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Nº 44 - ABRIL 2023

FOTO: FUNAI

Pela sobrevivência digna, física


e cultural dos povos indígenas
Juliana Cardoso: a Coletivo Força
política como arte Tururu fala sobre
de acolher e ajudar comunicação popular
pessoas e autoestima

AGENDA DE LUTAS ABRIL DE 2023


EDITORIAL
Pela sobrevivência física e cultural dos povos indígenas
brasileiro, como base para possibilidades de perma-
o desenvolvimento políti- nência das características
cas públicas que garantam sócio-culturais e modos
suas vidas com dignidade. de vida dos indígenas.

Segundo dados do últi- Trata-se de uma população


mo Censo Demográfico que, ao contrário do que
realizado pelo Instituto imagina o senso comum,
Brasileiro de Geografia não vive apenas em terri-
e Estatística (IBGE) em tórios longínquos ou nas
2010, o Brasil registrou aldeias, mas está espalhada
à época a existência de também nas periferias das
274 línguas indígenas grandes cidades brasileiras.
no país, onde viviam Com isso, os indígenas
817.963 mil indígenas de enfrentam uma acelerada
305 diferentes etnias. transformação social e se
organizam para buscar
O levantamento reve- respostas que assegurem
lou também que 37,4% sua sobrevivência física e
dos indígenas de 5 anos cultural, com qualidade
ou mais falavam no de vida, diante de reali-
domicílio uma língua dades inóspitas e políticas
FOTO: FUNAI indígena, percentual que públicas que tolheram

A revista Reconexão
Periferias de abril,
mês da visibilidade indí-
aumentava para 57,3%
quando eram conside-
rados somente aqueles
seus direitos ao longo dos
últimos séculos.

gena, propõe uma reflexão que viviam dentro das A revista traz o artigo
sobre a situação dos povos Terras Indígenas. Essa “Entre margens”, do poe-
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indígenas no Brasil e sobre característica confirma o ta Elizeu Braga, no qual


a necessidade urgente importante papel de- retoma lembranças sobre
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do reconhecimento de sempenhado pelas Terras a beira do rio Madeira,


seus direitos pelo Estado Indígenas em relação às na vila onde nasceu,

PROJETO RECONEXÃO PERIFERIAS DIRETOR RESPONSÁVEL ARTUR HENRIQUE DA SILVA SANTOS COORDENADOR
DO PROJETO PAULO CÉSAR RAMOS EQUIPE ISAÍAS DALLE, LÉA MARQUES, MATHEUS TANCREDO TOLEDO, RUAN
BERNARDO, SOFIA TOLEDO, VICTORIA LUSTOSA BRAGA, VILMA BOKANY COLABORADORES SOLANGE GONÇALVES
LUCIANO EDIÇÃO E REVISÃO ROSE SILVA PRODUÇÃO EDITORIAL CAMILA ROMA PROJETO GRÁFICO CACO
BISOL DIRETORIA EXECUTIVA DA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO PAULO OKAMOTO (PRESIDENTE), VÍVIAN FARIAS
(VICE-PRESIDENTA), DIRETORES: ALBERTO CANTALICE, ARTUR HENRIQUE, CARLOS HENRIQUE ÁRABE, ELEN COUTINHO,
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JORGE BITTAR, LUIZ CAETANO, NAIARA TORRES E VIRGÍLIO GUIMARÃES.

FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO RUA FRANCISCO CRUZ, 234 VILA MARIANA 04117-091 SÃO PAULO/SP WWW.FPABRAMO.ORG.BR
EDITORIAL
Tacuã, situada a cinco qualquer mandato, inclu- é uma sobrevivente dos
horas de barco de Porto sive nos movimentos so- escombros manicomiais,
Velho (RO), e também ciais, precisa se dirigir às dos labirintos psiquiátri-
sua chegada a São Paulo, pessoas a partir “das dores cos e frequenta há mais
quando deparou com da vida”, ouvi-las e ajudar de duas décadas um dos
o devastado Rio Tietê. a encontrar soluções maiores e últimos manicô-
“Meu encontro com o para os problemas. Dessa mios da América Latina,
Tietê me ajudou a pensar forma, abrem-se as portas o Hospital Psiquiátrico
o Rio Madeira, ou Rio para as mudanças estru- São Pedro. É nas Oficinas
Iruri (rio que treme), seu turais, para a tarefa de de Criatividade que Sol
nome mais antigo. Para o pensar o mundo e formas consegue fazer da arte uma
povo Mura, que antes do concretas de atingir essa ferramenta de auto resgate
contato com os brancos meta. “As pessoas estão onde dissipa as dores de
era denominado Buhua- sem paixão pela política? suas vivências e daquelas
ren (dominadores das Estão. Estão desacredita- pessoas com quem com-
águas), o Rio Iruri (o rio das. Como a gente supera partilha sua arte.
que treme) respira neles. isso? Quando fala de
Neste mês de abril
Quem me contou foi coisas que atingem a vida abrem-se caminhos
Márcia Mura, professora delas de verdade”, diz. promissores com o novo
e escritora indígena, uma governo, após a ruptura
parente do rio”. O perfil traz a história do
Coletivo Força Tururu, com uma era de necro-
O texto fala ainda sobre política que afetou sobre-
que atua na comunidade
forças que comprometem maneira os povos indíge-
de mesmo nome, em Pau-
nas, inclusive na forma
o futuro das águas, como lista (PE), para desenvol-
de genocídio. Temos pela
o garimpo, e provocam a ver projetos de comunica-
primeira vez um Minis-
morte acelerada de vários ção popular e comunitária
tério dos Povos Indígenas
rios no Brasil, entre eles o que se contraponham à
e uma mulher indígena
Madeira, um dos mais im- ideia hegemônica de que
na presidência da Funai.
portantes da bacia Amazô- as favelas sejam apenas
Que sejam sinais de uma
nica que corre sério risco de habitadas por pessoas
ABRIL 2023

nova vida, de reconheci-


colapsar diante da explo- criminosas e violentas.
mento, respeito e pre-
RREVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

ração dos seus recursos em


Já na seção de arte a servação dos direitos do
hidrelétricas, desmatamen-
edição apresenta Solange povos originários.
to e agropecuária.
Gonçalves Luciano, mais Boa leitura! Boas lutas!
A entrevista do mês é conhecida como Sol, que
com a deputada federal nasceu na periferia de Por- Rose Silva - Editora
indígena Juliana Cardoso. to Alegre, no Rio Grande da Revista Reconexão
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Ela acredita que todo e do Sul. Ela tem 54 anos, Periferias


ARTIGO
Cidades são rios que correm ao contrário
ELIZEU BRAGA
ELIZEU BRAGA É
NASCIDO NA BEIRA DO
RIO MADEIRA, NA VILA DE
TACUÃ, A CINCO HORAS DE
BARCO DE PORTO VELHO,
E TEM DOIS LIVROS DE
POEMAS PUBLICADOS:
CANTIGAS E MORMAÇO.

ELIZEU NA VILA NAZARÉ. FOTO DE LUANA LOPES

Um tipo de bicho do fogão a lenha. Foi assim que imaginei


que aquele rio era tam-

N asci perto de um
rio, a casa com
a cara virada pra ele.
O Rio Madeira, “Madei-
rão” (como o chamavam
bém um caminho por
onde passava o mundo, e
lá em casa), era o nosso Tacuã era um canto onde
Alguns passos e a gente parente mais antigo. Aos o bicho descansava e trazia
chegava na beira. Lembro poucos minhas irmãs me histórias. Sim, um bicho:
da prancha imensa de “todo o rio é um tipo de
ensinaram mais coisas:
madeira bruta, escura, es- bicho”, dizia Tia Dalila,
que se pegasse um barco
ABRIL 2023

tendida sobre dois troncos a mulher mais antiga do


subindo chegava até Por-
de samaúma flutuando lugar na minha memória
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to Velho e se fosse des-


sobre a água. Ali se lavava de menino. Isso aprendi
roupa, tratavam-se os pei- cendo chegava até o Rio
bem e não me esqueço.
xes, tomávamos banho, se Amazonas. Mas antes
puxava água para abaste- passava por Cujubim , Minha Vó Raimunda dizia
cer os filtros de barro e os Cuniã, São Carlos, Naza- que o rio não tem casca, a
panelões de alumínio que ré, Calama e outras vilas água é ao mesmo tempo
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ficavam na cozinha perto menores como a nossa. seu corpo, seu sangue, pele
ARTIGO
e caroço. Dizia ainda que ventos culturais. Cidade líptica. Um enorme bicho
tem duas maneiras de um grande. Centro econômi- morto estendido sobre a
rio morrer, ou ele seca, ou co do Brasil. Aos poucos cidade, com seu corpo sem
ele estanca, fica parado, foi se revelando para mim vida, apodrecendo, um rio.
apodrecendo, sem vida a Racionais Mcs na sua mais
água fica morna, salobra. completa tradução, e algu- Tietê é seu nome, que em
ma coisa certamente acon- Tupi significa "água verda-
Depois o tempo e o rio me teceu no meu coração. deira". Os dados apontam
levaram para longe de Ta- Não foram as avenidas, que aproximadamente
cuã, e entre as correntezas nem o rosto do monstro 33,6% do seu trecho é
da vida me escapei poeta. na multidão, nem a barra considerado morto, 163
Esse ofício que permite de ferro fria do metrô, os km de rio sem vida. Ali, o
manter o estado de curiosi- avisos de medo, a parte cheiro tomando conta da
dade e achar na poesia uma mais triste da música do estação portuguesa Tietê
maneira de voltar para casa, Caetano diante dos olhos. na linha azul do metrô, to-
exercitar um idioma, criar Gente fingindo que gente dos parecem se acostumar
uma linguagem que conce- não existe. com o cenário. Talvez por-
de a capacidade de enxer- que estamos adestrados na
gar e escutar um rio. Como Não vou dizer que não ti- busca pela sobrevivência,
se o rio fosse mesmo um nha me preparado pra isso. jogando as regras impostas
tipo de bicho. Nos rumos do Norte só por um sistema violento
sopram notícias do Sudeste. que planta cidades tristes.
Não é uma tarefa fácil,
ainda mais nos tempos Mas teve um acontecimen- O Tietê é um rio que se
de hoje, onde a borra- to, um espanto perverso, move diferente, se volta
cheira do capitalismo não me esqueço, a imagem para o interior e não para
enfeitiçou o mundo num de uma paisagem apoca- o oceano, isso fez com
encantamento ao contrá-
rio, e não somente os rios
e florestas, mas o planeta
inteiro é explorado e
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envenenado para manter


as fortunas de poucos e a
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miséria de bilhões.

Lembro a primeira vez


que fui a São Paulo. A
maior cidade da América
Latina: shoppings centers,
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cinemas, museus, megae- FOTO: ARQUIVO PESSOAL


ARTIGO
que os colonizadores o Para o povo Mura, que pelo capitalismo” (Amazô-
enxergassem como um antes do contato com os nia Real, 2022).
importante instrumento brancos era denominado
para desenvolver o regime Buhuaren (dominadores O Rio Madeira hoje sofre
de exploração da terra, a das águas), o Rio Iruri ( o as consequências disso, é
escravização e o genocídio rio que treme) respira ne- um dos mais importantes
les. Quem me contou foi rios da bacia Amazônica,
dos povos indígenas.
Márcia Mura, professora e corre um sério risco de
A degradação por poluição e escritora indígena, uma colapsar diante da explo-
industrial e esgotos domés- ração dos seus recursos
parente do rio.
ticos no trecho da Grande em hidrelétricas, garim-
São Paulo tem origem Nascida em uma comu- pos, desmatamento e
principalmente nos proces- nidade chamada ramal agropecuária.
sos de industrialização e de São Domingos, na ca-
Uma reportagem de
expansão urbana desorde- pital Porto Velho (RO),
reportagem de Fábio
nada ocorridos nas décadas é mestra em Sociedade
Bispo para o InfoAmazo-
de 1940 a 1970. e Cultura na Amazônia,
nia intitulada “A morte
pela Universidade Federal
O Tietê sempre foi um rio silenciosa do rio Madeira”,
do Amazonas e doutora
agitado, de movimento, levantamento inédito do
em História Social pela
e para a construção das projeto Aquazônia, que
Universidade de São Paulo
avenidas marginais foi lançou um indicador para
(USP). Realizou pesquisa
necessária uma retificação medir o Índice de Impacto
de história oral com o
de seu curso natural. Tais nas Águas da Amazônia
povo indígena Cassupá e
avenidas foram construídas (IIAA), mostra que a bacia
mulheres da Amazônia.
do Madeira é uma das
sobre a várzea do rio, ou
Márcia Mura sabe que mais afetadas pela ação
seja, locais naturalmente
existem forças maiores que humana na Amazônia.
alagadiços, o que facilita o
surgimento de inundações, engolem o futuro das po-
O Madeira é impactado
e nem precisa dizer quem pulações locais. O garim-
por todos os indicadores
mais sofre com isso. po é uma delas. “A causa
do índice, sendo que 86%
disso tudo é bem maior.
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da bacia são afetados pela


Existe uma superestrutura presença de agricultura e
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ligada às próprias políticas pecuária, 41% por mine-


Rio ancestral
de Estado, postas de cima ração e garimpo e 41%
Meu encontro com o Tie- para baixo, que desenraíza por áreas degradadas. O
tê me ajudou a pensar o as pessoas dos espaços, dos cruzamento de estradas
Rio Madeira, ou Rio Iruri seus lugares e elas passam por rios e igarapés atinge
(rio que treme), seu nome a ser mais uma mão-de-o- 28% da bacia do Madeira,
bra consumida e devorada
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mais antigo. com uma média de três


ARTIGO

SLAM RESISTÊNCIA, EM SÃO PAULO. ARQUIVO PESSOAL

cruzamentos por quilôme- se distribuem pela calha 26 microbacias do Madei-


tro quadrado (InfoAmazô- do rio até o Atlântico (In- ra com impactos que até
nia, 2022). foAmazônia, 2022). hoje são monitorados por
pesquisadores e organiza-
Os impactos sociais e “Os sedimentos abai- ções independentes.
econômicos dessa super xo das hidrelétricas do
exploração do Rio Madei- Madeira já diminuíram Os projetos energéticos
ra são sentidos de forma 20%. Esses nutrientes colocaram o Madeira
intensa e direta por todos são a base da cadeia como o rio mais vulnerá-
que dele dependem. Há alimentar dos plânctons, vel da Amazônia, segundo
quase 10 anos a comuni- dos peixes, ou seja, de um estudo liderado pelo
dade pesqueira espera uma toda a vida no rio. O geólogo Edgardo Latru-
alternativa para a atividade Madeira já enfrenta o besse e publicado pela re-
econômica que foi aniqui- colapso em algumas vista Nature. Até 2029,
lada com as hidrelétricas. partes. Os grandes bagres estão previstas duas novas
não estão passando pelas usinas no alto Madeira,
O biólogo Philip Fearnsi- barragens para fazer a de- além de projetos na Bolí-
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de, do Instituto Nacional sova, e isso é catastrófico. via e no Peru que também
de Pesquisas da Amazônia Sem contar as milhares vão impactar a bacia.
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(Inpa), classifica as barra- de famílias que vivem da


gens de hidrelétricas como pesca e que foram dire- Iremar Antônio Ferrei-
o maior fator de risco para tamente impactadas”, ra, do Instituto Madeira
o rio Madeira, principal- observa Fearnside (In- Vivo, chama atenção para
mente, por impedirem o foAmazônia, 2022). o que chama de “mudança
transporte de sedimentos na cartografia social do
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que vêm dos Andes e que As hidrelétricas já atingem Madeira”, um processo


ARTIGO
que segundo ele ignora ver crianças correndo, que resulta em um custo
os povos tradicionais que jogando bola e empinando quase 10 vezes maior que
dependem de um rio pipa tendo como fundo o preço real do metal
saudável. as balsas de garimpeiros precioso (Amazônia Real,
ancoradas nos barrancos 2022). “Não sou a fa-
O mercúrio usado pelo vor do garimpo, mas ao
do rio Madeira. O garim-
garimpo e despejado no
po está sempre aberto para mesmo tempo entendo
rio é absorvido pelos pei-
quem quiser entrar na ati- que não é criminalizando
xes e pelo corpo humano
vidade. Em contrapartida, as pessoas das comunida-
na ingestão dos pescados.
as escolas da região têm des que se viram obriga-
De acordo com a OMS,
salas de aulas fechadas, das a irem trabalhar no
os sistemas nervosos cen-
não há transporte escolar garimpo que a gente vai
tral e periférico são os mais
fluvial e o ensino híbrido resolver os problemas
afetados pela contamina-
tenta impor uma nova ló- de impactos ambientais,
ção por mercúrio. 
gica educacional, na qual sociais e culturais”.
Um laudo da Polícia as crianças e adolescentes
dessas localidades estão Ela lembra o caso de
Federal confirmou con-
excluídas. uma de suas alunas que
taminação por mercúrio
foi com a mãe e o filho
em moradores da região
do Madeira até três vezes Essas violências em pequeno trabalhar no
superior ao limite máxi- territórios tradicionais garimpo. “Construíram a
mo considerado como têm criado uma situação própria draga para garan-
“admissível” pela Organi- grave: meninos garimpei- tir o sustento. Não é pra
zação Mundial da Saúde ros que preferem atuar na ficar rico, porque quem
(OMS). Além da conta- ilegalidade do que esperar ganha com isso? São os
minação das pessoas, o pela educação que não grandes empresários, os
nível de mercúrio na água chega, e meninas que vão donos das grandes dra-
é de 15 a 95 vezes superior trabalhar nas cozinhas gas que exploram essas
ao aceitável como máxi- dentro das balsas e algu- famílias. É mais uma
mo para consumo e uso mas são aliciadas para os modalidade de extrema
recreativo. chamados “bregas”, pon- exploração da mão de
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tos de exploração sexual obra que sequestra as


Segundo a reportagem (Amazônia Real, 2022). crianças do espaço escolar
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“Meninos Garimpeiros”, e da infância”, diz Mura.


de Thaís Espinosa, para a De acordo com o Mi-
Amazônia Real (2022), ao nistério Público Federal Diante dessa triste rea-
caminhar pelas ruas das de Rondônia, um quilo lidade que se apresenta
comunidades ribeirinhas de ouro representa cerca nesse tempo de consumo
de Rondônia, na Amazô- de 1,7 milhão de reais e degradação dos recursos
8

nia Ocidental, é comum em danos ambientais, o naturais e, junto com eles,


ARTIGO
da vida de comunidades ações se espalhando e se terrestres ela passou a
inteiras ao longo do Rio conectando pelo mundo virar de costas para o rio.
Madeira, muitas pergun- para retomar a dignidade
tas chovem na cabeça. humana e revidar os ata- Tem pessoas que vivem na
ques desse sistema per- cidade que nunca navega-
Sobre o lugar dos rios nas verso. Da ocupação 9 de ram pelo rio Madeira nem
cidades e, por consequên- têm ideia das populações
julho e Cooperifa em São
cia, qual o lugar dos seres e povos que vivem às mar-
Paulo ao movimento da
vivos que nele habitam gens dos rios.
Maloca Mura em Nazaré,
e dele dependem? Qual Rondônia. De onde vêm Indo para outras cidades,
é a função das cidades esses coletivos e grupos os rios, em muitas capitais,
e a quem elas servem? que se espalham e conta- são invisíveis, e muitos
Como os rios respiram giam casas, ruas, bairros, deles se tornaram esgotos.
nas cidades na lógica da vilas,cidades, comunida-
necropolítica capitalista? des e continentes? É muito triste ver as con-
Quem escuta a voz do dições do rio Tietê, por
lugar onde mora ? As Na sabedoria dos Gua- exemplo, que se tornou
histórias e memórias? ranis, um dia esse mun- esgoto para dar lugar a
Quem escolhe o que do doente vai parir um um tal progresso que
tem que ser esquecido? mundo saudável. Quem mata o rio.
E os monumentos para são as parteiras desse
serem erguidos? Como tempo novo senão os As tecnologias mais
quebrar esse encanta- que semeiam e sonham modernas deveriam ser
mento ao contrário e sair nesse tempo de agora ? A utilizadas para manter o
desse eterno ensaio sobre respiração do mundo na rio vivo, pois ele é fonte
palma da mão de quem de vida. Uma cidade que
a cegueira? Até quan-
tem coragem de lutar por mata seu rio, mata tam-
do vamos suportar essa
bém sua fonte de vida. As
ideologia perversa que beleza e justiça.
pessoas que perdem sua
se abraça numa ideia de
relação com o rio, perdem
desenvolvimento crimi-
também sua relação com
noso ? Cidades são Rios
ABRIL 2023

Duas Respostas de Már- sua ancestralidade.


que correm ao contrário cia Mura
RREVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

entre seres fantásticos e Para nós indígenas, os rios


imaginários… Como você vê a relação das é que dizem de onde e
cidades com os rios? quem somos.
Muita gente esperando o
fim dos tempos. Muitas Na cidade onde vivo vejo Quando nos encontramos
outras estão construindo que ela antes era voltada perguntamos de qual rio
uma rede orgânica de para o rio, mas com a vêm os parentes. Não é da
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resistência, com muitas construção de estradas cidade.


ARTIGO
dos pelo GT indígena de
São Paulo. E a partir daí
conseguimos estabelecer
várias conexões indígenas
com outros parentes e
nos manter mais firmes
na cidade.

Quando alguém conheci-


do, ou meu companheiro,
iam pra São Paulo, sempre
levavam peixe, principal-
mente pirarucu seco, que
eu preparava no leite da
castanha e chamava a pa-
rentada para comer junto.

Sempre era uma festa


MÁRCIA MURA. FOTO DA NAYARA FALCOSK entre parentes quando
chegavam os alimentos da
Por exemplo, eu sem- Fui para São Paulo para
pre digo que sou do rio estudar, passei muitas Amazônia. Partilhávamos
Madeira/Iruri, e não da dificuldades, no último os alimentos, cantávamos
cidade de Porto Velho. ano de estada em São e dançávamos e isso nos
Como foi o tempo em São Paulo, meus dois filhos alimentava espiritualmen-
Paulo e seus movimentos também foram morar lá, te para não nos perdermos
por lá? foi quando fomos acolhi- na “selva de pedras”.
ABRIL 2023

Agradecimentos :
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

Márcia Mura, Arine Caçador, Iremar Ferreira, Almicio Fernandes, Seu Natan

Fontes:
https://vejasp.abril.com.br/cidades/trecho-morto-rio-tiete-avanca/
https://infoamazonia.org/2022/07/11/a-morte-silenciosa-do-rio-madeira/
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https://amazoniareal.com.br/especiais/meninos-garimpeiros/
ENTREVISTA COM JULIANA CARDOSO
A política como arte de acolher e ajudar pessoas
ISAÍAS DALLE

FOTO: ACERVO PESSOAL

Juliana Cardoso foi eleita deputada federal em 2022, logo em sua primeira
tentativa, após ter se consolidado como vereadora em São Paulo.

J uliana acredita que


todo e qualquer
mandato, inclusive nos
refa de pensar o mundo e
formas concretas de atin-
Quando a gente fala de
coisas que atingem a vida
gir essa meta. A acolhida delas de verdade, conse-
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movimentos sociais, pre- seria o ingresso para a fase gue virar essa chave”, diz
cisa se dirigir às pessoas que se convencionou cha- Juliana.
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a partir “das dores da mar de conscientização.


vida”, ouvi-las e ajudar a Só discursos não bastam. Ao falar disso, recorre
encontrar soluções para os brevemente a histórias de
problemas. Dessa forma, “As pessoas estão sem acolhimento e ajuda que
abrem-se as portas para paixão pela política? Es- ela mesma viveu, como
as mudanças estruturais, tão. Estão desacreditadas. parlamentar, na tentativa
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conquistando-as para a ta- Como a gente supera isso? de ajudar grupos e co-
ENTREVISTA COM JULIANA CARDOSO
da Câmara. Nas comis-
sões, como funciona o
dia a dia? Por mais que
eu tenha sido vereadora
da cidade de São Paulo,
o que já dá uma boa base
para chegar aqui, ainda
assim é diferente. Eu que-
ro me dedicar pelo menos
nesses três meses, quatro
meses, ao dia a dia aqui
na Câmara Federal. E in-
JULIANA CARDOSO EM SEU GABINETE, EM ENTREVISTA AO JORNALISTA ISAÍAS DALLE, DA REVISTA clusive ter subsídios para
RECONEXÃO PERIFERIAS
entender o que se conecta
munidades a encontrar das populações desses com nosso estado, nossa
soluções para problemas territórios. Como uma base, no que a gente pode
diários, mostrando as deputada federal pode caminhar, principalmente
ferramentas já existentes, trazer essa pauta para um nesse governo do presi-
mas desconhecidas, ou espectro tão grande e dente Lula, em políticas
elaborando novas. muitas vezes até com um que foram completamen-
alcance difícil de enxergar, te abandonadas e agora
Histórias que viveu tam- no plano federal? estão sendo resgatadas.
bém quando esteve na Na relação orçamentária,
Juliana Cardoso: Quando
posição de quem preci- na questão de projetos
você está no Estado, tem que estavam parados, de
sava de ajuda, como no
um diálogo quase diário obras como creches, Mi-
caso trágico do assassinato
com as pessoas que acom- nha Casa, Minha Vida,
de seu pai, na presença
panham o mandato. E aí obras que foram paradas
dela, ainda criança. Ou
vem para Brasília. Se está durante seis anos e rapi-
na descoberta contínua
aqui, você some da base. damente, em menos de
de sua ancestralidade,
Se está na base, as pessoas 100 dias, já começaram a
ABRIL 2023

que a tornou a primeira


falam: por que não está ser executadas, entregues,
deputada federal indígena
aqui? (risos) Então a gente
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pelo PT. enfim. Há projetos que


fica nesse mundo, um pé o presidente Lula já fez,
Acompanhe: lá e um pé aqui. Nesses mas agora há coisas que
meses eu estou tentando precisam ser incorpo-
Você como vereadora um pouco entender mais radas, como no Minha
em São Paulo teve uma profundamente, e sem Casa, Minha Vida.
atuação muito ligada ser só o que está escrito
12

às periferias e à luta no Regimento Interno Por exemplo?


ENTREVISTA COM JULIANA CARDOSO
No caso do Minha Casa, que ele está começando a tivo pode ser uma ferra-
Minha Vida, a destinação colocar um desafio, que menta para abrir o debate
de unidades residen- é o Orçamento Partici- público, politizar?
ciais para mulheres em pativo. A gente já está
situação de violência aqui começando a pen- Olha, o orçamento
doméstica. Projetos como sar como estruturar essa participativo é sempre
o Mulheres Empreende- participação. E eu, como importante porque des-
doras, que veio do Minis- venho de Comunidades perta a consciência. Ele
tério das Mulheres, sobre Eclesiais de Base, da Igre- dá o instrumento para
o qual falávamos pouco ja Católica, da Teologia entender o que significam
no governo do presidente da Libertação, entendo o orçamento público, a
Lula. A gente trabalha que quanto mais você legislação, quais são os
muito com a vulnera- escuta as pessoas em suas ministérios, no que as
bilidade, com projetos necessidades do dia a dia, estatais, por exemplo,
voltados para o resgate da mais se consegue ter um podem ajudar no dia a
cidadania dessas pessoas, governo que vai fazer o dia dessas pessoas. Porque
já dialogávamos com melhor. Não vamos con- está tudo muito desco-
uma coisa ou outra, mas seguir fazer 100% porque
não com uma força total não cabe no orçamento, Eu sou afro-
como estamos falando por conta de tudo aquilo indígena. Sou
sobre as mulheres em- que foi destruído duran- filha de mãe
preendedoras. te esse período. A gente negra e pai
acompanha os estados indígena. Em
Há muitos projetos que já
que estão nesse viés priva-
estão entrando em fases que pese a
tista, onde interesses vão
novas. Não são apenas família da minha
acabando também com
de reconstrução, são
ações efetivas do Estado. mãe, uma boa
lançamentos de etapas parte dela vem
Nem o governo federal
novas. É isso?
vai conseguir, mesmo também dessas
Exato. Até porque eu te- durante esses quatro anos, ancestralidades
nho tem uma percepção, conectar o que está acon- indígenas.
ABRIL 2023

acho que não é só minha, tecendo em nível nacional Quando você


de que o presidente Lula
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tem se dedicado muito a


nesses estados, imagina se candidata,
em cidades. É preciso fa-
fazer um governo muito precisa colocar
zer um giro rapidamente
melhor do que ele já fez lá qual a sua
para conseguir tirar essas
nos dois últimos anterio- pessoas dessa situação di-
etnia. Não há a
res em que foi presidente. fícil dos últimos seis anos. opção de colocar
Então, isso é escutando afro-indígena.
13

muito a sociedade. Tanto O Orçamento Participa-


ENTREVISTA COM JULIANA CARDOSO
nectado do dia a dia das vai fazer, fica perdido no atividade de contraturno
pessoas. Quando vai a um universo. com criança, adolescente,
bairro, você ouve: “Eu jovem, idoso, mulheres,
estou aqui precisando que Penso que o orçamento enfim, o sistema faz um
participativo vai ajudar atendimento mais amplo.
o posto de saúde tenha
nisso, sim, a entender o Então eu acho que o orça-
mais médicos”. Aí você
que se tem de orçamento, mento participativo vem
fala assim, ok, mas você já
quais são as dificuldades nesse viés. É uma espécie
falou na sua unidade de
e, sem dúvida nenhuma, de manual de instruções,
saúde com a gerente? Sua
entender essas pautas digamos, do Estado, de
gerente conseguiu enca-
municipais, estaduais, como funciona. E como o
minhar para a supervisão?
nacionais, que são saú- cidadão, a cidadã, podem
A partir dessas perguntas,
de, educação, assistência interferir de alguma forma.
conseguimos encaminhar. social. Assistência social
As pessoas não têm, in- por conta da vulnerabi- O que você diria para as
felizmente, a informação lidade que ainda existe. populações nos territórios
necessária para atuar em Acho importante fazer sobre como se organizar
determinada demanda. um parêntese aqui. Nós coletivamente e se
E também existe muita temos um Sistema Úni- inserir no Orçamento
confusão, de achar que o co de Assistência Social, Participativo?
caso é da prefeitura, e que SUAS, parecido com o A gente ainda vai enten-
a prefeitura é que tem de SUS. As pessoas acham der como será colocado
resolver. Só que a prefei- que assistência social é só em prática. Pelo que eu
tura tem várias instâncias. cesta básica, mas é muito entendi dos ministros,
A mesma coisa em relação mais que isso. É um pro- ainda se está pensando
aos ministérios. Se você jeto que você pode ter no na estruturação, como
não avança e a pessoa não seu município para, por vai funcionar, quais são
sabe qual o caminho que exemplo, implantar uma os meios. Estou eu aqui
imaginando: meios de
comunicação, meios digi-
tais, para abrir a partici-
ABRIL 2023

pação, acolher propostas.


É preciso pensar também
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

em quem não tem aces-


so amplo a tecnologias
digitais. Mas, sem dúvida
nenhuma, tem de massifi-
car, porque a disputa que
faremos com a sociedade
14

FOTO: ACERVO PESSOAL é aquela coisa de dizer as-


ENTREVISTA COM JULIANA CARDOSO
sim: “olha, isso pode, isso Inclusive, quando não é de negras. As indígenas
não dá”. As pessoas vão conseguem espaço no aparecem no mapa muito
ver que tem dinheiro, tem Parlamento, vão ao Judi- pouquinho. Porque não
orçamento, o que está ciário, Ministério Público, chega às aldeias essa pos-
parado, o que avança. É Tribunal de Contas. sibilidade de conseguirem
uma forma de conscienti- fazer um tratamento mais
zação também. Sobre as mulheres, temos completo.
uma pauta transversal.
Você falava de alguns Não dá para falar só de Você é a primeira
exemplos de atuação um passo, como a vio- petista indígena a ser
na área das mulheres. lência doméstica. Existe eleita deputada federal.
Quais são os planos do a violência física, psicoló- Essa questão da sua
seu mandato para ajudar gica, de gênero, violência ancestralidade sempre
nessa agenda? política de gênero. São fez parte da sua carreira
Só uma questão antes. várias coisas sobre as pública? A impressão
Sobre os movimentos quais temos de caminhar é de que é algo mais
sociais, eu também queria todos os dias pra avan- recente. Tem a ver com
deixar um ponto aqui. çar na política e, acima alguma descoberta?
Você sabe que em boa de tudo, no respeito aos Eu acho que é bem in-
parte da minha vida par- nossos corpos e à nossa teressante esse debate. E
lamentar aprendi a cami- existência, em todos os para as pessoas também
nhar no serviço público lugares. Desde a atuação entenderem que dentro
e às vezes até no privado, que fala sobre a violên- dessa burocracia a gente
tanto no Executivo quan- cia sim, mas também também tem barreiras,
to no Legislativo, com de ocupação de salários né? Eu sou afro-indígena.
a experiência dos movi- iguais, por exemplo, um Sou filha de mãe negra
mentos sociais populares, dos projetos que vieram e pai indígena. Em que
que têm uma militância do presidente Lula. Falar pese a família da minha
muito intensa. E eu falo sobre a saúde das mulhe- mãe, uma boa parte
que em São Paulo, na res, porque ainda temos dela vem também dessas
Câmara, há movimentos um número muito alto ancestralidades indígenas.
ABRIL 2023

que dão show, que falam de violência obstétrica. Então meu bisavô, por
muito melhor do que Então, na área da saúde, parte da minha mãe, por
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

vários parlamentares. há um mundo de coisas exemplo, era guarani-


Movimento de moradia, para fazer. Por exemplo, -kaiowá. Quando você se
de saúde, de cultura, de quando você enxerga candidata, precisa colocar
educação e de assistência a fila de exames ou de lá qual a sua etnia. Não
social. Cinco movimentos cirurgias eletivas, o maior há a opção de colocar
que ocupam e debatem número é de mulheres. E afro-indígena. Você tem
15

legislação, orçamento. entre elas o número maior “indígena”. E isso foi


ENTREVISTA COM JULIANA CARDOSO
não convivi com a minha
A minha família sempre foi muito família por parte de pai.
lutadora. Meus avós vieram do Meu pai faleceu quando
Piauí de pau de arara para chegar eu tinha cinco anos, eu
a São Paulo e tentar ter uma vida não trouxe essa cultura.
melhor. Eu não sei falar a língua.

E tem vontade de
um debate lá na minha para fins de legislação aprender?
casa, né? Porque pegamos eleitoral, a opção por
Siiiimm, inclusive eu
inclusive toda a árvore declarar a etnia afro-
tenho parentes terenas,
genealógica, para enten- indígena?
aqui em Brasília tem um
der como a gente iria se Exato. Essa luta está em museu coordenado por
comportar. Se fala assim, curso e deve-se trabalhar um terena, e ele já falou
afrodescendente, negro, com ela, é um dos debates diversas vezes pra eu ir
mas e a questão indíge- que vou ter de fazer aqui. lá falar, que ele quer me
na, onde fica então? Na Dentro dessa relação in- ensinar. E quero visitar
nossa árvore genealógica, dígena, depois tem a luta Mato Grosso do Sul.
mesmo com a minha mãe dos indígenas aldeados e
Nesse espaço que meu
negra, percebe-se que na não aldeados. Nesse diálo-
pai nasceu, Aquidauana,
parte da minha mãe tem go dos indígenas, quando
não estive, em que pese
um grande número de você não é aldeado não é
ele tenha sido registra-
indígenas. Mas a parte muito aceito.
do em Nioaque. Muita
do meu pai é toda terena,
Não é muito aceito por gente que fica tentando
de Mato Grosso do Sul.
quem? desconstruir, inclusive
Então, quando se olha a
no partido: “mas ela não
minha família por parte Pelo povo indígena, por-
é indígena”, ou “ela está
de pai, você vê todos os que você sai da sua cultu-
ra, que teria de ser, para ir chegando agora”. Sem en-
traços indígenas muito
para outra, para urbano. tender que não existe uma
fortes. Meu pai morreu
E aí no urbano, eu, por legislação eleitoral em que
quando eu tinha cinco
ABRIL 2023

exemplo, uso prata, né? eu possa me colocar no


anos. Então, decidimos
{Juliana mostra um colar que eu sou mesmo.
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

que seria muito melhor,


já que não tinha a opção de prata que está usando}
Não tem nada a ver com
afro-indígena, colocar, lá E no povo aldeado, por
uma oportunidade que
onde se pergunta a etnia, conta da mineração, não
você enxergou de se
indígena. se usa de jeito nenhum.
inserir mais fortemente na
Então, quando você vem
Então existe uma luta em disputa eleitoral?
para a cidade, isso tudo
16

curso para se oficializar, fica muito em debate. Eu Não, nem um pouco.


ENTREVISTA COM JULIANA CARDOSO
Pelo que você quando ela pensou em flashs, pouca lembrança.
está dizendo, é tão fazer o Centro de Edu- Ele foi assassinado, e eu
multifacetado que cação e Cultura Indígena estava com ele. Fiquei
poderia ser até um (Ceci), eu já tinha uma dias assim... Porque na-
obstáculo na sua eleição. atuação muito grande e quele período não tinha
entendia que a cultura telefone, e a minha mãe
Exato, dado o nível de
indígena precisava ter e o meu pai tinham se
incompreensão. E as
uma educação específica, separado. Eu fui ficar com
pessoas, neste momento,
porque as crianças até seis ele no final de semana e a
mais colocam isso contra
anos não falam português. minha mãe estava na casa
mim do que a favor. Há
da minha avó, e lá não
muitos lugares onde eu Você está nessa luta tinha telefone. Ficamos o
vou que as pessoas fi- desde então. sábado e o domingo, todo
cam numa desconfiança,
Desde sempre. Mas não é mundo tentando entrar
achando que eu fiz isso em contato com a minha
uma coisa que eu fico de-
para me eleger. Sendo que mãe, sem poder pedir
monstrando, como tantos
quem acompanha meu outros trabalhos que eu ajuda. E aí no domingo,
dia a dia sabe que eu fui desenvolvo. como eu não chegava,
nascida e criada na peri- minha mãe percebeu que
feria, e que a questão in- Aliás, li algo sobre você havia alguma coisa errada.
dígena é um trabalho que que eu não sabia, muito Aí ela foi me procurar e
eu tenho, que eu tinha na triste, muito trágico, que me achou lá com ele.
capital, era muito vincu- é a história do seu pai.
lado aos guaranis, desde a Quando ele morreu, você Você ficou todo esse
demarcação da terra deles estava na cena. tempo com ele, sem que
no Plano Diretor. Sim, eu... Aliás, essa é as pessoas soubessem?
uma coisa que, como foi Ele ainda não tinha
Esses guaranis lá da
muito traumática, dos morrido. Mas como era
cidade de São Paulo, pra
meus cinco anos de idade enfermeiro do Hospi-
quem não conhece, eles
para trás eu tenho poucos tal do Servidor Público
ficam em qual região da
ABRIL 2023

cidade?
No Jaraguá e em Pare-
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

lheiros. Na região mais


arborizada da cidade. São
quatro aldeias. Inclusive –
quase ninguém sabe disso
–, na gestão da Marta
(Suplicy, prefeita de São
17

Paulo entre 2001 e 2005), JULIANA CARDOSO EM REUNIÃO COM OS MOVIMENTOS SOCIAIS. FOTO ACERVO PESSOAL
ENTREVISTA COM JULIANA CARDOSO
Estadual, ali todo mundo do, muitas pessoas que saiu da aldeia para poder
me conhecia. O apelido estavam na linha de frente estudar. O certo era ter
do meu pai era Índio. Ele de alguma ação política voltado para fazer as ações
era muito alegre, muito morreram. Foram balea- lá, mas era muito precá-
festeiro, e as pessoas ti- dos, enfim. A minha mãe rio. Os povos indígenas
nham um carinho muito sempre conta um pouco sempre foram muito
especial por ele, e foram essa história. A repressão abandonados, expulsos
me ajudando nesse dia até também quase chegou do seu território e as suas
minha mãe chegar. E aí, perto dela. O tempo em culturas acabam sendo
quando minha mãe che- que ela teve de ir para desmontadas. Só quem
gou e resgatou, logo em Salvador, enfim, tinha está muito perto ou quem
seguida ele faleceu. Acho ali as suas ligações com o tem muitos parentes pró-
que ele até ficou esperan- Carlos Marighella. Tanto ximos consegue resistir.
do. Ele demorou tanto, que o filho do Marighel- Mas quando são aldeias
porque ele estava num la é padrinho da minha menores e são abando-
processo muito difícil, irmã, falecida também, a nadas, elas acabam tendo
mas ele só partiu quan- Maria Luíza. E o meu pai muita dificuldade. Então
do ele teve certeza que a foi isso, foi tirada a vida eu falo que é uma vida de
minha mãe me achou. dele e, nos autos, diz que trabalhadores, né? Pessoas
foi uma pessoa que estava que nunca deixaram de
O seu pai era um lutador lá, que não gostava muito entender que precisavam
social, não era? Ele estava dele, e atirou. E até hoje a ter consciência política
na luta... gente não sabe exatamen- de direitos. Tanto que
Estava, na enfermagem, te o porquê. eu acho que chegar aqui
na relação com o SUS. como deputada federal
Naquele período ainda Você também falava também faz parte da
era muito novo, mas na da pesquisa que fez, da minha história de vida,
defesa do serviço públi- árvore genealógica. Das de busca pelos direitos e
co, do servidor público, descobertas que fez ao igualdade social.
no Hospital do Servidor pesquisar suas origens, há
Público de São Paulo, na alguma que a encantou Quando os povos
ABRIL 2023

Santa Casa. de uma forma especial, indígenas que vivem


que destacaria? nos centros urbanos
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

Ele estava envolvido A minha família sempre forem despertando para


em alguma agenda foi muito lutadora. Meus essa identidade, isso
importante e a morte avós vieram do Piauí de pode produzir alguma
dele tem a ver com isso? pau de arara para chegar mudança significativa pro
Foi a repressão? a São Paulo e tentar ter conjunto da sociedade?
A repressão era muito uma vida melhor. Por Eu acho que aí vamos
18

constante naquele perío- parte do meu pai, ele algumas casas antes, que é
ENTREVISTA COM JULIANA CARDOSO
este mandato, porque não
é só a Juliana. Nós somos
um time. Eu entendo que
o mandato é o instrumen-
to da luta popular. Então,
temos de estar a serviço
de. E estar a serviço de é
compreender que há pon-
tos importantes e pessoas
que militam, ajudam,
trabalham, e dedicam a
vida. Então perguntam,
FOTO: ACERVO PESSOAL
“mas Juliana, você não vai
pautar a luta indígena?”
a relação ambiental, todo para o mandato, qual
Sim, eu estou junto, mas
o contexto que vivemos, você considera prioritário,
tem mandatos aqui, como
não só no Brasil, mas no que você pretende
Célia Xakriabá, como
mundo, dos desastres. transformar numa marca?
Sônia Guajajara, que está
Tudo isso passa por uma São vários pontos que eu agora como ministra, que
relação mais ampla de trabalho. Saúde, assis- dedicam a vida a isso. A
sobrevivência. A sobrevi- tência social, moradia. O minha pauta, a minha
vência inicia pelos povos ponto que eu quero mui- vida, e eu sou formada
indígenas, que são os to ajudar e ter marcas é a em Gestão Pública, é
guardiões das florestas. E área da saúde, em especial entender que o centro da
são mesmo. Aqueles que a saúde voltada para as política de Estado tem
têm a sabedoria milenar, mulheres. E na área vin- que ser forte. E, para ser
a ancestralidade anterior culada à assistência social: forte, você tem de cons-
a nós. Mas eu acho que a acho que temos de virar a truir subsídios, desde
partir de tudo o que tem chave, para as pessoas en- legislação, mas acima de
acontecido com a gente, tenderem que assistência tudo ajudar quem hoje
se não iniciarmos rapida- social não é só cesta bási- está no governo, que é o
ABRIL 2023

mente uma ação efetiva ca, pode ser muito mais presidente Lula, a fincar
ampla. E, claro: quando essas políticas, para quan-
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

ambiental, climática, uma


agenda que inclua, sem você fala de casa, fala de do vier outro... Por que
dúvida nenhuma, como dignidade. Quando fala o SUS não foi destruído
ponto central, os povos de dignidade, tem de dar por inteiro? Porque você
indígenas, nós vamos ter início a outras políticas fincou uma política. As
muitos problemas. mais conscientes de ação pessoas sabem o que é o
de trabalho, emprego, SUS. Pode-se dizer que
19

Dos planos que você tem renda. É muito diverso há problemas, mas há
ENTREVISTA COM JULIANA CARDOSO
eu costumo dizer que é as fake news, não conse-
a do microfone, entre gue estar todo o tempo
outras, para traduzir para em todos os lugares. Acho
as pessoas que nem tudo que nós temos de virar essa
acaba quando termina o chave. Então, talvez, com
mandato. É por isso que alguns mecanismos como
eu sempre digo que, em o orçamento participativo e
cada lugar que eu vou, outras formas de as pessoas
não adianta ir só para enxergarem o Estado, a
fazer um discurso bonito, política pública voltada
mas precisa semear, en- para elas, consigam en-
tender que aquela pessoa
tender que há projetos de
pode ter uma capacidade
vida, com o do Lula, e há
FOTO: ACERVO PESSOAL
de entender, se informar,
projetos de morte, como o
um postinho ao lado da e dessa informação conse-
do Bolsonaro.
casa delas. Isso tinha de guir ir abrindo portas.
ser para tudo: moradia, Esse espaço de manda-
assistência social. Essa consciência, como
to é isso: não tem que
é que a gente consegue
construir?
resolver só o asfalto, e
Você acha que o SUS,
pela consolidação
sim entender o que eu
Essa construção é per- desperto nessa pessoa,
dos princípios dele no manente. Eu sempre
imaginário popular, pode para ela entender que
digo que você tem que
ser referência para todas precisa se colocar melhor,
conversar com as pessoas
as demais políticas? entender quais são os
em cima das dores delas.
instrumentos que tem
Tinha de ser. Se isso Não adianta ir lá e dizer
para lutar, e assim obter
acontecesse, eu acho que assim “olha, porque agora
algum serviço ou política
a gente não passaria por nós vamos ter Minha
para a sociedade. Vou dar
tanto problemas como Casa, Minha Vida, Bolsa
passa hoje, quando se Família, Mais Médicos”, um exemplo: visitei uma
faz um desmonte. As sendo que ela está passan- cidade paulista um tempo
ABRIL 2023

pessoas só têm ideia do do fome e quer saber o atrás e perguntei se lá


que significa um Estado você vai pensar, ou ajudar havia centros de educação
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

forte nas suas vidas na a pensar, naquele mo- e cultura para crianças e
hora que elas perdem. mento, para matar a fome jovens. Disse para eles que
Os mandatos precisam, dela. E a igreja evangé- existe verba federal para
todos, Executivo, Le- lica aprendeu isso. Nós isso, basta acessar. E que
gislativo, movimentos também estamos em um o município teria de arcar
sociais, a gente tem de outro momento, a gente apenas com uma parte. As
20

usar essa capacidade, que briga hoje com as redes, pessoas não sabiam disso.
ENTREVISTA COM JULIANA CARDOSO
Então, eu achei nesse Você está falando vida dela de verdade, con-
caminho do Congresso inclusive de segue virar essa chave.
Federal um lugar de fazer parlamentares?
essa disputa nacional, de Sobre essa bancada
Só de parlamentares, há periférica. Muita gen-
falar sobre isso. Agora, na
muitos casos aqui. São te vem me perguntar
campanha pela reforma
99 deputados, de 513, por que o PT precisa se
tributária que está che-
gando aqui, na forma de que se elegeram pela rede juntar numa base gover-
medidas provisórias, isso social. Eu costumo dizer nista com pessoas que
vai ter de servir pra dia- isso na tribuna: o que anteriormente xingaram,
logar com as cidades que vocês estão produzindo bateram. Isso ocorre exa-
não têm serviços como para a sociedade? tamente porque a gente
esses. Numa cidade que não tem a capacidade de
Há bancadas temáticas, conseguir trabalhar para
eu visitei, a creche é das 7
como a do boi, da bala ter mais parlamentares
e meia às 11 e meia e as
crianças não têm almoço. e da bíblia. Faz sentido no nosso campo. Sabe
montar uma bancada por quê? Porque a gente
Pautas que são capazes periférica? fica brigando entre nós.
de suscitar mobilização
popular. Mas está
faltando um pouco de
encantamento com a
política. Ou não?
Sim, porque as pessoas
estão desacreditadas. A
televisão faz muito isso
também. Você liga a TV,
o que se passa lá? Gente
morrendo, corrupção. Esse FOTO: ACERVO PESSOAL

aparelhinho aqui (Juliana


aponta para o telefone Quero responder só Podemos até disputar
ABRIL 2023

celular) é um pandemônio objetivamente à outra espaços juntos, não tem


para desacreditar política. pergunta. As pessoas estão problema, está tudo bem.
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

E aqui na Câmara Federal sem paixão? Estão. Estão Agora, quando a gente
você vê nitidamente essa desacreditadas. Como a vai avançar para disputar
parte da sociedade que só gente supera isso? Quan- o outro lado em que os
vive nessas redes sociais, do a gente fala de coisas adversários sempre estão?
principalmente aqueles que atingem a vida delas Quando a gente vai con-
que produzem o ódio e de verdade. Quando pega seguir disputar o espaço
21

fake news. assuntos que atingem a que hoje eles têm muito,
ENTREVISTA COM JULIANA CARDOSO
que é uma pessoa que governo que não investiu
estava desempregada, aí o suficiente para o médico
foi pra igreja, conseguiu ir até a periferia. Isso é
um trabalho. E quando demorado, é longo. Então
conseguiu um trabalho, nós temos de repensar
dialogou sobre outros esse jeito de enxergar o ser
problemas, sobre um fa- humano. A esquerda não
miliar com drogadição. E pode só ficar nos grandes
aí disseram para ela: “Es- discursos.
pera que vamos te ajudar
Os movimentos sociais
de outra forma”. Daí em
poderiam, como parte
diante a pessoa foi lá fazer
desse esforço, funcionar
o tratamento, melhorou.
COM CÉLIA XAKRIABÁ MINDÃ NYNTHÊ. como uma espécie de
FOTO: ACERVO PESSOAL Eles vão construindo um
porta para atender as
como o espaço da igreja trabalho entre eles, uma
pessoas?
evangélica? rede que é orgânica à vida
das pessoas. Sem dúvida Desde que entendam que
Você acha que nenhuma tem a pauta não podemos ficar no
tem alguma coisa fundamentalista, mas não assistencialismo, mas estar
irreconciliável entre uma é a principal questão. na vida, no dia a dia das
pauta fundada muito em pessoas e tentando dialo-
questões morais e a pauta Eu volto a dizer que nós gar com elas.
da esquerda? Tem como vamos conseguir criar
abrir diálogo? certa consciência a partir Organizar as lutas
do diálogo com a dor pontuais ali, tentando
Temos de ocupar esses
da comunidade. Vou resolver, por exemplo,
espaços, achar o cami-
dar exemplo a partir da a falta de médico no
nho de como eles estão
questão da saúde. A pes- posto de saúde, mas a
fazendo isso. Porque eles
soa está sem médico. É a partir disso construir uma
acharam um caminho de
agenda de mudanças
dialogar com a vida das partir desse momento que
estruturantes.
pessoas através da fé. Eu você vai lá e ajuda, que
ABRIL 2023

não considero que a pauta ela passa a entender como Exatamente.


de costumes seja o mais a estrutura funciona. E
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

forte apelo que eles têm. aí, quando chegar outro


Ela entra como um aces- alguém dizendo “eu vou
sório. O que elege é o fato resolver o seu problema”,
de ser uma comunidade elas vão saber que não
que dialoga com a vida é assim, o problema não
das pessoas. Eu tenho está apenas na gerente do
22

uma experiência próxima, posto de saúde, é com o


PERFIL
Coletivo Força Tururu promove comunicação popular
comunitária para o enfrentamento das violências
ROSE SILVA

ATIVIDADE DO COLETIVO FORÇA TURURU SOBRE A FORÇA DAS EMPREITEIRAS NA CIDADE DE PAULISTA

O Coletivo Força Tururu surgiu há 15 anos e trabalha a comunicação


popular comunitária para o enfrentamento das violências e
fortalecimento da autoestima dos moradores locais. Sua atuação
se dá no Janga, um dos bairros de Paulista (PE), que fica na região
metropolitana de Recife, basicamente sobre quatro eixos: pautas sociais,
fortalecimentos de outros coletivos, sustentabilidade e comunicação.
ABRIL 2023

D
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

e acordo com fatos negativos. “Come- nos incomodava muito,


André Fidelis, um çamos a perceber que se porque dava uma sensa-
dos fundadores do Força acontecia um homicídio, ção do que o Tururu era
Tururu, a comunida- um assalto virávamos só isso. Predominava a
de sempre foi bastante notícia. O tráfico era imagem do ambiente al-
alvejada pela imprensa bastante explorado pela tamente perigoso, de que
23

hegemônica, associada a televisão, pelo jornal. Isso ninguém poderia colocar


PERFIL

PRODUÇÃO DE VÍDEO NA COMUNIDADE DO BACCARO, EM OLINDA, FRUTO DA FORMAÇÃO DE COMUNICADORES

os pés pelo risco de ser nidade e as pessoas. É grama se desenvolve em


morto. E quem morava por isso que a missão do quatro encontros teóricos
lá enxergava uma realida- Coletivo Tururu é ecoar e um prático, quando os
de totalmente diferente: vozes que por muitas participantes constroem
um espaço altamente vezes são invisibilizadas”, diversos produtos de
orgânico, produtivo, afirma ele. comunicação: exposi-
com pessoas que querem ções fotográficas, vídeos,
mudar as estruturas so- A principal atividade do documentários, que são
ciais da forma como são coletivo é a formação de apresentados à comuni-
consolidadas”, relata. comunicadores popula- dade. O objetivo é gerar
res, que já alcançou 11 debates que possam
Segundo ele, as menções
comunidades, utilizando mobilizar as pessoas para
negativas à comunidade
materiais elaborados cobrar do poder público
caíram drasticamente
pelos integrantes. O pro- mudanças no território.
desde que começaram
a realizar o projeto. “Se
você tem uma relação tão
ABRIL 2023

forte com o seu territó-


rio, não tem como vê-lo
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

tão estigmatizado e não


fazer um trabalho inten-
so para tentar minimizar
isso. Se você acredita nos
direitos humanos, numa
perspectiva coletiva,
24

precisa valorizar a comu- COMPONENTES DO COLETIVO FORÇA TURURU


Realiza também o edital na prevenção e enfrenta- cando comerciantes,
cultural “Canta para a mento à violência contra comunidades pesquei-
vida”, que busca valorizar a mulher. A ideia para ras, degradando o meio
mulheres moradoras de 2023 foi dar visibilidade ambiente e desalojando
periferias que cantam e a essas leis, para evitar moradores”, diz.
compõem. As mulheres que sejam engavetadas.
inscrevem suas compo- Para Fidelis, é impor-
sições e as vencedoras De acordo com Fidelis, tantíssimo potencializar
recebem um prêmio em o coletivo também se interações com a comu-
dinheiro, além de um vi- articula em rede para nidade, valorizar essas
deoclipe produzido pelo desenvolver atividades pessoas e acreditar no
coletivo, que é posterior- que se desdobram em potencial delas. “Nosso
mente divulgado com pressionar a prefeitura e trabalho constante é esse,
o intuito de gerar uma o poder público a respei- porque são tantas ações
agenda produtiva para a tar as pessoas e valorizar importantes, tantas ideias
artista. a sustentabilidade am- que rolam, tanta produ-
biental. “Agora estamos ção cultural interessante
Em 2022, o coletivo realizando uma série de muitas vezes apagada,
realizou uma pesquisa e ações voltadas ao tema invisibilizada por um
várias intervenções na co- do direito à cidade, pois sistema que privilegia
munidade, que motiva- a especulação imobiliária pouquíssimas pessoas.
ram a aprovação de duas tem se ampliado muito Então, a gente precisa ter
leis municipais com foco em Paulista, prejudi- e fazer comunicação”.

ABRIL 2023
RREVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS
25

PRODUÇÃO DO VÍDEO UM BRINDE À COMUNICAÇÃO POPULAR E COMUNITÁRIA


ARTE
Sol

FOTO: ACERVO PESSOAL DA ARTISTA

S olange Gonçalves Luciano, mais


conhecida como Sol, nasceu na
periferia de Porto Alegre (RS). Aos 54
Nos trabalhos aqui exibidos, da série
Vestes Falantes, a artista referencia a
Oficina de Criatividade. Há autorre-
anos, é uma sobrevivente dos escom- tratos e homenagens a Natália Leite,
bros manicomiais, dos labirintos também artista de "Esta coisa que
psiquiátricos e frequenta há mais de pulsa", Nise da Silveira, precursora
duas décadas um dos maiores e últi- no desenvolvimento da arteterapia no
mos manicômios da América Latina, o Brasil. Reconhecendo-se na condição
Hospital Psiquiátrico São Pedro. É nas de sobrevivente, Sol assume um posi-
Oficinas de Criatividade que Sol con- cionamento artivista. Em Contenção
segue fazer da arte uma ferramenta de Manicomial, ela reivindica o extermí-
auto resgate, onde dissipa as dores de nio dos manicômios e de todo tipo de
suas vivências e daquelas pessoas com “práticas manicomiais”, pois reconhe-
ABRIL 2023

quem compartilha sua arte. É reconhe- ce outras formas de aprisionamento


REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

cida na Luta Antimanicomial, onde mesmo em proposições terapêuticas


pinta, borda, compõe, canta, escreve, renovadas. A poética de sua produção
faz parte da Associação Construção e é marcada pela exigência política de
do grupo de teatro Nau da Liberdade, reconhecimento da sua capacidade
encontrando uma forma potente de narrativa a respeito de si, mas também
comunicação. como parte de uma luta coletiva.
26
FOTOS: ACERVO PESSOAL DA ARTISTA

Caçadores de mentes doentes vocês podem até ser


mas a verdade que está aqui com a gente
quem é capaz de entender.

Somos um desafio para muitos de vocês


mas os desafiados é quem vão ter que nos entender
pois não temos nenhuma culpa
De nascermos diferentes
essa é a sua missão decifrar nossas mentes.

Somos bem mais do que números rotulados por vocês


e com a reforma psiquiátrica chegou a nossa vez, nossa metamorfose
Podes ver acontecer essa é a fusão do meu ser e o seu saber.

Temos uma aliada, a famosa medicação,


e da família e do Estado
suplicamos mais amor, compreensão.
ABRIL 2023

Ouvi dizer que toda rosa tem espinhos e sem querer te fiz chorar.
Mas somos essas rosas com espinhos e viemos o seu mundo enfeitar.
RREVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

Caçadores de mentes doentes vocês podem até ser


mas a verdade está aqui com a gente
quem é capaz de entender.
27

REDES SOCIAIS:
Instagram: @oficinadecriatividadehpsp
LIVE VIVA
As lutas das mulheres e a democracia

Desde o início de 2020 mentos sociais, ativistas Periferias: “Vivas e com


o Reconexão Periferias e militantes de todo o igualdade de direitos”.
realiza programas para país. Durante o mês de Os encontros ocorreram
discutir os temas mais março de 2023, foram quinzenalmente, sempre
diversos relacionados realizados programas às terças-feiras às 17h,
às periferias, sempre com temáticas relacio- horário de Brasília, no
dialogando com organi- nadas à edição de março canal do youtube da FPA
zações, coletivos, movi- da Revista Reconexão e na página do Facebook

Confira os programas de março e acesse o canal da Fundação Perseu


Abramo para assistir::

07/03/2023: A luta das mulheres na reconstrução do Brasil - com Pagu Rodrigues

21/03/2023: Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga: proteção e autonomia para as


mulheres - com Cláudia Isabele Pinho
ABRIL 2023
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS
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AGENDA DE ABRIL DE 2023

Programa Quinzenal Reconexão


Periferias Terça- feira, às 17h (horário
de Brasília). No canal da Fundação
Perseu Abramo: www.youtube.com/
FundacaoPerseuAbramo

Programa Voz da Mulher


produzido pela Associação Mulheres
na Comunicação - Rádio Web
Mulheres na Comunicação
www.mulheresnacomunicacao.com/
Aos sábados, às 8h, retransmitido de
segunda a sexta-feira: 6h, 13h, 19h
e 23h. O programa está disponível
no Spotify, Google Podcasts,
Data: 15/04 entre 8:50 e 12:20
Apple Podcasts e Anchor, no canal
Onde: Sítio Vale das Cabras - Estrada
“Mulheres na Comunicação”
das Cabras, km 13,5 - Joaquim Egídio -
Campinas, SP. Inscrições aqui
DUO 13 anos - temporada Memórias
do Fogo, com Saulus Castro
Sambada Preta - 3ª Edição
Quando: 15/04 às 15h e 19/04 e 20/04
Data: 15/04 a partir das 12h
às 19h. Ingressos: 15/04 com ingressos a
Onde: Complexo Cultural de Samambaia
R$10 (meia) e R$20 (inteira); 19/04 e 20/04
- Samambaia Sul - Brasília, DF
com entrada gratuita e exclusiva para
Ingressos a partir de R$10 aqui
escolas públicas, ONGs e projetos sociais.
Onde: Teatro Sesc Senac Pelourinho
Garagens Periféricas 2020
- Largo do Pelourinho, 19 - Pelourinho -
(apresentação circense)
Salvador, BA.
Data: 16/04 às 13h
Onde: Rua Frei Orlando, 148 - Caiçaras -
Festival Hip House - 3ª Edição - Lei
Belo Horizonte, MG
Municipal de Incentivo à Cultura
2022 (Modalidade Fundo) Mais informações aqui
Data: 15/04 e 16/04. Onde: Praça
Modestino de Sales Barbosa, 11, Centro CCJ – BATALHA DA JUVENTUDE
ABRIL 2023

Cultural/Educacional, Flávio Marques Data: 17/04 às 22h


Onde: Av. Dep. Emílio Carlos, 3641 - Vila
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

Lisboa - Belo Horizonte, MG


dos Andrades - São Paulo, SP.
Quarta oficina aberta "Fazendinha
Biológica: preparo e aplicação de Curso “A Pluralidade Étnico-
caldas e biofertilizantes" Cultural na Região Metropolitana
Mediação: Eng Agr. Sheyla Saori - de Fortaleza: Diálogos de
Amater Cooperativa e agricultor Fortalecimento entre Comunidades e
Universidades”
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Gustavo Fernandes
AGENDA DE ABRIL DE 2023
Data: 19/04 às 19h II Seminário do Grupo de Pesquisa
Onde: Centro Universitário Fametro - em Sociologia Política da
Unifametro (Campus Carneiro da Cunha) Educaçãoa
- Rua Carneiro da Cunha, 180, Bloco B, Data: 27 e 28/04
Jacarecanga - Fortaleza, CE Onde: Faculdade de educação - Av.
Inscrições aqui Roberto Vieira - Coroado - Manaus, AM
Mais informações aqui
Visita Mediadas pela exposição
“Mejtere: histórias recontadas” Circuito Herança Africana - VI
Data: 22/04 das 15h às 17h30 Temporada - Abril
Onde: Museu Paranaense - Rua Kellers, Data: 29/04 às 10h
289 São Francisco - Curitiba, PR Onde: Ponto de encontro na Estátua
Ingressos disponíveis aqui Merced Baptista - Largo São Francisco
da Prainha, 5, Estátua , Saúde - Rio de
Oficina | Histórias de Pano Janeiro, RJ
Data: 22/04 às 15h Ingressos aqui
Onde: Museu da Imigração do Estado
de São Paulo - R. Visc. de Parnaíba, 1316 I Congresso Internacional de
- Mooca - São Paulo, SP História da Amazônia: Cultura
Mais informações aqui Popular na Amazônia
Data: entre 2 e 4/05
II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE Onde: Fundação Universidade Federal
EDUCAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E de Rondônia - Campus BR PVH - Av.
CIDADANIA Pres. Dutra, 2965 - Olaria - Porto Velho,
Data: entre 25 e 27/04 RO. Mais informações aqui
Onde: evento online, no youtube.
Inscrições e mais informações aqui XXIX Semana Acadêmica de
História | FURB - Povos Indígenas e
Seminário Latino Americano Água Afrodescendentes: Protagonismo
e Gênero - 20ª edição Histórico, Identidades e Trajetórias
Data: 27/04 das 14h às 16h Data: entre 2 e 4/5
Veja aqui Onde: Universidade Regional de
Blumenau - 89030-903, Rua Antônio da
SEMINÁRIO TEMÁTICO III - Veiga, 140, Itoupava Seca - Blumenau,
Educação Escolar Indígena SC. Mais informações aqui
ABRIL 2023

Data: 25/04 às 19h


Veja aqui
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

Abril Indígena e III CIELCULT - IF


Goiano: Cultura Xakriabá em pauta
Data: 26/04 às 19h
Veja aqui
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OPORTUNIDADES

Edital Foco Prazo Link


7º Edição Você Para participar, os jovens Até 30 de abril de https://desenrolae-
Repórter da podem ou não estar estudando 2023 naomenrola.com.
Periferia - concluintes ou estudantes br/territorios-criati-
do ensino médio e também vos/7-edicao-do-vo-
podem ser universitários que ce-reporter-da-peri-
estejam cursando o 1º ano do feria-oferece-20-va-
ensino superior de qualquer gas-para-jovens-
curso na área de comunicação. -das-periferias-de-sp

Edital Fortalecendo O Edital é promovido pelo Até 21 de abril de https://www.gov.br/


Coletivos Ministério da Justiça e 2023 mj/pt-br/assuntos/
Segurança Pública (MJSP) e o noticias/senad-abre-
Programa das Nações Unidas -edital-para-forta-
para o Desenvolvimento lecer-coletivos-em-
(PNUD), com o apoio do -apoio-a-mulheres-
Ministério das Mulheres. O -no-ambito-da-poli-
edital irá contemplar projetos tica-sobre-drogas
voltados a mulheres em
contexto de uso de drogas ou
que são afetadas pelo tráfico,
especialmente mulheres
negras e indígenas.

Edital LGBTQIA+ O Fundo Brasil pretende Até 12 de maio https://prosas.com.


Defendendo Direi- fortalecer o respeito aos de 2023 bhttps://www.
tos 2023. direitos da população fundobrasil.org.br/
LGBTQIA+ no Brasil, garantindo edital/lgbtqia-de-
apoio institucional a fendendo-direi-
movimentos, organizações, tos-2023/
coletivos e redes que atuam
na defesa de direitos dos
grupos mais vulneráveis. O
Fundo Brasil valoriza e prioriza
propostas de organizações,
grupos e coletivos cuja
composição privilegie a
equidade racial e de gênero. É
fundamental que os projetos
lidem com a dimensão racial,
étnica e de gênero.co.
ABRIL 2023
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS
31
OPORTUNIDADES

Edital Mobilização Este edital visa apoiar a Até 20 de abril de https://www.fundo-


em defesa dos mobilização da sociedade civil 2023 brasil.org.br/edital/
espaços cívicos e da na reconstrução e inovação mobilizacao-em-de-
democracia de canais de participação e fesa-dos-espacos-ci-
controle nos processos de vicos-e-da-demo-
democratização da sociedade cracia-2/
e Estado em 2023 e 2024,
visando ao fortalecimento
da democracia e ao
enfrentamento a retrocessos
no campo das políticas
públicas e proteção dos
direitos humanos no Brasil.
Prêmio Empreende- O maior concurso de Até 30 de abril de https://
dor Social 2023 empreendedorismo 2023 premiofolha2023.
socioambiental da América prosas.com.br/
Latina, realizado pela Folha
em parceria com a Fundação
Schwab, abre inscrições para
sua 19ª edição. Em 2023, a
premiação vai dar visibilidade
a tecnologias sociais que
combatem desigualdades,
mudanças climáticas, racismo e
pobreza extrema e a soluções
inovadoras para preservar
biomas ameaçados e resolver
problemas de favelas e
periferias, como acesso à
moradia e à água.

Chamada Pública objeto o cadastro prévio de Até 29 de setem- https://prosas.


para permissão do projetos para ocupação de bro de 2023, às com.br/editais/
uso dos espaços da pautas livres na Funarte SP 17h59 11998-chamada-pu-
FUNARTE SP 2022- (Complexo Cultural Funarte blica-para-permis-
2023 SP e Teatro de Arena Eugênio sao-de-uso-dos-es-
Kusnet) por meio de permissão pacos-da-funarte-
de uso dos espaços para -sp-2022-2023
realização de atividades
artísticas e culturais, presenciais
e/ou virtuais (gravações para
transmissões online), nas áreas
de artes cênicas (circo, dança
ABRIL 2023

e teatro), artes visuais, artes


integradas e música.
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS
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OPORTUNIDADES

Elas Avançam: Am- Buscamos projetos que Inscrições contí- https://prosas.com.


bientes Prósperos promovam atividades, nuas br/editais/9048-elas-
para o Protagonis- ações de capacitação e -avancam-ambien-
mo Feminino formação profissional, tes-prosperos-para-
qualificação em tecnologia -o-protagonismo-fe-
e/ou desenvolvimento de minino
habilidades e competências
que fortaleçam as mulheres
e promovam a equidade
de gênero. Projetos que
contribuam, de forma direta
ou indireta, para a construção
de um ambiente fértil para
o protagonismo feminino
por meio de ações como
o desenvolvimento de
lideranças, o combate ao
machismo, atividades no
contraturno escolar para
crianças, a promoção da saúde
e bem-estar, o combate à
discriminação e violência de
gênero, etc.

Programa de Acele- A Phomenta, aceleradora de Inscrições contí- https://prosas.com.


ração de ONGs ONGs, está com a pré-inscrição nuas br/editais/6486-pro-
aberta para os seus programas grama-de-acelera-
de aceleração. Organizações cao-de-ongs
da Sociedade Civil de qualquer
parte do país podem se
inscrever e receber em
primeira mão as informações
quando cada programa abrir
inscrições. Os programas de
aceleração visam transformar
a gestão da organização
em um curto espaço de
tempo, entre 5 e 7 meses,
com ferramentas práticas e
conteúdos dinâmicos. São
apresentados temas diversos
como captação de recursos,
priorização, identificação
ABRIL 2023

e resolução de problemas,
inovação, empreendedorismo
REVISTA RECONEXÃO PERIFERIAS

e como conseguir parceiros.


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WWW.FPABRAMO.ORG.BR

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