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ISSN: 1676-7055

textos
DIDÁTICOS
CLAUDE LÉVI-STRAUSS

HISTÓRIA E ETNOLOGIA
V ANESSA L EA
(Revisão Técnica)

W ANDA CALDEIRA B RANT


(Tradutora)

3a edição

IFCH/UNICAMP
nº 24 – MARÇO de 2004
HISTÓRIA E ETNOLOGIA

CLAUDE LÉVI-STRAUSS

V ANESSA L EA
(Revisão Técnica)
Departamento de Antropologia
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Estadual de Campinas

W ANDA C ALDEIRA B RANT


(Tradutora)

3a edição

textos Didáticos
nº 24 – MARÇO DE 2004
TEXTOS DIDÁTICOS
IFCH/UNICAMP
SETOR DE PUBLICAÇÕES
ISSN: 1676-7055
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Apresentação

VANESSA LEA

A tradução do artigo Histoire et Ethnologie, de Claude Lévi-


Strauss, publicado em francês, em 1983, tem como objetivo torná-
lo mais acessível aos alunos do IFCH. Integra as reflexões de Lévi-
Strauss acerca de um tipo de formação social que o autor define
como caracterizado por ‘sociedades de casas’. Nessa acepção, a ca-
sa é uma pessoa moral, definida por Lévi-Strauss como sendo:

...detentora de um domínio constituído por bens mate-


riais e imateriais; e que, enfim, se perpetua, ao trans-
mitir seu nome, sua fortuna e seus títulos em linha di-
reta ou fictícia, considerada legítima com uma única
condição – que essa continuidade possa se exprimir na
linguagem do parentesco ou da aliança e, na maior
parte das vezes, das duas juntas. (p. 19)

Os exemplos mais familiares aos leitores euro-americanos são as


casas nobres medievais da Europa. No Direito brasileiro, ‘pessoa
3
Vanessa Lea

moral’ e ‘pessoa jurídica’ são duas expressões que têm o mesmo


significado. Essa última não é muito satisfatória, neste contexto,
porque poderia conduzir o leitor a acreditar, erroneamente, que
Lévi-Strauss estaria tratando as casas como se fossem empresas.
O artigo oferece interesse não só aos antropólogos, mas tam-
bém aos historiadores, demógrafos e outros. É uma defesa vee-
mente da teoria estruturalista e rebate as críticas mais freqüentes
que lhe foram feitas, como a avaliação de que ele enfocaria fenô-
menos imutáveis. Tenta também esclarecer os mal-entendidos a-
cerca da oposição clássica feita por Lévi-Strauss, entre sociedades
‘frias’ e ‘quentes’. Demonstra a evolução de seu pensamento, desde
o artigo História e Antropologia (disponível no livro Antropologia
Estrutural, de 1958) e a polêmica com Sartre (História e Dialética,
capítulo 9 do livro O Pensamento Selvagem, de 1962).

O artigo se inscreve na intenção de Lévi-Strauss, menciona-


da no prefácio da segunda edição das Estruturas Elementares do
Parentesco (1966), de dirigir sua atenção às sociedades cognáticas
(ou indiferenciadas, como ele as denomina), como a nossa, onde a
filiação em linha materna e paterna tem uma importância equiva-
lente. Nas ‘sociedades de casas’, de acordo com Lévi-Strauss, o
princípio da aliança matrimonial é tão importante quanto o prin-
cípio da filiação. ‘Sociedades de casas’ conciliam princípios como
esses que, nos modelos clássicos da Antropologia Social, são consi-
derados mutuamente excludentes.

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Apresentação

Essa concepção de ‘sociedades de casas’ vem estimulando re-


análises de algumas sociedades indígenas brasileiras, como é o
caso dos M ~
e bêngôkre (melhor conhecidos como Kayapó), e dos po-
vos de língua tukano do Noroeste da Amazônia.1 Além disso, para
falar apenas de uma perspectiva referente ao Brasil, poderia ofe-
recer um novo enfoque para analisar as famílias oligárquicas bra-
sileiras.

O leitor interessado em referências à noção de ‘sociedades


de casas’ em outras publicações de Lévi-Strauss pode encontrá-las
em:

1981 (1979). A Via das Máscaras. Lisboa: Editorial Pre-


sença. Edição acompanhada de “Três Excursões”.
1986. Minhas Palavras. São Paulo: Brasiliense (tradução
do livro Paroles Donnés, 1984).

Foram publicadas também três coletâneas sobre ‘sociedades


de casas’:
MACDONALD, Charles (org.). 1987. De la hutte au palais:
sociétés ‘à maison’ en Asie du Sud-Est insulaire. Paris:
Éditions du Centre National de la Recherche Scientifi-
que.

1 Cf. Stephen Hugh-Jones (1993), ‘Clear Descent or Ambiguous Houses?


A re-examination of Tukanoan social organisation’, in L’Homme XXXIII
(N0s 126-128), páginas 95-120. Ver também, V. Lea (1986) Nomes de ne-
krets Kayapó: uma concepção de riqueza. Tese de Doutoramento, Museu
Nacional, UFRJ, e 1993 ‘Casas e casas M ~
e bengokre’. In Amazônia: Etno-
logia e História Indígena (páginas 265-282), organizado por E. Viveiros
de Castro, e M. Carneiro da Cunha. São Paulo: NHII-USP/FAPESP.

–––5
Vanessa Lea

HUGH-JONES, Stephen e CARSTEN, Janet (orgs.). 1995.


About the house: Lévi-Strauss and beyond. Cambridge:
Cambridge University Press.

JOYCE, ROSEMARY A. e GILLESPIE, SUSAN D. 2000. Beyond


Kinship: Social and Material Reproduction in House
Societies. Philadelphia: University of Pennsylvania
Press.

A decisão de publicar uma tradução deste artigo em portu-


guês se inscreve nas atividades acadêmicas do CENTRO DE
PESQUISA EM ETNOLOGIA INDÍGENA do IFCH. Agradecemos, em
nome do Centro, a Claude Lévi-Strauss por autorizar esta tradu-
ção e republicação, e à Coordenação de Pós-Graduação do IFCH,
que as viabilizou.

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História e Etnologia*

CLAUDE LÉVI-STRAUSS**

Um dos aspectos mais originais da evolução das ciências


humanas na França resulta das relações estreitas estabelecidas
entre a etnologia e a história. A aproximação não data de hoje. Já
em 1924, o livro de Marc Bloch, Les Rois thaumaturges, tinha mo-
tivos para seduzir os etnólogos. E lembro-me de uma velha con-
versa há mais de trinta anos com Lucien Febvre, que gostaria que
os historiadores se interessassem por problemas como o da ori-
gem e da difusão do botão. Ele percebia muito bem que, por sua
presença ou ausência, esse simples artigo de costura traça, nos
comportamentos humanos, uma linha de demarcação maior: en-

*Este texto foi apresentado na Sorbonne, no dia 2 de junho de 1983, na 5ª


Conferência Marc Bloch. Título original Histoire et Ethnologie, Annales,
nº 38(2), 1983.
** Claude Lévi-Strauss, Professeur honoraire do Laboratoire d’Anthropologie

Sociale, Collège de France, Paris.

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Claude Lévi-Strauss

tre o drapê e o costurado, dois estilos de roupas que exigiam um


mais do corpo, o outro do material; o que, nos registros comple-
mentares da arte têxtil e do comportamento social, mas também
em relação a outros registros, implica condutas corporais, artes
de viver, modos de inserção no mundo, capazes de diferenciar ci-
vilizações.
Se os historiadores se dispunham, assim, a tomar empres-
tado dos etnólogos alguns objetivos e certos temas, as fronteiras
tradicionais entre as duas disciplinas com isso iam ser modifica-
das. Até então, a história e a etnologia distinguiam-se de dois
modos. Uma classificava em seu domínio as sociedades que po-
dem ser chamadas, para facilitar, complexas ou evoluídas, cujo
passado é comprovado por arquivos; a outra, as sociedades inde-
vidamente chamadas primitivas ou arcaicas, de qualquer maneira
sem escrita, e sobre o passado das quais, mesmo com o auxílio da
pré-história e da arqueologia, fomos reduzidos a conjecturas, o
que nos leva a restringir seu estudo ao tempo presente.
A história e a etnologia distinguiam-se sobretudo de acordo
com os fatos privilegiados por cada uma. À história cabiam as
classes dirigentes, as façanhas militares, os reinados, os tratados,
os conflitos e as alianças; à etnologia, a vida popular, os costumes,
as crenças, as relações elementares que os homens mantêm com o
meio.
Foi através do contato com a etnologia que os historiadores
perceberam a importância dessas manifestações obscuras e, em
parte, subterrâneas da vida em sociedade. Em contrapartida, e
porque ela renovava seu campo de estudo e seus métodos, sob a
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História e etnologia

designação de antropologia histórica, a história ia prestar grande


auxílio aos etnólogos. Considerar estágios antigos e sucessivos da
vida de nossas sociedades do mesmo ponto de vista que os está-
gios contemporâneos de sociedades muito diferentes leva-nos a
colocá-las todas no mesmo nível. O número de experiências soci-
ais disponíveis para melhor conhecer o homem é assim considera-
velmente ampliado. Isso não é tudo: pois, ao empreender à sua
maneira, por meio de documentos escritos ou desenhados, a etno-
logia do passado de nossas próprias sociedades, a história facilita
aos etnólogos o estudo do presente dessas mesmas sociedades em
que eles só se arriscavam com prudência e em setores limitados,
sabendo muito bem que lhes faltava a dimensão histórica, indis-
pensável ao estudo de sociedades complexas ou semi-complexas.
Mas então, surge uma outra questão. Se podemos aplicar-
lhes os mesmos métodos, delas apreender fatos da mesma ordem,
colocá-las na mesma perspectiva, que diferença de natureza sub-
siste entre as sociedades longínquas que os etnólogos estudam,
sozinhos ou quase, e aquelas próximas, cujos etnólogos e os histo-
riadores descobrem que podem com proveito estudá-las juntos?
Outrora propus distingui-las respectivamente como “frias” e
“quentes” – distinção que levou a todos os tipos de mal-
entendidos. Não pretendia definir categorias reais, mas somente,
com um objetivo heurístico, dois estágios que, para parafrasear
Rousseau, “não existem, não existiram, jamais existirão, e sobre
os quais entretanto é necessário ter noções justas”, no caso, para
compreender que sociedades que parecem resultar de tipos irre-
dutíveis, diferem menos umas das outras por características obje-

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Claude Lévi-Strauss

tivas do que pela imagem subjetiva que fazem de si próprias. To-


das as sociedades são históricas da mesma maneira, mas umas
resolutamente admitem este fato, enquanto outras o repugnam e
preferem ignorá-lo. Se então podemos, com toda a razão, classifi-
car as sociedades em uma escala ideal em função, não de seu grau
de historicidade, que é semelhante para todas, mas da maneira
pela qual elas o representam, cabe situar e analisar os casos limi-
tes: em que condições e sob que formas o pensamento coletivo e os
indivíduos se abrem à história? Quando e como, em vez de olhá-la
como uma desordem e uma ameaça, nela vêem um instrumento
para agir sobre o presente e transformá-lo?
Recorrer ao mesmo tempo à história e à etnologia às vezes
permite compreender esse ponto crítico. Gostaria de mostrar, por
exemplo, ao considerar, inicialmente, do ponto de vista do etnólo-
go, um estágio antigo da sociedade japonesa que só pode ser co-
nhecido segundo fontes escritas.
Datando do século XI, o Genji monogatari, romance sobre a
vida da corte do Japão na época de Heian, contém notas psicológi-
cas preciosas sobre o modo que, em um momento de sua história e
em um meio social particular, uma sociedade inclinada ao casa-
mento entre primos hesita sobre sua vantagem e tende a evitá-lo.
Cada vez que a possibilidade se apresenta, os personagens têm a
mesma reação: “Um casamento entre primos não seria impossível
de encarar”, diz o pai de uma certa senhorita, “mas a opinião pú-
blica o julgaria destituído de interesse... Mesmo as classes baixas
acham que um casamento entre primos é coisa antes de tudo en-
tediante e vulgar... Seria muito melhor para o pretendente se ele

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História e etnologia

se casasse com uma mulher rica e ilustre em um círculo um pouco


mais extenso”. Em geral, diz um outro pai à procura de um genro,
“consideramos pouco interessante o casamento entre parentes
próximos”. Um possível noivo mostra-se ainda mais reticente:
“Não há nenhum mistério, nada de excitante nesse projeto.”
Essas poucas citações esclarecem os motivos que, no espírito
dos protagonistas, opõem o casamento de primos ao casamento
entre parceiros distantes. O primeiro dá segurança, mas engen-
dra a monotonia: de geração em geração, as mesmas alianças se
repetem, a estrutura social é simplesmente reproduzida. Ao con-
trário, o casamento a uma distância maior, se de um lado expõe-
se ao risco e à aventura, por outro permite a especulação: estabe-
lece alianças inéditas e movimenta a história graças à ação de
novas coalisões. Mas essas experiências, qualificadas de “excitan-
tes”, desenvolvem-se em um cenário onde o casamento de primos
constitui o pano de fundo. Na época de Heian, tais casamentos
eram freqüentes na família imperial. Ora, o Genji monogatari
contém uma única defesa em favor do casamento de primos, que
ele põe na boca do imperador reinante.
Mas acontece que este procura resolver um problema difícil:
encontrar um marido para uma filha dele, no entanto bastarda e
privada da nobreza pela outra linha. A única solução que desco-
bre consiste em fazê-la casar-se com um filho de um meio-irmão
de seu pai, também reduzido à plebeidade devido à sua bastardia,
e ao qual no entanto aquele soberano tinha dado a mão de uma de
suas filhas. Pois, refletiu o imperador atual, “onde encontrar um
pretendente mais conveniente... uma solução melhor do que a que

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Claude Lévi-Strauss

consiste em seguir, na segunda geração, o precedente criado na


primeira?” – definição impecável, diga-se de passagem, do casa-
mento com a prima cruzada matrilateral. Neste caso, a preocupa-
ção com a segurança prevalece: ao unir primos, o imperador espe-
ra restabelecer o equilíbrio entre casamentos cuja desigualdade
resulta do fato de um dos cônjuges, já privado de apoio do lado
materno, ser também um ou uma caçula na linha paterna. Em
resumo, o raciocínio do imperador quase não difere daquele que
levou Louis XIV a casar uma de suas bastardas, Mademoiselle de
Blois, com seu sobrinho que era filho do irmão caçula, Philippe
d'Orléans, o futuro regente.
O casamento de primos permite, assim, tratar de violações à
ordem social, e protegê-la contra eventuais perigos. Em situações
como essas que acabo de evocar, a prudência, mãe da segurança,
dita as escolhas matrimoniais. Em compensação, conjunturas
menos problemáticas podem encorajar famílias a tentar sua sorte
e procurar novos aliados.
Talvez passageiro, um desinteresse pelo casamento de pri-
mos, cujas motivações psicológicas a literatura da época revela,
manifeste-se então no Japão dos séculos X e XI. Salvo circunstân-
cias críticas, uma sociedade defrontada com a história aceita
conscientemente nela entrar. Essa atitude contrasta de maneira
peculiar com aquelas que os etnólogos puderam observar ainda
recentemente nas ilhas Fidji. A sociedade ali contava com linha-
gens muito numerosas; algumas esforçavam-se para manter as
mesmas alianças durante várias gerações, mas nada proibia a ca-
da um contrair casamentos simultâneos ou sucessivos com um

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História e etnologia

número indeterminado de outras linhagens. Ora, independente


da prática existente, uma vez consumado cada casamento, os côn-
juges eram considerados como primos cruzados e, entre as duas
famílias, todas as designações de parentesco conseqüentemente
mudavam. A sociedade fidjiana fingia, então, que o casamento de
primos fosse a regra, mesmo quando ela não a obedecia. A histó-
ria e a etnologia nos mostram, assim, como exemplo, duas socie-
dades que não se desvencilham de uma estrutura elementar cujas
raízes provavelmente mergulham em seu passado. Fidji conserva
a nostalgia deste e, pelo menos em palavras, dele não consegue se
separar. Ao contrário, o antigo Japão percebia seus limites, fa-
zendo por conta própria a descoberta tipicamente “medieval” de
que sociedades que só aspiram a se reproduzir e se submetem à
mudança sem desejá-la podem, sem abandonar as vias do paren-
tesco, encontrar no grande jogo das alianças matrimoniais o meio
de se abrirem à história e às condições de um futuro previsto.

A passagem de uma forma à outra é com freqüência pouco


perceptível, detectada apenas por uma ligeira inflexão das regras
e condutas. Mas disso resultam conseqüências fundamentais. Em
lugar da linguagem do parentesco servir para perpetuar a estru-
tura social, ela torna-se um meio de quebrá-la e de remodelá-la.
As famílias não se reproduzem mais segundo regras impostas a
todos; cada uma se sente livre para agir em benefício próprio.
Conseqüentemente, as duas linhas, paterna e materna, sempre
adquirem se não um peso legal, pelo menos uma importância

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Claude Lévi-Strauss

comparável que impede de se ver em uma ou em outra o eixo da


estrutura social. Esta baseia-se, a partir de então, na relação en-
tre elas.
Como uma espécie de leitmotiv, não só o Genji monogatari,
mas crônicas históricas da mesma época, Ôkagami e Eiga mono-
gatari, retomam constantemente o mesmo tema: para sua carrei-
ra, um homem depende da família de sua mulher, as fortunas
principescas são uma questão dos parentes maternos. “Mesmo
para o filho de um imperador”, lê-se no Genji, “a posição da mãe
altera tudo”. A prova disso é o caso do personagem principal, filho
do imperador reduzido à plebeidade “porque seu avô materno não
era suficientemente importante e conseqüentemente sua mãe o-
cupava uma posição inferior entre as damas da corte”. Nada sur-
preendente que um jovem fosse exortado nesses termos: “Ache
uma mulher, e sogros úteis...”
Apesar da distância geográfica e de uma diferença de seis
séculos, eu me permiti comparar o soberano do romance japonês a
Louis XIV, da mesma forma preocupado com o futuro de uma bas-
tarda e garantindo-o graças ao mesmo expediente. Que essa ma-
nipulação audaciosa dos laços de parentesco seja um traço carac-
terístico de um certo estágio de sociedade, atenta a equilibrar
uma linha com a outra, é confirmado por um outro testemunho –
Saint-Simon fala exatamente como os personagens históricos ou
romanescos do antigo Japão, ao explicar que, privado de susten-
tação do lado materno, ele teve de renunciar a se casar com uma
órfã: “Podia ser, continua ele, um nobre e rico casamento, mas eu
era só e queria um sogro e uma família em que pudesse me apoi-

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História e etnologia

ar.” (I, I, XXVI). Como os maternos, objetos dessas práticas, con-


duzem sua própria parte?
Dizem que no Japão, entre meados do século XI e o final do
século XII, o clã Fujiwara garantiu para si a efetividade do poder,
ao fazer sistematicamente suas irmãs e suas filhas se casarem
com os herdeiros do trono imperial. No momento em que nascia
um filho do imperador reinante, os Fujiwara até mesmo o obriga-
vam a abdicar, deixando o campo livre para a imperatriz dotada e
para sua família que fornecia o regente. É esclarecedor destacar,
nos textos da época, as atitudes dos maternos ocasionadas por
essa política: rivalidade exacerbada entre os pais de esposas im-
periais (a sociedade era poligâmica), cuja posição e o poder de-
pendiam da fecundidade de suas filhas e do sexo dos filhos que
nascessem. Nessas filhas, os Fujiwara apostam como em cavalos
de corrida: a primeira que der um herdeiro macho à dinastia ven-
ce as demais, às vezes, como se costuma dizer, por uma cabeça.
Uma literatura sobre a corte, que fala das relações amorosas ape-
nas em termos velados, manifesta-se sobre a vida fisiológica das
mulheres com uma crueza cândida: não poupa nenhum detalhe
sobre a presença, a ausência, a abundância ou a raridade de suas
regras ou, quando dão à luz, sobre os sangramentos e o tempo de
evacuação da placenta... As mulheres parecem aqui bestas de
carga. Do mesmo modo, a primeira preocupação das famílias que
desejam estabelecer ou manter uma aliança com a linhagem di-
nástica é de ter filhas; mal seus pais acabaram de casá-las com o
imperador ou com o príncipe herdeiro, eles só têm uma idéia na

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Claude Lévi-Strauss

cabeça: que elas tenham filhos com os quais, por meio de outras
filhas, eles reiterarão suas operações.
Desse modelo, a antiga França oferece também um esboço,
senão na família real, pelo menos na alta nobreza: “Chamillart,
diz Saint-Simon (II, XLVII), sonhava em consolidar seu filho em
seu cargo por intermédio de uma aliança que nele o sustentasse.
Os Noialles, ancorados em toda a parte por suas filhas, queriam
colocar uma nessa casa poderosa para terem tudo.” Assim se con-
firma esse papel de operadoras do poder, reservado às mulheres
em sociedades não obstante de direito paterno, e que explica tam-
bém recasamentos, freqüentes nesse tipo de sociedade em que as
mulheres representam apostas tão consideráveis, que não se de-
cide apostá-las sem a perspectiva de retorno: é preciso que, em
caso de separação ou de viuvez, elas sejam reutilizáveis. Os índios
Kwakiutl da costa do Pacífico canadense não esperavam, para
reutilizar suas filhas, sequer a discórdia conjugal ou a morte do
marido: eles as obrigavam a divorciar e a se casarem novamente
várias vezes seguidas, para em cada uma delas subirem e garan-
tirem às crianças que nascessem uma posição mais alta na socie-
dade.
O papel das mulheres como operadoras do poder às vezes
toma formas extremas. Dá então a ilusão de um sistema matrili-
near e até mesmo matriarcal, enquanto se trata somente, para as
linhagens masculinas, de melhor estabelecer seu poder por meio
das mulheres tratadas como simples instrumentos. No reinado
Merina do centro de Madagascar e entre os Lovedu da África do
Sul, uma reforma que, de maneira curiosa, aconteceu exatamente

16
História e etnologia

na mesma época, bem no início do século XIX, substituiu a suces-


são agnática por uma sucessão puramente feminina. Durante três
quartos de século em Madagascar, até o fim da dinastia Merina, o
trono não foi mais ocupado senão por mulheres. Sempre foi assim
entre os Lovedu. Mas no reinado sul-africano, o poder efetivo per-
tencia aos tios maternos e aos irmãos das rainhas, que lhes da-
vam inclusive herdeiros, ao exercerem secretamente junto a elas
o ofício de amantes incestuosos.
Na tipologia que tento esboçar, Madagascar ocupa um lu-
gar intermediário entre o reinado Lovedu e o Japão medieval:
uma linhagem masculina fornecia os esposos das rainhas, que
ao mesmo tempo eram seus primeiros-ministros e governavam
em seu nome. No decurso do século XIX, o primeiro-ministro Ra-
inilaiarivony foi o esposo sucessivo de três rainhas como, oito sé-
culos antes no Japão, o regente Fujiwara Michinaga tinha sido o
sogro sucessivo de três imperadores.
Deslocada para fins políticos, a linguagem do parentesco
oblitera então, em parte, a distinção entre linha paterna e linha
materna. Nos casos que examinei, a política dos maternos consis-
te em transgredir aos poucos os direitos paternos, e os respectivos
direitos das duas linhas começam eventualmente a se confundir:
tendência que encontra sua expressão mais acentuada na institu-
ição africana do casamento entre mulheres: uma dama bem-
nascida podia se casar com uma ou várias esposas e tornava-se o
“pai” legal de seus filhos, gerados por amantes autorizados. Esta
instituição, em que se pode observar uma espécie de patrilinea-
rismo invertido, tinha na América do Norte seu simétrico ou qua-

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Claude Lévi-Strauss

se: um nobre Kwakiutl, desejoso de “entrar”, como se costumava


dizer, em uma família sem filha, casava-se simbolicamente com
um filho ou, na falta de filho, com uma parte do corpo, braço ou
perna, do chefe de família; portanto, casamento entre homens.
Isto lembra, entre nós, a apóstrofe de um pretendente de outrora
a seu futuro sogro: “Não é com sua filha que me caso, Senhor, é
convosco mesmo e com vossa casa.”
Consideremos, agora, um terceiro aspecto desses sistemas.
Eles não tendem somente a obliterar a distinção dos paternos e
maternos. Obliteram também aquela entre exogamia e endoga-
mia ou, mais exatamente, a escamoteiam. De fato, os dois fenô-
menos estão ligados: se não podemos definir esses sistemas estri-
tamente como patrilineares ou matrilineares, é por razões que
resultam das modalidades da aliança matrimonial e em conside-
ração aos respectivos poderes que exercem os receptores de mu-
lheres e os doadores. Como receptor, um grupo se serve de seus
homens para fortalecer sua posição; como doador, ele se serve de
suas mulheres. E isso, qualquer que seja o modo de descendência
ou de filiação. Acontece simplesmente que em algumas sociedades
– ou na mesma em certas épocas, ou ainda em ambientes diferen-
tes – essa relação torna-se tensa e esse dinamismo imprime sua
marca nos costumes.
Dessa relação, seja tensa, seja instável – ou as duas ao
mesmo tempo – nasce o cognatismo. No seio da aliança, a relação
que une e opõe os receptores e os doadores oscila entre dois pólos.
Essa oscilação pode se produzir no tempo, em razão de uma de-
mografia flutuante; pode também de forma duradoura opor socie-

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História e etnologia

dades entre si, por motivos mais profundos relativos à sua estru-
tura. Nos dois casos, ela engendra o que se poderia chamar pseu-
doformas: aspectos da estrutura social superficialmente percebi-
dos como patrilinear ou matrilinear, por meio dos quais são defi-
nidos erroneamente sistemas que, na realidade, não são nem um
nem outro, porque a regra de filiação ou de descendência, mesmo
quando existe, não é o fator pertinente.
Portanto, é a primazia da relação de troca sobre o critério
unilinear que explica, afinal de contas, que os grupos trocadores
possam simultânea ou sucessivamente, praticar a exogamia ou a
endogamia, de acordo com sua conveniência. Uma permite diver-
sificar alianças e conquistar vantagens às custas, por outro lado,
de certos riscos. A outra consolida e perpetua as vantagens adqui-
ridas, mas não sem expor a linhagem momentaneamente mais
poderosa aos perigos que para ela representariam colaterais mui-
to próximos que se tornam rivais. Ou seja, um jogo duplo de aber-
tura e fechamento: graças ao primeiro, abre-se à história e explo-
ra-se as contingências, enquanto o segundo garante a conservação
ou a volta regular dos patrimônios, das posições e dos títulos.
As famílias reinantes da antiga Europa, mas também as da
África, de Madagascar, da Indonésia e da Polinésia oferecem i-
números exemplos da dupla alternativa descrita por Saint-Simon
a propósito do casamento de um neto de Louis XIV, o duque de
Berry: é preciso primeiro escolher entre o que o próprio autor
chama “o casamento estrangeiro” – excluído em um período em
que toda a Europa está contra a França – e o casamento próximo,
pelo qual se decide. Mas então, procurar-se-á a prometida entre

19
Claude Lévi-Strauss

os Orléans ou entre os Condé, isto é, em uma linha colateral rela-


tivamente mais próxima ou mais distanciada? Evoquei paralelas
exóticas, mas não há necessidade de ir além das famílias nobres
européias, para encontrar nas genealogias um contraste surpre-
endente, que, na realidade, é uma correlação entre casamentos
com não-parentes ou mesmo com estrangeiros, e – Saint-Simon
cita muitos exemplos disso – casamentos em graus muito próxi-
mos: primos germanos, tio e sobrinha, sobrinho e tia...
É impressionante como nas famílias reais ou próximas do
trono, as uniões do primeiro tipo permitiram usualmente a pater-
nos ou receptores captarem patrimônios fundiários, trazidos por
mulheres procuradas alhures. Foi por intermédio das mulheres
que os condados de Champagne e de Toulouse, o ducado de Bor-
gonha passaram à casa de França, os Flandres à casa de Borgo-
nha, os Países-Baixos à casa de Áustria. Também por intermédio
das mulheres, o senhorio de Bourbon foi sucessivamente trans-
portado para as casas, primeiro de Borgonha, em seguida de
Dampierre, finalmente de França, o reinado de Navarra para as
casas de Albret e de Bourbon. O mesmo aconteceu com os títulos
ou senhorios que estão na origem de diversos ramos da casa de
Bourbon.
Ainda nesse caso, parece que atingimos uma configuração
essencial, inerente a certos estágios da sociedade ou a uma certa
fase de sua evolução. No Japão do período de Heian, em que a re-
sidência parece ter sido duolocal ou até mesmo uxorilocal – o ma-
rido visitava sua esposa na casa dela – denominava-se freqüen-
temente as mulheres pelo local de residência: a Dama da 2ª ou da
20
História e etnologia

5ª avenida... As mulheres possuíam, para transmiti-las habitual-


mente a suas filhas, uma ou várias residências principescas na
cidade e, às vezes, propriedades rurais. Por uma evolução que i-
lustra também a Idade Média européia da mesma época, somente
no século XII o local de residência tornou-se nome patrilinear, e o
que na Idade Média era chamado o “nome de terra” foi substituí-
do pelo “nome de raça”. Presente nas sociedades de cultura mais
rudimentar, mas também de tendências cognáticas, por exemplo,
na Melanésia, essa dialética do “nome de raça” e do “nome de ter-
ra” poderia ser um sintoma desse tipo de organização.
Mesmo na África, na origem mítica dos principais reinados
encontra-se o mesmo esquema fundamental, confirmado também
de um extremo a outro da Oceania. De acordo com esse esquema,
a sociedade baseia-se na antiga união de um estrangeiro bem-
nascido com uma filha ou irmã de autóctones – ou supostamente
tais – que lhe deu a terra e a soberania sobre esta. No mesmo
sentido, notar-se-á que os memorialistas malgaxes fazem re-
montar a origem da dinastia Merina a um povo real ou mítico, os
Vazimba, e que os inspetores reais instituídos no século XIX fo-
ram chamados “esposos da terra”, vadintany, título bem de acor-
do com a tese segundo a qual a dinastia seria resultante dos re-
cém-chegados que “esposariam a terra” na pessoa das irmãs ou
filhas dos primeiros ocupantes.
Acostumados a observar sociedades em que as relações de
parentesco constituem o alicerce, os etnólogos se perguntam com
freqüência o que acontece com os grupos baseados na descendên-
cia, quando surgem as formas rudimentares de Estado. Questão

21
Claude Lévi-Strauss

para a qual evitaremos uma resposta extremamente simples. O


Estado pode manifestar-se de vários modos e com diversas carac-
terísticas particulares: diferenciação de funções governamentais,
centralização de poder, estabilidade dos órgãos de decisão e de
execução, emancipação do parentesco real ou fictício que une go-
vernantes e governados. Além disso, entre as chamadas socieda-
des “sem Estado” e aquelas em que o Estado emerge, há lugar pa-
ra inúmeras sociedades, diferentes umas das outras, em que os
grupos de descendência subsistem ao lado de órgãos políticos ou
administrativos centralizados.
Mas, apesar dessas ressalvas, compreendemos um pouco
melhor, pelo que precede, como e de que modos os “velhos laços de
sangue”, para falar como Marx e Engels, se alteraram. Algo de
essencial acontece quando grupos de descendência se cindem e
seus segmentos se unem com segmentos de outros grupos, para
dar nascimento a unidades de um novo tipo resultante dessas re-
combinações.
Essas unidades dependem tanto das maneiras diferentes
pelas quais se unem por permutas ou translocações como de sua
capacidade para se reproduzir de forma idêntica. Em outras pala-
vras, elas resultam tanto da aliança quanto da filiação, que se
tornam mutuamente substituíveis. Foi a esse tipo de unidades
que, há alguns anos, propus aplicar o termo “casa”; e os próprios
historiadores que, para o mundo europeu, estudam esse tipo de
formação social têm enfatizado que a casa, diferente da família,
também não coincide com a linhagem agnática, que às vezes é até
destituída de base biológica e consiste, fundamentalmente, em

22
História e etnologia

uma herança material e espiritual que compreende a dignidade,


as origens, o parentesco, os nomes e os símbolos, a posição, o po-
der e a riqueza. Essa descrição cabe muito bem às instituições
americanas, às polinésias e mesmo, até um certo ponto, às africa-
nas que, há um século, os etnólogos se declaram incapazes de
classificá-las em uma tipologia tradicional, uma vez que nelas não
podemos ver nem tribos, nem clãs, nem linhagens, nem famílias.
O que é, então, a casa? Em primeiro lugar, uma pessoa mo-
ral; em seguida, detentora de um domínio constituído por bens
materiais e imateriais; e que, enfim, se perpetua, ao transmitir
seu nome, sua fortuna e seus títulos em linha direta ou fictícia,
considerada legítima com uma única condição – que essa continu-
idade possa se exprimir na linguagem do parentesco ou da alian-
ça e, na maior parte das vezes, das duas juntas. Considerando a
impossibilidade de definir a casa pela descendência unilateral –
patrilinear ou matrilinear –, ou por um modo de reprodução que
seria exclusivamente exógamo ou endógamo, o critério essencial,
do qual todos os outros decorrem, do meu ponto de vista é este:
em uma sociedade “de casas”, a filiação equivale à aliança, e a a-
liança à filiação. Uma fórmula de Saint-Simon (I, XVIII) ilustra
admiravelmente essa equivalência. Para demonstrar que a her-
deira de um feudo, apesar de fêmea, perdeu, ao se casar nova-
mente, sua posição e suas honras de duquesa, ele argumenta que
“a primeira ereção do feudo foi extinta no sangue do primeiro ma-
rido”. Essa tradução abrupta de um laço social em termos biológi-
cos é, de fato, impressionante. Mesmo em memórias escritas em
pleno século XIX, encontra-se enraizada a convicção, tão freqüen-

23
Claude Lévi-Strauss

temente colocada em prática em épocas anteriores, de que uma


família nobre privada de descendência macha pode entretanto
perpetuar sua raça, ao casar sua filha com um homem que rece-
berá o nome da casa para a qual ele entra, herdará os bens e os
títulos e os transmitirá a seus filhos.

No início desta exposição, eu procurava saber como e em que


condições uma sociedade chega a reconhecer para si uma dimen-
são histórica na qual ela certamente já se situava, mas que opta-
va por ignorar. Chamar de “frias” esse tipo de sociedade, é tam-
bém supor que uma distância mínima separa sua ideologia de sua
prática: ou então, como outrora se pensava, a primeira reflete fi-
elmente a segunda; ou então a ideologia desfigurou a realidade,
impondo-lhe porém um pequeno número de distorsões que a ob-
servação e a análise conseguem perceber sem muita dificuldade.
Nas chamadas sociedades complexas ou semi-complexas, a
ideologia descola-se mais nitidamente da infraestrutura. As dis-
tâncias se ampliam e se distribuem sobre vários eixos. De um la-
do, a sociedade mantém simultaneamente vários sistemas ou
subsistemas ideológicos: oficial, popular, eclesiástico, laico, de
profissionais etc. Por outro, sociedades que, com as devidas res-
salvas, parecem relativamente “planas” – pois, do mesmo modo
que não existem sociedades absolutamente “frias”, não há socie-
dades absolutamente “planas” – dão lugar a sociedades das quais
só se pode compreender o funcionamento recorrendo-se a vários
parâmetros: os laços de parentesco, certamente, mas também o
24
História e etnologia

local de residência, a assistência econômica, a sustentação políti-


ca, as obediências religiosas. Conforme privilegie um parâmetro
ou outro, um indivíduo potencialmente afiliado a inúmeros grupos
pode manter algumas afiliações na reserva, abandonar outras,
fazer valer as que julga as mais apropriadas para melhorar sua
condição material ou seu status social em função das circunstân-
cias, do lugar e do momento.
Conseqüentemente, as relações de superioridade ou de infe-
rioridade entre os indivíduos ou grupos deixam de ser transitivas.
Nada impede que uma posição superior em certos aspectos seja
inferior em outros. Há muito tempo, Hocart dera exemplos disso
nas ilhas Fidji. Mais recentemente, a propósito do reinado poliné-
sio de Tonga, Elizabeth Bott mostrou como, em uma sociedade
hierarquizada e de descendência indiferenciada, ciclos de troca
podem, no entanto, se fechar em função de dois parâmetros: a po-
sição e o poder, que variam em razão inversa um do outro, de sor-
te que no momento em que se conclui o ciclo, “o poder político po-
de transformar-se em uma posição alta”.
A França feudal conheceu situações desse tipo. Existia um
poderoso senhor que, para uma de suas terras, foi o vassalo de
seus próprios vassalos; enquanto conde do Vexin, o próprio rei e-
ra, ainda no século XII, vassalo do abade de Saint-Denis.
Sem remontar a tanto tempo atrás, um texto do fim do sécu-
lo XV, publicado em 1759 por La Curne de Sainte-Palaye, intitu-
lado Les Honneurs de la cour (a de Borgonha), descreve os confli-
tos de posição resultantes da consideração de dois parâmetros que
o autor chama “a extensão de dominação”, de um lado, e “o grau
25
Claude Lévi-Strauss

de aproximação maior ou menor do tronco real”, por outro; tam-


bém os conflitos entre a antigüidade do título e o laço de vassala-
gem ou, para uma mulher, entre a posição herdada do nascimento
e a resultante do casamento. Conseqüência interessante desta
última oposição, e que encantaria um etnólogo se ele a observasse
em uma sociedade exótica: na ocasião das bodas de Charles VII,
uma certa dama sentou-se no penúltimo lugar como esposa de seu
marido durante uma metade da refeição e, durante a outra meta-
de, à mesa da rainha na qualidade de prima germana do rei1...
Poderíamos citar casos comparáveis e não menos pitorescos, pro-
venientes de sociedades sem escrita da costa do Pacífico canaden-
se, da Califórnia ou, na Oceania, da Nova Zelândia, de Samoa e
de Tonga.
Até há pouco tempo, apressaríamo-nos a buscar na litera-
tura etnográfica a explicação de costumes mortos ou vivos dos
quais não entendíamos o sentido, para neles distinguirmos so-
brevivências ou vestígios de um estágio social arcaico ainda ilus-

1 Belo exemplo de relação intransitiva, em Saint-Simon (eu resumo): Es-


trées e Tallard são marechais da França e, nesse ofício da coroa, Estrées
é o mais antigo, mas não é duque, e Tallard o é, confirmado no Parlamen-
to. Por outro lado, Estrées é nobre da Espanha há mais tempo do que Tal-
lard é duque e, nas cerimônias da corte, “os nobres da Espanha têm pri-
mazia sobre os duques” conforme a antigüidade de uns em relação aos
outros. “Cada um tinha uma dignidade igual, mas diferente: uma era es-
trangeira, a outra do Estado. Essa dignidade estrangeira alternava por
antigüidade com a primeira do Estado nas cerimônias da corte, mas não
podia ser admitida em uma sessão em que se tratasse de assuntos do Es-
tado.” Conseqüentemente: Estrées tem prioridade nas cerimônias da cor-
te, Tallard tem prioridade nas cerimônias do Estado [ou seja, no Conselho
de Regência]. Mémoires, IV, LXX.

26
História e etnologia

trado pelos povos selvagens. Ao contrário desse “primitivismo”


obsoleto, reconhecemos hoje que formas de vida social e tipos de
organização bem testemunhados em nossa história podem eluci-
dar os de sociedades diversas, onde aparecem pouco diferenciados
e embaralhados porque insuficientemente documentados e obser-
vados em períodos extremamente curtos. Entre as chamadas so-
ciedades “complexas” ou “desenvolvidas” e as denominadas erro-
neamente “primitivas” ou “arcaicas” a distância é menor do que
se poderia pensar. Para superá-la, a etnologia deve aprender a
utilizar a história em seu benefício tanto quanto a história pode
se beneficiar da etnologia.

Sem dúvida esse procedimento levanta problemas metodo-


lógicos e até mesmo teóricos. Na esperança de tornar visíveis al-
gumas semelhanças e de revelar coincidências, justapus ou so-
brepus sociedades que, quanto ao resto, nada permite classificar
em uma mesma categoria: umas de um nível técnico e econômico
muito baixo, outras desenvolvidas; dispersas pelo mundo, distan-
ciadas no tempo por vários séculos, letradas como o Japão medie-
val há quinhentos ou seiscentos anos, ou então que se mantive-
ram sem escrita até a época contemporânea... Como acreditar que
dessa miscelânea disforme, possamos tirar algo para alimentar a
reflexão? Mais precisamente, se meu esforço para desvendar um
certo tipo de estrutura social me levou a amalgamar sociedades
de outro ponto de vista heteróclitas, esse tipo de estrutura não
ficará privado de existência real, como uma criação do espírito,

27
Claude Lévi-Strauss

arbitrária e gratuita, que não pode corresponder a nenhum está-


gio histórico ou etapa identificável da evolução das sociedades?
Para tentar responder, evitaremos uma confusão que come-
tem muitos etnólogos, e talvez também alguns historiadores: a-
quela entre elementar e complexo de um lado, anterior e posterior,
por outro. A primeira oposição resulta de uma classificação de sis-
temas de acordo com sua forma; a segunda, da construção de uma
genealogia. A relação entre uma forma simples e uma forma com-
plexa coloca um problema de ordem lógica, que não implica neces-
sariamente o problema histórico da passagem de uma forma antiga
a outra mais recente. Disso resulta que devemos escolher entre as
duas perspectivas, e que, ao ordenar logicamente estruturas, re-
nunciamos a nada conhecer de sua evolução no tempo?
Uma observação prova o contrário: a pesquisa histórica e a
análise estrutural com muita freqüência vivem uma harmonia
entre autores cujos nomes encontram-se associados mais habitu-
almente à segunda. Saussure dedicou-se anos a fio para construir
uma genealogia das diversas versões dos Nibelungen, em que ele
via uma crônica fabulosa do primeiro reinado de Borgonha. Ao e-
xaminar seus manuscritos, nada mais interessante, de um ponto de
vista metodológico, do que o modo como ele coloca a análise estru-
tural a serviço de uma reconstrução histórica. Costuma-se fazer de
Rivers um apóstolo dessa forma extrema de pensamento histórico a
que chamamos difusionismo; ignora-se que, para ele, essa atitude
epistemológica seja acompanhada de uma outra, nitidamente es-
trutural, e jamais temos o sentimento de que elas se choquem.

28
História e etnologia

É que, na realidade, em níveis de pesquisa diferentes, a ins-


piração é a mesma. Ora nos dedicamos a determinar centros de
difusão, ora a desvendar estruturas profundas; nos dois casos,
trata-se de encontrar a semelhança na diferença, em outras pala-
vras, de uma busca do invariante. Mesmo no pensamento de Cu-
vier, as duas coisas estão ligadas: a anatomia comparada, que se
baseia na classificação de sistemas de acordo com sua forma e na
lei de correlação das partes, constitui uma preliminar para a de-
monstração de que houve períodos geológicos sucessivos, e que a
vida na terra tem uma história.
Além disso, foi sob a influência das idéias de Cuvier que, por
intermédio de Friedrich Schlegel, a gramática comparada das lín-
guas indo-européias ganhou forma, levando à criação de uma lin-
güística histórica. Não nos esqueçamos também de que Elliot
Smith, fundador em etnologia de um difusionismo radical – uma
vez que pretendia encontrar no mundo inteiro a influência do an-
tigo Egito – como Cuvier, em matéria de profissão, era anatomis-
ta. Portanto, mesmo o difusionismo, e com mais razão ainda
qualquer pesquisa histórica têm uma importância essencial para
a análise estrutural: por vias diferentes e com chances desiguais,
essas trajetórias tendem ao mesmo objetivo, que é de tornar inte-
ligíveis, ao conferir-lhes mais unidade, fenômenos aparentemente
heterogêneos. A análise estrutural vai mesmo ao encontro da his-
tória quando, sem dados empíricos, atinge estruturas profundas
que, por serem profundas, podem ter sido também comuns no
passado.

29
Claude Lévi-Strauss

As ciências humanas poderiam se interessar com proveito


por problemas que se colocam atualmente às ciências naturais,
não com o objetivo de engrenar, ouso dizer, as condutas culturais
dos homens em sua natureza animal à maneira dos sócio-biólogos,
mas porque as discussões em curso levantam questões de impor-
tância filosófica concernentes às relações entre a noção de classi-
ficação e a de genealogia.
Cabe observar que essa nova sistemática das espécies vivas
ou desaparecidas, denominada cladística, pode ser interpretada,
de maneira alternada e às vezes simultaneamente, como um mé-
todo para determinar uma ordem de sucessão, no tempo, de espé-
cies mais ou menos diretamente aparentadas, ou então como uma
tipologia indiferente à pesquisa dos troncos. Neste último caso, a
formulação de procedimentos rigorosos para definir grupos, esta-
belecer entre eles uma ordem hierárquica, relações de encaixe e
de inclusão, pode oferecer um valor heurístico não só em biologia,
mas em qualquer campo de estudo em que são observadas rela-
ções comparáveis a homologias.
Que lições nossas disciplinas podem então tirar da cladísti-
ca? Percebo pelo menos duas.
Em primeiro lugar, a cladística parte do princípio que a pre-
sença, em duas espécies, de características primitivas comuns não
implica que elas sejam parentes próximas. A posse comum de cin-
co dedos não autoriza aproximar o homem da tartaruga e da sa-
lamandra. Trata-se de uma característica primitiva, que prova-
velmente todos os vertebrados terrestres possuíram; algumas es-
pécies conservaram-na, outras a perderam: tal como o cavalo, do

30
História e etnologia

qual, apesar de seu dedo único, o homem é mais próximo do que


de qualquer batráquio ou réptil.
O princípio vale para as ciências humanas. Assim, um etnó-
logo não teria o direito de juntar em uma árvore genealógica soci-
edades que praticam a troca de irmãs. Essa forma muito rudimen-
tar de troca matrimonial, se não for expressamente proibida, pode
aparecer ou reaparecer em qualquer sociedade, da mais “primiti-
va” à mais “civilizada”; nós a observamos eventualmente na nossa.
Do mesmo modo o casamento de primos, que Françoise Zonabend
mostrou ter reaparecido no campo, na França contemporânea. As
comunicações facilitadas, graças ao automóvel, reintegram, no cír-
culo de conhecimentos, colaterais que se tinham perdido de vista
há muito tempo. A velha política matrimonial que queria que “os
casamentos se reencadeassem” é revitalizada. Mas isso não auto-
riza a fazer da sociedade rural francesa um parente próximo dos
Nambikwara.
Em compensação, a cladística baseia-se na presença de ca-
racterísticas evoluídas comuns para juntar, na mesma árvore, es-
pécies muito diferentes em relação à anatomia, à fisiologia, ao
comportamento biológico ou à adaptação ao meio. Os pássaros se-
rão colocados mais perto dos crocodilos do que dos animais de
sangue quente; a foca, mais perto da doninha e da lontra; a otária,
mais perto do cachorro e do urso do que, apesar das semelhanças
superficiais que os fazem serem classificados como pinípedes, es-
ses dois animais estão próximos entre si. Enfim, do mesmo modo,
o gorila e o chipanzé são mais próximos do homem do que o oran-

31
Claude Lévi-Strauss

gotango, de modo que a chamada categoria dos “grandes macacos”


não tem mais lugar na nomenclatura.
A antiga sistemática registrava as espécies atuais ou fósseis
a fim de ordená-las todas em série evolutiva. Ela via em cada qual
um antecessor direto ou um testemunho sobrevivente de uma ou-
tra espécie, concebendo então as relações entre espécies com base
no modelo entre ancestral e descendente. A cladística substitui
essa visão genealógica por uma visão das relações colaterais: ela
dispõe as espécies em relações de fraternidade e de parentesco de
primos. Ora, colocar todas as espécies, atuais e fósseis, na mesma
posição – o que a seu modo, para as sociedades, fazem também os
etnólogos – dispensa a atribuição do papel do ancestral comum a
qualquer uma delas: em um cladograma, não há lugar obrigatório
para espécies ancestrais; elas tornam-se condições colocadas a
posteriori, se insistirmos em ler uma genealogia por trás de uma
classificação.
Todavia, uma dificuldade resulta da multiplicidade de crité-
rios, entre os quais é preciso escolher, para constituir as espécies
em fratrias. Conservaremos os traços morfológicos, os modos de
reprodução, o número de cromossomos, os ácidos nucleicos, as ca-
deias de hemoglobina, além de outros? A cada critério, ou conjunto
de critérios, corresponderão árvores ou cladogramas diferentes.
Preferências subjetivas entrarão em jogo, entre as quais o princí-
pio de organização nem sempre permite resolver.
Os defensores da análise estrutural identificam-se com essa
problemática. Eles também encontram esse gênero de dificuldades

32
História e etnologia

e estão freqüentemente expostos às mesmas críticas. E mais, re-


conhecem a cladística por ter, em um terreno mais fechado que o
deles, aberto uma via intermediária entre a ordem da estrutura e
a do evento. Uma sistemática bem concebida traça cadeias que
representam relações possíveis entre seus objetos. Ela não se põe
a questão de saber quais desses itinerários foram seguidos, nem
sequer se o verdadeiro itinerário, diferente de todos aqueles que
imaginamos, juntou fragmentos que provêem de vários. Longe de
dar as costas para a história, a análise estrutural submete-lhe
uma lista de encaminhamentos concebíveis, entre os quais só a
história poderá determinar aquele ou aqueles efetivamente segui-
dos.
Desde o seu aparecimento, há uns quinze anos, a cladística
continua a ser ardentemente discutida. Não penso em me imiscuir
nesses debates de especialistas principalmente porque, se o etnó-
logo pode aderir ao mesmo programa, ele o seguirá às avessas. A
cladística exclui as chamadas características primitivas; ela cons-
trói seus grupos “irmãos”, retendo as únicas características que
denomina derivadas ou evoluídas. Nós também levamos em consi-
deração as características evoluídas das sociedades que estuda-
mos, mas sabemos que, procedendo assim, fazemos etno-história
ou, simplesmente, história. Nossa tarefa particular consiste em
descobrir, em espécies sociais muito diferentes, a persistência ou o
ressurgimento de propriedades simples, que correspondem às ca-
racterísticas primitivas dos cladistas, não para descartá-las, mas
para retê-las. A razão dessa inversão é simples. Os biólogos co-
nhecem as características primitivas das espécies vivas; eles sa-

33
Claude Lévi-Strauss

bem, por exemplo, que observados no nível molecular, os processos


físico-químicos são por toda a parte os mesmos. Menos avançados,
estamos ainda à procura dos mecanismos elementares que operam
da mesma forma, qualquer que seja o grau de complexidade de
cada organização; e quando acreditamos encontrá-los, é sobre eles
que concentramos a atenção.
Mas, assim como os cladistas, não aceitamos que a partir
dessas características primitivas possamos construir uma genea-
logia, nem que entre as sociedades que as apresentam deva existir
um parentesco próximo. Vemos sobretudo nessas características
as mesmas manifestações de um fundo comum ao conjunto das
sociedades humanas, e cuja persistência ou o renascimento espo-
rádico confirma que esse fundo comum, às vezes latente, é entre-
tanto bem real.

O tipo de estrutura que tentei identificar com o nome de so-


ciedades “de casas” levanta outro problema. Não há contradição
em falar de estrutura onde descrevi apenas um jogo de rivalidades
entre estratégias individuais ou coletivas? Para ser mais exato, o
que consideramos uma estrutura social de um tipo particular não
se reduz a uma média estatística que resulta de escolhas feitas
com toda a liberdade, ou que, pelo menos, escapa a qualquer de-
terminação externa? Como é pouco plausível que as sociedades
humanas se distribuam em dois grupos irredutíveis, umas resul-
tantes da estrutura, outras do evento, duvidar que a análise es-
trutural se aplique a algumas leva a recusá-la para todas.

34
História e etnologia

Essa crítica, que se arrasta um pouco por toda a parte, ins-


pira-se em um espontaneísmo e em um subjetivismo em voga. Se-
ria preciso, então, renunciar a descobrir na vida das sociedades
humanas alguns princípios organizadores, e nelas ver apenas um
imenso caos de atos criadores surgindo todos em nível individual,
e assegurando a fecundidade de uma desordem permanente? À
guisa de conclusão, gostaria de apresentar breves observações so-
bre o que me parece uma abdicação a qualquer pensamento que se
pretenda científico.
Tomemos a título de exemplo as belas pesquisas de Madame
Françoise Héritier-Augé. Elas demonstram que em sociedades em
que são decretadas numerosas proibições ao casamento, fora das
quais os indivíduos são deixados livres para escolher seu parceiro,
as redes de aliança mostram-se tão firmemente estruturadas
quanto se as escolhas matrimoniais obedecessem a regras.
Esse notável fenômeno admite duas interpretações. Em pri-
meiro lugar poderíamos supor que, em uma pequena população,
uma mistura resultante de quaisquer alianças fora dos graus pro-
ibidos faz que, sem que o saibam, todos os membros da sociedade
sejam aparentados entre si, aproximadamente no mesmo grau. O
fato de todos os casamentos se situarem bem próximos a esse grau
seria resultado da estrutura do grupo, mantida estável pelo jogo
de fatores ocultos.
Ou consideraremos que esse grau médio de parentesco entre
os cônjuges se explique por motivações de ordem afetiva, moral,
econômica ou política, que incitam cada indivíduo, no limite dos
graus proibidos, a se casar com o mais próximo. Mas mesmo com

35
Claude Lévi-Strauss

essa hipótese, podem se tratar de estratégias e de escolhas indivi-


duais? Se o fenômeno é tão difundido que o estudo das genealogias
o comprove, é preciso supor que essas preferências, pelo fato de
serem comuns, insiram-se em um sistema de normas. Procedem
de limites e exigências coletivas, respeitam um modelo que não
seria possível reduzir a uma soma de disposições individuais de
ordem ética ou afetiva, dada a sua generalidade. Além disso, não é
preciso ultrapassar o dualismo da estrutura e do evento? Traba-
lhos científicos recentes levam a isso, já que físicos e químicos, que
aceitam e até mesmo procuram o diálogo com as ciências huma-
nas, demonstram que em domínios tão diferentes como a termodi-
nâmica dos fluidos, a cinética química e a formação de cidades ao
longo dos séculos, assimetrias aparentes, turbulências e instabili-
dades podem ser auto-organizadoras, e que mesmo a desordem
engendra regularidades.
Então não nos deixemos enganar pela ingenuidade tão fre-
qüente hoje, que consiste em acreditar que a busca de uma ordem
e a exaltação dos poderes criadores do indivíduo sejam programas
mutuamente excludentes. Muito pelo contrário, a análise das es-
tratégias e das escolhas individuais abre às nossas disciplinas
vastos campos de pesquisa em que, até agora, não ousavam muito
se aventurar.
Durante uma primeira fase, a etnologia se limitou ao mais
fácil, privilegiando, para seu estudo, pequenas sociedades cujas
relações de parentesco constituem fundamentalmente o alicerce, e
que formulam para uso interno leis de ordem muito simples,
mesmo se essas leis só oferecem um reflexo deformado dos princí-

36
História e etnologia

pios reais que regem seu funcionamento e sua reprodução. E


quando a etnologia se arriscava a abordar sociedades maiores e
mais complexas, ela se limitava a considerar plagas relativamente
resguardadas, que as grandes rupturas da história ignoraram ou
contornaram.
Chegou a hora da etnologia atacar as turbulências, não com
um espírito de contrição, mas ao contrário para estender e desen-
volver essa exploração dos níveis de ordem que considera sempre
como sua missão.
Para fazer isso, a etnologia volta-se novamente à história:
não mais somente essa história chamada “nova”, para o nascimen-
to da qual talvez ela tenha contribuído, mas a história mais tradi-
cionalista e que, às vezes, é considerada ultrapassada: enterrada
nas crônicas dinásticas, nos tratados genealógicos, nas memórias
e em outros escritos consagrados às questões das grandes famílias...
Nos próximos anos, veremos os etnólogos abandonarem Saint-
Simon e suas fontes documentais; mergulharão em obras esqueci-
das ou menosprezadas como os nobiliários do padre Anselme, de
Imhof, de Hozier, Chesnaye-Desbois, Courcelles, as tabelas ou a-
tlas genealógicos de Hübner, Koch e Hopf, o Almanach de Gotha e
a Peerage and Baronage of the English Empire, com o mesmo cui-
dado que já começam a examinar os registros paroquiais e os ar-
quivos de tabeliões.
Com efeito, entre a história descritiva e a nova história –
uma registrando no dia-a-dia os atos de grandes personagens, a
outra atenta às lentas transformações de natureza demográfica,
econômica ou ideológica que têm suas origens nas camadas pro-

37
Claude Lévi-Strauss

fundas da sociedade – a distância não parece mais tão grande,


quando comparamos as sábias combinações matrimoniais conce-
bidas por Blanche de Castille e aquelas que, até em pleno século
XIX, famílias camponesas continuavam a fazer sem elucubrações.
Em cada ocasião, os agentes podem acreditar que obedecem
aos cálculos de interesse, aos impulsos do sentimento ou às injun-
ções do dever; no entanto, estratégias individuais emaranhadas
deixam transparecer uma forma. Para desemaranhar as primei-
ras e destacar a última, os etnólogos devem se beneficiar com mé-
todos e conhecimentos dos historiadores. Aqueles, entre estes úl-
timos, que às vezes censuram o estruturalismo por privilegiar o
imutável talvez fiquem surpresos e, espero, confiantes, de vê-lo
empenhado a reabilitar até a “menor história”, e de saberem que a
colaboração dos etnólogos acha-se à sua disposição para extrair
material bem sólido de uma suposta confusão de datas e casos i-
negáveis, com o qual, juntos, poderemos continuar a edificar as
ciências do homem.

38
CLAUDE LÉVI - STRAUSS
da Academia Francesa

A VIA
DAS MÁSCARAS .
Edição revista. e aumentada e' acompanhada de
TRÊS EXCURSÕES

EDITORIAL PRESENÇA

UNICAMP
BIB 101 ECA CENTRAL
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'CM-OOtH97 4 5-4

PRIMEIRA PARTE

A VIA DAS MÁSCARAS

Título original
LA VOIE DES MASQUES
© Copyright by Librairie Plon, 1979
Tradução de Manuel Ruas
Revisão de texto de Wanda Ramos

Reservados todos os direitos


para a língua portuguesa à
EDITORIAL PRESENÇA, LDA.
Rua Augusto Gil, 35-A - LISBOA
zações propostas parecem, pois, inaceitáveis; mas daí não
decorre que as genealogias esboçadas sejam falsas: cada
uma delas poderá ser uma rami,ficação de uma genealogia
mais longa, tronco comum cuja recordação se tenha perdido
devido à sua antiguidade ou tenha sido propositadamente
esquecidopor poder dar consistência a direitos de concorren-
tes prioritários.
Mesmo considerando prováveis algumas obliterações, o,s
mecanismos pelos quais certo tipo de máscaras se espalhou II
num vasto território por herança, casamento, conquista ou
adopção continuam visíveis. Podemos assim ver também A ORGANTZAçÃO SOCTAL DOS KWAKTUTL(t)
como, articulados com estes, outros mecanismos invertem
a imagem da primeira máscara onde, antes de se interrom-
per, a propagação perde força. O exemplo que discutimos Na pri,rneira parte deste livro (p. 78) evocámo's rapi-
resumidamente, para homenagear um sábio que nunca pensou damente a organização social dos Kwakiutl e indicámos
que fossem incornpatíveis a análise estrutural e as investi- que ela levanta problemas muito complexos. Na hora actual,
gações etno-históricas, mostra pelo menos como nos factos em que as instituições tradicionais se encontram, em grande
se pode engendrar uma transformação mítica. parte, desintegradas, os observadores e os analistas já só
têm testemunhos antigos que permitam tentar identificar a
natureza dessas instituições. Pelas suas hesitações e pelos
seus primeiros esboços, a obra de Franz Boas- a quem
devemos o essencial das informações disponíveis acerca dos
Kwakiutl - põe bem em evidência as dificuldades.
Estabelecidos na ,parte noroeste da ilha de Vancouver
e na costa continental em frente dela, os Kwakiutl estavam
distribuídos por agmpamentos locais a que Boas dá o nome
de <<tribos>>. Boas observa, nos seus primeiros trabalhos,
que essas tribos se subdividiam em formações mais peque-
nas e do mesmo tipo todas elas, compreendendo cada uma
urn número variável de unidades sociais a que se chama
((gens))porque, ao contrário dos vizinhos setentrionais, todos
matrilineares - Tsimshian, Haida e Tlingit - , os K'wakiutl
têm uma orientação patrilinear e apresentam, a este respeito,
certas afinidades com os povos de língua salish que com
eles confinam a sul.

C) Republicadocom algumas modificaçõese acrescentossegundo


in: Culture, scíenceet, dëveloppe-
a versão original: <<NoblesSauvages>>,
ment. MéIangesen I'honnewr de Charles Morazê, Toulouse,Privat, 1979.

t42 143
obrigado a inverter a hipótese inicial. Julga agora que os
Mas as dificuldades logo aparecem, e Boas tem delas
Kwakiutl, originalmente patrilineares como os Salish, evo-
plena consciência. Em primeiro lugar, é impossível aÍirmar
pretende a teoria dos sistemas unilineares - que luíram parcialmente para um regime matrilinear pelo contacto
com os vizinhos setentrionais. Chama, então, às subdivisões
as <<gentes>> são exógamas, pois cada indivíduo se'considera,
de seu pai e, em parte, mernbro da tribo <<sept>>, conforme o sentido inicial da palavra, Ç[u€,
em farte, membro da <<gensn
Além disso, subsistem aspectos matrilineares' na antiga lrlanda, designava um grupo bilateral de ascen-
da cle sua mãe.
dentes; e renuncia a ((gens)), que substitui por <<cÌã>para
pois entre os aristocratas (os Kwakiutl formam uma socie-
melhor acentuar a coloração matrilinear actual deste último
dade estratificada) o esposo toma o norne e as armas (ern
tipo de agrupamento. Esses clãs, sublinha Boas, podem ser
sentido heráldico) do sogro e entra assim na linhagem dal
designados de três maneiras: uns têm um nome colectivo,
esposa. Nome e armas passam 1lara os filhos; as raparigas I
forrnado segundo o do fundador; outros chamam-sepelo nome
conservam-nos e os ra'pazesperdem-nos ao casar e adoptar I
do local de origem; outros, enfim, adoptam um nome hono-
outros, os das esposas. Por conseguinte, os emblemas nobi- \
rífico como (<os ricos>), <<osgrandes)), ((os chefes>>,(os que
liárquicos transmitem-se, praticamente' pela linha feminina J
primeiro recebem>>(nos potlatch), <<aqueles sob cujos passos
e todo o homem solteiro recebe os de sua mãe' Mas há-
a terra treme>>,etc.
outros factos que militam em sentido oposto: o pai é o chefe
Precisando as indicações que anteriorrnente dera, Bo'as
da família, não o irmão da mãe; e, principalmente' a auto-
explioa que, aquando do casamento, <<amulher ttaz em dotel
ridade sobre a ((gens)) transmite-se de pai para filho' No
ao rnarido,, a posição e os títulos do pai; mas o marido não I
fim do século xx muitos indivíduos de nascimento nobre
fica a possuí-los como pro'priedade 'pessoal, antes os detém I
reclamavam títulos herdados nas duas linhas (Boas, 1889)'
em benefício do'filho. E corno o pai da mulher, por sua vez, ì
Estas incertezas explicam que' numa segunda fase da
tinha adquirido esses títulos da mesma maneira (...), fica I
sua reflexão, ilustrada por lndianísche Sagen (1895) e pela
grande obra sobre a organização social e as sociedades secre- estabelecida uma regra de descendência puramente femi- I
nina - embora sempre por intermédio do marido>>.Que esta -
tas dos Kwakiutl (1897), Boas tenha rnodificado a sua pers-
pectiva e a terminologia. Até então tinha principalmente regra híbrida milita pela anterioridade de um regime patri-
linear e não rnatrilinear, corno primeiro pensara, encontra-'o
ãproximado os Kwakiutl dos povos matrilineares que se lhes
Boas demonstrado por muitos factos: o filho da irmã não
seguem a norte da costa; daí a sua primeira imp'ressão de
quu, ,ru* fundo de instituições comuns, e portanto matrili- sucede a seu tio', a residência nunca é uxori- o'u matri-local
e, ,por fi'm, e principalm,ente, as tradições lendárias vêem
i,r"ur.r, os Kwakiutl tinham evoluído em sentido patrili'
na descendência patrilinear do primeiro antepassado mas'
near. Alguns anos depois, munido de novas observações'
culino a origem dos clãs e das tribos - ao contrário dos
Boas impressiona'se ainda mais com as semelhanças na
povos matrilineares do norte, que dão esse papel à descen-
organizaçáo s,ocial dos Kwakiutl e dos Salish - a leste e a
dência das irmãs.
sul. Em ambos os casos as unidades básicas da estrutura
Nem Durkheim nem Mauss que, em 1898-1899 e enr
social parecem formadas pela suposta descendência de um
I"905-1906, respectivam,ente, discutiram as interpretações
antepassado mítico que construiu residência num determi-
de Boas; nem, cinquenta anos depois, Murdock aceitaram a
nado local - mesmo se, depois disso, essa comunidade de
hipótese de um regime matr,ilinear poder substituir directa-
aldeia teve de deixar o território original e unir-se a outras
rnente um regim,e patrili'near; caberia a Goodenough (1976)
comunidades do mesmo tipo, sem por isso perder a memória
realizar esta demonstração. Mas, pelo, menos para os autores
dn sua origem. Ora, os Salish são patrilineares e Boas vê-se
t45
144
nome desde a origem, desde que o primeiro ser humano
quanto à natureza fundarnen-
franceses, não havia dúvida discor- apareceu na terra; pois os nomes não podem sair da famÍlia
instituições kwakiutl;
talmente matritinear das dos principais chefes dos numaym, antes devem ir para o
eles que a basg destas
dando de Boas, sustentavam filho mais velho do chefe principal (...). E esses nomes não
uterina' Não insistia Boas'
instituições era u- iitiaçao podem ir para o marido da filha: nenhum nome, a começar
de um regime sucessório nas
desde 1895-1897,na existência por aquele que a criança recebe aos dez meses e até ela
para o filho mais velho (quer seja
famílias nobres? Do pai do
tomar o nome do pai - o nome do chefe principal. Esses
mas também' por casamento' ÍÌornes são charnados <<,nomesdo mito>>.Entre a dízia de
rapaz quer seia
'upu-túuit por intermédio
pai da esposa para o genro e' ::1t^t:,::9 nomes (é melhor entender: títulos) que um nobre kwakiutl
orJ' este segundo modo de transmitt:: adquire em toda a sua vida, alguns - os mais importantes -
os filhos nascituros' I
dos Kwakiutl que um indivi \ continuam, pois, a ser propriedade da linhagem. Quanto aos
tinha tai innportância aos olhos
casa))onde não houvessefilhas | ' outros: <<osúnicos nomes de um chefe principal de numoym
duo desejosode <<entrarnuma
um filho e' não havend" lX que podem ser dados por ocasião de um casamento são os
para casar desposavasimbolicamente do I
um braço ou uma perna - que esse chefe obteve dos sogros juntamente com os privi-
filhos, uma pafte ao to'po -
peça da mobília' légios; pois não pode transmitir ao genro os seus próprios
chefe da casa ou até uma J
artigo de Boas'publicado em 1920 marca privilégios. Parece, portanto, que os títulos de nobreza se1
Um importante ele
pensamento' É que' entretanto' agrupavam em duas categorias: os que não podiam sair da \
um novo rumo do seu excepcio- linhagem e eram transmitidos de pai para filho ou filha por Ì
um informador
tinha formado e posto a trabalhar direito de primogenitura e os que o genro recebia do sogro I
filho de pai escocês e mãe
nalmente dotado: Cuo'ru Hunt' por intermédio da esposa mas para transmissão aos filhos. I
e casado entre os kwakiutl'
tlingit mas nascido, educado Essas duas categorias (que, porém, os Kwakiutl negavam I
ao-longo de anos milhares
Inquiridor exemplar, Hunt' recolheu que iam que fossem de naturezas diferentes) recordam respectiva-
de páginas t"fo'-es sobre a cultura kwakiutl mente - observa Boas - , mutüís mutandís, por um lado,
"o* de casa até às tradições
das receitas cuUnarias da dona até os morgados europeus; e, ,por outro, o modo de transmissão
e das,técnicas artesanais
dinásticas das linhagãs nobres por clas jóias de família, que em teoria são propriedades de uma
organizados e publicados
aos mitos. ora esseámateriais, linhagem mas passam de mãe para filha quando esta casa.
os
Boas (1921),ou'ifu'u*-"o a .reinterpretarque' 11]1't^,n""
mals que a Já se disse que os nomes e privilégios mencionados por
primeiro lugar'
possuía. Deles resu"ltava'em Hunt constituem, essencialmente,títulos de nobreza; de facto,
da sociedade kryakiutl
tribo o'u o sept, a unidade fundamental por (gens)) incluem o direito exclusivo ao uso de emblemas figurados,
era aquela que Boas -o designara sucessivamente que comparáveisàs armarias, e também de divisas, cantos, danças,
e <<c1ã>> contot-u u'pt"to patrilinear ou matrilinear funções nas sociedadessecretas (conforme a terminologia de
de muito hesitan>' Boas
the parecia oominani"' ttoep-ois Boas, discutida por Mauss): confrarias que, entre o início e
a utilizar o nome indí-
renuncia a estes termos e resigna-se o fim do inverno - estação ritual - , substituern a sociedade
social apresenta catac'
gena numrym, 'porque <<estaunidade ou civil que vigora durante o resto do ano.
que os termos ((gens>' <<c1ã>>
terísticas tão especiais Todavia, as riquezas d,o numnym nã,o eram exclusiva-
mesmo <<sib>> induziriam em erro))' mente de ordem espiritual. Além dos objectos ornament.ais,
vezes de maneira cate-
De facto, Hunt afirma muitas como máscaras,toucados,pinturas, esculturas,travessasccri-
nobres que ele recolheu o
górica - e todas as genealogias de moniais, etc., incluíam um domínio fundiário constituído por
kwakiutl ((nunca mudam
confirmam - q"; ï'-"o0"'-
l'|'7
l4ti
vem então
pesca uma linha com que não tenha parentesco>>'Que
cursos de água, locais de a- ser um numayma? Para bem entender
a sua estrutura'
terras de caça e de colheita, pesca)
também para a ' os indivíduos quo
e de barragens lque serviam os 'ltt:t
legítimos escreve Boas, <<maisvale não ter em conta
a"tu*ente defendidos: que o numayma con-
direitos territoriais átu* o co,mpõeme considerat em vez disso
não hesitavam em matar os intrusos' A cada uma
nr^"*ilttos -rà,, as siste num certo número de posições sociais'
Finalmente, ,o artigo de 1920, Boas completa um (posto))' um
de dessas posições estão ligados um norne'
casámento' A exogamia
suas informaçoes sobre o :!::1:
<<lugara conservar>),isto é: uma categoria
e privilégios' As
como mostra- o simbolismo guerrerro
era mais frequente, número limitado e
mas também são observáveis
casos categorias e os privilégios existem em
dos ritos matrimoúis; ("')' É esse o esque-
por exemplo entre meio-irmão formam uma hierarquia nobiliárquica
muito claros de endogamia- de a sua vida' podem
ou entre o filho mais velho leto do numayma; os indivíduos, durante
e meia-irmã de mães ãiferentes Hunt que os a elas ligados>>'
um pai e a sobriritru' nputu
impedir - diz - ocupar várias posições e tomam os nomes
deste modo' conser- de haver neste
suium au-tá*iìiu' Procedendo De resto, é difícil afastar a impressão
n.ì"í"*t"t Mas também acontecia que' na um regresso em força
vam entre eles os pti"itegio"' suce- último estádio do pensarnentode Boas
gttt"'o' esposo de uma filha única' dos aspectos matrilineares - apesar
da repetida afirmação
ausência de filhos, o homem
do numaym deste' Esse por Hunt se sabia que
desse ao sogÍo na clhefia filhos enviava de uma predominância patrilinear' Jâ
se tivesse vários entre si e que o
mudava, portanto, â" ""*"V*; e con- os germanos do mesmo pai podem casar
deorigem' para lhe sucederem' da mesma mãe' Boas
uns para o seunLlmaym a perpe' mesmo se não dá com os germanos
u ti* de assegurarem
servava consigo o'-ït'oot' no caso de acrescenta que, à pergunta <<de
quem és tu-otr de quem é
mãe' De um modo geral'
tuação do numaym da podiam com o nome da mãe'
do mesrno.grau, os filhos ele - filho?>>,sempre se ouve responder
casamento entre cônjuges e filha' o genro
matãrno e parterno
'atê' O sogro proclama que, ao casar com a sua
ser repartidos ettã'ií mantinha
dos avôs ou
"u*y^ mas cada indivíduo
bisavôs; (entra no seu numaymcL>>As testemunhas do casamento
parece, os no do sogro para
de tal modo que a filiação fazem coro: <<Agora o genro entra na casa
uma certa liberdaie ã" ut"offt"'
pelo- direito agnático' se apro- aumentar a gtandeza do seu nome))' Por
conseguinte' na
numaym, teoricamÀnte -ã" regida
ãi't"*u de sucessão cognática' altura da morte de Boas e numa época em
que as institui-
ximava, de facto, "* a em 1942' Boas não deixou quase por complcto'
Até à ,"u *oi'u' sobrevind ções tradicionais já tinham desaparecido
nem de elaborar os materiais continua dc pó;
de reflectir u""'"u ão' Kwakiutl ao o problema da sua naluteza- patrilinear -
estadias sucessivas' escalonadas os princÍpios' nÍl
recolhidos durante doze assim como o da coexistência de ambos
em 1966' os seus inéditos
longo de meio sec"i"' Publicados (ou' como hipótese da sua intervenção conjunta
(mas' ncsso cilso'
apresentam u Ut'i*a concepção do nurnaym portanl"o quo
't'u enle, numayma): <<Tais
como foram segundo que modalidades?)' Compreende-se
the chamou posreriorm pensar que numo tipologiu
qo" precede' p'oderíamos Boas haja renunciado a incluir o numdymo
descritos o, nu*oi"*"o tribos; cittcgorias suus
ou 'gentes' de outras da organização social; rejeitando todas as
são análogo, *oJ'ltibs" 'ltrãs; llrlus ttÍto podc
não nos permite aplicar-lhes conhecidas por nenhuma delas ser aplicávcl'
mas a s.ru
"sp"ciul "o"'titt'içao o ni^^y^o não é patri- dar uma definição do numaymo e resigna-sc
it tlcscrcvô-lct
cstes termo'' futa"Ao rigorosamente' criança de um
lincar, pois - d";;; ã"-""oto' limites - uma comoumtipodeestruturasemequivalctttctttlsetrquivosda
testa-
ser atribuída por disposições
ou rlo o,rrro ,""o";;" a etnologia.
de que descende ou até
ttttrttl.frriasu ou"ìï'i"lt"ãu'-ti"rtut t49

l4H
um pouco tnais lrlnp"ttltttt'tt
Se, porém, nos deslocarmos
Os Tsimshian t'Ôttttltrt sttt-
norte, tudo parecerá modificar-se' 'l'lirtp'll
i;úYês; o dos Haida c dos
tema de parentesco ;;;ú s{lo I't'ttn-
e todas estas três tribos
aproxima-se do tipo crow;
entanto' em nenhum 1":|t'.:..1i'l-
fora da América' especial- camente matrilineares' No
Ora, esse equivalente existe e até de base da estrutura socittl'
na Indonésia' na Melanésia casos se encontra' "ï' t'"iauaes
mente na Polinésia e que seria de esperar nunt
dedicados de aquela composição homogénea
todos os seus estudos Entre os T'simshian' rtrui$
em África, embora, em ditos não- regime de descendc*iu "ãifi"ear'
esta parte aos sistemas por untu
há vinte e cinco anos a a fim que de unidades, trata-se de
agregados constituídos
seria chamar indiferenciados' ãue the estão' subordinados
-unilineares (que melhor linhagem dominantl ã ã" ""tÃt
bilaterais' que são unilineares seÍnpre, raços de parentesco.
Entre
cle os distinguir d";;;";as reconhe- sem que corn ela tenham,
etnólogos não o tenham híbrido do regime da
pro-
mas em duplicado) t'l ' "t encontrar duas os Haida e os ftingit '--i'"u'ait'"t
ete ã' Podemos factores: abandono de
antigos
cido naquilo que '"àíá*u priedade resulta dã vários conces-
outros' por ocupação e uso;
razões Para isso' corncl
'de
dornínios e aquisição de para
lugar' este tip-o de instituição não iransferência de títulos
Em primeiro bili- são de domínios ì-ú*"t"s;
de ãescendência- unilinear' " ou de outros danos; anexação
com nenhum dos #t-;tn* tratados compensação de u"u"i"io'
são tendencialmente na ausência dos herdeiros
near, indiferenciada- ' QUê que nas institui- por vizinhos Ae Oireitos ou títulos
separadas mas
como se fossem "I"go'iu' naturais, etc"
pouco rígida umas regras
iá., ao tipo do
numayma se entrelaçam'
de pe.rto Corno aplicar de maneira tão tão
basta considerar mais formuladas em lslrnss
Para ter a certezadisto, Kwakiutl' Os de descendência e ã" 'uces'ão aos
se estabeleceram os põe em relação aos Kwakiutl,
a ârea geogtâflca onde estritos? o problema não se
os Nootka e os Bella
coola' que exploram a fundo (e mesmo
vizinho, *uir"iï;;";; Nootka e uos neiu óootu, a
seus qtlÏ' como entre os Kwa- pseudo-casamentosdos Kwakiutl)
têm as mesmas instituições'-u' mais, se pensarmos nos modo'
parentesco do cognático e podem' desse
de um sistema de elasticidade oo set
kiutl, se fazemu*putt'u' são designados 'i'**u de manobras sociopo;líticascom os
(em que germanos e primos revestir toda a "'pã"i" regras dos
tipo dito havaiano indife- Mas' pelo contrário' as
uma regra de descendência ouropéis ao p"'""i"'co'
pela mesma patavrà) e de o minmints s aos Tlingit parecem'
à primeira
ot' quase nada distingue Tsirnshian, d"' ;;i;; de um
renciada. De facto' nada no caso dos para que se deslize
tal como foi descrito impressão, demasiado rígidas propria-
bella coola dt ';'*y*" o papel do parentesco
plano para o outro; e também
i(wakiutl. pãlo qual as combinações ins-
mente dito se r"ririú",'*tivo mais às claras' Em
ou ambilateral'elementos
semprebem piradas por outros *On"l' aparecem os
C) Num sistemabilateral tU: uns na linha paterna
ambos os casos'a vida local
mistura inextricavelmente
que
do estatutorcs19af :1i":*tttdos' política ou económica ou
determinados
laços que resuttaà da t'istotia
os c,asosê' Pof vezes'conforme
eoutrosnalinha*ui""'ì'Umsistemaindiferenciado'pelocontrário' ot laços que reclamam basear-se em
por ela sao criados
é um sistem" u- nt" - consoante seus ascendentes - qualquerele- "o-
de cada i"i**"uAo ou dos genealogiasreais ou supostas'
a opção qualquerdas duas linhas' do norte da Cali-
menio do ïiã" J"ïtrunsmittl^:* transmr- Os Yurok, pequena população -costeira uto
"""t*"o do estatuto respectivamente o"ito exemplo-.da.manelll^:o'tttn,
Nos Kwakiutl, 'u JJãu"tentos Íossemde natureza diferente' fórnia, ot",""""'-"o' por assim dïzcr'
cadamento se dissolve'
ticlosna lintra agná-icuu no' seriaindiferenciado' o actual regra de descendènciaunilinear
uluïtiir'-t'-"u'o contrário' questão'
o sistema não permite decidir esta ll-rl
da 'u'i"
u""u^""iulu" disponível
trr't.tt<Itl

I ttO
a-ocontacto com instituições do tipo que temos vindo a con- fachada, a função cerim,onial,nonl(ì osrjo do rlttitl <Icriva o
siderar. De facto, os Yurok, ao contrário dos Tsimshian, dos cio ou dos seus proprietários.
Haida e dos Tlingit, são patrilineares. Mas Kroeber, que os Assim, por exemplo, o senhor da c:ltslrlur'ri1r,ottor, rta
estudou assiduamente (os Yurok têm, na sua obra, um lugar cidade de On'len-hipur,chama-se F{a'ii1;otìttt'r;olrin; c o tLt
quase comparável ao dos Kwakiutl na obra de Boas), acen- casa meitser, na cidade de Ko'otep, Ke-nlcitsot'.()r;t t'ss;ts
tua que <<todavia,um grupo de aparentados nunca está cir- casas,ern qrìe Kroeber só considera a técnicit <It'cottst.t'ttt;lìo
cunscrito, corno o estariam um clã, urna comunidade de aldeia e a função utilitária i(só fala delas no capítulo cftrllrrtrllrool,t
ou uma tribo. Esbate-segradualmente em inúmeras direcções cf the Indians of Californio dedicado à ctlltura trral.crirtldos
e funde-se com outros também em inúmeras direcções>>. Por- Yurok; e omite a sua existência quando passa ao tritllttttcltltr
tanto, entre os Yurok, <<oparentesco funciona de modo bila- da organizaçãosocial), constituem, de facto, pessoasIttotrtis.
teral e, portanto, difuso, pelo menos em certa medida; de Todos os textos indígenas,recoihidos pelo próprio Krot:lrt't'
maneira que não existia qualquer unidade social formada por ou pelo seu colaborador indígena Robert Spott, o estabclr'-
indivíduos aparentados uns com os outros, actuando em con- cem de modo indiscutível. Assim, a propÓsito da dissolt"t<.:lìtr
junto e capazes de acção colectiva otganizada>>. de um casamento: <<Umajovem de Sa'a tinha contraído urn
É notável que, em tal situação, Kroeber não queira reter casamento pleno (isto é: pelo quai fora pago um preço elc-
senão os aspectos negativos. Os Yurok - escreve- <<não vado) na casa wôgrvu de Weitspus>>.O marido morreu e,
têm sociedade,enquanto tal, nem organizaçã,osocial (...). Na passado algum tempo, ela resolveu regressar à cidade natal
a-usênciade governo, não conhecem autoridade (...). Os com a filha ainda pequena. <<Osparentes entregaram, por-
homens (chamados chefes) são indivíduos que, pela sua for- tanto, o pagamento matrimonial à casa wôgwu de Weitspus
tuna e pelo seu talento pata a conservar e tltilizar, reuniram porque queriam ficar com a criança' Mas a casa wÔgwu só
ern volta das suas pessoas um agregado de parentes, clien- quis aceitar metade para que a ctiança não passasse a ser
tes e semi-dependentesa quem prestam assistência e protec- ilegítima (..). De iguai rnodo, se a mulher tivesse sido
ção (...). Termos tão familiares como 'tribo', 'comunidade morta, ou se tivesse morto ou ferido outra pessoa, a corn-
de aldeia', 'chefe', 'governo', 'clã' não podem ser utilizados pensação pecuniária deveria ser repartida pelas duas casas>>.
a respeito dos Yurok a não ser com extrema prudência ('..). Neste caso, como em todos os demais que fervilham nos
Tomados no seu sentido habitual, são-lhes totalmente inapli- textos, não são os indivíduos nem as famílias quem actua:
cáveis>>. são as casas, únicos sujeitos de direitos-_ellev_91es'Quando,
É difícil conceber que uma colectividade humana que se junto ao leito de morte de K'e-(t)se'kwetl, da casa tsekwetl
distingue das outras pela língua e pela cultura possa ser tão de Weitspus, a mulher e a sobrinha disputaram a herança do
invertebrada. Na realidade, as instituições que estruturam nroribundo, este decidiu a favor da sobrinha antes de expirar
a sociedade yurok existem: são, em prirneiro lugar, as cin- porque, disse, <<afortuna não lhe pertencia pessoalmentemas
quenta e quatro <<cidades>> pelas quais se distribui a popula- sim à casa tsekwetl>>.
ção; e, principalmente, no interior de cada uma delas, as Mesmo que se tenha escrúpulos em exprimir dúvidas, ti
((casas)).Eis a palavra: a mesma, de resto, que os Yurok lícito perguntar se Kroeber não terá procedido mal ao des-
usam, na sua língua, para designar esses estabelecimentos, crever a otganização social dos Yurok exclusivamente ctrt
em princípio perpétuos, com um nome descritivo inspirado função dos aspectos que lhe faltam. Mas, se houve faltit,
pcla localização, a topografia local, a ornamentação da csta é menos do grande professor que da etnologia sua cotì-

l5:Ì llt : Ì
temporânea, que não dispunha, no seu arsenal institucional, ções da estrutura social: belo tema cm l)orsl)octivapara a
do conceito de casa mas apenas dos de tribo, aldeia, clã colaboração enrfe linguistas, etnólogos c hist.oriadorcs.
e linhagem. Na Idade Média, o processomais antigo Í'oi t.irlvt-.2
uma
Ora - e é esta a segundadas razões que anuncifsl6s -, combinatória fechada ou em campo fechado: puis <:lrarrrados
para reconhecer a casa, teria sido necessário que os etnólo- Eberhart e Adalhilt chamam a seus dois filhos luìÌ ritpiìz c
gos olhassem para a história: pata a da idade Média euro- uma rapaúga, Adalhart e Eberhilt, respectivarnonl.c. Há
peia, certamente, mas também pata a do .Iapão dos períodos rnenos de quarenta anos observei o mesmo proccsso nu Arrra-
Ileian e seguintes, para a da Grécia antiga e para muitas z6nia, mas estendido a três gerações. Os nomes mcrovÍngios
outras ainda. Para ficarmos pela nossa Idade Média, é muito e carolíngios ilustram uma combinação mais livrc, l)or scr
reveladora a comparação da definição dada por Boas para aberta na escolha e utilização dos morfemas. Os príncipcs
c numaymqkwakiutl (vide p. 149) com a que nos vem da pena merovíngios chamam-se Théodebert, Charibert, Childcbcrt,
de um medievalista europeu ao procurar estabelecer com Sigebert, Dagobert; mas também Théodoric, Théodebald...
ev.actidão o que é uma casa. Depois de sublinhar que a Na família de Carlos Magno vamos encontrar Hiltrudc,
linhagem nobre (Adelsgeschlecht) não coincide com a linha- Himiltrude, Rotrude, Gertrude, Adeltrude, etc.; mas o mor-
gem agnática e é mesmo, muitas vezes' desprovida de base fema inicial Rot- produz ainda: Rothaïde Rothilde; o mor-
biológica, renuncia a ver nela mais que uma <<herançaespiri- fema inicial Ger-: Gervinde, Gerberge; e o morfema inicial
tual e material, que compreende a dignidade, as origens, o Adel-: Adelinde, Adelchis, Adelaide, etc. Por outras pala-
parentesco, os nornes e os símbolos, a posição, o poderio e a vras, o mesmo radical admite vários sufixos, o mesmo sufixo
riqueza, e é assumida (...) em atenção à antiguidade e à dis- vários radicais e o sistema antroponímico é capaz de engen-
tinção das outras linhagens nobres>>.Como se vê, as lingua- drar formas novas por enxameação- digamos - em direc-
gens do etnólogo e do historiador são praticamente idênticas. ções opostas. Fechada num caso e aberta no outro, é sempre
Estamos pois, sem dúvida, em presença de uma única e uma combinatória. Uma terceira fórmula, que vigora sempre
mesrna instituição: pessoa moral detentora de um domíniíì em determinadas famílias ou regiões, caracteriza-se pelas
composto simultaneamente por bens materiais e imateriais I repetições periódicas: o nome do neto reproduz o do avô
c que se perpetua pela transmissão do nome, da fortuna paterno ou o nome do filho da irmã o do tio uterino.
" | Ì
dos títulos em linha real ou fictícia, tida como legítima sob / ' Assim, a alternância dos Pepinos e dos Carlos nos pri-
a condição única de esta continuidade poder exPrimir-se na / meiros Carolíngios: re5ra geral, do avô paterno para o ncto,
linguagem do parentesco ou da aliança e, as mais das vezes, I mas o segundo Pepino, sucessor do seu tio uterino, era I'ilho
em arnbas ao mesmo temPo. l da filha do Pepino origem da linhagem. As três fórmulas que
Na memória a que acabamos de fazet menção, Schmid indicámos não formam uma série evolutiva: cocxistctrt, ltur
observa que a origem das casas medievais se mantém obscura vezes,no tempo. E todas elas se encontram tambónr cnt.roos
porque até ao século xt, cada indivíduo era conhecido por índios a que fomos buscar os nossos exemplos.Os Kwakiutl
um só nome. Na verdade, os nomes simples e não recorrentes utilizam ambos os tipos de combinatória, a I'ccltitclrt t' a
rrada ou muito pouco nos podem dizer; mas os nomes antigos aberta, e dizem <<cortaro nome em dois>>llara clcsigtìnrurna
compõem-se, por vezes, a partir de nomes de ascendentes. forma mista. Quanto à fórmula periódica, podc scr obscr:-
Ora, não é de excluir que existam relações entre as várias vada nos Tsimshian,que acreditavamna rcirrcarnaçÍiotlo avô
rn<rdalidades observáveisdesse procedimento e certas varia- na pessoado neto.

t5,1 155
a
espinhos' etc' Fora da França:
de S. Dinis, a coroa de ou'
de parentesco europeus
nao a coroa de Santo Estêvão
É verdade que os sistemas lança sagrada de Constantino' o
; dos K-wakiutl nem
do tipo u recordação: assim' temos
;; na falta dos obÍecio'' "u arturianas' a quc a abadia de
são do tipo havaia; tipo crow como os
nem do graal e a lança aas i""aus
iroquês como o d";';ti*;;ian
são habitual- para aumento do prcstÍg'io dos
aos ttaida e dos Tlingit'
Os
:i't"*-u-:,:"'of"t" que se caractetlza Glastonbury lançou sortilégio

ffi"+ì;"*':-,*
o tipo esquimó' a antiga l'rança
mente relacionado' "ã*

e irmãs e os prlmos'
ïï::ï.4ilÏï::
^ï'f;:**"gt#ï":
tJustrrYe'!v'
:^;^
fralcês na mesr
^^-;'rnr{e nâ
confunde mesma
"""ï:,ï;:ï asota o parentesco fictício;
também não se coibiu
de recorrer a ele' Alguns
obrigados' pretendera m fazet
cronistas'
descender
esta distinçao, o u'iiigo 'i"u*uparentes mais afastados'Para Drovavelmente a isso l'rnta-
p"iu taz!7 extremamente
e os ãs Capetos Ao" Cu'-oringiãt pri-
designaçãoos primos Littré ainda sugere: ãã trË"'iq"e I ter sido
casada em
primeiro significado"ão-t"t'o'primo" que não aquelesque sista de a av6*ut"'ltï morto sem
o"ìr1ta3t V' o úiti'mo Carolíngio'
de todos meiras núpcias da Borgonha' Eudes-
<<Diz-se "o*-l-t"t xr' o dtlque
";n;";;t assimilaÇão cornparávet
:'i"" deixar herdeiro' N; ;é*1" perpetuasse
têm um nome t*ã"*;- germanos e pnmos' genro Otto'Guilherme
havaianos entre -ÏIenri, quis que ;;* pretendeu
fazem os sistemas aproximada- lx' Luis da Provença
de um grau' As-sim'dá a sua linhagemr N; ;;"1ï por a mãe seri:-tt"
salvo pelo desfasamento das manobras sociais
mesma riO"tã"a" de disfarce ter ascendência caro;tíngia-menos.
mente a adoptivì de carlos-o-Gordo'
parentesco' linhagem n," noo-'i"t-ïiilt"
i""s sob a capà do iï"r- dúrante a guerra dos cem
E conhece-r" o nunJi n*
""-p"ft g'áou'ao V ool- Carlos VI e Isabel da
Anos, a adopção â" vII'
p.oprio fitho, o futuro carlos
* Baviera u* autri*ïlro ão de uma linha sucessória
** A existênci" ;;;; át i<*urti"tl
que vai do avô por intermédio da filha e do marido
no seio dos
europeias apresentam
todos os
desta ainda a"i** dL alimentar discussões
"";;;;";
muito
Ora, as casas medievais aos Kwa- "ao de sucessãopareceter sido
em relação etnólogos.O'", t"ã-tipo -Ë*opu' se
traços tantas à onle- oor várias ocasiões
""""'-fu'udoxais-q":' de Boas e' relativamente frequente ,'u uitã-íuUuo ponte
kiutl, causavam o J*futuço etnÓlogos' seìs mulherãs podiam <<Ïazet
dificuldades aos pôs a questão o" podiam trâns-
outros povos, "o"titïïï- "ti"t ot.r se' tendo um filho' lhe
Vejamoi essestraços um
por uT e passagemu, (fora
possui um domínio' que con-
,---, ,.
direito, qo"'u:ãt
ãias proprias não podiam exercer
Europeia ou ináia' u "u'u mitir herda'
e riquezas materiais'
O chefe específicosque podiam ser
siste em riquezas iãáeriais
o caso de atguns-fu"oo, a adopção
rico' corno hâ.rcu1 iecordámos
mesmo imensamente dos por mulheres)' Ainda
da casa é rico, àt;;;;t de Carlos baseou-se,entre outras coisas,
ao analisar o testamento de Eduar o v; u.áu adopção ter
sublinha Montesquieu rico para que a II' genro de Filipe-o'Belo'
Magno; de qualque'-áoao'
é suficientemente no facto Ae o Uisavo'Eduãrdo per
e um meio em caso de sucessão
instrumento político podido subir ao trono de França
troça da importânciaque
um
sua fortuna constitua (<Dar'
tuf como Ai' em Gérard de Roussillon: ux.orem.Nosecuú xvl' Montaigne pelo facto
de governo. '" As riquezas da casa
incluem
os seus dao à figura das armas,
eis as suas torres'ã"u*uiutt'' "orrr.*porárreos para outra família>>'
e prerrogativas hereditárias - de <<umgenro '"i' u t'u"tportá-la
também os nomes' títulos acres- os contratos de casamento
que se <<honrarias>> - ' 4 que se deve Com efeito, foram inúmeros impunham a
a
aquilo
"f'u*ot'u i-Jio'':tb:1t de origem sobrenatu- que davam uo g;;; o direito' mas também
centar, tal como #;; bandeira
a Sagrada Ampola' a 157
ral: a capa de S' Martirúo'

l6B
que não tivesse her' Geroldingern; foi Ulrich, e não o pai, quem fundou uma
obrigação, de tomar as arÏnas do sogro casa, a dìs Udalrichingern, sem dúvida por causa da glória
transrnitir aos filhos' Já
deiros do sexo masculino, para as proporcionada pelo casamento da irmã com Carlos Magno'
a qual o último
no século xI tomava vulto ã lenda segundo A casa nasceu, assim, da sua aliança com os CarolÍngios;
legara' juntamente com- o
Carolíngio, Luís V, morto em 987' mas quem lhe deu o nome foi o irrnão e não a irm6'
rei Capeto' Na Escócja'
leino, a mulher ou a filha ao primeiro Vindo ao de cima, o princípio patrilinear abafou as
filha herdava os títulos
na Bretanha, no Maine e em Anjou' a
husband' como antigas tendências de ponderação das vantagens de uma
r" houvesse filho; o genro - incomíng
"a" uxoris ao ((entrar na e outra linha e de manutenção de um equilíbrio entre elas.
se diz em inglês - tomava- os iure MasháusospopulaÏesqueconservamvestígiosdessasten.
dos Kwakiutl' Por von-
casa))- que é a mesma expressão dências. Na região do Languedoque-Provença'e talvez tam-
passaria para-
tade de Henrique I, a coroa de França :eu
bém noutros locais, ainda hoje se observa um esforço de
pre-
da Flandres se o legítimo herdeiro'
cunhado Baldúno servação da simetria entre as duas linhas' Em Bouzigues' na
nesse caso' o conde da
Filipe I, morresse na juventude; comuna de Hérault, dá-se o nome do pai do pai ao filho mais
tornou-se herdeiro per
niunat"t, geffo de Roberto-o-Pio' velho e o do pai da mãe ao mais novo; e, simetricamente'
uxorem. o nome da mãe da mãe à filha mais velha e o da mãe
da sua orienta-
Boas surpreendera-seporque' a despeito
davam semlpre o nome da,mãe do pai à mais nova. O efeito de espelho é ainda mais visível
ção patrilinear, os Kwakiutl se considerarmos o parentesco espiritual: o pai do
pai e
filhos (vide p' 149)'
quando se lhes perguntava de quem eram filho e da filha
observa e comenta o a mãe da mãe são padrinho e madrinha do
Num interessanteãrtigo, D' Herlihy mais velhos; o pai da mãe e a mãe do pai são-no
dos
matrónimo' em vez do
lugar não despiciendo ãue e dado ao por vezes ao
Média euro'peia' mais novos. Por outro lado, acrescenta-se
patrónimo, petos textos juridicos da Idade só têm direito a fazë-lo os habi-
as causas histó' nome um sobrenome' mas
Considerando a generalidade do fenómeno' que, além da dualidade
não parecem absoluta' tantes da aldeia. Quer isto dizer
ricas e locais avançadas por Herlihy paternos/maternos, se tem de dar lugar à dualidade entre
os nobres lnvakiutl que se
mente convincentes. Tal como os <<naturais>>e os de fora.
em ambas as linhas'
vangioriavam de possuir títulos herdados Esta segunda forma de dualismo aparece
já nas leis
de uma ascendência
os Capetos aplicaram-se à aquisição sucessorial - em
na linha materna' bárbaras, em que persiste uma competição
carolíngia tanto na linha paterna corno graus, de resto, variáveis - entre as linhas directa e cola-
primeiro' graças ao
mas só o conseguiraln em três fases: denota
na linha-mat€rna' íeral, por um lado, e os vicini, por outro; este termo
parentesco fictício (p' 157); depois' apenas aqui-
'p"to descendente dos Caro- um esiatuto jurídico cujas regras precisam o modo de
de Luís VII com uma O dualismo da filiação e da
este' ao casar' por sição (Lei sálica,' títuto XLV).
iingios que foi mãe de Filipe Augusto; e
"uru*ento
simultânea daquilo
legar a dupla residência ressalta também da existência
sua vez, o*u Carolíniia, pôãe finalmente
"ornao filho Luís VIII' que, mesmo no caso dos nwmaymo kwakiutl, se pode chamar'
ascendência ((nomes de
os Nootka e os óo-o ,tu antiga Europa, ((nomes de raça)) e
Tal como strcede entre os Kwakiutl'
punha-se em lugar princi- terra>>.
Bella coola, durante muito tempo Parece que, na Idade Média, os descendentes cogná'
proporcionava'
pal aquela das duas linhas que mais prestígio
chamado Gerold que ticos ou agnáticos de um antepassadoilustre tomavam nomes
Schmid cita o caso de um senhor feudal depois
teve um filho Ulrich derivados do dele: Leitname em alemão. Juntava-se-lhe
era, teoricaÍnente, origem da casa e de
nunca citam os o nome de terra; e o nome antigo desempenhavaa função
e uma filha Hildegardl ora, os documentos
159
1õ8
matrimoniais, contraídas no interior ou no clxtcri<lr,só podem
XII e XIII teria
nome próprio colectivo' Por altura dos séculos realizar-seentre cônjuges de estatutos dil'crctlttrs('). Nessas
família' de nomes
corneçadoo uso' pelos membros da mesma sociedadeso casamentoé, portanto, incvitavt:ltttcntt-',aniso-
e dos seus palá-
cterivados das suas propriedades fundiárias gâmico. Não podendo escotrhersenão entrc a lripol,,rtt.ttia c a
herança, que tanto
cios; tomava-se o 1.,o*. uo receber a hipergamia, tambérn neste aspecto essas socicdadtrs t'Ôm dc
podia ser materna como paterna' Os nomes de terra desem- redigi<Ia,
combinar dois princípios. Utna memória 1lt'ovavcl-
verdadeiros' e ao mesmo
penharam então o papetrde nomes mente, entre 1484 e 1491 e intitulada tresHonneurs <le lrt <:our
como centro de
tempo afirmava-se o carácter da residência - verdadeiro tesouro de observações etnográficas
publicadrr
passou ser uma
a
u"çáo política. A habitação de um nobre no século XVIII por La Curne de Sainte-Palaye- pircr bom
ponto cen-
(casa nobre>),na medida em que representava o às claras este aspecto. A sua autora é Aliénor de Poitit:rs,
dimanava'
tral de ctistalização do poderio, que dali viscondessa de Furnes, filha de uma dama-de-honor dtr
Kwakiutl suficiente-
Não podemos ir no passado dos Isabel de Fortugal que acompanhou a atna quando esta loi
eles' se deu a
mente longe para descobrirn'los se' entre casar com Filipe-o-Bom' Ora, esta minuciosa descrição dos
que Boas os conheceu'
mesma evolução. Mas, na época ern usos vigentes na corte da Borgonha sugere qì're a terrninolo-
a eles próprios ou com nomes
as numvyma designavam-se gia francesa do parentesco por afinidade tal como a conhe-
do nome do fundador
de raça, termos colectivos derivados cemos hoje em dia, terâ resultado de uma espécie de deslize
que remetiam para o local
naítico, ou com nomes de terra, semântico. No século XV os epítetos <<beau>e <<belle>>, apos-
tipo de designação'
de origem real ou suposto; um terceiro tos ao termo de parentesco, eram usados por uma pessoa
por teimos honoríficos, tendia a suplantar esses dois: uma
de estatuto superior quando se dirigia a outra situada rnais
que, na Europa, atenuou
àvoltrção comparável, taïvez, àquela abaixo numa rede de parentesco directo ou colateral ou
das casas
gradualmente a conotação geográfica dos nomes ainda por aliança: quando, em 1456, o delfirn, futuro Luís XI,
Hanover' etc'
] Bourbon, orléans, Valois, Sabóia' orange' revoltado contra o pai, se foi refugiar na corte da Bor-
principalmente valores de poderio e de
- e thes associou gonha, chamou <<be1-oncie>r a Filipe-o-tsorn ajoelhado diante
prestígio. dele. <<MadaÍne ma soeur)) e <<Belle-soeuneram os termos
Trata-seounãodeumaconvergência,nemporrsso com que se falava a parentes prÓximos mas que tinham
e da resi-
deixa de haver nisto uma dialéctica da filiação feito casamentos desiguais.
fundamental' das
dência como traço comuln' e sem dúvida É, pois, apenas devido ao carácter hipergâmico ou hipo-
como noutras
sociedades <<decasasr>.Tanto nas Filipinas gâmico do casamento que estes termos ocorriam principal-
partes da Mela-
regiões da Indonésia, e tarnbém em muitas mente nas conversas entre parentes por aliança' O dtlque
hâ muito assinala-
nésia e da Polinésia' os observadores iá' da Borgonha, João-sem-Medo, ajoelhava diante da nora'
ram os conflitos de obrigações resultantes da dupla pertença esta respon-
Michèle de França, e chamava-lhe <<Madame>>;
unidade resi-
a um grupo de descendênciabilateral e a uma dia tratando-o, por <<Beau-père>>. Igualmente, Filipe-o-IJrttlt tl
terrninologia
denciai: aldeia, lugarejo ou aquilo que, na nossa
por <<bairro) ou (quarteirão>>'
administrativa, designaríamos (t) <<L'Astrëe é um romance da nobreza ("')' A prìtrtcirrt pr't'
da estrutura social estão
Quando as unidades de base gunta que um nobre punha a outro nobre quando sc olì(lolìllÍlvrtltl
distin- era sernpre, e continua a ser, a seguinte: <<A que casa, a tlttr' l:rtrlllitt
cstritamente hierarquizadas e quando esta hierarquia
E a esse nobre é dado um determinado lutÌrtr ttit lrit'trtr-
guc também os mernbros individuais de cada unidade con-
pertence?>>.
proximidade em quia consoante a resposta.>> N. Elias, Ld socíété d<t cttu|(l)it'ffÍi/i:tt'lttt
soante a sua ordem de nascimento e a Gesellschaft, 1969), Paris, Gallirnard, 1974, p. 291.
ao antepassado comum, é evidente que as alianças
lr,lar,rir<l
l( ; l
l( i( l
É então de boa estratégia utilizar conjunli.rrrrcnlcrrntlr()sos
a sua nora Catarina'
a mulher, Isabel, chamavam <<Madame>> e princípios, consoante o ternpo e a oportrruidirtkr,pirnr tttitxi-
<<Beau-père>>
filha do rei Carlos VII, e ela chamava-lhes mizar os ganhos e minimizar as perdas.
esta maneira
<<Belle-rnère>>.No entanto - nota a autora -' Do mesmo modo, as casaseuropeiassenìlll't'ltr;sot'iltt'ltttt
respectivos esta-
pãf" q*f dois interlocutores assinalavam os as duas práticas: o casamento a distância e o cltslttttt'ttltr
prescrita' nos graus supe-
tutos so era permitida, e mesmo muito próximo. As genealogiasapresentammuitos cxt:tttlllos
príncipes e princesas'
riores da nobreza: reis e rainhas' de casamentos próximos qìle reproduzem todas as fot'ttuts
casas de graus inferiores
duques e duquesas;era proibida às clássicas conhecidas dos etnólogos: com a prima cruzada,
dont
(sy comme de Comtesses,Vice-Comtesses'Baronnesses' patrilateral ou matrilateral, ou até, poderíamos quase dizt'i',
et Paystl e)'
if; grand nombre par plusieurs Royaumes <<àaustraliana)), como foram os casos de Filipe-o-Bom e dc
aussy d'appeler leurs
Nestas- casas, <<neleur ãppartient Francisco I, que casaram, um e outro' com a filha do filho
sinon autrement que
pu""tr, Beau'cousín oa Belle-cortsifle' do irrnão do pai do pai... Também podernos encontrar exem-
quiconque en use autrement
mon cousin et ma cousine, et plos de troca generalizada, corno se verifica entre a inicial
estre notoii à chacun que cela se fait
ãrr"-ai", est, il doibt casa capetiana, a casa da Borgonha e a casa de Autun'
réputé pour nul'
par gloire et présomption et doibt estre O casamento de Carlos VIItr com Ana da Bretanha, pelo
à cause que ce ,oti volontaires' dérégléeset hors do
"ho'"' contrário, foi- diplomaticamente falando - muito afastado,
raisoru> ('). pois tinha por finalidade preparar a reunião da Bretanha
e <tbelle>>'reser-
Assim se explica que o uso de <<beau>> à coroa de França; mas o contrato restabelecia logo o equi-
próximas do trono' tomasse
vado às casas de sangue real ou líbrio ao estipular que, em caso de morte do marido, a
aos olhos da burguesia'
uma conotaçao puramente honorífica viúva casaria em segundas núpcias com o ocupante seguinte
de Diderot e d'Alem-
Ainda no século xvIII, a Enciclopédia do trono: foi, de facto, o q-ue se passou, quando o duque
(<<nora>>) que <<belle-filleé de
bert observa, no artigo <<Bru>l ' de Orléans sucedeu ao prirno segundo com o nome de
um estatuto relativamente
uso mais fino>>.a cãnotaçao de Luís XII. Na geração seguinte, inverteu-se o ritmo: ao pri-
primeiros utiliza9-ol:::, o"
inferior, perceptível apenas aos meiro casamento de Fratrcisco I em grau próximo seguiu-se
rapidamente esquecida'
passou despercebidaaos outros ou foi ír sua união, afastada, com Eleonora de Habsburgo, irmã
contrário do que os
Nas sociedades <<decasas))' e ao cle Carlos V.
os princípios da exoga-
etnólogos observam noutros casos, Entre os povos sen'l escrita, tal como na Europa, tam-
mutuamente exclusivos'
mia e da endogamia já não são bém o cálculo político inspira e cornanda este movimento
o casamento exÓgariãl
Como vimos a respeito dos Kwakiutl' a.lternadode expansão e de retracção das alianças matrirno-
o casamento endÓ8amo
serve para captai novos títulos e I niais. Em vários locais e em diversas épocas, causas igual-
quì, depois de adquiridos' eles saiann da casl mente políticas levaram à conciliação de dois outros prin-
;; i
";itt I cípios também antagónicos: o direito hereditário e o direito
e Baronesas' de
(t) <<Taiscomo as de Condessas' Viscondessas conferido pelo voto. Foi para ultrapassar essa oposição que
rnuitos Reinos e Países>r (N' T')'
que há um grande número em Beou- rrs primeiros Capetos fizetam coroar os filhos, sistematica-
seus parentes
(') <Não lhes àabe também chamar aos
meu Primo ou minha Prima' nlente, em vida. Tinham, com efeito, de assegurar o con-
-cousín ou Belle-cousine, mas unicamente
nooceda de modo diferente
do que fica dito' scntimento - tácito que fosse - dos dignitários do reino
c a quem Orr", n* e presunção e
glória
deve ser-lhe teito t'oiar que isso
se faz por
caprichosas'
llara reforçar os direitos ainda incertos do sangue e dit
por serem coisas
rklvc ser considerado sem nenhum efeito' lrrimogenitura: jurata fidelítate ab omnibus regni principilttts,
(N' T')'
l'ora das regras e sem razão))
| ( i: Ì
I (;iÌ
T

como se escreveu, de forma reveladora - embora em cir- as suas irmãs e filhas com os herdeiros do trono inrpuliirl.
cunstâncias diferentes - a propósito da sucessão de.' Henri- Em sistemas desses,de facto, as rnulheres, habilmentc rrrani-
que I. Os Kwakiutl e alguns dos seus vizinhos possuíam um puladas, desempenhamo papel de operadores do poder. Aos
regime sucessório análogo e não menos ambíguo' Era de uso sucessivos casamentos de Leonor da Aquitânia (e de tantas
o pai transmitir publicamente ao filho de dez ou doze anos pessoas da sua condição e do seu sexo) corresponde o cos-
todos os seus títulos durante um potlatch que proporcionava tume kwakiutl de obrigar as raparigas da alta nobreza a
a ocasião, mas além disso traduzia a necessidadede obter quatro casamentos sucessivos, cada um dos quais lhes con-
o consentimento colectivo e de neuttalizat publicamente feria um grau de honorabilidade suplementar.
eventuais pretendentes' Diferida no primeiro caso (já que Como explicar estas propriedades tão especiais, mas
o herdeiro não,reinará senão depois de morto o pai) e ime- recorrentes em diverso's pontos do mundo, das sociedades
diata no outro (em que o'pai não desfruta já de qualquer dos <<decasas>>? Para as compreender temos de voltar rapida-
títulos depois de os transmitir), a fórmula que consiste em rnente aos povos índios pelos quais corneçámos este estudo.
um pai fazer herdar o filho ainda em vida fornece, aqui corno Entre os Tsimshian e os Tlingit, o neto podia suceder direc-
ali, um meio (talvez o tsnico possível) de vencer a antinornia tamente ao avô paterno em nomes e títulos apesar do regime
entre o direito da raça e o direito'da eleição. de descendência matrilinear vigente. É que ambas essas
Em todos os planos da realidade social, da família ao sociedades estavam divididas em metades exógamas: real-
Estado, a casa é, portanto' uma criação institucional que m'ente, para os Tlingit, e praticarnente para os Tsimshian,
permite conciliar forças que, onde quer que seja, parecem cujas quatro fratrias, de prestígio desigual, tendiam a rea-
não poder aplicar-se senão com exclusão uma da outra, lizar casamentos duas a duas. Em sistemas como esses, em
devido às suas orientaçõescontraditórias. Descendênciapatri- que alternam as gerações agnáticas, é normal, ou pelo
Iinear e descendênciamatrilinear, filiação e residência, hiper- menos frequente, que avô e neto reproduzam as respectivas
gamia e hipogamia, casamento próximo e casamento' afas- metades.
iado, raça e eleição: todas estas noções, que habitualmente Mas não há qualquer simetria entre estes sistemas e o
servemaosetnÓlogosparadistinguirunsdoso'utrososvários dos Kwakiutl e das sociedadesda Europa medieval, sistema
se
tipos conhecido'sde sociedade,reúnem-se na casa' como que, concorrentemente com um regirne sucessório de direito
o espírito (no sentido do século xvltr) desta instituição tra- paterno, fazia do neto herdeiro directo ou indirecto - con-
duzisse, em última análise, urn esforço para superar' em forme os casos- do avô materno. Nem a herança do filho
todos os domínios da vida colectiva, princípios teoricamente da filha, nem a do genro per uxorem, seriam cornpatíveis
inconciliáveis' Ao meter - por assim dizer - <<doiscoehof com uma regra de descendênciaunilinear. Na linha materno,
no mesmo saco)' a casa realiza urna espécie de viragem I como na linha paterna, tal regra impediria que qualqucr clc-
topológica do interior para o exterior e substitui uma duali- | mento do estatuto pessoal pudesse pertencer ao mosnìo
dade interna por umra unidade externa' O que se aplica tam- J tempo a um filho de filha e a um pai de mãe.
que este
bém às mulheres, ponto sensível de todo o sistema, Para interpretar o sistema é portanto preciso rocorror
temdedefinircombinandodoisparâmetros:oseuestatuto à hipótese de um conflito latente entre os ocupnntt's dtt
socialeosseusatractivosfísicos-podendosempreumdeles certas posições na estrutura social. As mais antigus dt:scrl-
x
servir para contrabalançar o outro' No Japão dos séculos ções de Boas são tão precisas gue não parece duvitlttttttt1ttn,
e xI, o ctã Fujiwara assegurou de modo duradouro o seu nas casas nobres de que provinham os scus inlirrnrttcfttrtrg,
podernosassuntospúblicosfazendocasar,sistematicamente, essa tensão entre linhagens- que constitui o prtnl.o fulcrul

164 |f i5
reaproximar. Também ela encontra o seu princípltl numa
à casa materna'
do sistema- dava preponderância relativa continuidade que é de ordem natural e nada impedo Jó quc'
também rloutros
Nos Bella Coo'la- cuja otganizaçáo social quando houver necessidade, a aliança venha substitulr <l
da dos Kwakiutl - '
aspectos parece ter siáo muito prÓxinaa parentesco pelo sangue.
as coisas do mesmo modo: <<O irmão
os observadores viram Com as sociedades <<decasas>>vemos' pois, formur-ro
dá nomes aos
de uma mulher casada no exterior também uma rede de direitos e de obrigações cujas linhas entrccru-
da sua incorpo-
filhos desta irmã' como marca suplementar zadas cortam as malhas da rede que ela vem substituir: o
relativa do
ração na família ancestral>>'Esta preponderância que anteriormente estava unido separa-se agota e o quo
a certos naitos
laão materno confirma o nosso comentário anteriormente estava separado une-se. verifica-se como quc
kwakiutl (vide P. 77). uma contradança entre os laços que a cultura deve tecer
aceite
Porém, esta preponderância nunca é francamente e aqueles em que antes se reconhecia a obra da natureza -
mulher' vê no filho um
pela outra parte: o pai, que tomou mesmo que, como na maior parte dos casos' isso fosse uma
tal como o avô
Lembro privilegiado da sua linhagem ilusão. Promovida assim a segunda natuteza, a cultura ofe-
essa mesma mulher' vê no neto um mem-
materno, que cedeu rece à história um palco à sua medida; fazendo aderir uns
destas perspec-
bro de purt" ittt*i.a da sua. É na intersecção aos outros os interesses reais e os pedígrees míticos, pro-
constitui' a casa'
tivas antitéticas que se situa, e talvez se porciona fundamento absoluto aos empreendimentos dos
jogo de espelhos' a oposi-
E na sequência disso, comio num grandes.
os planos da realidade social;
ção inicial reflecte-se em to'dos que se pensa
ãa tambem conta da equivalência estrutural
indiferen-
qo" o, regimes de descendência não puramente
estabelecem entre o
ciada (porque de orientação unilinear)
filho da filha e ou o filho ou o sobrinho uterino'
otrtros e
Estes conflitos corno que encaixados uns nos
que as sociedades<<de
as so,luçõessempre de duplo sentido
casas)) thes dão resultam, em última análise, do mesmo
estado de facto: estado esse em
que os interesses políticos
campo social' não
e eco,nórnicos' que tendem a invadir o
laços de sanguer>-
tomaram ainda a dianteira aos <<velhos
Para se exprimirem e se repro-
como diziam Marx e Engels'
inevitavelmente' de ir buscar
duzirem, esses inter"r,u, tê*,
ela thes ser hetero-
a linguagem do parentesco' apesar de
E' inevitavel-
gen"ã; Jom efeito, não há outra disponível'
Todo o fun-
mente também, só para a subverter a adoptam'
ou exóticas' implica
cionamento das casas nobres, europeias
paragens tidas como
uma confusão de categorias noutras
serão'tratadas
correlativas e opostas' e que daí ern diante
vale a aliança' a
como se fossem intermutáveis: a filiação
a troca deixa de ser
uli"rrçu vale a filiação' Desde então
sÓ a cultura pode
o lugãr original de ulna fenda cujos bordos
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