Graciliano Ramos trazidas nessa
obra a respeito do sistema capitalista, no sentido em que o personagem se desumaniza
para alcançar seus objetivos passando a ver tudo e todos de forma coisificada, ou seja,
como objetos de utilidade. Desse modo, afirma Cândido explicitamente...

“Daí o horror com que Paulo Honório vai percebendo a sua fraternidade, o
sentimento incompreensível de participar da vida dos desvalidos, para ele
simples autômatos, peças de engrenagem rural.” (CÂNDIDO, 2006, p.36)

Uma outra perspectiva que vale ser ressaltada é a questão do que o autor quis
transmitir para o leitor com tal obra, e eis uma questão complexa, pois talvez apenas
quisesse escrever um romance ou talvez não. Entretanto, a que se averiguar segundo
visões de especialistas literários que Graciliano mostrou nessa obra o homem no seu
consciente em conflito com sigo mesmo e com o mundo a sua volta, que achando esta no
controle de tudo, em contato com o amor perde o controle de tudo, eis a característica do
romance.

“Circunstância tanto mais sugestiva quanto Graciliano Ramos guardou nele a


capacidade de caracterização realista dos homens e do mundo, conservando a
maior impressão de objetividade e verossimilhança ao lado da concentração de
Paulo Honório, facilitada pela técnica da narrativa em primeira pessoa.”
(CÂNDIDO, 2006, p. 109)

5. Analise da carga psicológica do personagem Honório a partir da obra


“Luto e Melancolia” (1917) de Freud

Diante do exposto até aqui, percebe-se que Honório é um personagem que nos
últimos tempos da sua vida, decide refletir sobre o que fez, sobre o que valeu a pena ou
não, e nesse momento de reflexão percebe que nada do que fez foi válido, o que havia
conquistado materialmente foi se acabando aos poucos por falta de recursos, único amor
que teve ele mesmo levou-a a morte (Madalena) e no final ele percebeu que nada
acrescentou de bom na vida de ninguém, nem dos seus empregados, pelo contrário,
contribui para a desgraça de cada um deles, os humilhando, os deixando passar fome, etc.
“Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível
recomeçarmos... Para que enganar-me‽ Se fosse possível recomeçarmos,
aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que
mais me aflige.” (RAMOS,2005, p. 220)

Assim, Honório passa a escrever seu livro depois de dois anos que Madalena
morreu, morte esta que ele com suas atitudes brutescas, seu ciúme excessivo causou,
como ele mesmo afirma, “Três anos de casado. Fazia exatamente um ano que tinha
começado o diabo do ciúme.” (RAMOS, 2005, p. 193). Daí, Madalena começa a ficar
triste, emagrece, tudo por causa dos ciúmes de Honório, até que ela decide que aquela
vida não mais vale apena, e suicida-se.

O personagem narrador afirma que não é doente, entretanto, se o ciúme excessivo não é
doença o que é então⁉ Sob esse ponto de partida, que afirmo Honório é doente sim, a sua
agressividade o seu jeito “explorador feroz em que...” (RAMOS, 2005, p. 218) se
transformou, tudo isso fez dele uma pessoa doente, o contrário do que ele afirma.

“Sou um homem arrasado. Doença⁇ Não. Gozo de perfeita saúde.” (RAMOS,


2005, p.216)

Diante de tal afirmação, contraditória de acordo suas ações ao longo de todo


enredo, o tom melancólico da obra faz o leitor compreender, que sim, Honório é doente
e a sua doença é tão grave que atinge gravemente a vida das pessoas a sua volta. Honório
a partir da escrita da sua história após a morte de Madalena, só confirma o quanto a sua
doença se agravou, pois isto não é luto, mas sim a culpa de uma vida perdida por conta
de seus maus feitos, de um amor perdido e não vivido por conta de seus maus feitos.

“Quando, em uma exacerbada autocrítica, ele se descreve como um


homem mesquinho, egoísta, desonesto e dependente, que sempre só cuidou de
ocultar as fraquezas de seu ser, talvez a nosso ver ele tenha se aproximado
bastante do autoconhecimento e nos perguntamos por que é preciso adoecer para
chegar a uma verdade como essa.” (FREUD, 1917)

Freud em sua obra “Luto e Melancolia”, traz a comparação entre os termos e


afirma que luto não é doença, mas melancolia é algo que precisa ser tratado, como um
sentimento de rebaixamento voltado principalmente ao que se viveu no passado, a pessoa
não ver sentindo não mundo externo, porque perdeu alguém, mas no seu próprio ego
perde a alegria de viver, de alegrar-se pelos seus feitos na vida. Nesse sentindo é o que
acontece com Honório, lastimasse da vida que teve, sabendo que o verdadeiro culpado da
sua própria desgraça foi ele mesmo, não achando uma forma de punir-se, decidiu escrever
sua própria história afim que o outro o desse uma punição. Eis, a melancolia, a doença de
Honório presentem na obra.

“– Estraguei a minha vida, estraguei-a estupidamente. [...]

Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os


sentimentos e os propósitos esbarraram com a minha brutalidade e o meu
egoísmo.” (RAMOS, 2005, p. 220-221)

6. Conclusão

A obra de Graciliano Ramos “S. Bernardo” de 1934, é uma obra que


evidentemente traz reivindicações por meio da literatura, talvez politicas ou não, como
no caso deste ensaio não foi abordado sobre o aspecto politico trazido na obra, mas diante
as evidencias, propriamente o autor traz críticas à política, pelo fato de tanto menciona-
la ao longo do enredo, em uma fala de Padre Silvestre quando falam de política, ele
afirma: “O comunismo é a miséria, a desorganização da sociedade, a fome.” (RAMOS,
2005, p. 152). Em outro momento, Paulo Honório indigna-se por ter visto outro dia os
caboclos discutindo sobre trabalhar para os outros enriquecer, e fala:

“– Pior Anda querendo botar socialismo na fazenda.” (RAMOS, 2005, p.96)

Somente trago essas falas para exemplificar que uma obra literária pode trazer
uma mensagem sobre vários aspectos sociais, inclusive a política, que, no entanto, não
foi debatido aqui.

No mais, os aspectos abordados sobre o latifúndio e a relação com o capitalismo,


nos faz refletir sobre a construção desse personagem “egoísta e brutal” e toda a sua carga
psicológica, nos faz refletir se a construção da personalidade dessa pessoa se deu pelo que
lhe estava exposto no mundo exterior ou sobre o que lhe estava imposto no seu próprio
ego. O autor desse modo, nos faz acreditar que a luta para ser alguém na vida, nos molda,
nos transforma em outro ser, um ser desumano, capaz de tirar a humanidade dos que nos
cerca.

“Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão
ruins.” (RAMOS, 2005, p. 221)
Ademais, o que se percebe é que o narrador personagem tenta se redimir ou achar
uma saída a partir da escrita, como afirmou Freud em 1895: “sofremos de reminiscências
que se curam lembrando”. Talvez escrever um livro fosse a saída para se curar de sua
doença.

“Não julga que lhe aconteceu uma mudança, mas estende sua autocrítica ao passado:
afirma que ele nunca foi melhor.” (FREUD, 1917)

Por fim, tal frase de Freud se confira no posfácio de Graciliano Ramos:


“Restava-lhe a escrita; talvez ela lhe devolva a paz desejada. Mas os fatos e o tempo não
voltam” (RAMOS, 2005, p. 224). Para Graciliano, assim como para outros autores,
também só resta a escrita para defender, reivindicar aquilo no qual acreditam para a
partir de então “transformar a estrutura social” (RAMOS,2005, p. 232).
7. Referências Bibliográficas

RAMOS, Graciliano. S. Bernardo/ Graciliano Ramos; posfácio de Godofredo de


Oliveira Neto. - 81ₐ ed. – Ed. Revista. – Rio de Janeiro: Record, 2005.

Luto e Melancolia. Edição Standard Brasileiras das Obras Completas de Sigmund


Freud, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1917 [1915] /1974.

CÂNDIDO, Antônio. Ficção e Confissão: Ensaios Sobre Graciliano Ramos. 3. Ed. Rio
de Janeiro: Ouro sobre azul, 2006

LIMA, João Paulo; FILHO, Silva. Graciliano Ramos: Estudos de Sociologias


Implícitas (1925- 1953). Págs. 104-108. Recife, julho de 2010.

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