21 FEV/2024 – ANO 47 – Nº 2819 R$ 28,00

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A CIÊNCIA
VENCEU A
OBESIDADE?

Há décadas a indústria farmacêutica não apresentava

promessas como os remédios para emagrecimento Ozempic
e Mounjaro. Eles prometem combater o sobrepeso,
que atinge 57% dos brasileiros e é diretamente ligado
a mais de 200 doenças. Só que a solução não é para
todos. Entenda o que está por trás dessa batalha de
laboratórios, responsáveis por medicamentos que
podem se tornar os mais rentáveis da história
O G2O
E O PLANETA Isso significa que seremos palco para

TÊM UMA Mais uma prova de que o Rio vai além

NOVA CAPITAL: que é gente de verdade.

O RIO.
O Rio vai brilhar mais uma vez.
Vamos sediar o G20, o encontro anual
dos principais líderes mundiais.
SAIBA MAIS

g20.rio
Isso significa que seremos palco para
assuntos importantes, como economia,
política, meio ambiente e muito mais.
Mais uma prova de que o Rio vai além
das praias, do sol e da nossa gente
que é gente de verdade.

O RIO É CULTURA,
INOVAÇÃO E FUTURO.
É TUDO ISSO E MUITO MAIS.
 ENTREVISTA
SÉRGIO MARONE
Ator e empresário

“O MEIO AMBIENTE TOMA

MAIS TEMPO DO QUE MINHA
CARREIRA ARTÍSTICA”
Por Luiz Cesar Pimentel

Sergio Marone teve projeção nacional

ao atuar em novelas como O Clone, 100% ECO
Malhação e Os Dez Mandamentos. Des- Marone divide
tempo como ator,
de 2021, quando participou do longa empresário e
Jesus Kid, ele aparece nas telas espora- conselheiro ESG
dicamente em seu canal no YouTube.
Só que diz que nunca trabalhou tanto
na vida, pois foi na mesma época em
que sua carreira artística ganhou o meio
ambiente como concorrente de peso
igual. Marone passou, além de atuar na
defesa da natureza, a empresário do
setor, quando lançou a marca de cos-
méticos totalmente sustentável Tuka-
no. De um hub de escritórios afins com
a missão ambiental, em prédio que só
aceita negócios que atendam condições
ESG (dentro de parâmetros Ambiental,
Social e de Governança), próximo à
Avenida Paulista, um dos símbolos
urbanísticos paulistano e nacional, ele
falou à ISTOÉ sobre a “causa de vida”,
em sua própria definição.

Você possui duas carreiras: como ator e

como ativista e empreendedor ambiental.
Como aconteceu essa abertura profissional?
Nunca me vi fazendo outra coisa além de ser
artista. Gosto muito, acho que é meu dom e
onde me sinto confortável. Tanto na TV quanto
no teatro e até no cinema. Mas sinto necessida-
de de ter uma certa independência de poder
criar oportunidades para não ficar dependendo
só de convites e o empreendedorismo vem daí.
Sempre tive conexão muito forte com a nature-
za, é uma fonte de renovação e de energia espi-
ritual. Nada é mais sagrado do que isso.

4 ISTOÉ 2819 21/2/2024

Qual foi o momento que houve
essa virada e sua estrada bifurcou?
Em 2011, criei o Movimento Gota
d’água, contra usina hidrelétrica que
estava sendo planejada no meio do
Rio Xingu, na Amazônia. Um berço
de biodiversidade e uma usina são
incompatíveis. Era chocante o que
estava acontecendo em Altamira
(PA), ali perto, onde muita gente
chegava para trabalhar na obra, crian-
ças sendo prostituídas. Conseguimos
um milhão de assinaturas contra a
usina em uma semana, porque fiz um
vídeo com 18 colegas de trabalho –
Maitê Proença, Juliana Paes, Paulo
Gustavo, Ary Fontoura. Um mês de-
pois, eu estava no Palácio do Planal-
to para entregar um milhão e meio
de assinaturas para três ministros. O
movimento virou minha vida de
cabeça pra baixo porque conseguiu colocar em pauta a dis-
cussão da produção de energia.
Passados 13 anos, como você vê a evolução no País sobre
o tema ambiental?
Não consigo fazer essa medição porque virou causa de vida.
Claro que amo minha carreira artística e nunca vou deixar de
lado, mas vivemos em um país bastante complicado em termos
de cultura e mercado. Tenho direcionado a minha carreira mais
para comunicador, também estou desenvolvendo projetos
autorais, buscando bancar esses projetos e vendê-los.
Como surgiu o seu lado empresário na história?
Foi com objetivo de realizar na prática a transformação social
que eu sonho. Começou com fraldas. Até o desfralde, uma
criança usa cinco mil fraldas descartáveis. Pensa o que re-
presenta isso. Ela está poluindo o futuro dela. Ao mesmo
tempo, com 24 fraldas reutilizáveis você consegue criar um
bebê e ainda poderão ser doadas, sem que vire lixo. Esse
tipo de desafio sempre me fascinou, então resolvi criar uma
marca para isso. Com todo desafio de empreender no Brasil
tivemos que reformatar a proposta original, sem que per-
desse o propósito. Virou empresa de cosméticos éticos,
conscientes e o mais sustentáveis possível, pois infelizmen-
te não dá para ser 100% — é difícil que seja 60%; imagina
100%. Hoje a empresa toma mais tempo da minha vida do
que minha carreira artística.
É possível ser 100% sustentável na vida?
Não sei se é possível, mas é uma busca, um exercício. Eu já
FOTOS: ROGERIO CASSIMIRO; REPRODUÇÃO INSTAGRAM @MATEUSOLANOOFICIAL
me peguei jogando plástico sujo no
lixo reciclável, por exemplo, e isso
não é sustentável. O importante é
que as pessoas tenham a consciência
de que é um exercício não para salvar
o planeta mas para salvarmos a nós
mesmos. Se você não está nem aí
para a natureza, faça pelo seu filho
ou filha, porque, do contrário, o fu-
“Faço parte do Mudar para turo será assustador.
Preservar, que o Mateus Solano Você falou que ativismo e empre-
criou. Falamos com a (ministra) endimento ambiental tomam mais
tempo do que a arte na sua vida.
Marina Silva sobre defesa do Qual é mais difícil?
Empreender é o papel mais difícil que
meio ambiente, totalmente já vivi em toda a minha vida. Nós vive-
destruído pelo governo anterior” mos em um país em que as pessoas
não estão preocupadas com a embala-
gem do produto que compram. A
gente precisa criar toda uma conscien-
tização de público, governo. Eu pago cinco vezes mais do que
se usasse embalagem de plástico, porque não existe incentivo
ou benefício para uma economia mais verde, mais responsável.
Em alguns setores, como de energia solar, existem bene-
fícios. O que falta é incentivo maior para toda cadeia.
Concorda?
O mercado em que atuamos, da beleza, por exemplo, existe
pouco olhar, pois beleza é muito concorrido. Mesmo a ques-
tão solar no Brasil também demorou muito para acontecer.
Se você for olhar para a Alemanha, por exemplo, ao sobre-
voar o país é incomparável o que tem de telhados com ins-
talações de energia solar, sendo que o Brasil tem muito mais
sol. Eles estão muito mais avançados. também não funciona
só reclamar. Que bom que agora isso vem acontecendo no
Brasil, de você poder absorver energia e fornecer o excesso
até para benefício econômico.
Quando você teve essa virada de vida, influenciou também
como artista, na escolha de papéis ou na criação?
Claro, em tudo o que é autoral, principalmente. Este ano pre-
tendo fazer um documentário, um programa de viagens docu-
mentando pessoas pelo mundo que estão fazendo diferença.
Tenho outro que é um programa de entretenimento com a
sustentabilidade como pano de fundo, em que participantes e
público entendam que podem aproveitar 100% dos alimentos.
No meu canal no YouTube busco sempre personagens legais
também. Entrevistei uma mulher no Morro da Providência, no
Rio, que faz estrogonofe de casca de melancia, por exemplo.
São exemplos que me inspiram. >>
5
Entrevista/Sérgio Marone
Seu mais recente trabalho, no filme Jesus Kid, não tem Como participante ativo das discussões como você en-
exatamente a ver com sua abordagem da natureza. xerga nosso futuro?
Fiz esse filme porque queria fazer uma coisa diferente e que A gente vai ter problema em relação a água, vai ter problema
acho que ninguém jamais me chamaria pra fazer, que é um na questão de alimentos, porque não vai chover da forma como
cowboy. As pessoas me botam muito na prateleira do galã, e no tem que acontecer e está tudo interligado. Enquanto não tiver-
filme consegui me colocar como um homem mais rústico. mos a consciência, a compreensão de que precisamos nos salvar,
Também porque gosto muito dos textos do (escritor) Lourenço não conseguiremos fazer a transição da forma como ela tem
Mutarelli, em que a obra é baseada. Ficou interessante, é uma que acontecer, porque temos que ser muito mais rápidos e
comédia bem diferente do que a gente vê no cinema nacional. intensos do que atualmente. O que enxergo é o futuro que
Mas não sei se aceitaria fazer um papel totalmente contrário estamos cavando para nós mesmos, sabe?
aos meus princípios. Se for dentro de uma história interessante,
que levante a questão de uma forma importante, sim. Até por- Quais são os outros problemas que você enxerga no País?
que eu gosto de fazer um vilão. Mas se for vazio, se não for Concorro com empresas que existem há 100 anos e que in-
interessante, por que fazer? vestem milhões em marketing e pouquíssimo na sustentabi-
lidade. Em grande parte das vezes, é lançada coleção de
O quanto você leva da conexão com a natureza para seu produtos do tipo, para dizer que a empresa é consciente, mas
estilo de vida? é muito mais um green washing (lavagem verde, quando a
Gosto muito desse estilo de vida, mas sou uma pessoa mais prática serve para omitir informações sobre os impactos am-
urbana, gosto de cidade, de gente e não sei se saberia viver na bientais das atividades da empresa). Nessa, faturam milhões
beira de um rio pra sempre. Mas poder passar dez dias, acho o e continuam fazendo a roda girar como há 100 anos, com
máximo. O verdadeiro luxo é você viver em paz nesse ambien- leque de meia dúzia de produtos “sustentáveis”. Já para o
te natural e paradisíaco, mas ainda não estou preparado pra isso. meu negócio acontecer é muito difícil, porque tento ter o
processo o mais ético possível. Agora, por exemplo, estou
Você acredita que seu posicionamento e sua atitude fazem trazendo da Amazônia óleo de babaçu, só que respeitando as
diferença na questão ambiental? Principalmente por ter comunidades locais e meios de produção. Era um sonho fazer
projeção pública grande e até algumas atitudes inusitadas, isso, mas a questão da logística é muito complicada, tanto
como se declarar ecossexual. que é o primeiro que conseguimos. Tudo tem custos, e na
Sem dúvida, pois não existe pequena diferença. A questão do ponta final o produto terá que custar o mesmo que de uma
ecossexual foi de caso pensado. Vi esse termo (ecossexual, empresa que fabrica sem qualquer preocupação.
que só se interessa afetivamente por quem compartilha va-
lores ecológicos), falei em uma entrevista e ficou entre os mais Você resolveu empreender em causa do meio ambiente
buscados do Google durante uma justamente durante o governo de
semana. Precisamos furar a bolha, por Jair Bolsonaro, que foi o maior
isso nós temos que abordar seja por inimigo desse valor. Isso trouxe
meio do humor, seja deixando a cau-
sa sexy, no bom sentido, que é o que
“Conseguimos um milhão de incentivo pessoal?
Diante do cenário devastador desse
tento fazer. Falar sobre ecossexuali- assinaturas contra usina governo anterior, nem pensei nisso.
dade é uma maneira de chegar a mais
pessoas, se comunicar com todo
hidrelétrica porque fiz vídeo Junto a todo descaso ambiental da
época, existe a questão econômica
mundo ao deixar uma sensação curio- com colegas como a Maitê brasileira que é um desafio ainda
sa sobre a sexualidade. E é para valer. maior. Difícil é conseguir conscienti-
Porque não tenho tesão em pessoa Proença. Um mês depois, estava zação sobre o assunto em uma pessoa,
que não se preocupa com o básico.
Você não recicla, pô, e isso é o básico.
no Palácio do Planalto” que representa a grande maioria da
população brasileira, muito mais
É claro que estou levando em tom de preocupada em chegar ao final do
brincadeira, mas é um pouco isso mês com saldo positivo no banco do
mesmo, porque na minha visão uma que com o tecido, do que com o de-
pessoa que não tem essa consciência sodorante que vem embalado em
mínima, de ser responsável pelo resí- plástico. Entende? Como é que você
duo que produz, é uma pessoa abso- envolve essas pessoas na causa? Essa
lutamente desinteressante é a grande questão.

6 ISTOÉ 2819 21/2/2024 FOTO: REPRODUÇÃO INSTAGRAM @EUMAITEPROENCA

Editorial
O DESPREZO PELA VACINA
PASSOU A SER ROTINA
V
acinação no Brasil parece ter virado supérflua e o inte-
resse por se prevenir com imunizantes caiu no descaso.
Isso ocorre com qualquer uma das vacinas, não impor-
tando a enfermidade para a qual se destine, faixa etária do
público alvo ou tipo de eficácia verificada. O País que já foi
célebre por índices recordes de cobertura vacinal, referência no
mundo, deu meia volta e passou a desconsiderar conceitos
elementares da Ciência — e, por conseguinte, os benefícios
advindos daí. De acordo com o Observatório da Atenção Pri-
mária à Saúde, uma associação civil sem fins lucrativos, o
Brasil atingiu em 2021 a menor cobertura já registrada em um
período de 20 anos. A média nacional ficou em 52,1%, percen-
tual que assusta e que compromete o Programa Nacional de
Imunização (PNI), cujas taxas
superavam invariavelmente os
70%. Existem regiões nacionais
hoje com menos de 30%. No
plano da vacinação infantil o
quadro é ainda mais dramático
por se tratar de um público es-
sencial no PNI. Nesse segmento
populacional, a queda espanta,
é brusca, desabou dos 93,1%
para, em alguns locais, menos
de 60%. A dramaticidade dessa
situação deverá repercutir por
gerações a fio. É processo mo-
vido a fake news, com dissemi-
nação de desinformações, preconceito e, claro, uma liderança
política capaz de destruir a reputação do método que repre-
senta um dos maiores avanços da medicina do qual se tem
notícia em toda a história. No campo da imunização, milhões
de vidas foram salvas ao longo de décadas. Em diversos mo-
mentos e frente a inúmeras doenças. No caso da epidemia da
Covid, mais recente, não pairam dúvidas sobre os bons frutos
e benefícios que a campanha de vacinação gerou. O Brasil e o
Planeta caminhariam inexoravelmente para o extermínio, caso
seguissem uma rota contrária. Ainda sim, milhares de vidas
foram perdidas em vão em virtude do desleixo de governantes.
Um atraso criminoso e indecente na encomenda dos imuni-
zantes por aqui foi patrocinado pelo então presidente Jair
Bolsonaro, que não deixou de demonstrar o quanto os despre-
zava. Virou marqueteiro número um da não vacinação e mui-
tos o seguiram. Trombeteava que não iria tomar. Dizia que
8 ISTOÉ 2819 21/2/2024
Carlos José Marques, diretor editorial
achava besteira. Diminuiu as verbas para campanhas destinadas
ao tema e propôs o uso de remédios alternativos ineficazes
para o tratamento, como a famigerada Cloroquina, apesar dos
alertas da comunidade mundial de saúde sobre o malefício da
prática. Movimentos anti-vaxx surgiram no bojo dessa incon-
sequência federal e o resultado tá aí. Até hoje é difícil recompor
os níveis decentes e seguros de cobertura. Mães temem infun-
dadas alegações de que a vacina faz mal, traz consequências
ruins para seus bebês ou simplesmente acham-na desnecessá-
ria pela ilusão de que algumas enfermidades foram extintas ou
completamente erradicadas, como varíola e poliomielite. Ledo
engano. Os atuais e baixíssimos níveis de cobertura vacinal
podem colocar tudo a perder, com a volta de doenças das quais
nem se falava mais. A cons-
cientização é peça importante
nessa cruzada. De outra parte,
o envolvimento dos governos,
em todas as esferas, também.
No momento, os altos índices
de contaminação pela dengue
colocam de joelhos a popula-
ção. Em diversos Estados e
municípios aumentou mais de
500% o número de casos e
(fato) não existem imunizan-
tes suficientes para conter a
onda e enfrentar a escalada
que está apenas em seu início.
Clínicas particulares e a rede pública expressam preocupação
pela falta da vacina de dengue e tentam dar conta de uma
procura por tratamento sem precedentes, com salas abarrotadas
e falta de leitos. Somente em janeiro, a procura pelo imunizan-
te subiu quase 200% e nada foi feito. O planejamento está
precário. Autoridades sanitárias, com um lote mínimo que não
chega a um milhão de doses, estão fazendo aplicações seletivas,
por idade e em poucos locais. Uma gota no oceano. O Brasil,
que há muito tempo convive com essa moléstia, já poderia e
deveria ter tomado providências estruturais de maior monta.
O imunizante custa caro, a importação é custosa e demorada
e nem todo mundo consegue ter acesso ao que é disponibili-
zado. A limitação no fornecimento nesse caso é mais uma das
grandes falhas que o Estado brasileiro tem promovido, dentro
de um cenário no qual a imunização dos brasileiros deixou de
ser direito para virar privilégio. Uma pena.
FOTO: PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS
 Sumário
Nº 2819 – 21 de fevereiro de 2024
ISTOE.COM.BR

32
20
BRASIL Polícia Federal conclui, após detalhadas
investigações, que a participação do agronegócio
na tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro
foi mais ampla e intensa do que se imaginava

CAPA A medicina luta há tempo para vencer — ou pelo

menos controlar — a obesidade, seja ela causada por influências
ambientais, comportamentos adquiridos ou fatores endógenos.
A ciência está conseguindo ganhar essa guerra?
38
COMPORTAMENTO O País, com razão, se apavora diante Entrevista 4
do avanço da dengue — e não é possível estabelecer uma Brasil Confidencial 14
programação de cobertura vacinal porque o imunizante
ainda não está disponível para toda a população Semana 18
Brasil 20
Comportamento 38
Economia 56
Internacional 58
Divirta-se 64
Última Palavra 66

Você também pode

60 ler ISTOÉ baixando
a edição em seu
CULTURA A produção de uma infinidade de séries e filmes Smartphone e tablet
sobre a II Guerra Mundial mostra que a restituição do confli-
to continua sendo uma forma de tentar evitar que ele se re-
pita — no momento em que no mundo há conflagrações

FOTO CAPA: PEXELS 9

FOTOS EDITORIAIS: REPRODUÇÃO REDES SOCIAIS; MAURO PIMENTEL/AFP; DIVULGAÇÃO/APPLE TV; PEXELS
Artigos
por Antonio Carlos Prado
PARABÉNS PRESIDENTE O PODER DA
PALAVRA
ara a maioria dos congressistas
P brasileiros, problemas sociais,
cuja solução não renda de imediato
F
dividendos políticos, não existem no
País. Exemplo disso é a questão do
bullying, tanto pessoal quanto em sua
versão digital, que, praticado
principalmente nas escolas, leva
crianças e adolescentes à extrema
situação de dor e sofrimento psíquico
– já são inúmeros os episódios até de
suicídio divulgados pela mídia como
sinal de alerta. Assim, diante do
marasmo do Poder Legislativo, é
exemplar a atitude do presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva, de
tomar o assunto para si e sancionar a
lei ( elaborada pelos legisladores
após excessivo atraso) que
criminaliza a prática de bullying
no Brasil, em quaisquer de suas
formas. Agora, ela foi realmente
tipificada como crime no Código
Penal e as penas aos criminosos
foram previstas.
Tornaram-se crimes hediondos
- e, portanto, sem direito à fiança ou
indulto - a pornografia infantil, indução
ao suicídio ou automutilação, o tráfico
de crianças e cárcere privado de
menores de idade. É incontável o
número de pais que, em vão,
recorreram a professores, orientadores
educacionais e diretores de escolas para
relatar a depressão de suas filhas e
filhos vítimas desse tipo de agressão
emocional e, em algumas situações, até
física. Tais profissionais, por maior que
fosse o desejo de resolver os casos e
estancá-los, pouco podiam fazer
porque não havia uma legislação a
10 ISTOÉ 2819 21/2/2024
Diretor de Edição de ISTOÉ
ampará-los. Agora ela existe.
O Programa Internacional de Avaliação
de Estudantes, ao entrevistar
brasileiros, ouviu de quase 13% a queixa
de já terem sido sacrificados por grupos
que praticam essa falsa brincadeira,
sádica, denominada bullying.
Os parlamentares brasileiros, a
quem a população deu mostras de
confiança outorgando-lhes mandatos
por meio do voto, precisam, agora, ter a
coragem de olharem para as
plataformas. Falta uma lei que as
discipline e, dessa forma, vê-se cada
vez mais que, nesse vazio de legislação,
prospera a disseminação do ódio, de
aulas que ensinam práticas que podem
Se o Executivo ou Judiciário
regulamentarem as
plataformas, não venham
os parlamentares com o
aranzel de que suas
funções foram usurpadas
levar um adolescente ao suicídio e o
culto às armas — enfim, aquilo que
podemos chamar de incentivo ao
comportamento antissocial. A coragem
a que se refere, e que se afirmou faltar a
parlamentares, é justamente a de
mexer nessa questão. É preciso
responsabilizar claramente as
plataformas digitais por eventuais
danos que causem. Se o Poder
Executivo ou o Poder Judiciário
tomarem a iniciativa de responsabilizar
as plataformas, não venham os
parlamentares com o aranzel de que
suas funções foram usurpadas.
por
ora dos estúdios coloridos do
Big Brother Brasil e das cercas
vigiadas da Fazenda, a vida cotidiana
segue inspirando a televisão.
Mais que uma fábrica de fazer
dinheiro, os reality shows são um
interessante experimento social que
reflete a realidade macro. A bola da vez
é o Big Brother Brasil.
A casa mais vigiada do País faz jus ao
nome, pois nada do que lá se passa passa
despercebido pelo público aqui fora.
Foi o que aconteceu com o discurso
machista do participante Rodriguinho.
O pagodeiro quarentão de abdômen
avantajado se pôs a criticar o corpo da
empresária e modelo Yasmim Brunet.
Aos 35 anos, a moça esbanja
juventude, simpatia e uma silhueta
para lá de perfeita, mas apesar da beleza
óbvia e irretocável, o músico encontrou
defeito onde não existe. Rodriguinho
representa, infelizmente, o
pensamento de grande parte da
sociedade brasileira. É fruto do
machismo que presenciou durante a
vida e que hoje mimetiza. Outro
participante do BBB também passou
recentemente pelo tribunal da internet.
Numa discussão, o motorista Davi
Ao criticar os fariseus,
elite religiosa judaica
que pregava ações que
não praticava, Jesus
afirmou: “A boca
fala do que está cheio
o coração”.
Rachel Sheherazade
Jornalista
disparou contra o adversário: “Eu sou
homem, seu puta! Sou viado, é? (…)
meu pai me fez foi homem.”
Após ser chamado a atenção pela
direção, o rapaz pediu desculpas e
atribuiu a expressão homofóbica a um
regionalismo da Bahia. Embora
comumente usado no Brasil inteiro, o
termo “viado” é mais uma daquelas
expressões de cunho depreciativo que
precisa ser urgentemente banida do
vocabulário.
Ao criticar os fariseus, elite religiosa
judaica que pregava ações que não
praticava, Jesus afirmou: “A boca fala
do que está cheio o coração”.
Se falar é ratificar o que se pensa, é
preciso calar não só a palavra maldita,
mas curar também o pensamento
torpe fonte de todo discurso de ódio.
Ideias equivocadas geram falas
irresponsáveis que inspiram
comportamentos xenófobos,
misóginos, homofóbicos, num ciclo
vicioso de preconceito e violência.
Não se muda uma sociedade sem
mudar pensamentos, falas e hábitos.
Quando alguém diz que é homem e
não é “viado”, o que quer dizer na
verdade é que há uma hierarquia
moral e social em que o homem está
acima do viado. Ele aponta o “viado”
como o extremo oposto do homem,
sendo o homem portador de todas as
virtudes, e o “viado” a personificação
de todos os vícios.
São conceitos do patriarcado, uma
estrutura social de poder criada para
que os homens tomassem para si o
domínio da sociedade acima dos
demais gêneros. Tem sido assim há
muitos séculos, mas não precisa ser
assim para sempre. Temos a palavra
para começar mais uma revolução.
As opiniões dos colunistas não necessariamente refletem a posição da revista
CRIANÇAS INVISÍVEIS
m plena temporada de férias,
E enquanto muitas famílias se
entregam à magia dos parques
temáticos da Disney, na Flórida, é
oportuno explorar a crueza do filme
Projeto Flórida (2017) - disponível no
HBOMax. Dirigido por Sean S. Baker
(Tangerina, Red Rocket), esta obra
premiada mergulha nas entranhas de
uma realidade áspera, a poucos
quilômetros do encanto artificial dos
parques de diversões.
A trama revela a vida precária de
Moonee (Brooklyn Prince), uma
criança que encontra efêmera alegria
em meio à pobreza extrema, enquanto
sua mãe Halley (Bria Vinaite) enfrenta
a luta pela sobrevivência em um motel
gerenciado por Bobby Hicks (Willem
Dafoe). Bobby ocasionalmente sai da
sua posição de autoridade, e
demonstra complacência à beira da
marginalização social. O filme captura
a experiência de crianças
desfavorecidas que vislumbram os
portões da felicidade alheia — mas são
mantidas à margem pela desigualdade
estrutural.
A desigualdade social é a espinha
dorsal da obra, destacando o contraste
entre a fantasia da Disney e a dura
realidade vivida por essas crianças.
A pobreza não apenas as priva da
inocência e da diversão, mas também
as coloca em um cenário onde poucos
metros separam parques de diversão
visitados pela classe média e elite —
enquanto as famílias destas crianças
enfrentam a falta de oportunidades
para escapar da pobreza que as
envolve. A película questiona a
por Laira Vieira
Economista e tradutora
validade do termo ‘infância’ para
aqueles que vivem à margem da
sociedade, e não podem aproveitar a
pureza dessa fase.
O preconceito arraigado e as
diferentes formas de violência que
permeiam a vida destas famílias, o
descaso das autoridades —
especialmente no tratamento
dispensado às mulheres que sem
alternativas recorrem à prostituição
como único meio de subsistência. Isso
mostra as falhas da nossa sociedade e o
preconceito sistêmico.
O filme também ressalta as
dificuldades enfrentadas por muitas
mães em situações semelhantes, e lança
luz sobre a resiliência necessária para
enfrentar tais adversidades — uma
dificuldade que independe de
fronteiras.
Projeto Flórida transcende a tela,
provocando reflexões sobre uma
sociedade que permite a coexistência
de mundos tão discrepantes - mas que
muitos alienados defendem como
sendo o “melhor dos mundos” — e
questiona o preço que a sociedade está
disposta a pagar por ignorar a realidade
que persiste além dos portões
encantados da fantasia — a falta de
empatia por grande parte da sociedade
é estarrecedora.
Devemos tentar transformar a
proximidade geográfica em
proximidade social, proporcionando
oportunidades igualitárias para que
todas as crianças possam
verdadeiramente desfrutar de uma
infância plena — independentemente de
seu status social. Boas férias!
11
 por Antonio Carlos Prado

Frases

HIPÓCRITAS” FRANCISCO, PAPA,

em resposta aos críticos das
relações homoafetivas

“As pessoas “NUNCA FICO

SATISFEITO
têm o direito COM O QUE
de fazerem as FAÇO. REFAÇO,
LUTO, ME
suas escolhas DESAVENHO
existenciais COMIGO,
CORRIJO,
na vida” E CONTINUO
LUÍS ROBERTO BARROSO, INSATISFEITO”
presidente do Supremo SILVIANO SANTIAGO,
Tribunal Federal, ao defender um dos principais
o seu voto de que indivíduos romancistas e ensaístas
com mais de 70 anos brasileiros, ganhador
de idade podem se casar do Prêmio Camões,
com partilha de bens sobre o ato de escrever

12 ISTOÉ 2819 21/2/2024 FOTOS: FILIPPO MONTEFORTE/AFP; BARBARA LOPES/AGENCIA O GLOBO; LORENZO PALMIERI;
BEELD MATT THOMAS; RICH POLK/GOLDEN GLOBES/AFP; NATHAN HOWARD/GETTY IMAGES/AFP
 “NÃO ME “O Itamaraty me deu
ACHO uma bofetada”
FOTÓGRAFA ISABEL CRISTINA DE AZEVEDO HEYVAERT, diplomata, em crítica
ao fato de ser preterida em promoções por ser negra
NEM
VIDEOMAKER.
NÃO SOU
UMA ARTISTA “QUANDO
DE UMA ALGUÉM
NOTA SÓ” CONTROLA
ANA MARIA
MARIOLINO, O DINHEIRO
artista visual
NA RELAÇÃO,
CONTROLA
“O sonho grande A RELAÇÃO
é ser global e aumentar PROFUNDAMENTE”
o nosso mercado” TABITHA LASLEY,
escritora, autora
ROBERTO JATAHY, do Grupo Soma. A fusão
de livro sobre
com a Arezzo cria o maior grupo em marcas
trabalhadores nas
da América Latina
plataformas petrolíferas
no Mar do Norte

“SOU APENAS UMA

GAROTA DA ALDEIA”
LILY GLADSTONE, atriz.
Tem 37 anos de idade,
sempre recusou se envolver
com Hollywood até que fez
Assassinos da Lua das Flores

“OS EUA ESTÃO DE VOLTA DEPOIS DO OSTRACISMO

COM DONALD TRUMP. ESSE MEU COMENTÁRIO
MERECE UMA RESPOSTA DE FRANÇOIS MITTERRAND”
JOE BIDEN, presidente dos EUA, trocando o nome do atual
presidente da França, Emmanuel Macron, pelo do ex-presidente
Farnçois Mitterrand, falecido em 1996

13
 por Germano Oliveira

Brasil Confidencial
Colaboraram: Marcos Strecker e Vasconcelo Quadros

COR DA TOGA
Já na sabatina no Senado RÁPIDAS
Flávio Dino teve que
explicar a diferença entre * Janeiro não começou
um ministro político e um bem em termos de in-
juiz apolítico
flação. O Índice de Pre-
ços ao Consumidor
Amplo (IPCA) fechou
nos últimos 12 meses,
até janeiro, em 4,51%.
Vale lembrar que a meta
da inflação em 2024 é
de 3%,. A tendência é da
inflação de serviços con-
tinuar em alta.

* Só poderia ter termi-

nado em fracasso um
golpe em que um gene-
ral de pijama, Augusto
Um político no STF Missa Senado Heleno, fala em uma
Lula foi o primeiro a levantar a questão. O A posse de Dino no O novo magistrado reunião gravada no Pla-
novo ministro do STF, Flávio Dino, será Supremo promete ser tem aproveitado os nalto que iria mandar
mais político do que os demais. O presiden- diferente. Ele não quer últimos dias como espiões da Abin se infil-
te disse logo após o ex-ministro da Justiça festa na noite do parlamentar para trarem na campanha
ter sido aprovado na sabatina no Senado que evento, como defender no Senado dos adversários.
ele teria “cabeça política” à frente de suas normalmente os juízes do STF que
decisões no Supremo.“Dino vivenciou mais acontece. Desde que vêm sendo alvo das * O golpe de Bolsonaro
a política. Não que os que estão lá não te- seu filho Marcelo Dino críticas de foi tão burlesco que até
nham. Mas ninguém que está lá tem a expe- morreu, em 2012, bolsonaristas contra o comandante do Exér-
riência política dele. Dino teve a experiência vítima de uma crise de os ministros que cito à época, o general
de ter sido deputado federal, governador asma, resultado de conduzem as Freire Gomes, foi escu-
duas vezes, e depois senador”, disse Lula. negligência hospitalar, investigações contra o lhambado por Braga
Dino, no entanto, não gosta de ser rotulado ele se recusa a fazer ex-presidente. Tenta Netto. Além de ter dito
como político. Prefere ser acolhido na Supre- festas. Somente também, sem sucesso, que Freire era “omisso e
ma Corte como um homem da lei. Na saba- mandará rezar uma salvar os cargos de indeciso”, Netto afirmou
tina, ele fez questão de destacar que foi juiz missa para comemorar seus ex-colaboradores que ele era “cagão”.
federal por 12 anos e que tem uma extensa o ingresso no STF no no Ministério da
vida dedicada ao respeito da Constituição. próximo dia 22. Justiça. * O plano do golpe su-
gerindo a prisão de
Alexandre de Moraes
Dormindo com o inimigo parece piada. A certa
Lula aproveitou o pior momento de Bolsonaro para agradar os três altura, Mauro Cid per-
governadores bolsonaristas, Tarcísio (SP), Cláudio Castro (RJ) e Romeu gunta a um dos asseclas
Zema (MG), fazendo-lhes visitas e oferecendo-lhes verbas. Tarcísio até onde está o ministro. O
deu gargalhadas quando as pessoas convocadas por Lula para o evento assessor responde que
pediram que ele entrasse para o PT, mas Zema precisou de mais de uma está em casa, mas não
hora para começar a conversar com o presidente ao pé da orelha. sabe o endereço.

14 ISTOÉ 2819 21/2/2024 FOTOS: TON MOLINA/FOLHAPRESS; RICARDO STUCKERT/PR; JOE RAEDLE/AFP;
EDUARDO ANIZELLI/FOLHAPRESS; PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS; GREG SALIBIAN/FOLHAPRESS
 “Se a gente
reagir depois
das eleições, vai
RETRATO FALADO ter um caos no
Brasil, vai virar
uma grande
guerrilha”
Apontado como o cabeça da
tentativa de golpe, Bolsonaro
promoveu a falaciosa reunião do dia
5 de julho de 2022 com todos seus
ministros, incluindo os militares,
para explicar como seria a dinâmica
golpista. Ele e seus generais queriam
decretar a ruptura democrática
antes das eleições, que eles já
davam como perdidas. Segundo o
ex-capitão, eles teriam que virar a
mesa antes do pleito, porque,
depois, seria o caos. Isso tudo tem
que terminar em cadeia para todos.
O preço das terras de alimentos nas prateleiras,
Parece incoerência, mas a menores foram os preços
superssafra do ano passado está obtidos pelos produtores.
sendo responsável pela redução E, com isso, os valores das terras
na valorização das terras também caíram. Segundo
destinadas à produção de estudos feitos pela consultoria
alimentos. Ocorre que a grande S&P Global Commodity Insights,
safra de grãos em 2023 provocou de 2020 a 2023, a valorização
um aumento expressivo de das terras foi de 59,9%. Mas, no
alimentos e isso determinou a ano passado, esse crescimento
redução nos preços dos produtos sofreu uma freada. Teve um
agrícolas. Com maior quantidade aumento de apenas 3,2%.
Terremoto no PL
O PL falava em eleger mil prefeitos nas próximas
eleições, mas, de uma hora para outra, viu dois
de seus principais líderes políticos encrencados
com a Justiça. Valdemar Costa Neto está em
liberdade provisória, o que o impedirá de
conversar com outros acusados de terem
tramado o golpe, entre eles Bolsonaro.
Ficará fora das articulações eleitorais.
Carnaval do bem
Fundada por Edu Lyra, a Gerando Falcões desenvolveu neste Carnaval um projeto especial
para estimular a filantropia e o incentivo à economia circular. A ONG arrecadou milhares de
peças de vestuário e as comercializou em bazares físicos, doando os valores para os moradores
das favelas do projeto denominado como Asmara, um novo negócio social da entidade.
TOMA LÁ DÁ CÁ
JORGE VIANA, PRESIDENTE DA APEXBRASIL
Por que o Brasil bateu recorde em
exportações em 2023?
O aumento nas exportações e o recorde histórico
da balança mostram um governo que abre mercado
e incentiva cultura exportadora.
O Brasil está abrindo novos mercados?
O recorde brasileiro se deve à retomada de parcerias e
espaços perdidos no comércio internacional e à
conquista de novos mercados no mundo.
E para este ano, as perspectivas
continuam boas, apesar da queda
na safra de grãos?
Quem melhor vende um país é sua
liderança. E o Brasil tem o melhor
líder, e potencial para crescer, mesmo
com perturbações sobre o comércio
de commodities. Os resultados
de 2023 criam um clima de
otimismo para 2024 e as
exportações devem
continuar crescendo.
Pastagens em alta
A situação é bem melhor para os pecuaristas.
É que nos últimos anos eles vêm transformando
pastagens em áreas agrícolas, sobrando bem
menos espaços para a agropecuária. Assim, os
preços das terras para pastagens está atingindo
valores bem maiores. De 2020 a 2023 subiram
42,7% e em 2023 aumentaram 12,9%.
Passaporte apreendido
Enquanto isso, Bolsonaro pode ser preso a
qualquer momento por ter tentado dar um golpe
de Estado. As provas contra ele são robustas.
O ministro Alexandre de Moraes já pediu a
apreensão do seu passaporte e determinou que
ele também não pode se comunicar com outros
acusados pela trama golpista. Maior partido do
País, o PL está em maus lençóis.
15
Coluna do Mazzini
FOCO DO PT:
DERROTAR
LIRA
O presidente Lula da Silva e ministros
palacianos identificaram uma intenção
de vendeta de Arthur Lira (PP-AL), caso
ele não consiga emplacar nome viável
de seu grupo suprapartidário para
sucedê-lo na Presidência da Câmara
dos Deputados. Os tempos são outros,
cenários idem, mas ninguém do
Palácio quer arriscar assistir a um novo
episódio como Eduardo Cunha x Dilma
Rousseff que a limou do inquilinato da
Presidência da República. Informações
que chegaram aos ministros indicam
que Lira não descartaria colocar na
pauta um pedido de impeachment de
Lula diante de um eventual novo
episódio que gere instabilidade entre
os Poderes. Ciente, o presidente da
República vai pesar a sua caneta no
papel, com decretos e medidas
provisórias. O Palácio corre para
trabalhar um nome palatável
à sucessão de Lira na Câmara, que seja
de sua confiança. Neste caso, o PT até
abre mão de encabeçar um projeto. Os
mais citados, por ora, são os deputados
Antonio Brito (PSD-BA) e Marcus
Pereira (Republicanos-SP).
Lula teme que Lira
se vingue com
impeachment na pauta
em caso de instabilidade
entre Poderes, e mandou
ministros acharem
candidato para Câmara
16 ISTOÉ 2819 21/2/2024
Parques livres da privatização
O Governo correu para salvar da privatização importantes parques
nacionais que entraram no plano do ex-ministro da Economia Paulo
Guedes. Em decreto, o presidente Lula da Silva excluiu 11 deles do plano
de desestatização, e os renomeou qualificáveis para concessão e parcerias
de investimentos. Entre eles, o de Foz do Iguaçu (PR), Anavilhanas (AM),
Chapada dos Guimarães (BA), Serra dos Órgãos (RJ), Serra do Caparaó (MG)
e Jericoacoara (CE) — praia paradisíaca na qual espanhóis estavam
de olho para exploração imobiliária. Os serviços de apoio ao turismo
e visitação vão ser mantidos com os atuais e futuros concessionários.
Cruz Vermelha sangra
A Justiça do Rio de Janeiro decidiu,
novamente, pelo afastamento de Júlio
Cals da presidência da Cruz Vermelha
do Brasil, e endossou sua expulsão
determinada pela Comissão de Ética
da entidade, por atos administrativos
sob (muita) suspeita. A decisão foi
do desembargador Teófilo Caetano,
com risco de multa de R$ 200 mil
se houver desobediência.
Frevo de Luciana leva aliados a Olinda
Na quinta passada (8), grupo de
parlamentares e ministros embarcou em
voo de Brasília para o Recife, convidados
para um frevo pré-eleitoral de uma aliada.
A anfitriã foi Luciana Santos, ministra
da Ciência e Tecnologia, ex-deputada
e ex-prefeita de Olinda. E foi nas ruelas
da cidade histórica colada na capital que
esse bloco desfilou bem animado. Entre
os mais eufóricos estavam os deputados
Túlio Gadelha e Renildo Calheiros, o
ex-deputado Wolney Queiroz e o
ministro Carlos Lupi (Previdência). A
turma passou também pelo frevo do
centro do Recife. Luciana quer disputar
novamente a prefeitura de Olinda.
FOTOS: AURELIO ALVES/O POVO; INSTAGRAM@LUCIANASANTOS; RAFAEL VIEIRA/AGIF/AFP
 por Leandro Mazzini

Colaboraram: Walmor Parente, Carol Purificação e Tom Camilo

NOS BASTIDORES
Os segredos do PIB
Circula nas rodas da nata do PIB
brasileiro: aceita-se o PT até 2030
(Com ou sem Lula) e depois o
presidente deve ser um nome da
centro-direita, como Caiado ou Tarcísio.

Fui ali e já volto

A Operação Lava Jato vai passando,
mas deixa resquícios, alguns hilários.
Um enrolado empreiteiro que
PF não quer dar palanque a ele mora na Lagoa, no Rio, levanta para
Apesar de apostas e especulações de gente grande da política sobre o futuro caminhar todo dia às 5h30 com
iminente de Jair Bolsonaro (PL) dentro de uma cadeia, perto da campanha receio de ser acordado pela PF.
eleitoral deste ano, há cautela para todos os lados no Judiciário e na Polícia
Federal em seus inquéritos. O que for feito, será à luz da lei, na culpa ou na
inocência, sem deixar erros que gerem um palanque eleitoral numa eventual Copa do Minha Casa
prisão dele por supostas ameaças à democracia. “O clã e seus seguidores O Rio de Janeiro vai sediar em maio a
querem canonizar Bolsonaro antes e durante as eleições; não daremos palco 1ª Copa de Futebol Minha Casa, Minha
para eles de jeito nenhum”, diz investigador experiente da PF. Vida, nas modalidades masculina
e feminina. Ideia do secretário de
Habitação da cidade, Patrick Corrêa.
Campanha começa debaixo de chuva O presidente Lula da Silva será
Dirigentes do PV entregaram a Lula da Silva, na Baixada, documento em convidado a abrir o evento.
que denunciam o caos em Duque de Caxias (RJ) nos temporais de janeiro.
O relatório questiona a atuação da Prefeitura comandada pelo grupo de
Washington Reis (MDB). PT, PV e PCdoB terão um candidato à Prefeitura.

Folia de desinteresse
O Ano Legislativo começa difícil para
Lula da Silva passado esse Carnaval.
Ao esnobar a cerimônia de abertura
dos trabalhos e enviar o chefe da
Casa Civil, Rui Costa – que muitos
não engolem no Congresso –,
o ato irritou os líderes, até aliados.
Nem o vice Geraldo Alckmin foi
sugerido para representar o
presidente. Haverá retaliação.
Terras no prejuízo
Contadores do agro indicam à boca
pequena que haverá sonegação
com a regulamentação da reforma
tributária, que vai onerar o setor. Há
um cenário temeroso: dispararam
pedidos de recuperações judiciais
de médios produtores rurais.
Fazendeiros não conseguiram
salvar as perdas nas lavouras diante
da baixa do valor da saca da soja.
As dicas de Zico
Marcos Eduardo Neves
lançará o livro “O Efeito
Zico: Como obter índice de
rejeição zero na sua
profissão” (Planeta
Estratégia). Neves já escreveu
as biografias de Renato
Gaúcho e Alex (ex-Cruzeiro).

A opinião do colunista não necessariamente reflete a posição da revista 17

Semana por Antonio Carlos Prado

culpa. O relatório registra

que Biden é um “homem
idoso e bem intencionado
com memória fraca” e tinha
“faculdades reduzidas por
conta da idade avançada”
(81 anos). Quem está rindo é
o ex-presidente Donald
Trump. Especialistas norte-
-americanos já dão como
certa a decisão da Suprema
EUA Corte de deixá-lo concorrer
novamente à Casa Branca,
A raiva não vendo na invasão do
Capitólio, que ele teria or-
de Biden. ganizada, impedimento
ASCENSÃO
O ex-presidente
Trump: apoio
A alegria QUEIMADO
O presidente Biden:
“memória fraca”,
para sua candidatura. Deta-
lhe: não é somente a maioria
da Suprema Corte de Trump segundo o advogado conservadora do tribunal que
está pesando a seu favor.
Mesmo os magistrados li-

O presidente dos EUA,

Joe Biden, deveria estar
comemorando o fato de o
ex-procurador e hoje advo-
gado Robert Hur tê-lo isen-
tado de responsabilidade por
manuseio indevido e ilícito
de documentos confiden-
ciais. Deveria, mas não está.
Biden avalia que ficaria me-
lhor para seus planos de re-
eleição se tivesse sido até
indiciado na Justiça do que
carregar os rótulos que Hur
lhe colou para eximi-lo de
berais acham que Trump
possui constitucionalmen-
te direito de ser candidato
se o Partido Republicano
indicar o seu nome.

CULTURA
A música enquanto crônica
Imaginava-se que a obra de Noel Rosa já estava esmiuçada em todos
os seus ângulos. Isso até o grupo Brasov lançar nas plataformas
digitais o perfeito álbum Brasov Noel. É uma questão de olhar, e o
disco olha para o Noel essencialmente cronista – característica,
aliás, de nossos melhores compositores (basta ouvir Orestes NOVO OLHAR Banda Brasov:
Barbosa, Paulo Vanzolini, Assis Valente e Chico Buarque). Crônicas de um tempo são para fazer história com Noel Rosa
histórias, e histórias guardam as próprias músicas como retrato de uma época. O álbum
é enriquecido com a participação de outros artistas: Zélia Duncan (Com mulher não quero mais nada),
Pedro Miranda (Com que roupa? ), Jards Macalé (Onde está a honestidade?). É tão atual que vale citar uma
passagem: “e o povo já pergunta com maldade, onde está a honestidade, onde está a honestidade?”.
Destaque também para a música (essa triste) intitulada Pra que mentir — A banda Brasov deu-lhe ares
de tango. Noel denunciou a hipocrisia, enalteceu a boemia, valorizou a paixão, aflorou os encantos do Rio
de Janeiro dos anos 1930 sem dar glamour à malandragem (“malandro é palavra
MODERNO SEMPRE
Noel Rosa: sem dar derrotista/ que só serve para tirar/ todo valor do sambista). Excelente a vinda da
glamour à malandragem Brasov para tão bem nos mostrar o cronista Noel.

18 FOTOS: MORRY GASH/AFP; JIM WATSON/AFP; REPRODUÇÃO; DIVULGAÇÃO

 FUNDADOR
DOMINGO ALZUGARAY (1932-2017)
EDITORA
gravado o logotipo Catia Alzugaray
PRESIDENTE EXECUTIVO
de Paris-2024. No total Caco Alzugaray
serão concedidas cinco
mil e oitenta e quatro
medalhas. O anúncio
de tal distinção (e
LUXO DIRETOR EDITORIAL
Ouro com sofisticação histórica) Carlos José Marques
hexágono foi feito pelo presidente
de ferro DIRETORES
retirado da da França, Emmanuel DE REDAÇÃO: Germano Oliveira DE EDIÇÃO: Antonio Carlos Prado
REDATOR-CHEFE: Marcos Strecker
Torre Eiffel: Macron. O início dos
história e EDITORES
Jogos está agendado Felipe Machado, Luiz Cesar Pimentel
sofisticação e Vasconcelo Quadros (Brasília)
para 26 de julho.
REPORTAGEM
JOGOS OLÍMPICOS Ana Mosquera, Alan Rodrigues, Denise Mirás,
Elba Kriss, Marcelo Moreira, Mirela Luiz
Bem mais que medalhas e Carlos Eduardo Fraga (estagiário)

COLUNISTAS E COLABORADORES
Como ocorre em todos importando se Cristiano Noronha, Elvira Cançada, José Vicente,
os Jogos Olímpicos, correspondem ao Marco Antonio Villa, Mentor Neto, Rachel Sheherazade,
Ricardo Amorim, Ricardo Kertzman e Rosane Borges
também os de Paris primeiro, segundo ou
ARTE
terão medalhas de terceiro lugares, todas DIRETORA DE ARTE: Renata Maneschy
EDITOR DE ARTE: Glauco Lara
bronze, prata e ouro. elas terão em uma das DESIGNERS: Sandro Soares e Wagner Rodrigues
Isso é óbvio! Há, no faces um hexágono WEB DESIGN: Alinne Nascimento Souza

entanto, um diferencial de ferro. E tal ferro AGÊNCIA ISTOÉ

Editor: Frédéric Jean
que tornará inesquecível será retirado de um dos POPULARIDADE
APOIO ADMINISTRATIVO
a premiação nessas maiores monumentos Emmanuel Macron: Gerente: Maria Amélia Scarcello
gestão que ficará marcada Assistente: Cláudio Monteiro
Olimpíadas: do mundo: a Torre Eiffel. também pela festa
MERCADO LEITOR E LOGÍSTICA
as medalhas, não Nesse hexágono estará do esporte Diretor: Edgardo A. Zabala

Central de Atendimento ao Assinante: (11) 3618-4566

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dispararam em 2023
ISTOÉ (ISSN 0104 - 3943) é uma publicação semanal da Três Editorial Ltda.
e atingiram o maior valor que supera, por terceiro lugares: China e Redação e Administração: Rua William Speers, 1.088, São Paulo – SP, CEP:
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Istoé não se responsabiliza por conceitos emitidos nos artigos assinados.
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Guaturinho, CEP: 07750-000 – Cajamar – SP
(1914-1918) e a Segunda EUA dispuseram em 14ª posição, 80% das
(1939-1945). No ano 2023 de 41% do que se despesas militares
passado, o gasto militar gastou em confrontos correspondem à
global em arsenais, no planeta. Não é difícil folha de pagamento
segundo o IISS, foi adivinhar quais países (para o pessoal da ativa
de US$ 2,2 trilhões, estão em segundo e e da reserva).
FOTOS: MATTHIEU MIRVILLE/DPPI/AFP; SARAH MEYSSONNIER/POOL/AFP; BULENT KILIC/AFP
Brasil/Extremismo
FORÇA Empresários do agronegócio reúnem tratores nas comemorações do 7 de Setembro em Brasília, em 2022
O
agro pode ser pop, tech ou a ri-
queza do Brasil. Mas uma boa
parte dele é, acima de tudo,
golpista. O inquérito que corre
no Supemo Tribunal Federal
(STF) demonstra que a participação de
políticos e empresários do agronegócio na
tentativa de golpe foi mais forte do que se
sabia. Empresários e integrantes da ban-
cada ruralista não só apoiaram e financia-
ram os acampamentos como também,
articulados com o militarismo de quarte-
ladas, pressionaram o ex-presidente Jair
Bolsonaro a editar o decreto que “respal-
daria” a anulação da eleição para mantê-lo
na Presidência. Por trás dos ruralistas está
a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA),
a mais forte do Congresso, e seu órgão
formulador e de assessoramento técnico,
o Instituto Pensar Agro (IPA), dirigido pelo
20 ISTOÉ 2819 21/2/2024
ex-deputado Nilson Leitão (MT), conhe-
cido bolsonarista. O IPA representa os
interesses legítimos do agronegócio, mas
também abriga a direita ruralista que
embarcou na tentativa de ruptura.
A mudança radical da pauta da banca-
da ruralista em 2023 não foi uma mera
estratégia política. Frustrado o golpe, a
trincheira passou a ser o Congresso, onde
uma azeitada e inédita ofensiva contra o
STF e o governo Lula foi posta em prática.
Personagem central nas articulações anti-
democráticas, com participação decisiva
de coordenação em cinco dos seis núcle-
os de ação golpista identificados pela
Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro
Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro,
captou recursos de empresários do agro
para bancar as atividades ilegais das For-
ças Especiais do Exército (FE), os chama-
dos Kids Pretos. A tropa de elite do Exér-
cito foi usada tanto para manter os
acampamentos em frente aos quartéis
quanto para espionar e monitorar autori-
dades. O alvo principal era o ministro
Alexandre de Moraes, que seria o primei-
ro a ser preso caso Bolsonaro tivesse assi-
nado o decreto do golpe. O presidente
Lula, o ministro do STF Gilmar Mendes e
o presidente do Congresso, Rodrigo Pa-
checo, também estavam no radar dos
arapongas. Os documentos em poder do
STF demontram que os Kids, usando
equipamentos avançados para os padrões
institucionais, acompanhavam o dia a dia
da cúpula do Judiciário e do Legislativo.
O relatório da Polícia Federal não deixa
dúvidas de que Cid foi o grande operador
dos preparativos para o golpe. Só Bolso-
naro estava acima dele, o que explica
Relatos da PF mostram que empresários do agronegócio
financiaram atos e ações preparatórias dos Kids Pretos
para a ruptura do regime democrático. Mauro Cid revela
que parlamentares da bancada ruralista pressionaram
EDUARDO ROMÃO
Bolsonaro a editar decreto do golpe Vasconcelo Quadros CORRÊA NETO

AGROÉ
O coronel selecionou

O
os Kids Pretos que
participaram de reunião
em Brasília em 28/11/22,
em que Cid repassou
instruções sobre
monitoramento de
autoridades. Foi preso
ao voltar dos EUA

GOLPE porque até agora a Justiça só aceitou a

delação dele. A polícia reúne mais provas
para indiciar o ex-presidente, embora nos
depoimentos que prestou, Cid tenha
sustentado que cumpria ordens do então
RAFAEL MARTINS
DE OLIVEIRA
O major coordenou
ações e organizou
deslocamentos de
militares da tropa de
elite do Exército. Para
os atos de 15 de
novembro de 2022,
pediu a Cid R$ 100 mil
para custear despesas
dos Kids Pretos

presidente e comandante em chefe das

PAPEL CENTRAL Cid afirma que agiu a
mando de Bolsonaro. Fazia contato com
generais e controlava os Kids Pretos
Forças Armadas. Ele inclusive pressionou
o ex-comandante do Exército, general
Marco Antônio Freire Gomes, para que
este aceitasse o decreto que anularia a
eleição de Lula. É também Cid quem co-
loca o agro no centro da articulação gol-
pista: “General! Os líderes, né? O empre- MARCELO CÂMARA
Coronel da reserva
sários do agro que estão financiando (...) ligado a Bolsonaro,
tiveram os bens bloqueados e, foram atuou no núcleo de
chamados a depor”, disse Cid em respos- inteligência paralela da
Presidência. Sua
ta a questionamentos que Freire Gomes “missão” era monitorar
teria feito sobre quais os civis apoiavam as viagens de
Alexandre de Moraes
a elaboração do decreto golpista. Ele se até que o decreto do
referia a 45 empresários do agro, a maioria golpe fosse editado

FOTOS: DIVULGAÇÃO; PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS; REPRODUÇÃO 21

Brasil/Extremismo
do Mato Gosso, que tiveram bens bloque-
ados em novembro por decisão do minis-
tro Alexandre de Moraes depois que se
descobriu que bancavam os atos antide-
mocráticos em Brasília em dezembro.
O número de ruralistas que colocou
dinheiro, gente e equipamentos a favor
do golpe gira atualmente em cerca de 80,
a maioria ligada às entidades ruralistas.
Em novembro eram cerca de 43 mil acam-
pados em frente aos quartéis e 804 blo-
queios em rododovias pedindo o golpe. O
diálogo de Cid com Freire Gomes foi tra-
vado em 16 de novembro de 2022, quan-
do a movimentação dos Kids Pretos se
intensificara, um dia depois das comemo-
rações do 15 de Novembro, data que de-
veria marcar o avanço de ações que seriam
deflagradas em dezembro. Naquele perí-
odo Cid levantara R$ 100 mil para repassar
ao major da reserva do Exército Rafael
Martins de Oliveira, conhecido por Joe, EM NOME DO AGRO O deputado Pedro Lupion diz que a FPA e o IPA não se
para arregimentar e bancar, nesse dia, as envolveram em golpismo, mas ressalva que não controla posições de filiados
despesas dos Kids Pretos, alguns dos quais
seriam deslocados do Rio de Janeiro.
bater papo, né?”. Na verdade Bolsonaro já nas estradas, a organização e transporte
KIDS PRETOS tinha o apoio de Theóphilo para o golpe. de manifestantes que acamparam em
Cid e Joe foram Kids Pretos e controla- O general era um dos quatro dos 16 inte- frente aos quartéis e os atos antidemocrá-
vam as FE, baseadas em Goiânia, e “visi- grantes do Alto-Comando que apoiavam ticos patrocinados em Brasília desde 2021,
tadas” várias vezes por Bolsonaro em explicitamente o golpe. Mas Theóphilo com as primeiras investidas contra o STF.
2022, inclusive depois da derrota eleitoral. condicionou a mobilização da tropa à Falta esclarecer ainda quem é quem no
No dia 9 de dezembro, Cid voltou a ligar assinatura do decreto por Bolsonaro. no grupo empresarial e sua relação com o
para Freire Gomes “para colocá-lo a par” A participação de empresários do agro IPA, que assessora os parlamentares nas
das mudanças que Bolsonaro fizera no na tentativa de golpe é um capítulo à demandas institucionais entre o setor e
texto do decreto e novamente cita o papel parte, ainda cheio de lacunas, que Mauro ógãos públicos, mas também, é claro,
“vivandeiro” do agro. “O presidente tem Cid terá de preencher num novo depoi- exerce forte influência sobre o posiciona-
recebido várias pressõe para tomar uma mento. O que se sabe até agora é que eles mento político. Quando a agenda de
medida mais pesada onde ele vai, obvia- dariam aos golpistas a fachada civil-em- Bolsonaro tratava exclusivamente das
mente, utilizando as forças, né? (...) a presarial para, já no início de janeiro, ações golpistas, surge a figura do senador
pressão que ele recebe é de todo mundo. Bolsonaro pressionar o Congresso a con- Luiz Carlos Heinze (PP), um dos nomes
É cara do agro. São alguns deputados, né? validar o decreto de anulação da eleição. mais fortes do bolsonarismo dentro do
Então a pressão que ele tem recebido é Se não contar tudo o que sabe, Cid pode Congresso, expoente da direita ruralista,
muito grande. E hoje (...) ele enxugou o ter sua delação anulada e voltar para a ex-presidente e um dos criadores da FPA
decreto, né? Aqueles considerandos que cadeia. As referências ao agro e a reunião e do IPA. No dia 12 de novembro, quando
o senhor viu, enxugou (...). Fez um decre- de 5 de julho em que Bolsonaro dá início Mauro Cid se esforçava para levantar
to muito mais (...) resumido, né? E o que ao roteiro do golpe, documentada em fundo, o senador participou de uma vide-
ele comentou de falar com o general vídeo, foram descobertas pela PF num dos oconferência com Bolsonaro. O general
Theophilo (Estevam Cals Theóphilo, en- seus computadores. Nos seus depoimen- Braga Netto, já sem funções no governo
tão chefe do Comando de Operações tos, Cid omitiu a gravação. por ter se tornado candidato a vice, estava
Terrestres, ao qual são vinculadas as A parte visível da presença do agro nos escalado para participar da conferência,
Forças Especiais)? (...) ele quer conversar, preparativos do golpe foram os bloqueios mas avisou Cid que, como sabia do que

22 ISTOÉ 2819 21/2/2024 FOTOS: MARINA RAMOS/CÂMARA DOS DEPUTADOS; JANE DE ARAÚJO/AGÊNCIA SENADO

BOLSONARISTA O senador Luiz Carlos Heinze participou de videoconferência
com Bolsonaro no momento em que o Planalto estava dedicado ao golpe
seria tratado, desistiria, pedindo que o
ajudante de ordens garantisse que a reu-
nião se realizasse. O tema central da
conversa teria sido o financiamento e a
posição de políticos e empresários do agro
de apoio ao golpe.
Bolsonaro só tratava disso no período.
Cid guardou no celular o link da videocon-
ferência e depois o encaminhou para o
major da reserva Angelo Denicoli, então
assessor do governo paulista, encarregado
de disseminar notícias falsas. Procurado
por ISTOÉ, Heize não quis falar. O delega-
do Fábio Alvarez Shor explicitaria em seu
relatório o que estaria por trás das tratati-
vas: “(...) demonstraram a anuência de
militares com manifestações antidemo-
cráticas em frente às instalações castren-
ses e o financiamento das manifestações
antidemocráticas por parte de empresá-
rios”. Depois, ele esclarece que no dia 16
de novembro de 2022 Mauro Cid enviou
um áudio, possivelmente para o general
Freire Gomes, em que cita “o financia-
mento das manifestações em Brasília, por
empresários do Agro”.
BANCADA PODEROSA
A bancada ruralista no Congresso é um
trator. São 374 parlamentares — 324 na
Câmara e 50 no Senado —, embora nem
todos tenham vínculo direto com a ativi-
dade agropecuária. Muitos têm origem
evangélica e na segurança pública, for-
mando com os ruralistas a trinca que ficou
conhecida como bancada BBB (boi, bíblia
e bala). A cabeça do grupo é ruralista, mas
no corpo há inclusive gente de esquerda,
entre os quais o líder do governo na Câ-
mara, José Guimarães (PT-CE), e outros 23
parlamentares que se associaram à enti-
dade da direita ruralista na defesa do agro,
que controla 27% do PIB. A ingenuidade
da esquerda é marcante: a origem e essên-
cia da FPA e do IPA é a direita enverniza-
da, mas raivosa, cuja pauta é a defesa das
propriedades rurais, mesmo as que per-
tencem às comunidades indígenas ou
unidades federais de preservação griladas
à luz do dia. As duas entidades surgiram
de uma costela da UDR, entidade criada
na década de 1980, logo após o fim da
ditadura, para fazer o enfrentamento ar-
mado às invasões de terras improdutivas.
O presidente da FPA, deputado Pedro
Lupion (PP-PR), é um “filhote” da UDR,
criada por seu pai, o ex-deputado Bernar-
do Lupion, Heinze e o atual governador
de Goiás, Ronaldo Caiado, transformada
mais tarde na FPA. No discurso de posse
na presidência da FPA no ano passado,
Lupion não deixa dúvidas quanto à ideo-
logia dos ruralistas: “Eu nasci no agro. Não
à toa, meu pai, na década de 80, fundou
a União Democrática Ruralista e fez com
que ele entrasse na política e fundasse,
anos mais tarde, a FPA”. À ISTOÉ, Lupion
negou que as entidades tenham se envol-
vido com a tentativa de golpe e, para ilu-
trar o caráter plural da entidade, afirmou
que até o líder do governo no Senado,
Jaques Wagner (PT-BA), assinou ficha de
filiação. “O julgamento de cada parlamen-
tar ou empresário rural é pessoal, dele.
Como presidente da bancada não posso
dizer o que podem fazer. Institucional-
mente e oficialmente nossa bancada não
teve participação alguma (no golpe).”
Através da FPA, o IPA orienta a ofen-
siva contra o STF e o governo com o ob-
jetivo de criar o delirante marco temporal
para limitar demarcação de terras indíge-
nas, pretensão inconstitucional já derru-
bada pelo STF. O IPA é sustentado com
recursos de mais de 50 grandes entidades
do agronegócio que bancam as campa-
nhas da bancada ruralista. A entidade
presta todo tipo de suporte à bancada,
mas também cobra fidelidade às pautas
mais radicais do setor. A PF não investiga
CNPJ, mas colocou na mira o CPF de
empresários e parlamentares que, gravi-
tando em torno da entidade, financiaram
e participaram das articulações para o
golpe, lado a lado com o militarismo que
apostou na ruptura do sistema democrá-
tico. Três deles, os coronéis Bernardo
Romão Correa Neto e Marcelo Costa Câ-
mara e o major Rafael Martins de Oliveira,
todos ex-Kids Pretos agindo sob a coorde-
nação de Mauro Cid, estão presos, suspei-
tos de agir em conluio com empresários
do agro para viabilizar o golpe. No topo da
hierarquia está Bolsonaro.
23
Brasil/Congresso

LULA ASSUME
O presidente entra em
campo e assume a parte
mais importante da
discussão dos principais

O COMANDO
problemas políticos no
Congresso como forma de
aplacar a insatisfação dos
parlamentares e,
principalmente, a de
Arthur Lira, presidente da
COORDENAÇÃO
Câmara, que fez cobranças Observado por
Lira, Lula acertou
públicas ao governo que ele próprio
resolverá
Marcelo Moreira problemas com
o Congresso

M
orde e assopra, pedir muito
alto para depois baixar a
pedida até o valor inicial e
sair cantando vitória. O rotei-
ro da negociação clássica foi
seguido à risca pelo deputado Arthur
Lira (PP-AL), que atingiu seus objetivos
na reunião que teve com o presidente
Lula na semana passada, após o duro
discurso que fez na abertura do ano le-
gislativo na Câmara, ameaçando somen-
te votar projetos de interesse do governo
caso tivesse seus pleitos atendidos,
como a liberação das emendas feitas
durante a formulação do Orçamento. Na
disputa entre o Palácio do Planalto e
Congresso, Lira saiu como vitorioso, já
que forçou o presidente a entrar em
campo para assegurar que os pedidos de
Lira serão atendidos e que, a partir de
agora, ele mesmo despachará com o
presidente da Câmara o atendimento das
reivindicações dos parlamentares.
Em movimento muito bem arquite- liberação das emendas de parlamenta- tado o seu descontentamento, mas foi
tado, o presidente da Câmara elevou o res, mas que esbarrava também na in- surpreendido com um movimento ante-
tom em seu discurso e colocou o gover- sistência do Planalto de não aceitar cipado de Lira, que entrou em contato
no na defensiva quando afirmou que “o prorrogar a desoneração da folha de pessoalmente com o presidente para
Orçamento não é do Executivo, é de pagamento das empresas, medida apro- sugerir uma reunião na tentativa de re-
todos”, além de reclamar de uma “su- vada pelo Congresso. solver as pendências. A ligação ocorreu
posta parceria que só tinha mão única”. Lula não gostou do discurso de Lira, no dia seguinte ao discurso, e Lula acei-
Foi o auge da crise entre os Poderes considerando-o muito duro, e até uma tou receber Lira. O encontro ocorreu
Legislativo e Executivo na questão da afronta, tentando fazer chegar ao depu- ainda na semana passada e durou uma

24 ISTOÉ 2819 21/2/2024

 INTERLOCUÇÃO
Lira (à esq.)
conversará mais
com Rui Costa
(centro), enquanto
Padilha deverá ficar
isolado na relação
com a Câmara
hora e meia no Palácio do Planalto. Ao
final, os dois disseram que o encontro
havia selado a paz entre os dois. Os
pontos de atrito foram resolvidos e ficou
estabelecida uma agenda de pautas a
serem negociadas. Só que Lira conseguiu
ainda mais: a abertura de um novo canal
de negociação diretamente com o pró-
prio presidente. Além disso, Lula concor-
FOTOS: PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS
dou em trocar de interlocutor do governo
junto à Câmara. A partir de agora, o mi-
nistro Rui Costa (Casa Civil) será o inter-
mediário de Lira junto ao governo. É que
o presidente da Câmara vinha reclaman-
do formalmente da postura do ministro
Alexandre Padilha (Relações Institucio-
nais). Durante a crise entre os dois Po-
deres, Padilha foi o alvo preferencial dos
parlamentares, que o acusaram de des-
cumprir os acordos de liberação de ver-
bas para os congressistas contidas no
Orçamento aprovado no Congresso. Lula
vetou R$ 5,6 bilhões s em emendas, o
que enfureceu parlamentares do Centrão
e colocou Lira em situação difícil. Citan-
do falta de confiança , o presidente da
Câmara conseguiu a alteração na interlo-
cução e o acesso direto com quem real-
mente manda, o presidente da República.
CRISE SUPERADA?
Lula, no entanto, não está disposto a
abrir mão de Padilha na coordenação
política. Por mais de uma vez, o presiden-
te afirmou que tem total confiança no
ministro das Relações Institucionais,
uma vez que ele é importante na articu-
lação política do governo. “Padilha tem
muita habilidade para negociar e cumpre
com eficiência os objetivos do governo
em relação ao Congresso”, disse Lula. O
ministro minimizou a crise entre os po-
deres e afirmou em entrevistas à saída
de reuniões que os debates são parte
fundamental do jogo democrático que as
reivindicações sempre foram ouvidas e
negociadas. “O governo nunca rompeu
o diálogo com o Congresso e mais minis-
tros podem intermediar as negociações
com deputados e senadores.”
No Palácio do Planalto ninguém fala
em vitória de Arthur Lira. A sensação é
que a crise foi superada e que a retoma-
da das conversas sem as nuvens som-
brias da desconfiança será importante
pra fazer a pauta do governo andar no
Parlamento e resolver questões urgen-
tes, como a desoneração da folha de
pagamentos. O Congresso aprovou a
prorrogação até 2027, Lula vetou, os
parlamentares derrubaram o veto presi-
dencial e, sob orientação do ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, o governo
editou uma Medida Provisória que alte-
ra a política fiscal e as desonerações fis-
cais. Esse movimento foi considerado
uma afronta aos parlamentares.
Por ora, os deputados governistas
acreditam que Lira saiu satisfeito da
reunião com Lula e que não colocará
obstáculos á agenda econômica do go-
verno. O medo era que a escalada da
crise oferecesse ao Congresso algum tipo
de retaliação que pudesse retirar receitas
do Executivo ou aumentar as despesas
da União. No entanto, o principal nó está
difícil de desatar: quem vai ceder na
questão da desoneração da folha de
pagamento? Outro receio do governo é
que Lira sinta-se mais empoderado a
ponto de iniciar nova rodada de barga-
nhas até para mostrar aos seus aliados
que está mais forte do que nunca.
25
Brasil/Congresso

A NOVA ARTIMANHA
DOS PARLAMENTARES
Apavorados com as investigações da PF, senadores e deputados querem limitar essas ações
e submetê-las à autorização do Legislativo, além de alterar as regras do foro privilegiado:
desejam se livrar do STF e responder à Justiça comum para procrastinar os processos
Marcelo Moreira

D
epois do pânico veio a reação.
Parlamentares estão se articulan-
do na Câmara dos Deputados e no
Senado para limitar a ação da
Justiça e das operações policiais
contra deputados e senadores, seja em
casos de busca e apreensão, seja, sobretudo,
quando ocorrerem pedidos de prisão. A
movimentação é reflexo das investigações
que a PF desenvolveu contra dois deputa-
dos, ambos do PL do Rio de Janeiro: Carlos
Jordy e Alexandre Ramagem, este último
acusado de comandar um esquema de
espionagem ilegal. Os dois deputados
bolsonaristas foram alvo de busca e apre-
ensão de documentos e equipamentos
eletrônicos em investigações distintas.
Ramagem é acusado de liderar uma orga-
nização criminosa que usava a estrutura da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
para espionar adversários políticos e blin-
dar os filhos de Bolsonaro das acusações
de corrupção que vinham enfrentando. E,
Jordy, líder da oposição na Câmara, foi alvo
de busca e apreensão no seu gabinete no
Congresso e em sua residência em Niterói,
na região metropolitana do Rio, dentro da
investigação da Operação Lesa Pátria, por
ter envolvimento com os atos antidemo-
cráticos realizados após a derrota de Bolso-
naro nas eleições de 2022.
Em um primeiro momento, deputados
federais de oposição buscam assinaturas
para elaborar e votar com urgência uma
Proposta de Emenda Constitucional (PEC)

26 ISTOÉ 2819 21/2/2024


PREVENÇÃO
Deputados e senadores articulam
“medidas preventivas” para escapar
das garras da Polícia Federal e do
STF e querem o apoio do presidente
do Senado, Rodrigo Pacheco
(abaixo). Ações contra os deputados
Carlos Jordy e Alexandre Ramagem
assustaram o Congresso
para limitar ações contra parlamentares.
A proposta mais avançada é a do depu-
tado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE),
que estabelece que qualquer ação judi-
cial ou policial contra deputados e sena-
dores só pode ocorrer mediante autori-
zação expressa da Mesa Diretora da
respectiva Casa, que teria dez dias para
analisar o pedido. “Quaisquer ações ju-
diciais, mandados de busca e apreensão
e investigações realizadas contra depu-
tados e senadores a partir da expedição
do diploma legal, serão realizados me-
diante aprovação da Mesa Diretora da
respectiva Casa Legislativa, exceto nos
casos de flagrante delito”, diz trecho da
proposta. Para que haja a tramitação da
PEC, são necessárias 171 assinaturas na
Câmara, e Valadares afirma ter consegui-
do até agora apenas 55.
MANDATO PROTEGIDO
O argumento do deputado sergipano
faz eco às queixas de “perseguição políti-
ca e judicial” dos aliados de Jair Bolsonaro.
Nas conversas com os deputados para
obter as assinaturas, o parlamentar justi-
ficou que a PEC é uma alternativa para
“proteger” os parlamentares contra “repe-
tidos abusos cometidos pelo Poder Judi-
ciário”. Ele tem declarado que é preciso
“frear esse desrespeito com o Parlamento,
que, por vezes, evidencia perseguição a
alguns parlamentares”. Valadares nega
que o texto tenha sido feito “sob enco-
menda” para evitar novas investidas po-
liciais contra o entorno dos Bolsonaros.
Um outro movimento, mais sutil, diz
respeito a processos judiciais contra par-
lamentares e que ainda está em gestação.
Segundo articulações parlamentes, tam-
FOTOS: VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL; LULA MARQUES/AGÊNCIA BRASIL
bém com origem na oposição, a ideia é
que haja algum tipo de limite no foro
privilegiado concedido a parlamentares,
afastando-os dos processos analisados
diretamente no Supremo Tribunal Fede-
ral (STF). Os parlamentares pretendem
alterar essa lei para que os processos
corram primeiro em varas da Justiça Fe-
deral nos Estados, ganhando um outro
rito judicial. É evidente que nos Estados
os processos caminharão mais lentamen-
te e os parlamentares não ficariam expos-
tos ao maior rigor da Suprema Corte.
Já existe um texto que está sendo
analisado há algum tempo na Câmara,
com a indicação de que pode se transfor-
mar em PEC. A chamada “PEC do fim do
foro privilegiado” propõe a extinção do
foro especial por prerrogativa de função
em casos de crimes comuns e já passou
pela comissão especial do tema na Casa,
em dezembro de 2018. Desde então, não
andou mais. Outro ponto é a abolição do
foro privilegiado em caso de crimes co-
muns cometidos por deputados, senado-
res, ministros de Estado, governadores,
ministros de tribunais superiores, desem-
bargadores, embaixadores, comandantes
militares, integrantes de tribunais regio-
nais federais, juízes federais e outras
autoridades. Portanto, não seriam julga-
dos de imediato pelo STF, que só anali-
saria os crimes relacionados ao mandato
dos parlamentares.
Dias antes do ano legislativo começar,
senadores de oposição se reuniram com
o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), em busca de apoio para acele-
rar a tramitação dessa PEC, além de cobrar
uma postura mais firme contra as opera-
ções da PF nos gabinetes de parlamenta-
res. Pacheco ouviu as reclamações e ficou
de levar o assunto ao conhecimento do
presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL), para a tomada de
posições conjuntas. Senadores que esti-
veram na reunião saíram otimistas com o
que consideraram boa receptividade por
parte do presidente do Congresso. Entre
os governistas, no entanto, predomina a
opinião de que projetos como esses não
terão apoio da maioria.
27
 Brasil/Política

BOLSONARO TÓXICO
Inconformado com o silêncio de aliados por conta das operações da PF,
ex-presidente convoca manifestações nas ruas para cobrar lealdade
e conter o esvaziamento de seu cacife político Marcelo Moreira

B
olsonaro tenta usar seu suposto
apoio popular para evitar o oca-
so político. É dessa forma que
aliados e adversários enxergam
a convocação do ex-presidente
para o ato público na avenida Paulista,
em São Paulo, a ser realizado no domin-
go, dia 25. Mais do que avaliar a popula-
ridade em momento em que as investi-
gações da Polícia Federal chegam cada
vez mais perto de acusá-lo por vários
crimes, o chamamento pretende ser um
indicativo para demonstrar, eventual-
mente, que seu cacife ainda é alto o su-
ficiente para influenciar decisões que o
afastem, pelo menos momentaneamen-
te, da cadeia. O problema será convencer
uma gama variada de aliados e simpati-
zantes que agora se preocupam com o
“poder tóxico” de um ex-presidente
acusado de tramar um golpe de Estado.
As primeiras repercussões começam
a surgir em São Paulo. Já circulam na
Câmara Municipal informações de que
os principais aliados do prefeito Ricardo
Nunes (MDB), candidato à reeleição,
estão aconselhando-o a se distanciar do

EM APUROS
Indícios de que
incitou um golpe de
estado espantam
candidatos outrora
orgulhoso do apoio
de Bolsonoaro

28 ISTOÉ 2819 21/2/2024

ex-presidente e a não comparecer ao ato
de 25 de fevereiro. Os diretórios estadu-
al e municipal do MDB são os quem mais
temem a associação com o ex-presiden-
te neste momento. Desde que Marta
Suplicy, ex-prefeita da cidade e então
secretária de Relações Internacional de
sua gestão, decidiu sair para ser candi-
data a vice-prefeita na chapa de seu ad-
versário, Guilherme Boulos (PSOL),
Nunes contava com uma guinada à di-
reita e o apoio de Bolsonaro. Como forma
de contrapor o apoio do presidente Lula
a Boulos, o prefeito pretendia que Bol-
sonaro indicasse o candidato a vice em
sua chapa, com grandes chances de que
fosse o PM reformado Ricardo Mello
Araújo. Com o avanço das operações da
PF, essa estratégia começa ser revista. A
presença do prefeito no ato de Bolsona-
ro tem grandes chances de não ocorrer.
Em público, Ricardo Nunes afirma
que as investigações ainda estão em
curso e que o ex-presidente ainda não
está sendo acusado e que, portanto,
“deve haver a presunção da inocência”.
Muitos atores políticos não viram nessas
declarações uma convicção de que o
prefeito realmente pense dessa forma,
principalmente depois da divulgação
dos vídeos das reuniões no Palácio do
Planalto em que Bolsonaro incentiva os
atos golpistas.
EM SILÊNCIO
Sentindo a toxicidade do ex-presiden-
te no ar, governadores de estados outro-
ra aliados e de pensamento conservador
mantiveram silêncio estratégico diante
das operações da PF contra aliados de
Bolsonaro. Essa falta de defesa indica
que o barco do ex-capitão está sendo
abandonado, e de forma muito rápida.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo,
deputados bolsonaristas não escondem
a irritação com a postura do governador
Tarcísio de Freitas (Republicanos), então
aliado de primeira hora do ex-presiden-
te. Os deputados estão inconformados
com o pragmatismo político de Tarcísio,
que vem se aproximando do presidente
FOTOS: MATEUS BONOMI/AFP; PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS; MARINA UEZIMA/AFP
NA MIRA Alexandre Ramagem,
investigado pela PF, vê sua candidatura
a prefeito do Rio desmanchar
TEMOR Ricardo Nunes queria um vice
indicado por Bolsonaro, mas reavalia
participação em ato bolsonarista
Lula em movimento para atrair verbas
para obras no estado. Foi o caso, por
exemplo, do lançamento do projeto do
túnel entre Santos e Guarujá, no litoral
paulista, uma obra que terá dinheiro do
governo federal. Lula e Tarcísio estive-
ram bem à vontade na cerimônia.
O incômodo é o mesmo em relação
a outros governadores bolsonaristas.
Chamou a atenção a deferência com
que o governador do Rio de Janeiro,
Claudio Castro (PL), tratou Lula recen-
temente em Magé (RJ) durante a en-
trega de obras do programa “Minha
Casa, Minha Vida”. O governador flu-
minense silenciou a respeito das ope-
rações da PF contra personagens do
entorno do ex-presidente.
Em termos eleitorais, a situação é
bem mais complicada, já que o candida-
to bolsonarista a prefeito do Rio, o de-
putado federal Alexandre Ramagem
(PL-RJ), é o principal investigado pela PF
no escândalo da espionagem a aliados e
adversário praticada pela Abin (Agência
Brasileira de Inteligência) durante o a
presidência de Bolsonaro, o que deve
minar suas chances de concorrer.
O mesmo aconteceu na visita do
presidente Lula a Minas Gerais na sema-
na passada, quando o governador Ro-
meu Zema (Novo) ficou bem à vontade
com o petista. Zema ignorou a defesa do
ex-presidente de olho nos R$ 36,7 bi-
lhões previstos para seu estado dentro
do Programa de Aceleração do Cresci-
mento (PAC). O mineiro também tratou
Lula com atenção especial em recente
encontro em Belo Horizonte.
COBRANÇA
Bolsonaro percebeu rapidamente o
movimento de afastamento de seus
aliados e defecções em suas hostes, ini-
ciando nos bastidores uma série de co-
branças por “lealdade”. Em público, o
ex-presidente pediu também que os
aliados protestem contra as supostas
“perseguições” sofridas por ele. Poucos
atenderam os apelos do ex-capitão. Um
deles foi Ricardo Mello Araújo, o PM que
pode ser vice de Ricardo Nunes. Ele es-
bravejou nas redes sociais contra o silên-
cio de “políticos importantes”, tentando
se tornar o porta-voz de Bolsonaro em
São Paulo. Nas redes sociais, cobrou di-
retamente os governadores. “Os gover-
nantes dos estados têm responsabilida-
de muito grande, muitos foram eleitos
nas costas do presidente Bolsonaro.
Precisam se manifestar.” Só o catarinen-
se Jorginho Mello (PL) ousou defendê-lo
nas redes sociais. É muito pouco para
quem se diz o grande líder conservador
e de oposição no País, mas totalmente
enrolado em graves acusações de articu-
lar um golpe de estado.
29
Chegou
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Capa/Medicina

32 ISTOÉ 2819 21/2/2024

Sim!
A CIÊNCIA
VENCEU A
OBESIDADE?

A resposta direta é positiva: sim, a ciência derrotou o excesso

de peso. Mas a vitória científica sobre a doença crônica que
atinge um em cada quatro brasileiros carrega junto ao
emagrecimento vigilância e deveres pelo resto da vida
Luiz Cesar Pimentel

N
o Brasil, o índice de sobrepeso subiu um ponto percentual por ano nos últimos 15 anos,
passando de 42% em 2008 para 57% da população em 2023. A obesidade cresceu à mesma
medida, chegando a quase um quarto dos brasileiros – no sobrepeso o IMC (Índice de
Massa Corporal) está entre 25 e 29,9; em obesos, acima de 30. Os números são alarmantes
porque são condições associadas a mais de 200 doenças, entre respiratórias crônicas, cânceres, diabe-
tes e problemas cardiovasculares. Na saúde pública, essas doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)
consomem 22% dos gastos do SUS e respondem por mais da metade de mortes de adultos. A boa no-
tícia é que a ciência desenvolveu armas eficazes para, teoricamente, extinguir a obesidade. A má notí-
cia é que os remédios são de uso contínuo e caros. Mesmo assim, a renomada revista científica Science
atribuiu aos medicamentos emagrecedores o título de Descoberta do Ano (de 2023).

FOTOS: PEXELS 33
Capa/Medicina
As duas estrelas das farmácias e consultó-
rios são Ozempic e Mounjaro. Ambos foram
desenvolvidos originalmente para o tratamen-
to de diabetes tipo 2 e simulam o hormônio
GLP-1, que é produzido pelo intestino, libera-
do na presença de glicose e que envia mensa-
gem de saciedade ao cérebro, diminuindo o
apetite. O Mounjaro ativa ainda outro hormô-
nio, o GIP, que melhora a liberação de insulina
após as refeições e facilita o controle da taxa
de açúcar do sangue. Por isso ele é ainda mais
caro – tratamento pode custar R$ 10 mil por
mês, enquanto o Ozempic está na faixa de R$
1 mil mensais e dispensa prescrição médica.
“Como pode ser comprado sem receita – o que
considero um erro grosseiro – a chance de uso
de forma errada e por quem não precisa fez
explodir os casos de efeitos adversos na mídia,
transformando medicações promissoras no
alvo de polêmicas e desgastes, muitas vezes
desnecessários”, lamenta o endocrinologista
Daniel Braga.
A Novo Nordisk, dinamarquesa fabricante
do Ozempic, começou a trabalhar o medica-
mento em 2005, mas há pouco mais de dois
anos as vendas dispararam ao receber autori-
zação nos EUA de uso para controle de peso.
A decisão foi baseada em estudo com resulta-
do sem precedentes de eficácia, de emagreci-
mento médio de 15%, e a propaganda que
celebridades como Amy Schumer, Oprah
Winfrey e Elon Musk fizeram lançou corrida
TAXA DE
OBESIDADE GLOBAL
Tendência é atingir mais de
metade da população
2008 2023
23,9% 39%
ou 1.63 bilhão
de pessoas
3.12 bilhões
FONTE: WORLD OBESITY ATLAS
34 ISTOÉ 2819 21/2/2024
pelas injeções de semaglutida. Nos EUA, onde
o remédio requer prescrição médica, 1,7% da
população recebeu receita para utilização em
2023. No Brasil, a situação não é diferente e
desde que começou a proliferar a fama por
aqui as farmácias não dão conta da demanda.
Com isso, o valor de mercado da farmacêuti-
ca superou o produto interno bruto do país de
origem, a Dinamarca, e transformou-a na em-
presa mais valiosa da Europa.
SEM DISCRIMINAÇÃO
O benefício dos medicamentos não se resume
à síntese química que engana o corpo ao enviar
recado de que a quantidade reduzida de alimen-
tos é suficiente. Eles fizeram com que o sobre-
peso e obesidade passasse a ser compreendida
como doença crônica com raízes na biologia e
não mais discriminada como consequência de
falta de força de vontade ou de caráter fraco.
Obesidade
Mesmo que seus efeitos a longo prazo não sejam
totalmente conhecidos, apesar dos quase 20 é doença
anos de utilização, estudos que vieram na sequ- crônica, e
ência da popularidade dos medicamentos mos- 80% dessas
traram outros pontos positivos.
Pesquisa publicada pelo The New England
podem ser
Journal of Medicine demonstrou que reduzem evitadas com
o risco de ataques cardíacos e derrames em até mudança de
20% em pessoas com sobrepeso. Outro estudo, hábitos”
com 529 pessoas com obesidade e insuficiência Fábio Cesar dos
cardíaca, constatou que após um ano de trata- Santos, médico
mento com semaglutida a melhora na condição integrativo
2035
PROJEÇÃO DE
51%
mais de 4 bilhões
FOTO: PEXELS

OBESOS BRASILEIROS
Alimentação com menos processados
ajuda a manter índice do País
BARIÁTRICA
AINDA FAZ
SUCESSO
NO BRASIL
Apesar de ser invasiva, a cirurgia é o
único procedimento definitivo. Cerca
de 100 mil brasileiros são operados por
ano, o que torna o País o segundo que
mais realiza, atrás dos EUA. A
segurança evoluiu com aprimoramento
da técnica cirúrgica, mas continua
sendo indicada para obesidade
mórbida (IMC acima de 40; ou 35
quando associado a outra doença) –
taxa de sucesso é de 95%, média de
emagrecimento é de 25 a 30% e risco
de morte, 0,15%.
Os três tipos são: colocação de
banda gástrica ajustável que cria
pequena bolsa na parte superior do
estômago; gastrectomia vertical (ou
sleeve), com remoção de cerca de
80% do órgão, transformando-o em
um tubo vertical, e bypass gástrico, que
combina bolsa no topo estomacal e
desvio do intestino delgado
conectando-os. Cada caso depende da
indicação médica para aplicação da
técnica adequada.
Os efeitos colaterais mais comuns
são: deficiências nutricionais, devido à
redução de ingestão de alimentos,
refluxo gastroesofágico e quadros de
transtorno mental como depressão ou
ansiedade deflagrados pelas
transformações súbitas física e alimentar.

2035
2023 PROJEÇÃO DE

22,1% 41%
mais de 4 bilhões
do coração dobrou. Um terceiro, sobre retarda-
mento de progressão de doença renal em pa-
cientes com diabetes, também foi bem-sucedi-
do. Depois que pacientes em tratamento rela-
taram diminuição de desejo por bebidas alco-
País está em ólicas e cigarros, pesquisadores deram início

79º lugar aos testes para uso sobre dependência de

drogas, baseados na teoria de que os remédios
entre 185 países analisados podem estar ligados a receptores cerebrais que

35
Capa/Medicina
comandam desejo por outros prazeres além da
comida. Há também ensaios clínicos dos fár- COMO OS
macos GLP-1 para tratamento de Alzheimer e REMÉDIOS AGEM
Parkinson, com base em evidência de que eles Os medicamentos imitam o hormônio
têm a inflamação cerebral como alvo. Além GLP-1, que é produzido pelo corpo
disso, a revista científica Nature atribuiu à mas tem tempo de vida curto. Na
bioquímica sérvia Svetlana Mojsov, peça-chave versão análoga injetável, duram o
na descoberta do GLP-1, lugar entre os dez período de aplicação semanal
cientistas mais importantes do ano.

EFEITOS ADVERSOS
A história quase centenária da batalha cien-
tífica contra obesidade nem sempre teve tantas
boas notícias. Começou nos anos 1940, com as
coloridas “pílulas dietéticas arco-íris”, uma com-
binação de anfetaminas, barbitúrico e diurético No cérebro
com previsíveis e fortes efeitos colaterais. A Vai ao hipotálamo, região
responsável pelo apetite, e
combinação fen-phen (dos anorexígenos fenflu- promove sensação de saciedade
ramina/fentermina) nos anos 1990 fez sucesso
até ser tirada de linha quando começou a causar
hipertensão pulmonar e problemas nas válvulas
cardíacas de alguns pacientes.
Assim como todos fármacos, Ozempic e
Mounjaro carregam efeitos colaterais e uma
série de dúvidas sobre uso a longo prazo. Os
relatos mais comuns são de náuseas, constipa-
ção e outros problemas gastrointestinais. O Emagreci o No fígado
principal problema é que o tratamento é para Diminui produção do
que queria, hormônio glucagon, oposto
doença crônica, ou seja, precisa ser continuado da insulina, e faz com que a
por toda a vida. Estudo clínico realizado com a retirei o glicose no órgão seja liberada
Mounjaro provou isso. Pacientes tomaram me- medicamento
dicação durante 36 semanas e tiveram perda e mantenho
média de peso de 21%. Metade começou a rece-
ber placebo e esse grupo recuperou dois terços
o peso
dos quilos emagrecidos, enquanto os que segui- com rotina
ram tratamento continuaram o emagrecimento saudável
nas semanas seguintes. rígida”
A alternativa prática está na reeducação Roberto Milani,
No estômago
do estilo de vida. É o caso do anestesista anestesista, emagreceu Retarda o esvaziamento gástrico
e contribui para saciedade. A
Roberto Milani. Ele fez o tratamento com 31 kg em um ano demora pode causar efeitos
Ozempic durante um ano e em parale- colaterais como enjoo e refluxo
lo passou a cuidar melhor da alimen-
tação, sono, atividades físicas e até
da saúde mental, com sessões de
meditação. Seu IMC baixou de
33.6 para 23.6, perdeu 31 kgs e
há dois anos mantém o peso com
controle alimentar e físico. “A
mudança de rotina preservou a
No pâncreas
Estimula produção de
menor fome, e não fico mais se- insulina, que controla níveis
dentário – tenho meta diária de 10 de açúcar no sangue

36 ISTOÉ 2819 21/2/2024 FOTOS: DIVULGAÇÃO

 mil passos; se não os completo duran-
te o dia, fico andando em casa até
atingir”, diz.
“Existem também os inimigos,
digamos, naturais da redução de
peso. O principal é a alimentação e
seu maior vilão são os alimentos
ultraprocessados. Eles enganam não
por serem mais gostosos, mas por
agirem como drogas no organismo com
“É essencial a liberação de grande quantidade de dopa-
mina na forma de açúcares e gorduras menos
dar especial presentes em alimentos naturais”, afirma Fábio
atenção à Cesar dos Santos, especialista em Medicina
saúde mental, Integrativa. As curvas de aumento de sobrepe-
muitas vezes so e obesidade são proporcionais à presença de
ultraprocessados na cultura alimentar. Nos
fragilizada por EUA, esse tipo de comida é 57,5% da ingestão
frustrações de média da população; no Brasil, tradições como
tratamentos a do arroz com feijão ainda nos salvam e os
muito processados estão na faixa de 20%. En-
anteriores tretanto, isso ensina que o tratamento tem que
Daniel Braga,
endocrinologista buscar solução ambiental e social e não depó-
sito de todas as fichas em um medicamento.

COMIDA PROCESSADA
“Quem prescreve deve deixar claro que se o
paciente quiser melhorar a saúde ele precisa
mudar seu mindset, ou seja, tem que aderir a
um plano de reeducação alimentar e de exercí-
cios, pois é preciso querer emagrecer para não
ter reganho de peso. Não deve ser visto como
substituto para mudanças saudáveis no estilo
de vida”, diz Daniel Braga.
ADULTOS AFETADOS Enquanto isso, a indústria da perda de peso
PELO EXCESSO DE PESO se tornou a galinha dos ovos de ouro. A Eli Lilly
& Co., fabricante do Mounjaro, realiza testes
70% 51% 50% avançados para o orforglipron, uma pílula para
perda de peso, e para o retatrutide, injetável
ainda mais potente do que seu atual principal
produto. A Novo Nordisk também anuncia lan-
çamento próximo de pílula de emagrecimento,
enquanto explora injetáveis que possam ser
administrados mensalmente em vez de sema-
ESTADOS UNIDOS

nalmente. Há 70 novos tratamentos para obesi-

dade em desenvolvimento; seis já aguardam
análise regulatória nos EUA. E analistas finan-
EUROPA

ceiros projetam que os medicamentos GLP-1

BRASIL

venham a se tornar a classe mais rentável de

todos os tempos, com vendas anuais que podem
chegar a US$ 100 bilhões.

37
Comportamento/Saúde
DENGUE
ASSUSTA O PAÍS
C
om número de casos quatro vezes maior do que o regis-
trado em 2023, a dengue virou doença grave no Brasil.
Os dados alarmam tanto a população quanto o Governo
Federal. A comparação: no ano passado, o registro de
ocorrências entre janeiro e fevereiro foi pouco maior de
128 mil. Agora, apenas nesse início de 2024, o volume ultrapassou
524 mil. O Ministério da Saúde explica que tais estatísticas incluem
infecções confirmadas e as que ainda estão em análise. Mesmo
assim assombra, pois nesse levantamento 84 mortes pelo Aedes
aegypti foram comprovadas — dado oficial até quarta-feira, 14. A
explosão acima do meio milhão causa temor no País, pois a va-
38 ISTOÉ 2819 21/2/2024
Com mais de 500 mil casos
e rápida escalada no número de
mortes, a doença assombra
a população. O Governo Federal
amplia o combate com Hospital
de Campanha, mas a vacinação
(não estudada para pessoas com
mais de 60 anos de idade) ainda
tem poucas doses Elba Kriss
cina chegou mas não está disponível para todos.
O enfrentamento da doença passou a ser prioridade da
pasta, que há duas semanas iniciou a distribuição do imuni-
zante Qdenga, do laboratório japonês Takeda Pharma, para os
estados prioritários. O lote inicial, com 712 mil doses, foi envia-
do para municípios do Distrito Federal, Goiás, Bahia, Acre,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul, Amazonas,
São Paulo e Maranhão. Inicialmente, a imunização começou
pelas crianças de 10 e 11 anos, o que gerou preocupação. “Até
março estaremos com esse primeiro grupo protegido. Na se-
quência, trabalhamos para garantir os de 10 a 14 anos. Come-
FOTO: SERGIO LIMA/AFP
 84
mortes *
REFORÇOS
Hospital de Campanha
da Aeronáutica, no
Distrito Federal, e
fumigação em Ceilândia:
guerra perdida?
*DADOS ATÉ 14 DE FEVEREIRO

sendo que eram esperados 600. Apenas no período de Car-

naval, esse número saltou para 7.665. A crise é progressiva.
Para especialistas, o governo necessita de esforços pontuais
diante do que caminha para um surto. “Embora a vacina seja
eficaz, especialmente na prevenção dos casos graves, é preciso
conseguir uma solução para a produção nacional. E facilitar a
aprovação e posterior incorporação ao Sistema Único de Saúde
da vacina do Instituto Butantan”, considera Marcelo Neubauer,
“Cerca de 75%
infectologista na cidade paulista Campinas. É o que busca a
dos focos estão gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, que realizou encontros com
dentro de casa” o instituto e a Fundação Oswaldo Cruz. O imunizante Butantan-
Nísia Trindade, ministra da Saúde -DV se mostrou seguro e com eficácia de 79,6% em ensaios
clínicos. Esses dados serão encaminhados para a Agência Na-
cional de Vigilância Sanitária no segundo semestre de 2024, o
çamos com essas idades porque foi onde se viu maior presen- que dará início ao processo de solicitação do registro definitivo.
ça de hospitalizações”, explicou Nísia Trindade, ministra da “Também houve uma conversa entre a Takeda e a Fiocruz para
Saúde, que acompanhou o início da imunização no DF. No transferência de tecnologia e nós esperamos que isso possa
entanto, quase uma semana depois, alguns municípios sequer acontecer”, informou Ethel Maciel, secretária de Vigilância em
receberam seus lotes. É o que acontece em Guarulhos, em São Saúde e Ambiente. Soma-se a tudo isso o investimento de R$
Paulo, que até quarta-feira não havia recebido suas 34 mil doses. 1,5 bilhão da pasta para o enfrentamento da enfermidade — an-
Os altos índices fizeram a Força Aérea Brasileira (FAB) ser tes o valor reservado era de R$ 256 milhões.
acionada. Desde o início do mês, a região de Ceilândia, no A esperança é que essas medidas deem conta do cenário
DF, conta com um hospital de campanha (HCAMP). Com emergencial provocado. Mas uma coisa precisa ser dita: a popu-
operação de 24 horas, a instalação fornece atendimento clí- lação tem que fazer o que lhe cabe. “O cidadão tem um papel
nico e pediátrico, com centro de emergência, laboratório para decisivo. Precisamos redobrar os cuidados com as residências
coleta, exames diagnósticos e estru- e em volta delas. Cerca de 75% dos
tura para acompanhar tratamentos CRISE PROGRESSIVA focos estão dentro de casa”, reiterou
em andamento e espaço para hidra- NOTIFICAÇÕES EM Nísia, em pronunciamento oficial. A
tação. “Nosso objetivo é desafogar JANEIRO E FEVEREIRO cartilha apela: tampar as caixas d’água,
as Unidades de Pronto Atendimen- 524.066* descartar o lixo corretamente, manter
to da região, já que hoje o Distrito vasilhas de água dos animais limpas,
Federal concentra em torno de 20% guardar garrafas e pneus em locais
dos casos de dengue no País”, in- cobertos e retirar água acumulada dos
formou o tenente-brigadeiro do ar 128.842 vasos e plantas. A súplica também é
Marcelo Kanitz Damasceno, co- que as pessoas recebam os agentes de
mandante da Aeronáutica. No pri- combate às endemias e ajudem na
meiro dia de funcionamento, foram 2023 2024 localização de focos do mosquito.
registrados 753 atendimentos, FONTE: MINISTÉRIO DA SAÚDE; *DADOS ATÉ 14 DE FEVEREIRO

FOTOS: MATEUS BONOMI/AGIF/AFP; ANDRÉ VIOLATTI/ATO PRESS/FOLHAPRESS; CLAUDIO REIS/AGENCIA ENQUADRAR/FOLHAPRESS 39

Comportamento/ONG
O poder dos
desejos
ONG realiza sonhos de crianças e adolescentes
com doenças graves, proporcionando alegria, força
e resiliência para elas enfrentarem os desafios
das enfermidades Alan Rodrigues
N
o Brasil, existem 815.676 mil
organizações não governa-
mentais (ONGs) distribuídas
por todo território nacional,
segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Os
números mostram que oito em cada
dez são associações sem fins lucrati-
vos. Ou seja, são juridicamente consti-
tuídas como um grupo de pessoas que
têm uma causa em comum. Ao certo,
não existe uma única cidade brasileira
que não tenha pelo menos uma insti-
40 ISTOÉ 2819 21/2/2024
NOITE DE
ESTRELA
A jovem Larissa,
16, gravou uma
de suas canções
e subiu ao
palco em uma
apresentação
musical
tuição dessas. Somente a capital pau-
lista soma mais de 50 mil entidades.
Uma dessas organizações chama a
atenção das pessoas pelo impacto
positivo que o trabalho voluntário tem
realizado. Trata-se da Make-A-Wish, a
única organização social do país que é
dedicada exclusivamente a converter
os sonhos de crianças e adolescentes,
com graves problemas de saúde, em
realidade. “A realização de um sonho
pode ser uma experiência transforma-
dora, capaz de proporcionar alegria,
força e resiliência para enfrentar os
desafios da doença”, diz a diretora-geral
da MAWB no Brasil, Thais Bernardini.
Com uma missão tão poderosa quan-
to simples, a entidade visa levar alegria
e esperança à vida das crianças e suas
famílias. Desde ter um laptop, passando
por uma festa de aniversário ou conhe-
cer seus ídolos, até viajar para destino
dos sonhos, a organização trabalha para
tornar reais os desejos. “Essas crianças
escutam tantos nãos e esses sins são sins
da vida. Eles mantêm essa ligação mes-
mo com tudo que é positivo, com tudo
que é bom”, avalia Daniela Badari.
Neste mês, Larissa Bianca Badari, 16
anos, filha de Daniela, teve o sonho rea-
lizado. Ela sofre há quatro anos com um
sarcoma, que começou junto ao múscu-
lo do braço. A pequena, que transpira
cultura, toca vários instrumentos musi-
cais, canta e compõe as próprias letras
de suas canções, viu sua vida dar uma
“freada brusca” quando descobriu a do-
ença e as recidivas que aconteceram
nesses três anos. “Meu sonho é ser can-
tora, atriz ou alguma coisa no campo das
artes. No hospital em que me tratava,
falaram da ONG. Fomos atrás”, conta
Larissa, que acaba de gravar sua música
e o trabalho será distribuído por uma
plataforma de streaming. “Ela já até deu
um show”, conta Thais Bernardini.
A força motriz por trás desse movi-
mento está na crença fundamental de
que cada criança merece um momento
de felicidade e realização, independen-
temente dos desafios que enfrenta. No
ano passado, a ONG conseguiu contem-
plar 268 sonhos, um crescimento de
16,5% a mais que em 2022. Estudos
demonstram que realizar um desejo
pode ter um impacto positivo significa-
tivo no bem-estar emocional e físico das
crianças, ajudando-as a encontrar forças
para enfrentar seus desafios de saúde
com determinação renovada. “Deixar os
sonhos vivos, acesos, que trazem esses
sins, que eles tanto precisam para con-
tinuar lutando”, diz Daniela.
FOTO: DANIELA BADARI
Comportamento/Moda

As sem
sobrancelhas
Tendência de descolorir ou
raspar os pelos chega ao Brasil
pelas mãos da Geração Z.
Tutoriais de beleza com a prática
se espalham nas redes
sociais ao mesmo tempo em que
médicos alertam sobre riscos
Elba Kriss

O
visual sem sobrancelha é ten-
dência da Geração Z, os nascidos
entre a segunda metade da dé-
cada de 1990 e 2010. A proposta
é descolorir os pelos ou raspá-los
por completo. Em um rápido acesso ao
TikTok, é possível encontrar inúmeros
tutoriais da prática batizada de Brow
Bleaching — clareamento de sobrancelha,
em livre tradução. Sendo a rede preferi-
da dessa turma, segundo pesquisa TIC
Kids Online Brasil 2023, é consequência
que tal comportamento se espalhe. Ce-
DETALHE OUSADO
Transformação da modelo
Kendall Jenner: das passarelas
para o dia a dia
OLHAR EM EVIDÊNCIA A modelo Ana Schurmann
com fios platinados: “o rosto fica marcante”
lebridades como a modelo norte-ameri-
cana Kendall Jenner e a cantora brasilei-
ra Luísa Sonza já apareceram com os
supercílios apagados. “A técnica de
descolorir as sobrancelhas era muito
comum nos desfiles e editoriais de moda
quando se queria evidenciar o olho. Nas
passarelas, era usado para causar estra-
nheza e vender um conceito”, diz a be-
auty artist Juliana Rakoza.
Mas porque os jovens decidiram levar
isso para o dia a dia? “Essa é uma geração
em que as ideias de ser livre e sem rótu-
los são grandes marcos. A sobrancelha
traz a expressão estampada no rosto, a
ausência delas reflete um aspecto andró-
geno. Mais pessoas querem se ver ‘fora
dos padrões’ e criar sua própria identi-
dade”, analisa Thaís Giraldelli, especia-
lista em cílios e sobrancelhas. A modelo
Ana Schurmann, de 27 anos, testou o
visual em ocasiões específicas da profis-
são e aprovou. “O rosto fica marcante e
até sensual. É legal inovar e sentir como
você pode mudar”, diz. No entanto, ela
admite que um ponto negativo pode ser
o “parecer um extraterrestre”. “As so-
brancelhas são as molduras dos olhos. A
partir do momento em que os pelos são
apagados, você retira 100% dessa ex-
pressão”, acrescenta Juliana.
Entre especialistas e médicos a reco-
mendação é de que a prática requer
cuidados. A começar pelo entendimen-
to da função das sobrancelhas. “O for-
mato e a localização permitem que
protejam nossos olhos da luz solar,
suor, poeira, microrganismos e partícu-
las. Atuam como barreira de defesa”,
explica a dermatologista Geisa Costa,
fundadora do Art Beauty Center. O uso
de lâminas e produtos químicos pode
causar alergias, irritações ou queimadu-
ras. “Também pode resultar em mudan-
ças permanentes, ainda mais se os pelos
forem danificados ou removidos em
excesso.” A regra é: sempre busque
ajuda profissional.

42 ISTOÉ 2819 21/2/2024 FOTOS: CLEO SULIVAN/DIVULGAÇÃO; JOHN NACION/NURPHOTO/NURPHOTO/AFP

Comportamento/Esporte
O melhor esporte do mundo?
Pesquisadores apontam o tênis como prática boa para idosos, mas especialistas
garantem que a melhor modalidade é aquela que dá mais prazer Denise Mirás
N
atação, polo aquático, moto-
náutica, tênis, vela, corrida, ci-
clismo, golfe, automobilismo...
qual seria o melhor esporte do
mundo? É aquele que produz
adrenalina e promove prazer e motiva-
ção. Essa é a opinião do empresário
Fernando Nabuco, que passou por todos
essas modalidades ao longo de quase
oito décadas. Ex-presidente da Bolsa de
Valores de São Paulo, o “multiatleta” se
mostra indignado com executivos que
ficam “12 horas em uma cadeira”, como
observa, porque o trabalho precisa do
esporte como complemento de vida. “A
natação é sem dúvida o melhor esporte
a longo prazo, sob todos os aspectos,
44 ISTOÉ 2819 21/2/2024
pela ausência de impacto. E o ciclismo
é o mais gostoso, porque a gente se
diverte, mesmo com o risco dos tom-
bos...” Nabuco, que aos seis anos já
nadava, diversificou as preferências,
mas nunca se esqueceu do técnico
australiano Don Talbot, que conheceu
aos 16 na Olimpíada de Roma, em 1960.
Ele lhe disse: “Treino aeróbico é até o
fim da vida. Não largue o seu coração”.
Praticante dos esportes clássicos, o
empresário não descarta as modalida-
des que entram e saem de moda, por-
que acha ótimo “tudo o que faz suar”.
Mas acrescenta que é imperativo tam-
bém fazer musculação, pela perda de
massa muscular, principalmente após
URBANO
Beach tennis:
moda ‘subiu
a serra’ e as
quadras de areia
se espalharam
pelas cidades
os 60 anos. “Se o indivíduo não tiver
músculos, não tem como seguir com o
esporte. Musculação é imprescindível,
assim como uma boa alimentação.”
Pesquisadores da PUC-PR aponta-
ram o tênis como excelente para pes-
soas mais idosas, que passaram a
apresentar performance (de resposta
muscular e velocidade) semelhante à
dos mais jovens, trabalhando equilíbrio
e, com isso, ajudando a prevenir que-
das. Mas esse esporte tradicional anda
perdendo terreno para variações, como
o pickleball, por exemplo. Atual febre
nos EUA e agora em São Paulo, a novi-
dade ocupa quadras pequenas (uma de
tênis pode ser recortada em quatro de
FOTOS: CROSNIER JULIEN/KMSP/AFP; EZRA SHAW/GETTY IMAGES/AFP
pickleball), raquetes mais leves, regras
fáceis e menos problemas com lesões.
Esportes entram e saem de moda,
pelo menos desde os anos 1960, quan-
do Kenneth H. Cooper preparou um
teste para as Forças Armadas america-
nas avaliarem o nível de condiciona-
mento físico de soldados. Das pistas, o
teste ganhou as ruas e a expressão “fa-
zer cooper”, em homenagem ao seu
nome, virou sinônimo de corrida,
atraindo milhares de adeptos na década
seguinte. Nos anos 1980, o mundo se
voltaria para a aeróbica feita em acade-
mia, popularizada pela atriz Jane Fonda.
E então surgiram windsurf, bodyboar-
ding, asa delta, futvôlei, vôlei de praia,
kitesurf, canoa havaiana, standup pa-
ddle e beach tennis, entre outros.
RAQUETES EM ALTA
Guilherme Ferreira Barbosa, prepara-
dor físico no The Corner Sports & Health,
WINDSURF, FENÔMENO LANÇADO PELA TV
Criado na Flórida nos anos 1960,
o windsurf foi programado para
explodir no Brasil na década de 1980.
Para isso, imagens das pranchas com
velas congestionavam a abertura da
novela Água Viva, em criação de
Hans Donner, acompanhadas da
música-tema Menino do Rio, de
Caetano Veloso, interpretada por
Baby Consuelo. Reginaldo Faria, Betty
Faria e Gloria Pires apenas circulavam
seus personagens à beira-mar, no Rio
de Janeiro. Mas, com o poder da TV
— e principalmente da Rede Globo —
o windsurf coloriu a costa brasileira.
Tornou-se modalidade olímpica em
Los Angeles 1984, chamada de
prancha à vela e depois de RS:X. Nos
Jogos de Paris, entre julho e agosto, a
evolução da classe é a iQFoil, que tem
hydrofoils: com essas “asas”
subaquáticas, as pranchas passam a
impressão de voar, em vez de flutuar.
MADE IN URSS
Standup paddle
(SUP): criação do
ditador soviético
Joseph Stalin
para invadir a
Alemanha em 1945
em São Paulo, diz que a escolha do es- atividade. É recomendável ainda o acom-
porte deve levar em conta se o objetivo panhamento de um educador esportivo.
é alcançar alta performance ou apenas se Segundo Guilheme, esportes de raquete
dedicar a um hobby. “Depende do gosto, vêm ganhando relevância “porque estu-
mas um bom critério também é o seg- dos apontam que seus praticantes têm
mento: se é ao a ar livre ou na academia, menos chance de desenvolver doenças
se é coletivo ou individual.” A consulta relacionadas à cognição e à memória”.
prévia a um médico é imprescindível, O fisiologista Turíbio Leite de Barros
para avaliação física e para determinar se Neto lembra que a questão do biotipo
há alguma restrição para determinada está relacionada à alta performance. “É
muito difícil passar por cima de um
biotipo inadequado. Hoje, um garoto
com baixa estatura não vai ser campeão
olímpico de natação. Mas nadar pelo
bem-estar e pela saúde é ótimo”, assi-
nala. Sobre longevidade esportiva, Tu-
ríbio não coloca o tênis na lista. “É um
esporte unilateral. Ninguém bate na
bola ao mesmo tempo com os dois la-
dos do corpo. Haverá prevalência de um
deles. E, caracterizado pelo esforço re-
petitivo, é raro que não resulte em
tendinite crônica de cotovelo ou pro-
blema de quadril, pelo deslocamento
muito lateral. Se não for para competi-
ção, o melhor esporte é o que dá mais
prazer ao indivíduo.”
Fernando Nabuco agora alterna entre
o golfe e o ciclismo — pedala em estradas
secundárias próximas de São Paulo ou
“faz rolo” correndo com a bike na estei-
VOADORAS ra, opção pela falta de segurança nas
Novidade ruas. “O golfe é um desafio. E faz mal
olímpica em Paris:
pranchas com
para o coração”, brinca. “Em um dia você
aerofólio faz tudo bem; no outro, erra aquela bola
subaquático e é uma frustração. Daí é seguir para o
‘buraco 19’.” Como o campo de golfe tem
18 buracos, 19 é o apelido do... bar.
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NACIONAL Fábrica da SIATT, em

São José dos Campos: estratégia
militar e benefícios econômicos

BRASIL COMEÇA A
DESENVOLVER MÍSSEIS
Empresa do setor de defesa anunciou investimentos de R$ 3 bilhões
para a montagem de uma fábrica no interior paulista voltada
à produção de armamentos de alta complexidade Mirela Luiz

N
o atual e complexo cenário
mundial, muitos países buscam
ampliar sua independência ge-
opolítica por meio de mais in-
vestimentos no setor militar.
Nesse contexto, o Brasil pode estar
dando um importante passo ao ingres-
sar no mercado de produção de arma-
mentos de alta complexidade. Além de
contribuir para a segurança nacional,
essa estratégia também traz benefícios
econômicos significativos.
A indústria da defesa é conhecida
por demandar mão de obra especializa-
da e por gerar empregos de alta quali-
dade. Com a expansão dessa área, o País
poderá impulsionar sua economia e
promover o desenvolvimento tecnoló-
gico. A empresa brasileira de defesa
Siatt (Sistemas Integrados de Alto Teor
Tecnológico) anunciou um investimen-
to de R$ 3 bilhões para a construção de
uma fábrica de mísseis em São José dos
Campos, interior de São Paulo. “O sim-
ples fato de mantermos em atividade
uma indústria diretamente relacionada
à soberania do País já é, no nosso en-
tendimento, um grande diferencial para
o Brasil”, afirma Rogerio Salvador, CEO
e cofundador da empresa.
A SIATT também planeja inaugurar
uma nova sede, dedicada a atividades de
pesquisa e inovação, até meados do ano.
Com essa expansão, a área ocupada pela
empresa aumentará de mil para sete mil
metros quadrados. “Até meados do ano

48 ISTOÉ 2819 21/2/2024 FOTOS DIVULGAÇÃO

 Vamos aumentar a capacidade de produção
para atender às demandas do mecado
Rogério Salvador, CEO da Siatt ao lado do Míssil Mansup
a SIATT vai inaugurar uma nova sede,
mantendo no Parque de Inovação Tecno-
lógica de São José dos Campos as ativida-
des de pesquisa e inovação”, diz Salvador.
A Siatt desenvolve ainda dois projetos
de grande importância. O primeiro é o
míssil naval Mansup, utilizado para
combate antinavio. O segundo é o MSS,
empregado contra veículos blindados
em terra. Ambos os projetos são consi-
derados essenciais para fortalecer a de-
fesa nacional, juntamente com o avião
de cargas C-390 Millenium da Embraer.
Fundada em 2015, a companhia
conta com o conhecimento e a experi-
ência de décadas de desenvolvimento
no setor de defesa nacional. Seus fun-
dadores eram sócios da Mectron, uma
das principais empresas do setor e do
polo tecnológico do Vale do Paraíba.
O projeto Mansup teve início em
MANSUP (MÍSSIL ANTINAVIO NACIONAL DE SUPERFÍCIE)
ALCANCE: 70 A 75 KM
VELOCIDADE: 840 KM/H
PROPULSÃO: SÓLIDA COM 300 SEGUNDOS DE QUEIMA
GUIAGEM: INERCIAL + RADAR ATIVO
OGIVA: 150 KG INCENDIÁRIO + TERMOBÁRICA
SISTEMA DE GUIAGEM,
NAVEGAÇÃO E CONTROLE (SGNC)
AUTODIRETOR
COMPARTIMENTO DE VANTE
• COMPUTADOR DE GUIAGEM
• RADARALTÍMETRO
• PLATAFORMA INERCIAL*
• BATERIA DIANTEIRA
*FORNECIDA PELA MARINHA DO BRASIL; FONTE E ILUSTRAÇÃO/SIATT; INFOGRÁFICO/GLAUCO LARA
2011 e envolveu um importante consór-
cio de empresas. Devido a escândalos
de corrupção, porém, o desenvolvimen-
to do artefato foi interrompido. Com o
investimento da Siatt e do Grupo Edge,
espera-se que a proposta seja retomada
e concluída com sucesso.
Em 2019, a Siatt já havia firmado um
contrato com a Marinha do Brasil para o
fornecimento de subsistemas do projeto
de míssil Mansup. A empresa também
tem fornecido os sistemas de guiagem,
navegação, controle e telemetria para o
desenvolvimento desse míssil naval, que
atua como uma espécie de versão nacio-
nal do francês Exocet e do americano
Harpoon. Com a entrada de capital dos
Emirados Árabes no projeto, espera-se
que mais encomendas sejam feitas para
esse e outros projetos da Siatt.
A entrada de capital do grupo Edge,
4,7 M
MOTOR-FOGUETE
CABEÇA TELEMÉTRICA
• TRANSMISSOR DE
TELEMETRIA EMBARCADO
• DISPOSITIVO DE SEGURANÇA
E ARMAR (DSA)
estatal dos Emirados Árabes, fortalece
a Siatt e facilita a abertura de mercados
internacionais. A expectativa é que
novas encomendas sejam feitas para os
projetos da empresa. As Forças Arma-
das dos Emirados Árabes Unidos já as-
sinaram uma carta de intenções para a
compra de uma versão de alcance es-
tendido do míssil Mansup, em um
contrato que pode movimentar valores
na ordem de US$ 300 milhões.
Apesar dos desafios enfrentados pelo
setor, a parceria com o grupo Edge traz
recursos financeiros e encomendas, o
que é fundamental para o crescimento
e a viabilidade das operações da SIATT.
“Já produzimos em pequena escala e
vamos aumentar a capacidade de pro-
dução ao longo de dois anos, para
atender as demandas do mercado”,
explica o executivo da empresa.
COMPARTIMENTO DE RÉ
• ATUADORES
• SUPERFÍCIES AERODINÂMICAS
(PROFUNDORES)
• BATERIA TRASEIRA
• INTERFACE COM LANÇADOR
DO NAVIO
49
Comportamento/Joias
indústria de joias passa

A por uma transformação

significativa no mundo. O
mercado agora busca por
peças com menor impac-
to ambiental e social que impulsionam
um novo momento da indústria: a era das
joias sustentáveis. Um exemplo desse
movimento é a crescente utilização de
ouro e prata reciclados e certificados na
fabricação de novas joias. “O luxo autên-
tico vai além do aspecto estético e do
valor monetário, ele deve estar intrinse-
camente ligado à sustentabilidade”, afir-
ma a estilista Mayara Rovery.
A reciclagem de metais preciosos
não é apenas uma prática ambiental-
mente responsável, mas também con-
tribui para a transparência e a garantia
de que os materiais foram obtidos de
maneira ética e legal. Empresas com-
prometidas com a sustentabilidade

Joia com
estão buscando cada vez mais fornece-
dores que ofereçam certificados de
origem para os metais que utilizam em
suas criações. “Em um mundo cada vez

mais consciente dos desafios ambien-
tais e sociais, é fundamental que as
marcas de luxo assumam a liderança na
promoção dessas práticas”, diz Mayara.
A Pandora, maior joalheria do mundo
em número de produtos vendidos, anun-
ciou que utilizará apenas ouro e prata
reciclados e certificados em suas novas
criações. “Os metais preciosos podem ser
reciclados indefinidamente sem perda de
qualidade”, diz Alexander Lacik, diretor
da Pandora. A empresa dinamarquesa-
compra cerca de 340 toneladas de prata
e uma tonelada de ouro por ano.
Atenta a esse mercado inovador,
propósito
Joalherias pelo mundo e pequenos negócios do ramo
no Brasil aderem ao reuso de ouro e prata em novas
peças de luxo em prol da sustentabilidade Alan Rodrigues
Mayara fundou o YbY Bank, primeiro gramas de prata, que foram vendidos
banco de reuso de metais do país. No e devolvidos ao mercado. Ao utilizar
ano passado, o YbY Bank captou um metais de reuso, as joalherias estão
total de 6.079 gramas de metal, in- ajudando a diminuir a demanda por
cluindo 1.412 gramas de ouro e 5.462 nova matéria-prima, o que, por sua vez,
reduz a necessidade de mineração. A
joalheria sustentável é mais do que
tendência, é movimento que veio para
ficar. Além de um convite para celebrar
a beleza e o luxo com propósito.

SOFISTICAÇÃO A reciclagem de
materiais da oportunidade aos
designers de trabalhar com
exclusividadeas novas peças

50 FOTOS DIVULGAÇÃO
Comportamento/Gastronomia
Comida com
história
Restaurantes ocupam marcos
arquitetônicos: além de agregar
valor à experiência gastronômica, a
presença dos chefs dá novo significado
a prédios históricos Ana Mosquera
O
ra intencional, ora aleatória, a
profusão de restaurantes em
construções que marcaram ou-
tras décadas é evidente, e a
chegada de novos e renomados
chefs do térreo ao topo (ou rooftop) dos
edifícios simbolizam permanência, mas
também mudança. Ao mesmo tempo
em que a convivência com a arquitetura
típica pode estimular a criatividade do
serviço, a inserção de estabelecimentos
transforma ambientes e traz contempo-
raneidade a espaços mais datados.
Desde a última quinta-feira, 8, o ita-
liano Tappo, fechado na pandemia,
voltou à ativa no térreo do Edifício Pa-
quita, em São Paulo, marco arquitetôni-
co construído entre 1952 e 1959 pelo
arquiteto Alfred Düntuch. Ainda que a
escolha tenha mais a ver com a intimi-
dade dos sócios com o bairro de Higie-
nópolis, onde há mais de duas décadas
mantêm o Ici Bistro, eles confirmam que
a ocupação do residencial histórico cola-
bora para a experiência do cliente. “Quan-
do se leva um prato do restaurante para
comer em casa, até o sabor muda”,
compara o chef Benny Novak. “Faz parte
do conceito de hospitalidade. A tempe-
ratura do ar, a música, a luz, o serviço do
garçom: tudo é trabalhado para que a
pessoa, mesmo sem entender o motivo,
saia satisfeita”, diz o sócio Renato Ades.
Inserido no Centro Cultural Banco do
52 ISTOÉ 2819 21/2/2024
HISTÓRIA LOCAL Benny
Novak e Renato Ades, sócios:
novo Tappo, no Edifício
Paquita (1959), em São Paulo
Brasil no Rio de Janeiro, fundado em 1906
e de influência neoclássica, o Lilia Bistrô
tem inspiração na culinária do mesmo
período. “O cardápio tem uma inspiração
mais clássica francesa, de bistrô. Tudo no
espaço foi pensado de acordo com a es-
trutura do centro cultural: desde os talhe-
res de prata até as toalhas brancas e os
guardanapos, que são de linho”, diz o chef
João Victor de Souza Vianna. “Com um
toque brasileiro”, ressalta.
O TEMPO PASSA
No centro da capital paulista, após
passar por retrofit executado pela Meta-
forma, o novo projeto do Edifício 7 de
Abril une seu estilo original Art Déco à
arquitetura contemporânea. Idealizado
em 1939 pelo arquiteto Ramos de Aze-
vedo para abrigar a história da telecomu-
nicação nacional, receberá em breve o
complexo gastronômico de hospitalida-
de e cultura Ramal. “O empreendimento
contará com elementos da época áurea
FOTOS: ANDRÉ LESSA; FABIO TEIXEIRA

da telefonia resgatados pela incorpora-
dora”, diz Rosa Moraes, curadora gastro-
nômica ao lado de Katherina Cordás:
“Teremos operadores que trarão à tona
ingredientes e receitas de diferentes
culturas que se apresentam em São Pau-
lo, em formas tradicionais e revisitadas”.
No Copan, a presença de comércios e
TÉRREO ATIVO Bel Coelho, chef:
culinária brasileira no Cuia, que
fica dentro do Copan (1954),
na capital paulista
ESTILO NEOCLÁSSICO
João Victor de Souza Vianna,
chef: Lilia Bistrô no CCBB
(1906), no Rio de Janeiro
restaurantes 70 anos após o projeto inicial
de Oscar Niemeyer reitera a predisposição
do prédio. “O Niemeyer tinha a intenção
de deixar suas obras mais democráticas,
então ter um térreo ativo conversa com
a rua”, diz a chef Bel Coelho. No Cuia, ela
realiza uma gastronomia internacional
com ingredientes brasileiros, em harmo-
nia com o movimento modernista que
inspirou o arquiteto. Para receber o res-
taurante, o local pouco sofreu interven-
ção, mantendo os pilares de concreto e
os grandes vidros da época da fundação.
Também em São Paulo, para atingir o
último andar do Shopping Light, os
clientes do Notiê e do Abaru, sob o co-
mando do chef Onildo Rocha, encaram
um elevador de quase 100 anos e, da
varanda, podem observar uma constru-
ção ainda mais antiga que a ex-sede da
empresa de Energia Light, de 1929: o
Theatro Municipal, erguido em 1903. Em
local próximo, o espaço de shows Casa
de Francisca, localizado no Palacete Te-
reza (tombado, de 1910), que já abriga um
restaurante, está prestes a abrir um cine-
-teatro no porão e um bar no térreo, o
Largo. Em Belo Horizonte, o Edifício
Maletta, de 1957, abriga uma série de
bares, cafés e restaurantes, entre outros
comércios, e se tornou ponto de encon-
tro na cidade. “A experiência do cliente
é subjetiva, mas a arquitetura contribui
demais”, diz a chef Bel Coelho.
53
Gente
por Elba Kriss

Feliz em ser vilã

Após o período como musa da Imperatriz
Leopoldinense, no Rio de Janeiro, Rafa
Kalimann terá um alívio na intensa rotina.
Desde dezembro ela se divide entre os
preparativos para a folia e as
gravações de Família é Tudo, trama
das 19h da Globo. Após muita
preparação — em 2021, ela estudou A receita do
atuação em Nova York, nos EUA —, tanquinho
é chegada a hora de sua primeira Não é qualquer um que
novela. A estreia, segundo ela, não consegue acompanhar
poderia ser melhor: uma vilã o ritmo de Mark
chamada Jéssica. “Vocês vão Wahlberg. Aos 52,
amá-la ou odiá-la muito”, diz. anos, o ator exibe o
A vontade de mostrar as garras mesmo abdômen
de atriz como uma mulher trincado que tinha há
controladora e calculista a 30 anos, quando
motiva. “Essa personagem já começou a carreira
é a mais importante da como cantor de rap.
minha vida. O ano de 2024 Sua rotina chama a
está sendo o momento atenção: ele costuma
de colher o plantio de dormir às 20h30 e
todos esses anos acordar às 3h30.
anteriores de Meia hora depois, está
muito trabalho pontualmente na
e dedicação.” academia para o que
chama de “clube das
4h da manhã”. “Durmo
pelo menos oito horas.
Para mim o sono é tão
importante quanto o
exercício”, diz. Adepto
da musculação,
também cuida da
alimentação e, às
vezes, faz jejum
intermitente. Segundo
o astro, nada é
exagero. “Apenas tento
trabalhar na
longevidade e ser o
mais saudável possível,
enquanto puder.”

54 ISTOÉ 2819 21/2/2024

Musa da medicina Um hit com história
Médica, apresentadora e Tony Salles e Léo Santana
influenciadora digital. Desde que dominaram o Carnaval
saiu campeã do Big Brother Brasil com o sucesso Perna Bamba.
20, da Globo, Thelma Assis só A coreografia viral para redes
amplia seu leque de trabalho. sociais se espalhou — apenas no
“Sempre fui uma pessoa diversa e YouTube, o clipe tem 16 milhões
versátil”, diz à ISTOÉ. Graças à de visualizações. Um fenômeno
televisão, ela conseguiu unir que Salles procurou com afinco
medicina a seu outro talento, para cantar especialmente com
a comunicação. À frente do quadro o amigo. “Sempre busquei uma
Bem Estar, está em dose dupla no música para gravar com o Léo,
Encontro com Patrícia Poeta e porque acho que ele tem uma
É de Casa. “Sou uma médica que história maravilhosa”, disse.
gosta de se comunicar. Só que sou Foram dez anos à espera da
anestesista, então meus pacientes canção perfeita, até que se
estão sempre dormindo”, diverte-se. deparou com a composição que
O humor, bem se vê, é outro dom. remete ao axé dos anos
Uma paixão que ela não abre mão é 2000: “Quando Léo
o Carnaval. Na última semana, se ouviu a música
dividiu entre a TV, o desfile pela falou: ‘Que dia
escola paulista Mocidade Alegre e o eu coloco a
posto de musa do Camarote Bar minha voz?’”.
Brahma, no Sambódromo do Assim nasceu
Anhembi. “Seguirei assim, sendo a o hit dos dias
Thelma workaholic”, finaliza. de folia.

Recepção Agradecimentos
desagradável ao mestre
Lily Collins anunciou feliz da vida No ar em Elas por Elas, da Globo, o ator
que a quarta temporada de Emily André Senna ganhou uma missão e tanto em sua
em Paris, da Netflix, estaria de primeira novela: interpretar Sérgio, personagem
volta à França, mas encarou do veterano Marcos Caruso, na sua versão mais
desagradável rejeição. O sucesso jovem. O folhetim tem flashbacks com
da série aumentou o turismo por acontecimentos passados, por isso, caberá a ele
lá, mas uma parcela dos ser o portador de grandes revelações que irão
parisienses critica o fato de que surgir decorrer da trama. “Sérgio tem alguns
produções como essa dão aos segredos que expõem o seu desvio de caráter”,
viajantes expectativas irreais e entrega. Nos bastidores do folhetim, a parceria
romantizadas do país. O pedido é com o veterano foi
que mostrem a realidade que toda crucial para Senna
capital possui, por isso, os desde o primeiro dia
protestos contra a glamourizada de gravações.
produção pipocaram pelos pontos “Marcos leu uma
turísticos. Moradores locais parte do texto
picharam as frases “Emily não é comigo, para
bem-vinda” e “o sul de Paris não é pontuar algumas
seu” nas fachadas dos prédios que frases com as
servirão de locação para Lily e sua características do
turma — foi um balde de água fria. personagem”, diz.

FOTOS: DIVULGAÇÃO/EUSEBIO MENDONÇA; REPRODUÇÃO INSTAGRAM @MARKWAHLBERG; DIVULGAÇÃO/@ 55

DENIS.CORD; DIVULGAÇÃO/OSEIAS BARBOSA; DIVULGAÇÃO; KARIN TORNBLOM/AFP
Economia/Viagens
RETOMADA
Rio de Janeiro
volta a ser destino
queridinho dos turistas

Os turistas
estão de volta
Gastos de estrangeiros no Brasil alcançam recorde desde 1995.
Despesas de brasileiros no exterior também tiveram a maior alta
desde 2019. Mas esse cenário positivo para o setor está ameaçado,
principalmente com a atual crise das empresas aéreas Mirela Luiz

Y
es! Os gringos estão voltando. Segundo dados
divulgados recentemente pelo Banco Central
(BC), os gastos turísticos no Brasil atingiram
níveis recordes desde 1995. Foram US$ 6,9
bilhões no ano passado. Os números mais
próximos desse patamar haviam sido registrados em
2014, durante a Copa do Mundo, quando os turistas
gastaram US$ 6,84 bilhões. E esse não foi o único dado
que trouxe otimismo para o setor. As despesas dos
turistas com viagens para o exterior atingiram o maior
valor desde 2019, antes da pandemia de Covid. Em
2023, os brasileiros gastaram US$ 14,5 bilhões fora do
País, enquanto em 2019 esse valor tinha sido de US$
17,5 bilhões (de acordo com os registros do Banco
Central, os anos de 2013 e 2014 foram os de maiores
despesas dos brasileiros em diferentes países, com
gastos superiores a US$ 25 bilhões).
Para aumentar o número de visitantes estrangeiros no
Brasil, a Agência Brasileira de Promoção Internacional do
Turismo (Embratur) tem se concentrado na ampliação
da conectividade aérea internacional. Marcelo Freixo,
presidente da Embratur, destaca que há uma confluência
de fatores para o recorde alcançado, incluindo os projetos
da Agência e as viagens do presidente Lula para “reco-
nectar o Brasil ao mundo”. “Muitas companhias aéreas
aumentaram suas frequências para o Brasil em 2023: a
argentina Flybondi, a chilena JetSMART, a portuguesa
TAP, a turca Turkish, a africana TAAG... Há inclusive
parcerias da Embratur para aumentar a conectividade do
Brasil com o exterior. É uma notícia boa para o desenvol-

56 ISTOÉ 2819 21/2/2024 FOTOS: ANTÔNIO GAUDÉRIO/FOLHAPRESS; CARL DE SOUZA/AFP; RENATA MOURA/FOLHAPRESS
 1,88 milhão
vimento do País, já que o setor de turismo tem capacida-
de de gerar emprego e renda”, declara Rodrigo Melo, di-
retor comercial do Viajala.
De acordo com a Embratur, os turistas da América
do Sul e dos EUA lideraram a lista dos principais visi-
tantes ao Brasil, em 2023. No acumulado do ano, o País
recebeu 5,9 milhões de estrangeiros, com a Argentina
liderando com 1,88 milhão de visitantes, seguida pelos
Estados Unidos, com 668,4 mil; Chile, com 458,5 mil;
Paraguai, com 424,4 mil, e Uruguai, com 334,7 mil.
“Notamos um grande aumento na busca por destinos
mais caros, como alguns países europeus fora dos
tradicionais, além de uma alta demanda para destinos
exóticos. No Brasil, nossos clientes têm buscado hotéis
e resorts com serviços de alto padrão. Isso mostra que
os turistas têm investido mais dinheiro na busca por
experiências turísticas”, conta Ronnie Correa, diretor
da operadora de turismo Abreu, no Brasil.
Carolina Tomba, sócia da agência de viagens Soney
Tur, confirma o aumento da demanda de bra-
sileiros buscando destinos no exterior.
“Sentimos um aumento pela demanda
de viagens para o inverno europeu
nos meses de dezembro e janeiro.
Também estamos com alta de-
668,4 mil
458,5 mil
424,4 mil
334,7 mil
187,6 mil 182,5 mil
Argentina EUA Chile Paraguai Uruguai França
FONTE: EMBRATUR
manda para os EUA. O processo de vistos está bem mais
rápido. No pós-pandemia, o agendamento da entrevis-
ta para o visto estava com fila de mais de 12 meses e
esse ano mudou muito”, explica.
É importante destacar que esse número pode
não se repetir em 2024. A partir deste ano, turistas
provenientes do Canadá, Austrália e Estados Unidos
serão obrigados a ter visto para entrar no Brasil.
Essa medida, que estava prevista para entrar em
vigor antes, foi adiada para abril, após pedidos da
Embratur. “Apesar da retomada do turismo global,
há uma preocupação com a situação financeira das
empresas aéreas brasileiras, que até hoje não se
recuperaram do período mais agudo da pandemia.
Outra preocupação é a exigência de visto que pode
afastar os estrangeiros”, pon-
dera Rodrigo Melo.
ATRAÇÕES Praia de Ponta
Negra, em Natal (acima), e Porto
Jofre, no Pantanal: turistas
estrangeiros gastaram US$ 6,9
bilhões no Brasil em 2023
ORIGEM DOS VISITANTES
ESTRANGEIROS EM 2023
CHEGADAS POR PAÍS
158,6 mil
130,2 mil 129,4 mil
Portugal Alemanha Reino Itália
Unido
57
 Internacional/Reino Unido

A realeza
britânica,
agora no
escuro Com a ausência da rainha
Elizabeth II, a doença do pai
Charles III e a mulher Kate
recuperando-se de cirurgia,
o príncipe William terá de
mostrar se foi mesmo talhado
para o trono

Denise Mirás

O
Reino Unido está paralisado, em meio a especulações
sobre as brumas que envolvem a família real. Fortunas
se movimentam ao redor dela, o que inevitavelmente
também se traduz em peso político: tomadas apenas
as instituições que supervisiona, o rei Charles III é
responsável por US$ 42 bilhões em ativos e seu poder extra-
pola corredores palacianos — ainda mais por seu perfil ambien-
talista, com participação em mesas de debate internacionais
nestes dramáticos tempos de transição climática do planeta.
Se, com a morte da rainha Elizabeth II, em 2022, os súditos
esperavam que Charles abdicasse do trono em favor do filho
William, não foi o que aconteceu. E agora, com diagnóstico de
câncer confirmado, o rei já veio a público dizer que iniciou
tratamento mas seguirá no cargo. Não para menos, o príncipe
William aparece extremamente preocupado em uma imagem
que circula pelas redes sociais: além da doença do pai, precisa
lidar com a situação de Kate Middleton, a mãe de seus três
filhos pequenos — George (10 anos), Charlotte (8) e Louis (5)
— que passou por cirurgia no abdômen e tem previsões entre
dois e nove meses para recuperação. Definitivamente será o
momento do quarentão William — 42 anos em junho — mos-
trar se foi devidamente talhado para ser rei.
Neste ano de eleições britânicas no segundo semestre, em
que o Partido Trabalhista está 20 pontos à frente do Conser-
vador segundo as pesquisas, a realeza perdeu muito da aura
e da influência que Elizabeth II manteve até os 96 anos, depois
de governar por 70, nomeando 15 primeiros-ministros. Ela foi
escudo para a família em meio a escândalos e lastro para um

58 ISTOÉ 2819 21/2/2024 FOTOS: HANNAH MCKAY/POOL/AFP; CHRIS JACKSON/POOL/AP

 o marido, o príncipe Philip — com quem se casou aos 21
anos, antes de ser coroada rainha com 25. O príncipe
William não parece tão resistente a pressões. Já criticou
Harry, chamando de golpe publicitário a visita que o irmão
fez ao pai, e se calou sobre a cirurgia da mulher. O casal
NA FILA
Mesmo em teria deixado o Palácio de Windsor, onde reside, para ficar
tratamento, o rei em Sandringham — Kate teve alta do hospital em 29 de
Charles III já janeiro, depois de 13 dias internada. De acordo com nota
declarou que não
vai abdicar do trono oficial, que descarta câncer, a recuperação vai “até a Pás-
em favor do filho, o coa” — na virada de março para abril — ou “até nove me-
príncipe William
ses”, segundo os tabloides britânicos. Curiosamente,
Sandringham House é a residência particular de Charles,
que aos 75 anos completados em novembro optou por
divulgar seu diagnóstico em 5 de fevereiro, uma semana
depois da saída da nora da London Clinic.

PESO REAL
Com um ano de reinado, a partir de 2023, Charles par-
ticipou de 425 compromissos, pelas contas do jornal The
Daily Telegraph (dois a menos que a Princesa Anne, sua
irmã). Durante a pandemia, a confinada Elizabeth II fazia
suas reuniões por Zoom e Charles, a exemplo da mãe,
deverá continuar despachando semanalmente com o
primeiro-ministro Rashi Sunak e recebendo a caixa verme-
lha com documentos que passam pelo rei. Por formalidade,
outro exemplo de suas atribuições, o rei precisa “pedir” ao
primeiro-ministro a dissolução do Parlamento, quando
eleições gerais estiverem acertadas (por enquanto, estão
previstas para o segundo semestre deste ano). E depois, ao
líder que surgir da maioria, para que “forme um governo”.
Mas o peso da realeza britânica deverá mesmo passar aos
ombros do agora quarentão príncipe William, quando fi-
nalmente estiver na vez de mostrar como encara situações
difíceis e responsabilidades diante dos súditos. Por ironia,
talvez com a ajuda da madrasta Camilla.

mundo com águas cada vez mais agitadas. Esperava-se

pela continuidade do glamour com o casal William-Kate
assumindo o trono — afinal, o primeiro da linha de sucessão
era visto apenas como um “tampão”. Mas aos 74 anos, o
apagado Charles finalmente foi sagrado rei em 2023. E
ainda escoltado por Camilla, que se tornou rainha consor-
te para desgosto dos admiradores da popular princesa
Diana, morta em acidente de carro com apenas 36 anos em
1997, quando William tinha 15 e Harry, 12.
Elizabeth II contornou o escândalo de abuso sexual de
outro filho, o príncipe Andrew, e a turbulência do casa- EM CASA
mento do neto Harry (praticamente deserdado pelo pai Kate Middleton está em
recuperação da cirurgia
Charles) com a atriz e “plebeia” Meghan Markle, que misteriosa até a Páscoa
acusou a família real de racista. Em 2021, a rainha perdeu (oficialmente)

59
HISTÓRIA por Felipe Machado

A Guerra
pesar de ter acabado há
quase oito décadas, o
maior conflito da histó-
ria nunca rendeu tantas

histórias como agora. A
Segunda Guerra Mundial continua sen-
do uma das maiores fontes de inspira-
ção para criadores de filmes e séries —
uma nova leva de boas produções
apenas confirma que ainda há muitas
tramas a serem contadas sobre o perío-
do e que o tema se mantém atraente.
Steven Spielberg nunca teve dúvida
disso. O cineasta lança agora a terceira
parte da trilogia que assina ao lado do
ator Tom Hanks sobre o confronto — os
primeiros foram o filme O Resgate do
Soldado Ryan e a série Band of Brothers
(Irmãos de Guerra). Os nove episódios
AMIZADE
Mestres do Ar:
companheirismo
entre os soldados
de Mestres do Ar (AppleTV+) são base-
ados no livro homônimo do historiador
Donald I. Miller, lançado no País pela
editora Record. A obra conta a história
do lendário 100º esquadrão de bombar-
deiros aéreos, liderados pelos majores
Gale Gleven (Austin Butler) e John
Egan (Callum Turner). O regimento,
famoso por sua coragem, também ficou
conhecido pelo alto número de óbitos
e aviões abatidos. Em pouco mais de
dois anos, perderam 732 pilotos e 177
aeronaves. Assim como nos outros dois
capítulos da trilogia, a série, com dire-
ção primorosa de Cary Joji Fukunaga
sem
(True Detective), foca nas incríveis ce-
nas de batalhas aéreas, nas relações de
amizade entre os combatentes e no
companheirismo entre os soldados.
Como excelente contador de histó-
rias que é, Spielberg sempre soube que
a Segunda Guerra era um terreno fértil.
Após o sucesso com Tubarão e Conta-
tos Imediatos do Terceiro Grau, o cine-
asta norte-americano dirigiu em 1979

60 ISTOÉ 2819 21/2/2024

 A vitória dos
países aliados
contra o nazismo
de Adolf Hitler
aconteceu há
quase 80 anos.
‘BANALIDADE DO MAL’
As suas dramáticas Zona de Interesse, de
histórias, Jonathan Glazer: vida normal
ao lado de Auschwitz
no entanto,
continuam a
inspirar boas
produções no
cinema e
streaming

que suja as botas do oficial ou a sirene

ROMANCE
Toda a Luz que não Podemos
Ver: o amor tenta resistir
aos bombardeios
o filme 1941 —Uma Guerra Muito Lou- A tragédia do Holocausto volta à cena
ca, comédia sobre a fictícia invasão em Zona de Interesse, de Jonathan Glazer.
japonesa à Califórnia após o ataque de Seu filme, no entanto, apresenta uma
Pearl Harbor. Spielberg constatou ali abordagem oposta em relação à Lista de
que o tema não rendia boas piadas, e o Schindler, por exemplo. Ao contrário de
filme foi um fracasso. Aguardou cator- expor as crueldades das câmaras de gás de
ze anos para voltar ao assunto e, com Auschwitz, Glazer opta por retratar o coti-
ele, obteve seu primeiro Oscar, com A diano de um oficial alemão que mora ao
Lista de Schindler, em 1993 (o segundo lado do campo de concentração. As refe-
foi justamente com O Resgate do Sol- rências ao assassinato de judeus são exi-
dado Ryan, em 1998). bidas apenas em detalhes furtivos, o pó
que anuncia ao longe as execuções. De
resto, o oficial e sua família vivem tran-
quilamente, recebendo amigos e desfru-
tando de atividades normais. O filme de
Glazer incomoda mais pelo que não
mostra do que pelo que exibe na tela.
Destaque para Sandra Hüller, esposa do
oficial, representação perfeita da “bana-
lidade do mal” formulada anos mais
tarde pela pensadora Hannah Arendt.
Outra boa prova de que a Segunda
Guerra ainda rende tramas surpreenden-
tes é a minissérie Toda a Luz que não Po-
demos Ver (Netflix), baseada no romance
de Anthony Doerr. Conta a vida de uma
família que apoia à Resistência durante a
ocupação nazista da França. Dois jovens,
uma francesa e um alemão, se conhecem
graças às ondas do rádio. Ela transmite
mensagens contra a invasão; ele é um
radioamador com a missão de descobrir e
interceptar as transmissões dos rebeldes.
Entre tantos dramas humanos, a série
mostra que a Segunda Guerra tem espaço
até para as histórias de amor.

FOTOS: DIVULGAÇÃO 61
Cultura/Humor

A
cultura do cancelamento po-
SEM MEDO DESTAQUE
Larry David: de ser considerada umacons
Min hendre das
humor ácido e características endreeat,
mais nocivas
corti
personalidade que a internet trouxe à sm odolor ipsum
sociedade. Ape-
egocêntrica zriurem dolorer
sar de as críticas dos “canceladores” às
si bla ad eum
vezes apresentarem algum eeat, corti
tipo des
fundamento, a maneira como usam as
redes sociais para promover ataques é
cruel e pode levar um indivíduo à ruína,
sem que ele tenha chance de contestar
a afirmação ou sequer se defender. É
por isso que a possibilidade de ser can-
celado passou a ser um dos maiores
pânicos da atualidade, principalmente
entre as pessoas que dependem da
aprovação da opinião pública. Há um
grupo de comediantes, no entanto, que
parecem ser blindados contra esse te-
mido fenômeno. Falam o que querem,
estimulam polêmicas, provocam dis-
cussões sobre temas espinhosos. Os
eventuais ataques parecem não colar
em suas imagens — o que lhes permite
se apresentar como os últimos arautos
do politicamente incorreto.
A estreia da 13ª temporada de Curb
Your Enthusiasm (Segura a Onda), criada
por Larry David, parece reforçar essa
condição. Na série, o mal-humorado
novaiorquino interpreta a si mesmo,
ou uma versão sem censura de si
mesmo. É um sujeito totalmente ego-
cêntrico, que não tem travas na língua
e fala o que pensa. Isso o coloca em si-
tuações divertidíssimas, onde ele sem-
pre parece se dar mal. Questionado se
sabia a razão pela qual nunca havia sido

Contra a
cancelado, David respondeu: “Não sei,
mas penso muito sobre isso”, ironizou.
Desde os tempos de Seinfeld, um dos
seriados mais populares da história,

censura
Apesar das ameaças de cancelamento, humoristas como
Larry David, Ricky Gervais e Dave Chappelle não abrem mão
de difundir piadas politicamente incorretas Felipe Machado
62 ISTOÉ 2819 21/2/2024
David já disparava seu humor ácido
contra todos, sem distinção. Em vez de
interpretar a si mesmo, suas ideias eram
apresentadas por George Constanza,
seu alter-ego. Talvez seja esse o seu
segredo: como não poupa ninguém,
torna-se um alvo mais difícil de ser
atingido. David é judeu, mas os judeus
estão entre seus temas preferidos — e
sempre sob uma visão autodepreciati-
va. Ridicularizar o fanatismo religioso,
FOTOS: DIVULGAÇÃO
 aliás, é seu passatempo favorito. Basta LIBERDADE
Ricky Gervais se
lembrar do episódio em que ele trans- recusa a fazer
forma a fatwa, a ordem de morte emiti- concessões:
da pelo governo iraniano contra o escri- “prefiro ser
cancelado a não
tor Salman Rushdie, em um musical da ser divertido”
Broadway. Para a atriz Susie Essman,
que contracena com David, o medo do
cancelamento tornou mais difícil fazer
comédia hoje em dia. “Larry não se
importa em abordar temas politicamen-
te incorretos. Ele não liga se está ofen-
dendo alguém e nos dá liberdade. Ele
não parece ter medo de colocar o dedo
na ferida”, afirma Susie.

COMÉDIA STAND UP
Ricky Gervais é outro comediante que
não teme o cancelamento. Famoso pela
criação e atuação na série britânica The
Office — que nos EUA ganhou versão li-
derada pelo ator Steve Carell —, ele segue
apresentando especiais de comédia
stand up com temas que deixam as mi-
norias em polvorosa. Ironicamente, seus
shows estão entre as maiores audiências
da Netflix, e é por isso que a plataforma
de streaming não cogita censurá-lo.
Gervais, de 60 anos, usa o argumento da

liberdade de expressão para justificar Dave Chappelle, outro popular come-

TRANSFOBIA Dave Chappelle:
campanha da comunidade LGBTQIA+
quase o levou a encerrar a carreira
suas piadas. “Todos têm o direito de não
ver um show porque não gostam do
comediante. Mas quando as pessoas
defendem que alguém seja despedido
apenas porque não gostam da suas opi-
niões, isso é errado”, afirmou. “Desligar
a própria TV não é censura. Querer que
a outra pessoa desligue a TV dela, é. A
cultura do cancelamento é fascista”,
concluiu. O tom ácido de Gervais, porém,
o levou a ser descartado como apresen-
tador de grandes eventos após sua per-
formance à frente do Globo de Ouro, em
2020. Apesar de ser comum ver os
apresentadores pegando no pé de gran-
des estrelas nas cerimônias de entrega
do Oscar, por exemplo, Gervais exagerou
e “errou a mão”, no jargão dos comedian-
tes. Mas parece que nem ligou: “prefiro
ser cancelado a não ser divertido.”
diante, ficou a um passo do cancelamen-
to, mas conseguiu se reerguer. Em um
especial para a Netflix, suas piadas
transfóbicas levaram a comunidade
LGBTQIA+ a se organizar para promover
uma campanha contra ele. Isso motivou
Chappelle a lançar o especial Encerra-
mento, onde ele avisava que ia parar de
falar sobre o tema e dar um tempo —
mesmo passando boa parte do especial
fazendo o contrário. O boicote contra ele
foi grande, e Chappelle saiu de cena por
um período. No ano passado, voltou com
O Sonhador, um novo especial na Ne-
tflix. Embora tenha incluído algumas
piadas que poderiam ser consideradas
negativas pela comunidade trans, parece
que o assunto foi superado — pelo me-
nos até a próxima ameaça do temido
fantasma do cancelamento.

63
Cultura/Divirta-se

PRÊMIO PARA LER

Um Lugar Egito, 1963: a morte de
Chamado Aqui:
original na forma Enayat al-Zayyat põe fim à
e no conteúdo promissora carreira da
escritora que
publicou
apenas uma
obra, O Amor
e o Silêncio.
No Rastro de
Enayat, de
Iman Mersal,
narra a vida da jovem autora
e as misteriosas causas que
levaram a sua morte.

LIVROS
FÁBULA SEM
Os caminhos que FRONTEIRAS
levam ao amor Lançado originalmente
em 2017, o livro de Felipe
Machado e Daniel Kondo
PARA VER
Estrelada por Tobias
Casal de protagonistas de Um Lugar (ilustração de Kondo, Menzies e Anthony Boyle, a
Chamado Aqui vive em local que só abaixo) recebeu um dos série Último Ato (AppleTV+)
existe quando os dois estão juntos prêmios mais relevantes revela a caçada ao assassino
do mercado brasileiro: de Abrahm Lincoln,

U
ma emoção pode estar relacionada a um local geográ- Melhor Livro do Ano para presidente dos EUA. É a
fico? E o amor, pode ser considerado um lugar físico, o Público Jovem, em adaptação do livro 12 Dias
que surge apenas quando um casal está junto? Por eleição feita pela que Abalaram os EUA, do
meio de metáforas originais e um rico material gráfico, os autores Fundação Nacional do historiador James Swanson.
Felipe Machado, editor de ISTOÉ, e Daniel Kondo abordam essas Livro Infantil e Juvenil
e outras questões no livro Um Lugar Chamado Aqui, que ganha (FNLIJ). “Fiquei feliz com
relançamento pela editora Tapioquinha. Apresenta uma estrutu- o prêmio para jovens
ra de fábula: ela vive em um lugar chamado Lá, ele mora em um porque isso significa que
local chamado Ali. O Aqui existe apenas quando os dois estão sua história pode atingir
juntos. É uma obra aberta, que permite diversas leituras sobre a todos”, afirma
pessoas que vencem distâncias reais ou simbólicas para ficarem Machado. “O prêmio
juntas. “A história nasceu da vontade de falar sobre a relação nessa categoria significa PARA OUVIR
entre lugares e sentimentos em um planeta onde as distâncias que a obra dialoga com Sucesso na internet, o
estão cada vez menores. Embora muita gente esteja preocupada crianças e adultos, pois é talentoso Bruno Brendo é
com fronteiras e nacionalidades, em um mundo conectado já não possível ser jovem em um dos destaques do estilo
faz tanto sentido limitar a identidade apenas à origem de alguém”, qualquer idade.” Trap, que combina rap com
afirma Machado. Para Kondo, a pesquisa para compor a parte pop e ritmos eletrônicos. O
gráfica veio não apenas de uma opção estética, mas conceitual. cantor de 21 anos lança os
“As ilustrações foram criadas a partir de mapas de diversas épocas, singles Du Nada e Eu
para mostrar como sua construção é atemporal. O formato em Mesmo Faço, que estarão
tom de fábula é um clássico, mas também permite que o livro em seu primeiro álbum.
atinja públicos de todas as idades.” Luiz Cesar Pimentel

64 ISTOÉ 2819 21/2/2024 FOTOS: DIVULGAÇÃO; REPRODUÇÃO


ROCK
Viper retorna com novo álbum
Uma das bandas pioneiras do rock brasileiro está de volta
com o primeiro disco de canções inéditas em quinze anos: o
VIPER apresenta Timeless, álbum que traz canções podero-
sas como Under the Sun e Freedom of Speech, além da faixa-
-título. A sonoridade do novo trabalho combina elementos de
toda a carreira do grupo, desde as melodias mais influenciadas
pela música clássica de Theatre of Fate até as faixas mais
pesadas que marcaram a fase Evolution, quando o baixista
Pit Passarell assumiu os vocais no lugar de Andre Matos.
TRADUÇÃO
Best-seller brasileiro no exterior
O livro Quanto vale o seu Tempo?, do empresário Fabio
Ennor Fernandes, CEO da Walking Together e Head Global do
LIDE, ganha versão em inglês com o objetivo de conquistar o
mercado internacional. A obra aborda uma nova forma de se
relacionar com a agenda, de acordo com as prioridades. O
autor também comemora sua escolha como novo porta-voz
do ODS 11 — Cidades e Comunidades Sustentáveis, no Progra-
ma Liderança com Impacto do Pacto Global da ONU no Brasil,
a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo.
por Felipe Machado
FOTOGRAFIA
As ‘cores da alma’ em retratos
Para os indígenas brasileiros, o ato de decorar o corpo com
as “cores da alma” remonta a séculos antes da chegada dos
colonizadores europeus. Esses povos desenvolveram práticas
artísticas intrincadas e simbólicas que estão profundamente
enraizadas em suas tradições culturais e espirituais. O livro
Pintura Corporal e Plumagem Indígena Brasileira (Ed.
Afluente), do experiente fotógrafo Renato Soares, celebra a
riqueza dessa diversidade ao retratar o cotidiano das comu-
nidades Yanomami, Kayapó, Waurá e Kuikuro, entre outras.
DOCUMENTÁRIO
O drama do povo ucraniano
O filme 20 Dias em Mariupol, indicado ao Oscar de melhor
documentário, chega aos cinemas brasileiros em 7 de março
A produção de Mstyslav Chernov, vencedor do prêmio Pulit-
zer, reúne registros de um grupo de jornalistas que ficaram
presos na cidade de Mariupol, na Ucrânia, durante ataque da
Rússia. Chernov já cobriu conflitos no Iraque e Afeganistão.
Para compor o documentário, ele e seus companheiros de
equipe da The Associated Press fugiam dos soldados russos
e foram os últimos jornalistas a deixar a cidade.
65
Última Palavra
OH NÃO, É CARNAVAL
h, o Carnaval, que lindo, não é mesmo?
A Se você, como eu, ficou em casa, ouvindo a Banda
Larga passar, deve entender o que sinto sobre esses dias.
Odeio.
Um tempo onde levam a sério o mote “Não existe pecado.
Mas também não existe perdão.”
Alias, que belo slogam essa frase seria para o nosso
Carnaval, não?
Carnaval Brasileiro. Onde não existe pecado, nem existe
perdão.
Fica a dica Embratur.
É que durante o Carnaval todo mundo pode tudo,
como se não houvesse amanhã.
Ou melhor, como se não houvesse quarta-feira de cinzas.
A bem da verdade, a quantidade de contravenções
sociais cometidas nesse período variam de acordo com
os pudores de cada um.
Nem todo mundo sofre desse desvario.
Numa escala que vai de 0 à Bangu 1, começamos por
aquele que só assiste aos desfile pela TV. Pega no sono à uma
da manhã, no ponto alto do baile do Monte Líbano, e sonha
em ser destaque da Portela. É inofensivo.
Aí tem o folião de bloquinho.
Esse vai desde o que sai “só pra ver o pessoal” até aquele
que é carregado em coma para o hospital.
Tem o folião que curte um estímulo químico,
desde uma pinguinha até um opióide injetável.
O que gosta de loló, lança-perfume, é um tradicionalista.
O próximo nível de folião é o da mão boba.
Para ele, o Carnaval é uma pausa no espaço-tempo da
moralidade e respeito aos desejos do próximo.
Seu objetivo é meter a mão nas partes íntimas de homens,
mulheres e trans, de acordo com sua preferência.
Via de regra é, também, um serial kisser. Faz biquinho e
tudo, e vai colecionando interações, a maioria com sucesso,
entre um ou outro tapa na cara.
Durante o Carnaval, inclusive, um desembargador
suspendeu queixas de assédio sexual, que estarão de volta
na última semana de fevereiro sem efeito retroativo.
Esse desembargador, inclusive, foi visto na ala das
baianas do Salgueiro.
A verdade é que durante a semana do Carnaval,
o Brasil se transforma em terra sem lei, pensando bem,
66 ISTOÉ 2819 21/2/2024
por Mentor Neto
Escritor e cronista
como é no resto do ano também.
Ocorre que entre os mais nefastos foliões, está uma
categoria cujo mal, muitas vezes, é desprezado:
Trata-se do seu amigo animado.
O que resolve “agitar o pessoal” em todo
feriado prolongado.
O mesmo mesmo que organizou o Reveillon
em Trancoso.
Aquele que você suava tanto que que a a dona
da Pousada gritou:
– Já disse que não pode mergulhar de roupa
na piscina, hein!
O pior é que ele sabe convencer.
– Vamos para uma praia tranquila, né?
– Vamos!!!! - gritam todos.
Ele escolhe a casa no Airbnb e informa que é “pé areia”
para delírio do grupo de WhatsApp.
Você responde que “pé na areia” todas são, porque
vai ter areia no chão da sala até maio.
Ninguém entende sua fina ironia.
A casa é tão velha que tem TV de tubo.
Chuveiro elétrico que dá choque na torneira.
Alias, o Brasil é o único país que tem chuveiro
elétrico, sabia?
No resto do mundo só misturam eletricidade
e água quando querem se suicidar.
Você consegue sentir o cheiro de humidade já pelas fotos.
Para chegar na Praia da Dorotéia do Norte você leva nove
horas no sábado de manhã.
O que faz com que as duas únicas suites
já tenham sido ocupadas.
Em silêncio, você tira as malas do carro e descobre
que só sobrou o quarto com ventilador no teto.
Ou a sala, que tem ar-condicionado, mas você
vai ter que dividir o espaço com o Golden da Luquinha.
O que baba no requeijão e ninguém parece notar.
Você escolhe o quarto
Os dias passam lentos.
De madrugada bate aquela fominha.
Na geladeira, toda enferrujada, alguém colocou fita crepe
com o o nome em todos os iogurtes.
Você nem gosta especialmente dos malditos iogurtes.
Mas você toma um. Só de birra.
A opinião do colunista não necessariamente reflete a posição da revista
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