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PÉS NO MUNDO
INTELECTUAIS INDÍGENAS
QUEBRANDO ESTEREÓTIPOS
Fabiane Medina
Naldo Tukano
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Em 2022, o Brasil inteiro conheceu Janaron, do povo tanto social quanto politicamente, desde a colonização
indígena Pataxó, da região de Porto Seguro (BA), durante portuguesa, no que tange aos direitos de cidadania e aos
a sua participação no programa No Limite – reality show direitos políticos. Devido ao imaginário social brasileiro
transmitido por uma grande rede de televisão. Janaron difundido pelos livros e sistemas de informação, como
chegou a liderar os trending topics do Twitter, tornando-se televisão, artigos de jornais e revistas em geral, as pessoas
um dos assuntos mais comentados nas redes sociais. indígenas são vistas como seres incapazes e mentalmente
ineptos. A própria identidade indígena é negada pelo termo
Joenia Wapichana foi a primeira mulher indígena a ser eleita pejorativo “índio”, que a relega a uma ideia idílica que faz
deputada federal, cargo que ocupou entre 2019 e 2022. Seu parte do passado.
povo, Wapichana, é originário da região de Roraima, e Joenia
representou todos nós, levando as vozes políticas dos povos A palavra “índio”, cabe dizer, é um termo que desqualifica
indígenas ao Congresso Nacional. a diversidade pluriétnica dos povos originários do Brasil.
Por meio dela, nega-se a pluralidade das culturas indígenas
Indígenas das mais variadas regiões do Brasil participam e escondem-se os indivíduos, que ficam apagados dentro
do sistema social cotidianamente. Porém, por conta de de um universo genérico no qual não aparece o agente
uma cultura nacional que nega a existência dos povos social, nem as ações que ele desempenha. Também não é
indígenas na sua integralidade, essas pessoas muitas vezes uma palavra didática, uma vez que esconde o povo ou a
são ignoradas e sistematicamente negligenciadas pelas nação originária a que esse indivíduo pertence. Assim, o
políticas nacionais. termo pejorativo “índio” diz mais acerca de quem usa esse
modo de expressão racista do que de quem é alvo dessa
No Brasil, o racismo estrutural e o preconceito epistêmico acusação difamatória. Ele está carregado de significados
estão cada vez mais fortes. E, apesar do esforço de preconceituosos, que denotam o desconhecimento e a
diversos intelectuais indígenas, as identidades étnicas aversão das pessoas em relação à história originária de
continuam sendo negadas, fazendo com que pessoas sejam uma sociedade que se identifica como brasileira, mas
desqualificadas da sua dignidade de participar do mundo rejeita e condena os laços com sua identidade ancestral.
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Ailton Krenak, ambientalista, filósofo e intelectual, reflete Os projetos nacionais de integração e assimilacionismo tiveram
acerca da palavra “índio” como sendo um equívoco. como pressuposto o genocídio e o epistemicídio da população
Isso porque, no advento da colonização, os navios indígena, marginalizando toda a cultura e os saberes dos povos
rumavam para a Índia e, por um erro de navegação, originários que habitam este país. Aqui, criou-se uma mentalidade
ancoraram no território que se tornaria o Brasil. E assim, que separa a população entre brancos, negros e “índios”. Essa
equivocadamente, nomearam as populações tradicionais separação permitiu que a elite racial representante da branquitude
deste território como “índios”, como se tivessem alcançado tivesse acesso aos direitos de cidadania, enquanto indígenas foram
a Índia, que fica em um continente muito distante daqui. excluídos dos direitos políticos e até dos direitos de dignidade da
pessoa humana.
Daniel Munduruku, escritor, intelectual e ativista indígena
do povo Munduruku, já publicou mais de 50 livros, entre Entretanto, há vários indivíduos indígenas inseridos nos mais
eles materiais didáticos. Os Munduruku, autodenominados diversos campos de atuação, que propagam a afirmação da
Wuyjuyu ou Wuy jugu, habitam o sudoeste do estado do diversidade cultural da e na sociedade brasileira. Entre seus ideais
Pará, o leste do estado do Amazonas e uma parte do oeste inclui-se a retomada da noção de dignidade que foi negada pela
do estado do Mato Grosso. Daniel procura esclarecer sociedade e pelo Estado brasileiro.
esses equívocos evocados pelo uso do substantivo
pejorativo “índio”, demonstrando o peso de injúria É nesse sentido que queremos enfatizar aqui a atuação de pessoas
racial que ele carrega: indígenas em vários campos sociais, do trabalho e do meio político,
para que sejam quebrados os estereótipos sustentados pela palavra
Quando leem minha biografia, dizem que não sou mais índio, que “índio”. Ela tanto evoca a figura de um sujeito romantizado, como
já sou “civilizado”. Eu não sou índio e não existem índios no Brasil. “o bom selvagem”, “o protetor do meio ambiente”, quanto reforça
Essa palavra não diz o que eu sou, diz o que as pessoas acham a desumanização da pessoa, denotando falta de capacidade
que eu sou. Essa palavra não revela a minha identidade, revela a técnica, falta de interesse no trabalho, falta de capacidade mental e
imagem que as pessoas têm e que muitas vezes é negativa. intelectual, ausência de noções de organização política, “preguiça”,
(Munduruku, 2017) miséria e tendência ao alcoolismo.
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PANORAMA
ECONOMIA SOLIDÁRIA EM CONJUNTO COM
HISTÓRICO A PRESERVAÇÃO AMBIENTAL
DOS POVOS
INDÍGENAS Com tantas notícias de desmatamento e destruição do
meio ambiente, os povos indígenas lutam para mudar a
mentalidade da economia brasileira.
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ARTE INDÍGENA CONTEMPORÂNEA guarani para falar da luta pela terra, da identidade indígena e
de problemas como o consumo de drogas e álcool e os altos
O grupo de teatro Liberdade PKR é formado por jovens atores índices de suicídio nas aldeias.
indígenas guarani-kaiowá da comunidade Guapo’y, localizada
no município de Amambai (MS). Tem como coordenador o Também na literatura e nas artes visuais há uma série de
professor Duadino Martines (conhecido artisticamente como indígenas de variadas etnias que sempre se destacaram
Dudu Kaiowá), também indígena da mesma etnia. na comunicação com o Ocidente. Exemplo disso é Auritha
Tabajara, a primeira mulher cordelista do país. (O cordel
Duadino ministra oficinas de teatro aos jovens a partir da ideia é um gênero literário popular no Brasil, mas até então era
de juntar a arte cênica e a arte indígena guarani e kaiowá. apenas representado por homens). Auritha é indígena do
Como tema, procura retratar os conflitos de terra entre povo Tabajara, na região do Ceará, onde o racismo estrutural
latifundiários e indígenas, questão muito delicada no estado incrustado na mentalidade do “brasileiro” predeterminou
de Mato Grosso do Sul. Com o seu trabalho, esboça aspectos não haver mais pessoas pertencentes aos povos originários
importantes da cultura guarani e kaiowá, evidenciando o – talvez pelo fato de o Nordeste ter sido o primeiro lugar
sofrimento psíquico que os estudantes indígenas vivenciam acometido pela colonização genocida e pelo desejo de ver
dentro e fora das aldeias, enfrentando problemas que geram extinto todo o povo indígena no Brasil. Todavia, Auritha
angústias, alcoolismo e até o suicídio, pelo sentimento de não e muitas outras mulheres, como Eliane Potiguara, Chirley
suportar ver a mãe-terra maltratada. Pankará, Denízia Kawany Fulkaxó e Eva Potiguar, felizmente
comprovam o fracasso da política eugenista do Estado
O rap nacional é uma expressão artística que retrata a brasileiro, estimulando um sintoma de renascimento cultural e
realidade acerca da segregação social e racial manifestada étnico dessa população.
pela sociedade. O Brô MCs é um grupo de rap formado
por indígenas residentes nas aldeias Bororó e Jaguapiru, Há muitos outros casos de grupos e pessoas indígenas que se
no município de Dourados (MS). Clemerson Batista, Kelvin destacam na literatura e no campo das artes, considerando
Mbaretê, Charlie Peixoto e Bruno Veron formam o primeiro a acepção ocidental dos termos “arte” e “estética”. Por
grupo de rap indígena do Brasil, que mistura português e isso, foi recentemente criada a chamada “Arte Indígena
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Contemporânea”, movimento estético e político defendido indígenas, como o direito de cultuar suas próprias crenças e
por vários artistas indígenas, como o artista plástico Jaider valores, originários e autóctones, e o direito de habitar seus
Esbell (1979-2021). Esbell propõe um circuito próprio de territórios tradicionais.
fruição dos signos das culturas indígenas, em interação
estética com os signos da modernidade ocidental. Apontamos como a sociedade brasileira está permeada
pelo racismo estrutural e como infelizmente esses códigos
*** e símbolos foram passados pelo sistema de educação. Esse
sistema propagou a crença equivocada de que os indígenas
Esses são alguns exemplos de como o povo indígena se estariam fadados à extinção, à medida que entrassem em
destaca em todas as áreas da sociedade, seja em cenários contato com os signos do mundo ocidental – como se não
nacionais, seja em internacionais. fôssemos gente!
Usamos tais exemplos para desconstruir os estereótipos No entanto, o que concluímos é que o mundo ocidental
em torno do significado da palavra “índio”, que, como produziu um saber limitado e raso acerca da força
vimos, remete a um retrato sociológico dos povos indígenas regenerativa da cultura indígena, e hoje a principal frase
como seres do passado, como pessoas incapazes que que nos define – sendo muito utilizada pelos intelectuais
necessitam da tutela do Estado. No entanto, a verdade é indígenas da atualidade – é: “podemos ser quem você é sem
que nos encontramos marginalizados na interação com a deixar de ser quem somos” (Movimento Intelectual Indígena).
modernidade ocidental, por sua mentalidade perniciosa,
propagada por setores dominantes com a finalidade de
expropriar as terras ancestrais.
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ATIVIDADES
4) Arte indígena: vamos conhecê-la? Os indígenas estão
inseridos em vários espaços da vida e da cultura brasileiras, e
na música não é diferente. Como sugestão de atividade, assista
1) E se a história do Brasil fosse contada pelos povos originários?
aos clipes da MC Anarandá e dos Nativos MCs e, a partir do
Que tal convidar um(a) escritor(a) indígena para um bate-papo
texto sugerido neste material, convide os alunos a produzir
presencial ou por meio de videoconferência e promover uma
desenhos, pinturas, músicas e danças dos povos indígenas que
roda literária ou contação de história na sua escola, sala de aula
eles conhecem.
ou atividade pedagógica? A partir do debate com o(a) autor(a)
indígena, desenvolva um texto dissertativo junto com seus
MC Anarandá: <https://www.youtube.com/watch?v=e3On2NZxJF0>
alunos sobre a diversidade indígena no Brasil.
Nativos MCs: <https://www.youtube.com/watch?v=wHWBa-Gnw8Q>
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6) Você conhece o Jogo da Onça? Trata-se de um jogo de Vocês precisarão de 15 objetos, um para simbolizar a onça
estratégia, de origem indígena, indicado para 2 participantes. e os outros para representar os cachorros. Podem ser
O objetivo é capturar 5 cachorros (para quem está jogando utilizados tampinhas, feijões, miçangas, botões ou outros
com a onça) ou encurralar a onça (para quem está jogando itens. É importante que um dos objetos tenha formato, cor ou
com os cachorros). tamanho diferente para distinguir a onça dos cachorros.
Com a ajuda dos alunos, desenhe, no chão ou em um papel, As peças podem andar em todas as direções, uma casa por
um tabuleiro conforme a figura abaixo: vez, mas somente a onça pode saltar os cachorros para
comê-los, como no jogo de damas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KRENAK, Ailton. Discurso na Assembleia Constituinte. Disponível em:
ALMEIDA, Roberto. “A força feminina da Pimenta Baniwa”. Instituto <https://youtu.be/kWMHiwdbM_Q>
Socioambiental (ISA), 22 jun. 2018. Disponível em: <isa.to/2lqrsrI>;
<https://www.youtube.com/watch?v=pBqiCsrU7yQ> ______. [Entrevista concedida a] Marcelo Tas, Provocações. São
Paulo: TV Cultura, 6 ago. 2019. Disponível em:
APIB: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=dBk8gk-cOec>
<https://apiboficial.org/>
MARTINS, Rafael D’Almeida e UNTERSTELL, Natalie. “Comércio justo,
CRUZ, Fabiane Medina da; GONÇALVES, Daniele Lorenço; CARDOSO, saberes locais e articulação de atores: lições do projeto Arte Baniwa
Valdevino G.; MACHADO, Almires M. “Sociologia da Educação no Brasil”. Administração Pública e Gestão Social, v. 1, n. 4, pp. 358-
Indígena ou Manifesto por uma epistemologia própria da Educação 378, out./dez. 2009.
Indígena”. In: MARTINS, Rogéria; FRAGA, Paulo (orgs.). O ensino da
sociologia nas modalidades diferenciadas de ensino: experiências, MUNDURUKU, Daniel. “Eu não sou índio, não existem índios no
reflexões e desafios. Rio de Janeiro: Gramma, 2018, pp. 49-61. Brasil”. [Entrevista concedida a] Nonada, 21 nov. 2017. Disponível em:
<https://www.nonada.com.br/2017/11/daniel-munduruku-eu-nao-
GALERIA JAIDER ESBELL DE ARTE INDÍGENA CONTEMPORÂNEA: sou-indio-nao-existem-indios-no-brasil/>
<https://www.galeriajaideresbell.com.br/>
PROJETO ARTE BANIWA. Disponível em: <https://artebaniwa.org.br>
KAIOWÁ, Dudu (perfil), Grupo de teatro Liberdade PKR.
Disponível em: SANÖMA – cogumelo Yanomami. Disponível em:
<https://www.portaldedramaturgia.com/profile/dudu-kaiowa> <https://cogumeloyanomami.org.br/>
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MINIBIOGRAFIA
DOS AUTORES
NALDO TUKANO
Indígena do povo Ye’pa Mahsã (Tukano), é filho de Uremirĩ
(Dionísio Borges Costa), do povo Ye’pá Mahsã, e de Dada
(Etelvina Teixeira Almeida), pertencente ao povo Tariana.
Segundo filho de seis irmãos, nasceu em 28 de outubro de
1990, na comunidade de Pari-Cachoeira (AM), fronteira entre
Brasil, Colômbia e Venezuela. É linguista e coordenador da Ité
Editora Indígena e da revista indígena Hori.
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P UBLIC AÇÃO E DU C ATI VA
DESE N VOLV IDA PA RA A E X P O SI Ç ÃO
C O R AÇ ÃO N A A L D E I A , P É S N O M U N D O
8 DE N OV E M B RO D E 202 2
A 30 DE AB RIL DE 202 3
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Tel.: +55 19 3437 9292
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