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Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa - Capa 6mm.

pdf 1 11/06/2015 14:50:00

1ª edição
Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa
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FONÉTICA E
FONOLOGIA DA
LÍNGUA PORTUGUESA

autora
ROZANGELA NOGUEIRA DE MORAES

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2015
Conselho editorial  luis claudio dallier; roberto paes; gladis linhares; karen
bortoloti; marilda franco de moura

Autor do original  rozangela nogueira de moraes

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gladis linhares

Coordenação de produção EaD  karen fernanda bortoloti

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Imagem de capa  jessica fox | dreamstime.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

M827f Moraes, Rozangela


Fonética e fonologia da língua portuguesa / Rozangela Moraes.
Rio de Janeiro : SESES, 2015.
136 p. : il.

isbn: 978-85-5548-023-2

1. Fonética. 2. Fonologia. 3. Língua portuguesa. 4. Fonêmica.


I. SESES. II. Estácio.
cdd 469.5

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. O Processo de Fonação e a
Representação dos Sons da Fala 9

Objetivos 10
1.1  História dos Estudos Fonéticos 11
1.2  Aplicação da Fonética 12
1.3  O processo de fonação e o aparelho fonador 14
1.3.1  Mecanismo de corrente de ar 20
1.3.2  Articulador ativo e articulador passivo 21
1.3.3  Modos de articulação 22
1.3.4  Lugares de articulação 24
1.3.5  O papel das cordas vocais 26
1.4  Transcrição fonética 28
1.5  Transcrição fonética 30
Atividades 35
Reflexão 38
Referências bibliográficas 39

2. A Análise Fonética e Fonológica 41

Objetivos 42
2.1  Tática e Fonologia 43
2.2  Fonética: definição e objeto de estudo 44
2.3  Áreas de interesse da fonética 46
2.3.1  Fonética articulatória 46
2.3.2  Fonética auditiva 47
2.3.3  Fonética acústica 47
2.3.4  Outras classificações 47
2.4  Segmentos fônicos 48
2.4.1  Segmentos vocálicos 49
2.4.1.1  Encontros Vocálicos 52
2.4.2  Segmentos Consonantais 54
2.5  Fone, fonema e alofone 56
2.5.1  Os fonemas 56
2.5.2  Os Alofones 57
2.5.3  A Comutação no reconhecimento de
fonemas e alofones 59
Atividades 60
Reflexão 61
Referências bibliográficas 61

3. Classificação Articulatória das Vogais e


das Consoantes; Transcrição Fonológica -
Processos Fonológicos 63

3.1  Transcrição fonética e transcrição fonológica 65


3.2  Aplicações e limitações do alfabeto fonético 66
3.3  Fonemas e variantes 69
3.4  Arquifonema e Neutralização 70
3.5  Processos fonológicos na análise fonológica 70
3.5.1  Processos fonológicos por inserção de segmentos: 71
3.5.2  Processos fonológicos por supressão de segmentos: 72
3.5.3  Processos fonológicos por alteração de segmentos
são as mudanças sofridas por alguns fonemas em resultado
da influência de outros fonemas que lhe estão próximos 72
Atividades 76
Reflexão 76
Referências bibliográficas 77
4. O Estudo da Sílaba e Noções de Prosódia:
Acento, Ritmo e Entoação. 79

Objetivos 80
4.1  Noções de prosódia: acento, ritmo e entoação. 81
4.2  Sílaba 82
4.2.1 Onset Silábico 84
4.2.2  Coda Silábica 85
4.3  Classificação da sílaba 86
4.4  Tonicidade 86
4.4.1  Acento tônico e acento gráfico 86
4.4.2  Classificação das palavras quanto à
posição da sílaba tônica 88
4.5  Encontros vocálicos 90
4.5.1 Ditongo 90
4.5.2 Hiato 91
4.5.3  Tritongo 92
4.6  Encontros consonantais 92
4.7 Dígrafos 94
4.8  Letra diacrítica 95
Atividades 97
Reflexão 98
Referências bibliográficas 99

5. Fonologia e Ensino de Ortografia 101

Objetivos 102
5.1 Ortografia 103
5.1.1  Acordo ou desacordo ortográfico? 103
5.2  Regras sobre o emprego de algumas letras 105
5.2.1  Vogais átonas: uso do “e” e do “i”. 105
5.2.2  Uso da vogal “e” 105
5.2.3  Uso da vogal “i” 105
5.2.4  Uso da letra G 106
5.2.5  Uso da letra J 106
5.2.6  Emprego da letra S 106
5.2.7  Uso de SS 107
5.2.8  Emprego da letra Z 107
5.2.9  Uso da letra X e do dígrafo CH 108
5.3  Acentuação gráfica 109
5.3.1  Monossílabos tônicos 109
5.3.2  Palavras oxítonas 110
5.3.3  Palavras paroxítonas 110
5.3.4  Palavras proparoxítonas 111
5.3.5  Hiatos acentuados 111
5.4  Acento agudo indicador da crase 112
5.5 Trema 114
5.6 Hífen 114
5.7 Prosódia 119
5.7.1  Palavras oxítonas 120
5.7.2  Palavras paroxítonas 120
5.7.3  Palavras proparoxítonas 120
5.7.4  Algumas palavras que admitem dupla prosódia 120
5.8  Representação gráfica dos sons: os sistemas ortográficos 120
5.9  Algumas observações sobre o Novo Acordo Ortográfico 122
Atividades 126
Reflexão 128
Referências bibliográficas 128

Gabarito 129
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

A gramática normativa da língua portuguesa divide-se em quatro grandes


áreas: fonética e fonologia, morfologia, sintaxe e semântica. Neste livro, iremos
iniciar nossos estudos acerca de fonética e fonologia, portanto, caro aluno, seja
bem-vindo à disciplina Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa. Iremos, ao
longo dos cinco capítulos que compõem esse livro, levantar algumas discus-
sões acerca da importância da fonética e da fonologia para o ensino-aprendiza-
gem da língua portuguesa.
Deste modo, faz-se necessário, ao longo desta disciplina, identificar e apli-
car, em procedimentos de análise linguística, conceitos referentes à fonética e
à fonologia; associar alterações ocorridas no subsistema fonológico aos demais
subsistemas linguísticos; reconhecer a diversidade linguística no plano fonoló-
gico; interpretar as interferências fonológicas no registro escrito, assim como
desenvolver estratégias de ensino de ortografia.
Para uma compreensão mais detalhada a respeito da disciplina Fonética e
Fonologia da Língua Portuguesa, a qual dá sustentação à formação da prática
docente, a princípio, iremos caracterizar a fonética e a fonologia e aprender a
empregar o alfabeto fonético internacional nas transcrições fonética e fonoló-
gica. Na sequência, iremos classificar os segmentos dos sistemas fonológico e
fonético do português brasileiro, assim como identificar os processos fonoló-
gicos de assimilação, harmonização vocálica, debordamento, neutralização e
arquifonema. Trataremos também da sílaba, partindo da análise da sílaba em
português e da descrição dos padrões silábicos da língua portuguesa.
Vale destacar que não se pode estudar a fonética pura sem ter como base
uma visão geral das funções (da forma), assim como não conseguimos descre-
ver suas funções sem uma definição das distinções e oposições em termos de
diferenças sonoras condicionadas, por sua vez, às diferenças de articulação
(MALMBERG, 1993, p. 12).
Com a disciplina Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa pretendemos
oferecer ferramentas para auxiliá-lo, propiciando um embasamento teórico, e
atividades práticas para sua formação.

7
Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa está organizado em cinco capí-
tulos, estruturados do seguinte modo:

•  Capítulo 1 – O processo de fonação e a representação dos sons da fala


•  Capítulo 2 – A análise fonética e fonológica
•  Capítulo 3 – Classificação articulatória das vogais e das consoantes; trans-
crição fonológica – processos fonológicos
•  Capítulo 4 – O estudo da sílaba e noções de prosódia: acento, ritmo e en-
toação.
•  Capítulo 5 – Letra e fonema; fonologia e ensino de ortografia

Conto com a sua participação efetiva na construção de todo esse conheci-


mento por meio da realização de muitas leituras e uma busca incessante pela
informação.

Bons estudos!
1
O Processo de
Fonação e a
Representação dos
Sons da Fala
Neste primeiro capítulo, iremos caracterizar a fonética e a fonologia para que
sejamos capazes de reconhecer suas aplicações em diversas áreas. Iniciamos
nosso estudo sobre a fonética, com a apresentação de uma síntese históri-
ca dos estudos fonéticos e com referência aos principais autores e pesquisas
que contribuíram para o estabelecimento dessa área da Linguística. Também
trataremos do objeto de estudo e da metodologia da fonética, apresentando
alguns conceitos, definições e classificações.

OBJETIVOS
Que você seja capaz de:

•  Conhecer a história dos estudos fonéticos;


•  Reconhecer as aplicações dos conhecimentos de fonética e da fonologia em diversas
áreas;
•  Compreender o processo de fonação;
•  Identificar as partes constituintes do aparelho fonador;
•  Reconhecer a necessidade de adoção de um alfabeto fonético para a descrição dos sons
da fala;
•  Conhecer os alfabetos fonéticos existentes;
•  Identificar a diferença entre o emprego dos símbolos do alfabeto ortográfico e os símbolos
do alfabeto fonético.

10 • capítulo 1
1.1  História dos Estudos Fonéticos
A fonética e a fonologia são consideradas áreas da Linguística. Ambas estudam
os sons da fala, ainda que com pontos de vista diferentes. Mais adiante, vamos
examinar as semelhanças e, principalmente, as diferenças entre as duas. Antes,
porém, vamos nos deter num breve relato da história dos estudos fonéticos.
Quando começaram os estudos relacionados com a fonética?
Lopes (2005, p. 97) afirma que o termo “fonética” é aplicado desde o século
XIX para se referir aos estudos dos sons da voz humana e de suas propriedades
físicas, no entanto, isso não quer dizer que a preocupação ou o exame de ques-
tões relacionadas com os sons da fala sejam tão recentes assim.
Se a fonética se estabelece como disciplina no século XIX, os estudos e os
esforços que resultaram no seu estabelecimento são bem anteriores. Cagliari
(2006) chega a afirmar que a fonética “é a preocupação mais antiga da huma-
nidade com relação à linguagem”. Essa afirmação leva em conta o fato de que
os criadores de sistemas de escrita precisaram observar a fala para formar os
sistemas de escrita. Ao criarem um sistema de escrita, acabavam contribuindo
para o surgimento da ortografia, pois a escrita não poderia sofrer variações sem
que houvesse algum tipo de controle ou norma.
Os estudiosos ou gramáticos que se ocupavam da ortografia eram pesquisa-
dores que procuravam explicar os mecanismos de produção dos sons da fala.
Seus estudos foram avançando até que, no século XVIII, experimentou-se uma
grande virada. Foram feitas importantes descobertas arqueológicas que impu-
seram a necessidade de estudar escritas antigas e, consequentemente, isso le-
vou a uma preocupação com a origem das línguas.
No século XIX, os estudos que procuravam comparar as línguas e investigar
a origem de determinada língua levaram os comparatistas a “definir a fonética
em bases mais sólidas” (CAGLIARI, 2006).
No século XIX, na Europa, desenvolveram-se os estudos fonéticos sob a for-
ma de filologia histórico-comparativa indo-europeia, não ocorrendo uma con-
ceituação clara de fonética. Trabalhava-se com o estudo de textos literários e
religiosos antigos. Sob a abordagem fonética, costuma-se dizer que o estudo
das correspondências sistemáticas parciais entre os sons de palavras, equiva-
lente em diferentes línguas como resultado de mutações no tempo e no espaço
geográfico, foram observadas por Jacob Grimm, em 1822.

capítulo 1 • 11
Sabe-se que, na passagem do século XIX para o XX, assistiu-se a um desenvolvimen-
to científico, tecnológico e industrial que produziu impactos e consequências impor-
tantes em várias áreas do pensamento, com repercussões no mundo acadêmico.
Na área dos estudos dos sons da voz humana, esse avanço se fez notar na cria-
ção de laboratórios e produção de equipamentos para análise da fala. Alguns des-
ses equipamentos são o quimógrafo, o raio-x e o palatógrafo, entre outros.
A partir desse período, de acordo com Cagliari (2006), a fonética seguiu dois
caminhos paralelos. O primeiro está relacionado com uma “longa tradição e se
dedicava ao estudo dos mecanismos de produção dos sons da fala”.
A relação entre Fonética e Fonologia é outro aspecto histórico importante.

Na verdade, a fonética sempre esteve ligada aos estudos linguísticos, como mostram
as gramáticas antigas. Com F. de Saussure, houve uma ruptura teórica, mas não práti-
ca. Tanto isso é verdade que foi justamente dentro da abordagem estruturalista que a
Fonética teve seu desenvolvimento mais significativo.
CAGLIARI, 2006

Cagliari (2006) chamou a atenção para o fato de que, na segunda metade do


século XX, ocorreu uma ponte importante entre fonética e fonologia com os tra-
balhos do linguista R. Jakobson, do engenheiro G. Fant e do fonólogo M. Halle.
Eles uniram características articulatórias, auditivas e acústicas dos sons. A fo-
nética passou, então, a dedicar-se mais a outros níveis de análise linguística.

1.2  Aplicação da Fonética


A fonética tem uma aplicação ou interface imediata com a fonologia, no entanto
podemos listar outras áreas nas quais se percebe a aplicação dos estudos fonéticos.

Além de dar suporte aos estudos de fonologia e de outras áreas da linguística, a pesqui-
sa fonética tem contribuído enormemente para o desenvolvimento de tecnologias que
se utilizam dos elementos sonoros da fala, como a engenharia de telecomunicações,
sobretudo a telefonia, as ciências da computação, com especial referência à produção de
programas de produção e reconhecimento da fala.
CAGLIARI & MASSINI-GAGLIARI, 2004, p. 107

12 • capítulo 1
Outra aplicação fundamental da fonética está situada no processo de alfa-
betização e nos procedimentos de escrita e leitura.

A fonética contribui para os estudos do processo de alfabetização, da leitura e da formação


e do uso dos sistemas de escrita. Contribui também para o estudo específico de alguns as-
pectos da teoria literária, como os estudos sobre poética, metrificação, estilística e até para
mostrar características textuais relacionadas, por exemplo, com as atitudes do falante. Essas
interfaces têm ajudado a fonética a se interessar por aspectos da linguagem oral que nem
sempre tiveram um destaque e uma atenção especial. Obviamente, a grande preocupação da
Fonética é com o sistema da língua e, nesse sentido, as pesquisas fonéticas, mesmo estando
ligadas a áreas extralinguísticas, passam por uma reinterpretação fonológica e de outras áreas
da linguística e não acabam fora dos estudos linguísticos.
CAGLIARI, 2006

A fonética também tem se mostrado muito útil no tratamento de questões


referentes à aprendizagem de língua estrangeira. Questões relacionadas com
pronúncia e exercícios de produção e de reconhecimento dos sons da língua
que será aprendida são trabalhadas a partir das contribuições da fonética.

A importância de se aprender a fonética ao se estudar uma língua deve-se ao fato de,


geralmente, pensarmos na palavra como ela é escrita e não como ela é dita ou percebi-
da por um ouvinte. Ao estudar a fonética, o aluno vai perceber que a maneira como ele
acredita que seja o som de uma palavra pode não corresponder ao seu som verdadeira-
mente. Isto acontece primeiramente porque os alunos estão bastante ligados à escrita e
segundo porque, geralmente, sua noção do que sejam os sons das palavras é equivocada.
SOUZA, 2009, p. 37

Comentando o primeiro encontro de foneticistas promovido pela Sociedade


Brasileira de Fonética, Mirian Machado faz uma síntese das aplicações dos es-
tudos fonéticos:

Quanto à aplicação da fonética, foi ressaltado que seu campo mais importante está no
ensino das línguas estrangeiras e lembrado que, na aprendizagem de uma pronúncia
estrangeira, deve-se levar em consideração não apenas as diferenças das realizações

capítulo 1 • 13
fonéticas (diferenças de substância) entre duas línguas, como também as diferenças de for-
ma (de sistema fonológico). Em seguida, entre outras aplicações, foram apresentadas as con-
tribuições da fonética nos tratamentos dos distúrbios da fala; mostrada a grande importância
dos resultados das pesquisas modernas em fonética acústica e perceptiva, para a técnica da
transmissão dos sons linguísticos e ressaltados os seus inúmeros empregos na telefonia, na
gravação sonora, na construção dos microfones, dos alto-falantes etc.
(MACHADO, 2004)

Albano (1999) salienta o lugar dos foneticistas nos estudos e trabalhos que
dependem da explicação da dinâmica da produção dos sons:

Dentre tudo que cabe aos foneticistas explicar, destaca-se o processo de produção, por
seu acesso mais fácil à observação e pelo papel que lhe atribuem alguns autores no próprio
processo de percepção. Muito do esforço da fonética contemporânea vem, pois, concen-
trando-se na tentativa de explicar a dinâmica do trato vocal na produção dos sons de fala.
(ALBANO, 1999)

Outra aplicação da fonética está relacionada com seu uso na área forense.
Daí se falar em fonética forense.
Considerada um ramo da fonética acústica, a fonética forense está voltada
para identificação de falantes, autenticação de gravações e até aumento da in-
teligibilidade de gravações que se apresentam degradadas.
A fonética forense procura identificar e analisar os traços característicos de
um falante, desvendando ou confirmando sua origem regional e social, identi-
ficando seu estado emocional e levantando outros dados que podem ser inferi-
dos com a fala. Muito utilizada no campo da criminalística, a fonética forense
vem recebendo cada vez mais visibilidade na mídia em função das perícias re-
lacionadas com casos policiais de grande repercussão.

1.3  O processo de fonação e o aparelho fonador


Você sabia que os órgãos que utilizamos na produção da fala não tem como fun-
ção primária a articulação de sons? Isso mesmo. Na verdade não existe nenhu-
ma parte do corpo humano cuja única função esteja relacionada à fala. Para

14 • capítulo 1
produzir a fala ou qualquer outro som, usamos o aparelho fonador. Vamos ago-
ra aos detalhes acerca do assunto aqui tratado.
Para desempenhar a função da fala, ativamos três sistemas compostos por
vários órgãos do corpo humano. São eles: o sistema respiratório, o sistema fo-
natório e o sistema articulatório.
Todos os órgãos que fazem parte do aparelho fonador não são utilizados
exclusivamente para a produção da fala e possuem diversas funções. O sistema
respiratório compreende os pulmões, os músculos pulmonares, os brônquios e
a traqueia; o sistema fonatório, a laringe e do sistema articulatório fazem parte
a faringe, a língua, o nariz, o palato, os dentes e os lábios.
Borba (1998, p. 101-102) apresenta a função da fala atrelada ao chamado
órgão das articulações. O órgão das articulações seria o aparelho respiratório
(também chamado de aparelho fonador); laringe e cavidades supraglóticas.
Lopes (2005, p. 100) apresenta a seguinte composição para o aparelho fona-
dor (ou aparelho respiratório):

UM CONJUNTO que inclui os pulmões, cuja função é a de fornecer


RESPIRATÓRIO a corrente de ar;
PROPRIAMENTE DITO

composto da laringe, cujo lado externo corresponde


ao pomo de Adão e em cujo lado interno se localiza
a glote; da glote, que é o espaço que medeia entre
UM CONJUNTO as duas cordas vocais, podendo abrir-se ou fechar-
ENERGÉTICO se, conforme a movimentação de stas; e das cordas
vocais, um par de membranas que se aproximam ou
se afastam uma da outra, durante o ato da fonação;

composto da faringe, que é uma encruzilhada de


onde o ar expirado é dirigido para a boca ou para
UM CONJUNTO o nariz, consoante o fechamento/abertura do véu
RESSONADOR palatino; dos órgãos bucais, isto é, língua, dentes,
palato, véu, lábios e úvula; e das fossas nasais.
LOPES, 2005, p. 100

capítulo 1 • 15
CONEXÃO
Você pode ter acesso a um banco de imagens e animações sobre o aparelho fonador no link
a seguir: <http://www.cefala.org/fonologia/galeria_indice.php>

A articulação dos sons linguísticos seria, então, o resultado da atuação con-


junta de todos esses órgãos.

Cavidades nasais
palato duro
Véu do palato
Médio-palatal Pré-molar
Pré-palatal Pós-palatal
Pós-molar

Boca
Médio dorsal
Dentes
Pré-dorsal Dorso Pós-dosal
Lábios
Ponta Língua Raiz
Úvula

Faringe

Laringe

Cordas
vocais

Aparelho fonador, BABINI, 2002.

16 • capítulo 1
Apresentamos, agora, uma lista dos principais elementos ou partes envol-
vidas na fala.

10

13 11
8
12
15
9

7
14

17
16

3, 4, 5

Partes envolvidas na fala, SANTOS; SOUZA, 2003, p. 13.

1. Pulmões: são a principal fonte de ar para a produção de sons da fala (...)


Os pulmões são conectados à traqueia por dois tubos bronquiais.
2. Traqueia: vai dos tubos bronquiais até a laringe e é responsável pela
maior fonte de energia para a produção dos sons da fala. É formada por anéis
cartilaginosos que se mantêm unidos por uma membrana.
3. Laringe: trata-se de uma válvula cuja função principal é controlar o ar
que sai e entra nos pulmões, além de impedir que alimentos entrem nos pul-
mões. É formada por várias cartilagens. Algumas dessas cartilagens se movi-
mentam, entre elas as cartilagens a que se ligam as cordas vocais.
4. Cordas vocais: não são cordas, mas ligamentos de tecido elástico que es-
tão unidos às cartilagens aritenoides (na parte de trás, chamada de posterior, da
laringe) e à tireoide (localizada na parte da frente, chamada de anterior, da laringe)
na laringe. Dessa maneira, as cordas vocais são fixas na tireoide e seu movimento

capítulo 1 • 17
de abertura se dá pelo movimento das cartilagens aritenoides. A abertura ou fecha-
mento dessas cartilagens faz com que as cordas vocais se abram ou fechem em di-
ferentes graus, provocando alterações na corrente de ar que vem do pulmão.
5. Glote: é o espaço, a abertura entre as cordas vocais, que pode assumir
diferentes formas, a depender da posição das cordas vocais.
6. Epiglote: cartilagem em forma de colher, cuja função é fechar a laringe,
de modo que o alimento não entre na laringe e, portanto, nos pulmões.
7. Faringe: é um tubo muscular com forma de um cone invertido, que vai
da glote à base do crânio. Através dele, ocorre a passagem do ar para a respira-
ção e para a fonação (via traqueia) e do alimento ingerido (via esôfago). Ela se
divide em oro-faringe (que vai da glote até o véu palatino) e naso-faringe (do véu
palatino até as fossas nasais).
8. Véu palatino: também conhecido como palato mole. Trata-se da conti-
nuação do céu da boca (escorregue a língua pelo céu da boca que é possível sen-
tir quando não há mais osso, o que deixa o tecido muscular mole). Esse tecido
muscular termina na úvula. Ele se move para cima de modo a impedir a passa-
gem do ar pela cavidade nasal, permitindo sua passagem apenas pela cavidade
oral. Quando o véu palatino está abaixado, a passagem velo-faringal encontra-se
aberta e o ar pode passar pela cavidade nasal.
9. Úvula: a conhecida ‘campainha’. Trata-se de um prolongamento do véu
palatino.
10. Cavidade nasal: o espaço entre a passagem velo-faringal e as fossas na-
sais. Quando o véu palatino está abaixado, o ar transita por essa passagem. É
separado da cavidade oral pelo palato duro.
11. Palato duro: parte superior da cavidade bucal, fica à frente do véu pa-
latino, logo atrás da arcada alveolar. É fixa e óssea. Também é conhecida como
abóbada. Ocupa dois terços do palato.
12. Cavidade oral: formada pelos lábios, dentes, mandíbula e língua.
Dentro dela destacam-se, ainda, os alvéolos.
13. Arcada alveolar: parte óssea atrás dos dentes superiores, antes do pa-
lato duro.
14. Dentes: influem na fonação porque podem impedir, total ou parcial-
mente, a passagem de ar.
15. Lábios: duas pregas que marcam o final da cavidade oral e do trato vo-
cal. Sua constituição muscular permite grande plasticidade e mobilidade, alte-
rando a forma da cavidade oral.

18 • capítulo 1
16. Mandíbula: ou maxilar inferior. Graças à sua mobilidade, permite tam-
bém alterações na cavidade oral.
17. Língua: trata-se de um grande músculo extremamente plástico e móvel ,
responsável pelas maiores modificações do volume e da geometria da cavidade
oral. (SANTOS; SOUZA, 2003, p. 13-15).

Podemos, ainda, acrescentar as diferentes partes da língua utilizadas na


produção dos sons

3 4
2
1
5
6

Partes da língua, SANTOS; SOUZA, 2003, p. 15

Com base na figura anterior, que representa “um corte sagital do trato vocal
com as diferentes partes da língua identificadas”, temos: 1. Ponta da língua; 2.
Lâmina; 3. Centro; 4. Dorso; 5. Raiz e 6. Sub-lâmina (SANTOS; SOUZA, 2003, p.
15).

capítulo 1 • 19
1.3.1  Mecanismo de corrente de ar

Os sons produzidos pelo ser humano são, em sua maioria, calcados no meca-
nismo da corrente de ar. A corrente de ar pode ser pulmonar, glotálica ou velar.
A corrente de ar pulmonar está relacionada com o ar que sai dos pulmões
em direção à boca, realizado pelo movimento do diafragma. Esse mecanismo é
utilizado normalmente no ato de respirar. Na língua portuguesa, os segmentos
consonantais são produzidos com esse mecanismo, ou seja, a corrente de ar
pulmonar. Todas as línguas utilizam o mecanismo de ar pulmonar.
A corrente de ar glotálica ou faringal está relacionada com o uso da “cor-
rente de ar que está cima da glote fechada, e inicia a corrente de ar através do
movimento da laringe para cima e para baixo” (SANTOS; SOUZA, 2003, p. 16).
Vale destacar que na língua portuguesa, não ocorre o mecanismo de corren-
te de ar glotálico.
A corrente de ar velar ou oral se dá “dentro da cavidade oral por meio do
levantamento da parte posterior da língua, que entra em contato com o véu
palatino fechando a parte posterior da cavidade oral e, na parte anterior, pelo
fechamento dos lábios ou pelo contato da língua com o céu da boca” (SANTOS;
SOUZA, 2003, p. 16). Esse mecanismo de corrente de ar ocorre, na língua por-
tuguesa, em algumas exclamações de deboche e negação (SILVA, 2005, p. 27).
Novamente, um exemplo de clique de Clark & Yallop (1995:18) nos ajuda a
entender (a corrente de ar velar): a língua esta ‘colada’ no céu da boca. Quando
ela se move para baixo, a corrente de ar produz um som como aquele realiza-
do para indicar desaprovação, representado como tsttst na linguagem escrita.
(SANTOS; SOUZA, 2003, p. 16) A corrente de ar pode ser também classificada
como egressiva ou ingressiva.
A corrente de ar egressiva está relacionada com os sons produzidos com o
ar se dirigindo para fora dos pulmões e “expelido por meio da pressão exercida
pelos músculos do diafragma” (SILVA, 2005, p. 27). Temos os segmentos conso-
nantais do português como exemplo de corrente de ar egressiva.
A corrente de ar ingressiva é aquela na qual os sons são produzidos como ar
se dirigindo “de fora para dentro dos pulmões (como se estivéssemos “engolin-
do” ar). A corrente de ar ingressiva ocorre em exclamações de surpresa de certos
falantes do francês e não ocorre em português” (SILVA,2005, p. 27).

20 • capítulo 1
De acordo com Clark e Yallop (1995 apud (SANTOS; SOUZA, 2003, p. 16),
“não há línguas que utilizem a corrente pulmonar ingressiva para a produção
de sons distintivos (fonemas)”.
De acordo com o que apresentamos sobre o mecanismo da corrente de ar,
podemos agora sintetizar as informações no quadro a seguir, elaborado com
base em Santos & Souza (2003, p. 17).

INDICADOR DA LINGUAS QUE UTILIZAM


DIREÇÃO DO AR
CORRENTE DE AR ESSES SONS

Egressivo Todas as línguas


PULMONAR Ingressivo Não há línguas conhecidas

Egressivo haussá, haida, uduk, wintu


GLOTAL Ingressivo igbo, sindhi, lendu, maidu

Egressivo Não há línguas conhecidas


VELAR Ingressivo nama, zulu, yei, dahalo, xhosa...

SANTOS; SOUZA, 2003, p.17

1.3.2  Articulador ativo e articulador passivo

Os articuladores ativos são aqueles que se movimentam em direção ao articula-


dor passivo. São eles: o lábio inferior, a língua, o véu palatino e as cordas vocais.
A movimentação desses articuladores é ativa em função dos deslocamentos
que fazem em direção aos articuladores passivos. São eles que modificam o tra-
to vocal na articulação consonantal.
Os articuladores passivos, ao contrário dos articuladores ativos, não se des-
locam. Não se comportam de modo ativo na produção do som, embora sejam
partes integrantes e indispensáveis. Os articuladores passivos são: o lábio supe-
rior, os dentes superiores e o céu da boca.

capítulo 1 • 21
Quando dizemos, por exemplo, que uma consoante é bilabial, labiodental,
alveolar, palatal, estamos descrevendo o lugar onde ocorre a articulação para
que o som seja produzido.
Em palavras como pá, boa e má, para se articularem os sons consonantais é
preciso que o lábio inferior (articulador ativo) vá ao encontro do lábio superior
(articulador passivo). Do contato entre os lábios é que a articulação do p, do b e
do m é realizada. Por isso, denominamo-nas de bilabial.
Para compreender bem toda a movimentação e o contato realizados pelos ar-
ticuladores é interessante saber, dentre outras coisas, que a língua (articulador
ativo) apresenta várias partes: o ápice, a lâmina, a parte anterior, a parte medial e
a parte posterior; assim como o céu da boca (articulador passivo), que é composto
pelos alvéolos, pelo palato duro, pelo véu palatino ou palato mole e pela úvula.

1.3.3  Modos de articulação

Além do lugar onde ocorre a articulação, ou seja, da posição do articulador ativo


em relação ao passivo, existem modos/maneiras de realizar essas articulações.
O que determina se uma consoante é oclusiva, fricativa ou vibrante é o modo
como a corrente de ar, quando expulsa dos pulmões, é obstruída para produzir
os segmentos consonantais, que podem ser:

São sons produzidos com um bloqueio completo à corrente


OCLUSIVOS de ar em algum ponto do aparelho fonador, desde a glote até
os lábios (ex.: as consoantes grifadas em pato; gado).

São sons produzidos com um bloqueio à corrente de ar na


cavidade oral, com concomitante abaixamento do véu pala-
NASAIS tino, o que permite a saída da corrente de ar pelas narinas
(ex.: somo; sono; sonho).

São sons produzidos com um estreitamento em qualquer


parte do aparelho fonador (da glote até os lábios), de tal
FRICATIVOS modo que o ar fonatório, passando por essa parte, produza
fricção. (Ex.: faca; vaca; saca; jaca).

22 • capítulo 1
São sons que representam um bloqueio completo à corrente
de ar dentro da cavidade oral, em sua parte inicial, e uma
obstrução que produz fricção, durante a parte final de sua
articulação (ex.: tia; dia, no dialeto carioca). Como se trata de
um som único, a representação fonética desses sons é feita
AFRICADOS por meio de dígrafos, com o primeiro elemento representan-
do uma consoante oclusiva e o segundo, uma fricativa. Para
que um som seja considerado uma africada e não apenas
uma sequência de oclusiva mais fricativa, a articulação de
ambas as partes deve ser “homorgânica”, ou seja, ocorrer no
mesmo lugar de articulação.

São os sons que bloqueiam a passagem central da corren-


te de ar na parte anterior da cavidade oral, permitindo um
LATERAIS escape lateral (ex.: vela; velha). No caso da lateral palatal, a
corrente de ar passa por trás dos últimos molares, saindo por
entre a parte externados dentes e bochecha.

O termo vibrante cobre várias designações usadas pelos


foneticistas. Assim, por vibrantes entendem-se os sons pro-
duzidos por batidas rápidas da ponta da língua ou do véu
palatino, em geral, três ou quatro. Esse tipo de consoante
também é chamado de vibrante múltipla, na tradição foné-
tica portuguesa. Quando ocorre apenas uma batida rápida
VIBRANTES da parte superior da ponta da língua contra os dentes ou
alvéolos dos dentes incisivos superiores, o som tem o nome
de tepe (ou vibrante simples – na tradição fonética portu-
guesa), por exemplo, Araraquara. Se a batida rápida for feita
com a parte de baixo da ponta da língua contra os alvéolos
dos dentes incisivos superiores, o som tem o nome de flepe.

capítulo 1 • 23
São sons produzidos com uma obstrução à corrente de ar
produzida pelo encurvamento da ponta da língua para cima
e para trás. Sons oclusivos fricativos, laterais e até vogais po-
dem receber a retroflexão como uma articulação secundária.
RETROFLEXOS Em alguns casos, tem-se observado que o efeito de retro-
flexão de um som é obtido por uma significativa elevação
do dorso da língua, além de uma certa elevação da ponta da
língua, formando um cavado entre as duas obstruções.

São sons não oclusivos, que não se articulam dentro da área


vocálica, mas que não apresentam fricção, graças ao fato de a
constrição ser menor (isto é, formar uma passagem mais aberta
APROXIMANTES: à corrente de ar) do que o necessário para causar turbulência à
passagem do ar fonatório e consequente produção de fricção.
CAGLIARI & MASSINI-CAGLIARI, 2004, p. 122-23.

1.3.4  Lugares de articulação

As categorias apresentadas a seguir correspondem à descrição do lugar onde


ocorre a articulação dos segmentos consonantais mais importantes do portu-
guês. Por meio da determinação do lugar, é possível perceber quais são os arti-
culadores ativo e passivo.

É o som produzido pela aproximação dos lábios. O articula-


BILABIAL dor ativo é o lábio inferior e o passivo é o superior. Ex.: papai,
babá; mamãe.

É o som produzido pelo contato do lábio inferior (articulador


LABIODENTAL ativo) com os dentes incisivos superiores (articulador passi-
vo). Ex.: fada; véu.

24 • capítulo 1
É o som produzido com a língua posicionada entre os den-
tes incisivos superiores e inferiores ou posicionada contra a
DENTAL parte posterior dos dentes incisivos superiores. Os articula-
dores ativos são a lâmina ou o ápice da língua e os passivos
são os dentes superiores. Ex.: lote; neta; dedo; saco; Zeus.

É o som produzido pelo movimento da lâmina ou ápice da


língua em direção aos alvéolos dos dentes incisivos supe-
riores. As consoantes alveolares diferem das dentais ape-
ALVEOLAR nas quanto ao articulador passivo. O articulador passivo das
consoantes dentais são os dentes superiores e o das con-
soantes alveolares são os alvéolos.

É o som produzido na região anterior ao ponto onde se ar-


ticulam os sons palatais. A parte anterior da língua é o arti-
ALVEOPALATAL culador ativo e a parte medial do palato duro é o articulador
passivo. Ex.: tia; dia (na pronúncia do dialeto carioca); chá; já.

É o som produzido pelo contato da parte central da língua


PALATAL (articulador ativo) com a parte mais alta do palato em dire-
ção ao palato duro (articulador passivo). Ex.: telha; banho.

É o som produzido com a parte posterior da língua (articulador


VELAR ativo) contra o véu palatino ou palato mole (articulador passivo).

É o som produzido pelo contato entre a parte posterior da


UVULAR língua e a úvula.

É o som produzido pela constrição da língua contra a parede


FARINGAL faríngea.

É o som produzido pelos músculos da glote, ou seja, pelas


GLOTAL cordas vocais.

capítulo 1 • 25
Confira, no quadro a seguir, uma síntese que abarca os lugares de articula-
ção e os respectivos articuladores ativo e passivo. Note que, nesse quadro, es-
tamos apresentando a classificação dos lugares de articulação sem incluir as
classificações uvular, faringal e glotal.

LUGAR DE ARTICULADOR ARTICULADOR


ARTICULAÇÃO ATIVO PASSIVO

Bilabial Lábio inferior Lábio superior

Labiodental Lábio inferior Dentes incisivos superiores

Dental Ápice ou lamina da língua Dentes incisivos superiores

Alveolar Ápice ou lamina da língua Alvéolos

Alveopalatal Parte anterior da língua Parte média do palato móvel

Palatal Parte média da língua Parte final do palato móvel

Velar Parte superior da língua Véu palatino ou palato móvel

1.3.5  O papel das cordas vocais

Vocês sabem onde se situam as cordas vocais? As cordas vocais se situam na


glote. Quando a glote está fechada e as cordas vocais estão unidas, elas vibram
ao sentir a pressão que o ar precisa fazer para passar pela cavidade. O resultado
dessa vibração é o som sonoro ou vozeado. Quando há a desobstrução da glote,
ou seja, quando ela está aberta e as cordas vocais separadas, o ar passa livre-
mente. Neste caso, há a produção do som surdo ou desvozeado.

26 • capítulo 1
Para perceber essa diferença, basta colocar a mão sobre a glote e pronunciar
um segmento surdo e um sonoro, por exemplo, o /f/ e o /v/.
Em alguns casos, o vozeamento e o desvozeamento são transmitidos a
outro segmento que está adjacente a uma consoante vozeada ou desvozeada.
Chamamos esse fenômeno de assimilação.
Nas palavras “cascata” e “rasgada”, é possível perceber como o s é pronun-
ciado de forma diferente em função de sua posição no final da sílaba seguida
por um segmento desvozeado em cascata e vozeado em rasgada.
No português, a percepção entre as consoantes vozeadas e as desvozeadas é re-
levante, sobretudo quando se trata de marcar distinções entre palavras como selo/
zelo, chá/ já. É a partir dessa percepção auditiva entre as consoantes vozeadas (so-
noras) e desvozeadas (surdas) que conseguimos perceber a diferença entre elas.
Já os segmentos vocálicos são, em sua maioria, vozeados, ou seja, as cordas vocais
vibram ao produzi-los. Dependendo, no entanto da posição da vogal e da ausência
de acentuação, ela também pode ser produzida sem a vibração das cordas vocais.
O desvozeamento de vogais ocorre em finais de palavras, como vemos, por
exemplo, em “gata”, “tapete”, “pato”. Para indicar essa característica, a conven-
ção fonética prevê a colocação de um círculo abaixo do segmento vocálico [ ḁ ].
A seguir, apresentamos um quadro com a classificação de alguns segmen-
tos consonantais da língua portuguesa. Esse quadro exemplifica os segmentos
consonantais e apresenta a transcrição fonética.

CLASSIFICAÇÃO
EXEMPLO TRANSCRIÇÃO
SÍMBOLO SEGMENTO OBSERVAÇÕES
ORTOGRÁFICO FONÉTICA
CONSONANTAL
Oclusiva bilabial Uniforme em todos os dialetos do
p Pata [‘pata]
desvozeada português brasileiro
Oclusiva bilabial Uniforme em todos os dialetos do
b Bata [‘bata]
vozeada português brasileiro
Uniforme em todos os dialetos do
Oclusiva bilabial
t Tapa [‘tapa] port. brasileiro podendo ocorrer com
desvozeada
articulação alveolar ou dental

Uniforme em todos os dialetos do


Oclusiva alveolar
d Data [‘data] português brasileiro podendo ocorrer
vozeada
com articulação alveolar ou dental

Uniforme em todos os dialetos do


Oclusiva velar
k Cata [‘cata] português brasileiro podendo ocorrer
desvozeada
com articulação alveolar ou dental
Uniforme em todos os dialetos do
Oclusiva velar
g Gata [‘gata] português brasileiro podendo ocorrer
vozeada
com articulação alveolar ou dental

capítulo 1 • 27
1.4  Transcrição fonética
Tendo em vista que parte deste capítulo apresenta o estudo da produção da fala
do ponto de vista fisiológico e articulatório no qual descrevemos o aparelho fona-
dor, assim como discutimos os mecanismos fisiológicos envolvidos na produção
da fala e as propriedades articulatórias envolvidas na produção dos segmentos
consonantais e vocálicos, já podemos, agora transcrever os sons da nossa fala. A
propósito, você sabe o que isso significa? O que vem a ser transcrição fonética?
Isso quer dizer que você tem capacidade de representar, por meio de símbo-
los, os sons emitidos por um falante do PB quando produz sua fala.

A esse tipo de escrita, feita com símbolos de um alfabeto especifico entre colchetes, se
denomina transcrição fonética. Uma transcrição fonética e uma tentativa de se registrar
de modo inequívoco o que se passa na fala. E um alfabeto fonético é uma convenção
para se escreverem os sons das línguas independentemente da convenção que cada
uma utiliza para sua escrita em cotidiano.
CALLOU & LEITE, 2009, p.34

Um símbolo fonético sintetiza os diversos processos de produção de um


som. Assim [p] simboliza que o som é produzido com a corrente de ar egressiva,
sem vibração das cordas vocais (surdo), com obstrução total na cavidade oral
(oclusivo) e contato dos articuladores labiais (bilabial). O símbolo [p] traduz a
descrição 'oclusiva bilabial surda'. Pelos mesmos princípios, o símbolo |d] re-
presenta uma oclusiva implosiva alveolar.
A finalidade de uma transcrição fonética e do alfabeto fonético é possibili-
tar a transcrição e a leitura de qualquer som em qualquer língua por uma pes-
soa treinada. Assim, o que se requer de um alfabeto é que as convenções usadas
sejam inequívocas e estejam explicitadas.
Algumas dessas convenções já se tornaram bastante difundidas e são de co-
nhecimento geral, tal como o alfabeto proposto pela Sociedade Internacional
de Fonética denominado alfabeto fonético internacional.
Como esse alfabeto emprega tipos não comuns em maquinas de escrever e
em tipografias comuns, PlKE (1947) elaborou, para contornar essas dificulda-
des, um outro alfabeto, também bastante difundido, principalmente no Brasil.

28 • capítulo 1
Enquanto no alfabeto fonético internacional os símbolos [p] [8] [y | represen-
tam as fricativas sonoras labial, alveolar e velar, respectivamente, no alfabeto
de Pike esses sons são transcritos como [b] [d] [g], que podem ser batidos numa
máquina comum pela superposição do hífen aos tipos b, d, g. Observe-se que
há princípios gerais convencionais: um hífen cortando um símbolo e emprega-
do sistematicamente para indicar consoante fricativa.
Nos estudos sobre o português, é bastante difundido o alfabeto de LACERDA
& HAMMARSTROM (1952). Uma comparação entre as várias propostas de alfa-
betos fonéticos mostra que há uma base comum advinda do alfabeto fonético
internacional. Na prática, qualquer que seja o alfabeto adotado, sempre ocor-
rem adaptações determinadas por conveniências ocasionais tais como facilida-
des de datilografia, tipográficas, maior legibilidade etc.
Há duas maneiras de se fazerem transcrições fonéticas: a restrita e a ampla
e esta é feita por meio de colchetes [ ].
Na transcrição restrita, todos os detalhes fonéticos, incluindo propriedades
secundárias, são considerados. Na transcrição ampla, são explicitados apenas os
aspectos mais gerais dos segmentos. Isso é feito uma vez que fenômenos como
certas propriedades secundárias (labialização, por exemplo) são previsíveis pelo
ambiente em que o segmento a ser transcrito se encontra. Assim, a transcrição da
palavra quilo como [‘k ʲ l ʷ ʊ] representa uma transcrição restrita e, como [‘k i l ʊ],
uma transcrição ampla. Na primeira, considerou-se a palatização da consoante
velar (que, diante de vogais anteriores, acaba sendo produzida com a língua, fa-
zendo a oclusão em um ponto mais anterior do que o ponto velar) e, na produção
da lateral diante de vogais arredondadas, considerou-se o movimento de proje-
ção dos lábios. Na segunda transcrição, isso não foi levado em conta.
Os símbolos aqui apresentados são baseados no Alfabeto Fonético
Internacional (AFI). Ele foi desenvolvido por foneticistas com o patrocínio da
Associação Fonética Internacional. Apresenta uma notação-padrão para a re-
presentação fonética de todas as línguas do mundo. A maior parte de suas letras
originaram-se do alfabeto romano e algumas são provenientes do grego. Seus
símbolos dividem-se em três categorias: letras (representando sons básicos),
diacríticos (que auxiliam a melhor especificar esses sons básicos) e suprasseg-
mentos (que denotam características como velocidade, tom e acento tônico).

capítulo 1 • 29
Além do AFI, outros alfabetos fonéticos também estão disponíveis. Um de-
les é o Speech Assessment Methods Phonetic Alphabet (SAMPA), em português:
Alfabeto Fonético dos Métodos de Avaliação da Fala. Baseia- se no AFI, adotan-
do o máximo de seus símbolos. Uma versão mais flexível do SAMPA foi desen-
volvida em 1995 por John C. Wells, professor de Fonética da Universidade de
Londres. Nesse alfabeto, era prevista uma única tabela, independentemente do
idioma.

1.5  Transcrição fonética


A transcrição fonética pode ser definida como a “transcrição da forma fônica
do signo linguístico num código de símbolos gráficos” (BABINI, 2002).
A transcrição fonética se caracteriza pela inclusão de “todos os sons (realiza-
ção fonética) de uma língua dada: das variantes-padrão às variantes regionais,
assim como outros aspectos acústicos tais como a duração dos sons” (BABINI,
2002).
A transcrição fonética é feita, entre outros elementos, por consoantes e vo-
gais. Os dados particulares de cada língua não são considerados para postular
valores a esses segmentos fonéticos (consoante e vogal). O que é considerado
para os foneticistas é a capacidade articulatória do homem.

Os foneticistas têm como tradição representar o som ouvido, ou seja, realizar a transcri-
ção fonética usando os colchetes [ ]. Já a fonologia assume outra convenção para fazer
suas notações, as barras / /.

Para fazer a transcrição fonética, o foneticista precisa escolher um siste-


ma de transcrição fonética. Existem vários, mas, atualmente, o mais conheci-
do é o da Associação Internacional de Fonética (IPA – Internacional Phonetics
Association).
Os sistemas de transcrição fonética são, na verdade, alfabetos criados para
escrever os sons que cada letra tem na sílaba ou na palavra que se analisa.

30 • capítulo 1
THE INTERNATIONAL PHONETIC ALPHABET (revised to 1993)
CONSONANTS (PULMONIC) WITH X-SAMPA EQUIVALENTS IN BLUE

Bilabial Labiodental Dental Alveolar Post alveolar Retroflex Palatal Velar Uvular Pharyngeal Glottal

Plosive
p b t d t´ d´ c J/ k g q G\ ?
Nasal
m F n n J N N\

Trill B\ r R\
Tap or Flap
4 r´
Fricative
p\ B f v T D s z S Z s´ z´ C j\ x G X R X\ ?\ h h\
Lateral
fricative K K\
Approximant
P (or v\) r´ r\´ j M\
Lateral
approximant l r L L\
Where symbols appear in pairs, the one to the right represents a voiced consonant. Shaded areas denote articulations judged impossible.

Figura 1.1 – Alfabeto Fonético Internacional. SILVA, 2005.

Assim, se a vogal for aberta, haverá um sinal que fará tal indicação. Se a con-
soante for fricativa, oclusiva, africada, vibrante, enfim, este alfabeto transcreverá
exatamente a articulação exigida para se realizar o som da sílaba ou da palavra.
Há também um conjunto de símbolos que compõem os sistemas de trans-
crição fonética. O “w” invertido, por exemplo, indica que se trata de uma conso-
ante fricativa labiovelar surda, um círculo pontuado ao meio indica que há um
clique bilabial.

O Alfabeto Fônico Internacional foi elaborado em 1888 pelo francês Paul Passy. Esse
alfabeto foi modificado posteriormente por outros foneticistas, passando por sucessi-
vas revisões.

Existem outros tantos símbolos que expressam os tons e a variação melódica


das palavras e os diacríticos. Desse modo, AFI (Alfabeto Fonético Internacional)
ou IPA (sigla em inglês) possui 107 letras distintas, 52 diacríticos e 4 marcas de
prosódia.
Em resumo, os símbolos do alfabeto fonético internacional são divididos
em três categorias:

capítulo 1 • 31
LETRAS que indicam os sons básicos (vogais e consoantes).

DIACRÍTICOS que especificam mais esses sons básicos.

que indicam características como velocidade, tom e


SUPRASSEGMENTAIS acento tônico (articulação, fonação, acentuação tônica).

Lopes (2005, p. 117) chama a atenção para dois princípios que são adota-
dos pela Associação Fonética Internacional no estabelecimento do Alfabeto
Fonético Internacional:
(a) O princípio de base diz que a cada diferença fônica perceptível deve
corresponder um único sinal gráfico. Trata-se, portanto, de reproduzir sons,
(transcrição fonética) e não somente fonemas (transcrição fonológica).
(b) A transcrição é feita num continuum etc. (LOPES, 2005, p. 117).

Veja, abaixo, um exemplo de transcrição fonética:


[tʃia], [dʃia], [dʒia], [tela], [dela], [bela], [teʎa], [tudʋ], [todʋ]

O treinamento de audição e o treinamento de produção são dois exercícios


fundamentais para se fazer uma boa transcrição fonética. Conseguir isolar os
sons e reconhecê-los individualmente requer treino, assim como dizê-los com-
binada ou isoladamente.
Por isso, é recomendável, para se ter uma boa transcrição fonética, que o
linguista ouça o informante e reproduza o som ouvido não só no papel, mas
com seu próprio aparelho fonador, repetindo o que ouviu, até que o informante
reconheça como correta a reprodução oral feita pelo linguista. Feita a audição e
percebidos os movimentos articulatórios, o linguista identifica e transcreve os
segmentos captados.
A transcrição fonética foi popularizada pelos dicionários de línguas estran-
geiras, que orientam a pronúncia e a acentuação tônica do verbete consultado.
Eles costumam trazer também, de forma simplificada, o sistema fonético ado-
tado pelo dicionário.

32 • capítulo 1
CONEXÃO
Você pode usar as fontes ou os símbolos da transcrição fonética em um texto com formato
Word. Para isso, é só acessar o Alfabeto Fonético Internacional na WEB e clicar sobre o
símbolo que deseja copiar ou inserir em seu texto. Para acessar o teclado virtual com os sím-
bolos fonéticos, siga o link: <http://weston.ruter.net/projects/ipa-chart/view/keyboard/>.

Há também uma série de símbolos não oficiais e outros tipos de notação,


como a americanista, que convivem com os sistemas fonéticos mais usuais.
Dentre tantas possibilidades, os pesquisadores, em geral, incluem uma nota
explicativa na qual justificam a opção feita ao adotar este ou aquele modelo de
transcrição fonética.

TRANSCRIÇÃO
SÍMBOLO CLASSIFICAÇÃO ORTOGRAFIA COMENTÁRIOS
FONÉTICA
Pronúncia mais recorrente no Sudes-
Africada alveopalatal
tʃ surda
tia [tʃia] te do Brasil. Corresponde ao primeiro
som da palava “Tchaikovsky”.
Pronúncia mais recorrente no
Africada alveopalatal Sudeste do Brasil. Apresenta
dʒ sonora
dia [dʒia]
ocorrências também no Norte e no
Nordeste.
Fricativa labiodental Invariável em todos os dialetos do
f surda
faca [faka]
português brasileiro.
Invariável no início de sílaba em
Fricativa labiodental todos os dialetos do português bra-
v sonora
vaca [vaka]
sileiro. Em final de sílaba representa
variação dialetal (paz, festa).
Invariável no início de sílaba em
sala [sala]
Fricativa alveolar todos os dialetos do português bra-
s surda
caça [kasa]
sileiro. Em final de sílaba representa
paz [paz]
variação dialetal (pasta).
Invariável no início de sílaba em
Zapata [zapata]
Fricativa alveolar todos os dialetos do português bra-
z sonora
casa [kaza]
sileiro. Em final de sílaba representa
paz [paz]
variação dialetal (pasta, paz).
Uniforme no começo de sílaba em
chá [ʃa] todas as variantes do português
Fricativa alveopalatal
ʃ surda
acha [aʃa] brasileiro. Quando aparece no final
paz [paʃ] de sílaba, caracteriza variação diale-
tal como em “rasga”.

capítulo 1 • 33
TRANSCRIÇÃO
SÍMBOLO CLASSIFICAÇÃO ORTOGRAFIA COMENTÁRIOS
FONÉTICA
Fricção audível na região velar, ca-
racterizando uma pronúncia peculiar
do dialeto carioca. Ocorre em início
de palavra (rata) e em início de
Fricativa alveopalatal Já [ʒa] sílaba precedida por vogal (marra)
ʒ sonora aja [aʒa] ou consoante (Israel). Pode ocorrer
também em final de sílaba seguida
por consoante surda (carta) e em
final de sílaba coincidente com final
de palavra (mar).
rata [xata] Pronúncia característica do dialeto
marra [maxa] carioca. Ocorre em final de sílaba
X Fricativa velar surda
mar [max] seguida de consoante sonora
carta [kaxta] (carga).
Fricção não audível no trato vocal,
caracterizando uma pronúncia pe-
culiar do dialeto de Belo Horizonte.
Ocorre em início de palavra (rata)
e em início de sílaba precedida por
ɣ Fricativa velar sonora carga [kaɣɡa]
vogal (marra) ou consoante (Israel).
Pode ocorrer também em final de
sílaba seguida por consoante surda
(carta) e em final de sílaba coinci-
dente com final de palavra (mar).
Pronúncia peculiar do dialeto de
rata [hata]
Belo Horizonte, percebida pela
marra [maha]
H Fricativa glotal surda
mar [mah]
ausência de fricção audível no trato
vocal. Ocorre em finais de sílabas
carta [kahta]
seguidas de consoantes sonoras.
Fricativa glotal Invariável em todos os dialetos do
ɦ sonora
carga [kafiɡa]
português brasileiro.
Invariável em todos os dialetos do
M Nasal bilabial sonora mala [mala]
português brasileiro.
Nasal alveolar Ocorrência restrita a poucos falan-
N sonora
nada [nada]
tes do português brasileiro.
Pronúncia invariável em posição
[bãɲa] intervocálica e após consoante em
Ɲ ou Nasal palatal sonora banha ou todos os dialetos do português bra-
[bã a] sileiro. Admite articulação alveolar
ou dental.
Pronúncia peculiar do português
cara [kaɾa]
europeu. Apresenta ocorrência em
prata [pɾata]
ɾ Tepe alveolar sonoro
mar [maɾ]
algumas variações do português
brasileiro, por exemplo, certos diale-
carta [kaɾta]
tos paulistas.

34 • capítulo 1
TRANSCRIÇÃO
SÍMBOLO CLASSIFICAÇÃO ORTOGRAFIA COMENTÁRIOS
FONÉTICA
Pronúncia característica do dialeto
Vibrante alveolar rata [r
̆ata]
r̆ caipira, sempre que o r ocupa a
sonora marra [mar̆a] posição final da sílaba.
Retroflexa alveolar Invaríavel em todos os dialetos do
ɹ sonora
mar [maɹ]
português brasileiro.
Pronúncia cuja ocorrência limita-se
a alguns dialetos do português
Lateral alveolar lata [lata]
l sonora plana [plana]
brasileiro em posição sempre final
da sílaba com articulação alveolar
ou dental.
A consoante[ʎ] é pouco comum
entre falantes do português brasi-
leiro. O que é mais comum, entre
falantes do português brasileiro,
[saɬ]
Lateral alveolar é a consoante lateral alveolar (ou
sal [saɬta]
ɬ ou w vozeada (sonora)
salta [saw]
dental) palatalizada, o que levaria à
velarizada pronúncia [malja]. Ainda é possível
[sawta]
ocorrer a vocalização da lateral
palatal, realizando-se como se
fosse um “i”. Nesse caso, teríamos a
pronúncia [maya].
A consoante[ʎ] é pouco comum
entre falantes do português brasi-
leiro. O que é mais comum, entre
falantes do português brasileiro,
[maʎa] é a consoante lateral alveolar (ou
Lateral palatal
ʎ ou lj vozeada
malha ou dental) palatalizada, o que levaria à
[malja] pronúncia [malja]. Ainda é possível
ocorrer a vocalização da lateral
palatal, realizando-se como se
fosse um “i”. Nesse caso, teríamos a
pronúncia [maya].

Tabela 1.1 – Fonética consonantal. SILVA, 2005, p. 38-40.

ATIVIDADES
01. Para fixar o conteúdo exposto nesta unidade, procure preencher os espaços em branco
das tabelas a seguir.

capítulo 1 • 35
Tabela 1

LUGAR DE ARTICULAÇÃO ARTICULADOR ATIVO ARTICULADOR PASSIVO


Bilabial
Labiodental
Dental
Alveolar
Alveopalatal
Palatal
Velar

Tabela 2

MODO DE ARTICULAÇÃO DESCRIÇÃO/CARACTERÍSTICAS


Sons não oclusivos, que não se articulam dentro da área vocálica, mas
que não apresentam fricção, graças ao fato de a constrição ser menor
(isto é, formar uma passagem mais aberta à corrente de ar) do que
o necessário para causar turbulência à passagem do ar fonatório e
a consequente produção de fricção.
Sons produzidos com uma obstrução à corrente de ar produzida
pelo encurvamento da ponta da língua para cima e para trás.
Sons produzidos com um bloqueio completo à corrente de ar em
algum ponto do aparelho fonador, desde a glote até os lábios (ex.:
as consoantes grifadas em pato; gado).
Sons produzidos com um bloqueio à corrente de ar na cavidade oral,
com concomitante abaixamento do véu palatino, o que permite a
saída da corrente de ar pelas narinas (ex.: somo; sono; sonho).
Sons produzidos com um estreitamento em qualquer parte do
aparelho fonador (da glote até os lábios), de tal modo que o ar
fonatório, passando por essa parte, produza fricção (ex.:faca; vaca;
saca; jaca).

Sons que bloqueiam a passagem central da corrente de ar na parte


anterior da cavidade oral, permitindo um escape lateral (ex.: vela; velha).

Tabela 3

APARELHO FONADOR
Órgão Descrição
Cartilagem em forma de colher, cuja função é fechar a laringe de
modo que o alimento não entre nela e, portanto, nos pulmões.
São a principal fonte de ar para a produção de sons da fala (...). Os
pulmões são conectados à traqueia por dois tubos bronquiais.
Ligamentos de tecido elástico que estão unidos às cartilagens
aritenoides (na parte de trás, chamada de posterior, da laringe) e
à tireoide (localizada na parte da frente, chamada de anterior, da
laringe) na laringe.

36 • capítulo 1
APARELHO FONADOR
Trata-se de uma válvula cuja função principal é controlar o ar que sai e
entra nos pulmões, além de impedir que alimentos entrem neles.
É formada por várias cartilagens. Algumas dessas cartilagens se
movimentam, entre elas as que se ligam às cordas vocais.
É um tubo muscular com forma de cone invertido, que vai da glote à
base do crânio. Através dele, ocorre a passagem do ar para a respira-
ção e para a fonação (via traqueia) e do alimento ingerido (via esôfago).
Também conhecido como palato mole. Trata-se da continuação do
céu da boca (escorregue a língua pelo céu da boca que é possível
sentir quando não há mais osso, o que deixa o tecido muscular mole).
Esse tecido muscular termina na úvula. Ele se move para cima, de
modo a impedir a passagem do ar pela cavidade nasal, permitindo
sua passagem apenas pela cavidade oral.
É o espaço, a abertura entre as cordas vocais, que pode assumir
diferentes formas, dependendo da posição das cordas vocais.
Vai dos tubos bronquiais até a laringe e é responsável pela maior fon-
te de energia para a produção dos sons da fala. É formada por anéis
cartilaginosos que se mantêm unidos por uma membrana.
Compreende o espaço entre a passagem velo-faringal e as fossas
nasais. Quando o véu palatino está abaixado, o ar transita por essa
passagem. É separado da cavidade oral pelo palato duro.
Parte superior da cavidade bucal, fica à frente do véu palatino, logo atrás
da arcada alveolar. É fixa e óssea. Também é conhecida como abóbada.
Trata-se de um grande músculo extremamente plástico e móvel,
responsável pelas maiores modificações do volume e da geometria
da cavidade oral.
É formada por lábios, dentes, mandíbula e língua. Dentro dela desta-
cam-se, ainda, os alvéolos.
É também chamado de maxilar inferior. Graças à sua mobilidade,
permite também alterações na cavidade oral.
Consiste em pregas que marcam o final da cavidade oral e do trato
vocal. Sua constituição muscular permite grande plasticidade e mobi-
lidade, alterando a forma da cavidade oral.
Trata-se da parte óssea atrás dos dentes superiores, antes do palato duro.
É conhecida como ‘campainha’. Trata-se de um prolongamento do
véu palatino.
Influem na fonação porque podem impedir, total ou parcialmente, a
passagem de ar.

02. O que são os articuladores ativos e os articuladores passivos? Como são compostos?

03. Faça a correspondência entre descrição e o lugar onde ocorre a articulação dos seg-
mentos consonantais mais importantes do português.
a) Bilabial c) Dental
b) Labiodental d) Alveolar

capítulo 1 • 37
( ) É o som produzido pelo movimento da lâmina ou ápice da língua em direção aos al-
véolos dos dentes incisivos superiores. As consoantes alveolares diferem das dentais apenas
quanto ao articulador passivo. O articulador passivo das consoantes dentais são os dentes
superiores e o das consoantes alveolares são os alvéolos.
( ) É o som produzido pela aproximação dos lábios. O articulador ativo é o lábio inferior
e o passivo é o superior. Ex.: papai, babá; mamãe.
( ) É o som produzido com a língua posicionada entre os dentes incisivos superiores e
inferiores ou posicionada contra a parte posterior dos dentes incisivos superiores. Os articu-
ladores ativos são a lâmina ou o ápice da língua e os passivos são os dentes superiores. Ex.:
lote; neta; dedo; saco; Zeus.
( ) É o som produzido pelo contato do lábio inferior (articulador ativo) com os dentes
incisivos superiores (articulador passivo). Ex.: fada; véu.

04. A fonética e a fonologia são consideradas áreas da linguística. Ambas estudam os sons
da fala, ainda que com pontos de vista diferentes. Explique.

REFLEXÃO
A fonética se apresenta como uma importante área dos estudos linguísticos, em estreita relação
com a fonologia. Conhecer sua história, seu objeto de estudo e sua metodologia se constitui em
instrumental para a leitura de textos relacionados com essa área e, principalmente, para a com-
preensão da natureza dos estudos fonéticos. Assim, as informações que apresentamos ao longo
deste capitulo servirão de base para o aprendizado de noções introdutórias a respeito de transcri-
ção fonética e de classificação dos sons. Por isso, uma boa reflexão sobre o que você aprendeu
neste capitulo é importante para o prosseguimento dos estudos fonéticos no próximo capitulo.

LEITURA
Um livro introdutório para quem quer aprender um pouco mais de fonética intitula-se Inicia-
ção à Fonética e à Fonologia, de Dinah Callou e Yonne Leite, publicado pela Jorge Zahar.
Se você estiver interessado no tema da aplicação da fonética no aprendizado e ensino de
língua estrangeira, sugerimos o livro A fonética e o ensino de língua estrangeira, de Luiz
Cagliari, publicado pela Unicamp

38 • capítulo 1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBANO, Eleonora C. O português brasileiro e as controvérsias da fonética atual: pelo
aperfeiçoamento da fonologia articulatória. DELTA. São Paulo: Delta, v.15, 1999..
BABINI, Maurizio. Fonética, fonologia e ortoépia da língua italiana. São Paulo: Annablume, 2002.
BORSTEL, Clarice. A fonética e a prática de ensino/aprendizagem. Ponta Grossa: Uniletras, Vol.
30, nº 2, p. 353-366, jul./dez. 2008.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Fonética: uma entrevista com Luiz Carlos Cagliari. Revista Virtual de Estudos
da Linguagem – ReVEL. Vol. 4, n. 7, agosto de 2006.
CRYSTAL, David. A dictionary of linguistics and phonetics. Oxford: Blackwell, 1980.
DUBOIS, J. et alli. Dicionário de Linguística. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
MACHADO, Mirian. Breve histórico. Sociedade Brasileira de Fonética, abr. 2004. Disponível em:
<http://sbfonetica.vilabol.uol.com.br/congrhtm.>
MATTOSO CÂMARA JR., J. Dicionário de linguística e gramática. 13 ed. Petrópolis: Vozes, 1986.

capítulo 1 • 39
40 • capítulo 1
2
A Análise Fonética e
Fonológica
Depois de um breve relato a respeito da história dos estudos fonéticos no ca-
pítulo anterior, iremos, neste capitulo, distinguir fonética articulatória, foné-
tica acústica e fonética perceptiva e identificar segmentos fônicos no contí-
nuo da fala. Na sequência, iremos conceituar fone, fonema e alofone e aplicar
a comutação no reconhecimento de fonemas e alofones.

OBJETIVOS
Neste capítulo, você será capaz de:

•  Distinguir fonética articulatória, fonética acústica e fonética perceptiva;


•  Identificar segmentos fônicos no contínuo da fala.
•  Conceituar fone, fonema e alofone.
•  Aplicar a comutação no reconhecimento de fonemas e alofones;

42 • capítulo 2
2.1 Tática e Fonologia
Depois de um breve relato a respeito da história dos estudos fonéticos no capí-
tulo 1, vamos nos ater um pouco mais nas definições de fonética e fonologia.
Fonética é a ciência que descreve, classifica e transcreve os sons da fala. Se con-
siderarmos a distinção que Saussure fez entre significante e significado, a fonética
vai ocupar-se da parte significante do signo, ou seja, ela “estuda todos os sons pos-
síveis de serem produzidos pelo aparelho fonador humano” (BORBA, 1998, p 99).
Na verdade, a fonologia compartilha do mesmo objeto de estudo da foné-
tica, o som da fala, porém sob pontos de vista diferentes. A preocupação da fo-
nologia não é descrever os sons da fala, mas sim propor-lhes uma explicação.
Observem o que dizem os autores abaixo:

Enquanto a fonética é basicamente descritiva, a fonologia é uma ciência explicativa, inter-


pretativa; enquanto a análise fonética se baseia na produção, percepção e transmissão
dos sons da fala, a análise fonológica busca o valor dos sons em uma língua – em outras
palavras, sua função linguística.
(CAGLIARI & MASSINIGAGLIARI, 2004, p. 106)

Dessa forma, enquanto a Fonética preocupa-se com os sons da fala, a Fonologia


estuda os fonemas da língua, ou seja, os sons que servem para distinguir uma palavra
da outra. A fonologia estuda os fonemas nas suas diversas combinações e posições.
Se tomarmos como exemplo a palavra casa, perceberemos que ela se constitui de
quatro unidades mínimas, os fonemas, que se transcrevem entre barras oblíquas:

Caza /k/, /a/, /z/, /a/ [`kaza].

Ao procedermos à transcrição fonética das


palavras, usaremos colchetes e um apóstrofo
precedendo a sílaba tônica.
Fonema é, portanto, a menor unidade
distintiva da palavra, pois uma mudança
ou troca de um fonema acarreta um novo
signo, isto é, por meio de um fonema po-
demos modificar uma palavra inteira.

capítulo 2  • 43
Observem os exemplos abaixo:

cada – capa – cara – casa

No exemplo dado, alterando apenas o terceiro fonema da palavra cada, mu-


damos o significado de todas as palavras que serão formadas. A simples mu-
dança de posição dos mesmos fonemas pode determinar um novo signo.
Ex.: amor / Roma / ramo / Omar
Os fonemas se agrupam em sílabas e estas, em palavras. As palavras se agru-
pam em frases. As frases se agrupam em períodos. Os períodos se agrupam em
parágrafos e estes, em textos.

CONEXÃO
Leia mais sobre fonemas e letras em <http://www.soportugues.com.br/secoes/fono/fono1.php.>

Mais detalhes e uma complexidade maior acerca do assunto serão forneci-


dos nos capítulos posteriores. Aguarde.
Lembramos que foi apresentado aqui apenas uma síntese acerca de fonéti-
ca e fonologia para que você tenha uma visão geral desses estudos e possa com-
preender com mais facilidade o processo de fonação, assim como identificar as
partes constituintes do aparelho fonador, reconhecer a necessidade de adoção
de um alfabeto fonético para a descrição dos sons da fala; conhecer os alfabetos
fonéticos existentes e identificar a diferença entre o emprego dos símbolos do
alfabeto ortográfico e os símbolos do alfabeto fonético.
Vamos, pois, à primeira parte desses estudos que é conhecer o processo de
fonação e identificar as partes do aparelho fonador.

2.2  Fonética: definição e objeto de estudo


Fonética e fonologia são áreas da linguística e estão estritamente relacio-
nadas. Podemos dizer que os estudos fonéticos fornecem o material indispen-
sável para os estudos fonológicos (BORBA, 1998, p 99). Isto significa que, na
verdade, a Fonologia compartilha do mesmo objeto de estudo da fonética, o
som da fala, porém sob pontos de vista diferentes. A preocupação da fonologia
não é descrever os sons da fala, mas sim propor-lhes uma explicação.

44 • capítulo 2
Enquanto a fonética é basicamente descritiva, a fonologia é uma ciência explicativa, inter-
pretativa; enquanto a análise fonética se baseia na produção, percepção e transmissão
dos sons da fala, a análise fonológica busca o valor dos sons em uma língua – em outras
palavras, sua função linguística. (CAGLIARI & MASSINIGAGLIARI, 2004, p. 106).

Lopes (2005, p. 94) apresenta a diferença entre os dois tipos de estudo di-
zendo que a “fonética estuda a substância do plano da expressão das línguas
naturais; a fonologia (ou fonêmica) a forma do plano da expressão”.
Podemos dizer que há uma inter-relação entre as duas áreas de estudo.
Desse modo, a fonologia “procura interpretar os resultados obtidos por meio
da descrição (fonética) dos sons da fala, em função dos sistemas de sons das
línguas e dos modelos teóricos disponíveis” (CAGLIARI & MASSINI-GAGLIARI,
2004, p. 106).
Destacamos também a definição de Fonética de Crystal (1980) como a “ci-
ência que estuda as características físicas, articulatórias e perceptivas da pro-
dução e percepção dos sons da fala, e fornece métodos para a sua descrição e
classificação”.
Podemos visualizar melhor essa diferença, por meio de síntese calcada nes-
sas definições e nos elementos diferenciadores entre fonética e fonologia já
apontados. Vejamos essa síntese no quadro abaixo:

FONÉTICA FONOLOGIA

Estudo dos sons relacionados ao siste-


Ocupa-se dos sons da fala
ma da língua

Fenômenos físicos concretos Valor dos sons; sua função linguística

Uso de métodos que correspondem às Uso de métodos da linguística, das hu-


ciências naturais manidades ou das ciências sociais.

capítulo 2 • 45
FONÉTICA FONOLOGIA

Descritiva Explicativa, interpretativa

Estuda a substância do plano da expres-


Estuda a forma do plano da expressão.
são.

2.3  Áreas de interesse da fonética


A fonética pode ser dividida em alguns ramos ou áreas. Essa distinção está ba-
seada na “natureza complexa da mensagem vocal” e nos métodos por meio dos
quais essa mensagem vocal pode ser apreendida ou descrita (DUBOIS, 2004, p.
282).
De acordo com Silva (2005, p. 24), a fonética concentra três principais áreas
de interesse: fonética articulatória, fonética auditiva e fonética acústica.

2.3.1  Fonética articulatória

Vejamos como a fonética articulatória é definida na literatura.


Segundo SILVA (2005, p. 24) a fonética articulatória compreende “o estudo
da produção da fala do ponto de vista fisiológico e articulatório”.
Para BABINI (2002, P.25), é a área da fonética que “estuda os mecanismos de
produção dos sons emitidos pelo aparelho fonador humano, sons que a autora
classifica segundo as zonas, os modos e os pontos de articulação em que esses
sons são produzidos”.
A fonética articulatória, também designada como fonética motriz, está rela-
cionada com o método mais antigo e, ainda, o mais usado nos estudos fonéti-
cos da atualidade.
Lopes (2005, p. 99-100) chama a atenção para a centralidade do aparelho
fonador (ou aparelho respiratório) no processo de fonação. A atuação conjun-
ta dos órgãos desse aparelho é que vai resultar no processo de articulação dos
sons linguísticos.

46 • capítulo 2
2.3.2  Fonética auditiva

A fonética auditiva “compreende o estudo da percepção da fala” (SILVA, 2005,


p. 24). É também chamada de fonética perceptiva, designando o estudo da “re-
cepção dos sons e seu tratamento feito pelo cérebro humano” (BABINI, 2002,
p. 25).
A fonética auditiva também pertence a uma longa tradição de estudos.
Lopes (2005, p. 98) remonta essa tradição aos gregos e associa seu estudo nos
tempos modernos a dois nomes importantes: Maurice Grammont (defensor
do princípio de que “a fala é um sistema de signos linguísticos”) e Roman
Jakobson.

2.3.3  Fonética acústica

A fonética acústica “compreende o estudo das propriedades físicas dos sons


da fala a partir de sua transmissão do falante ao ouvinte” (SILVA, 2005, p. 24).
Nessa perspectiva, o som é estudado sob suas características físicas, como fre-
quência, altura etc.
Lopes (2005, p. 98) considera a fonética acústica como o método de descri-
ção fonética mais moderno entre todos. Tal método se “apoia nos registros das
ondas sonoras feitas por diversos tipos de aparelhos (quimógrafo, espectrógra-
fo etc.)”.
A fonética acústica teria uma vantagem sobre a fonética auditiva porque cer-
ca de 30% dos fonemas são captados pelos nossos ouvidos de forma inexata.
Assim, as análises laboratoriais, nas quais a fonética acústica se baseia, ofere-
ceriam uma precisão difícil de ser alcançada na fonética auditiva. No entanto,
essa taxa de inexatidão da fonética auditiva é compensada na audição por meio
de processos de redundância, fatores psicológicos e outros recursos (LOPES,
2005, p. 98-99).

2.3.4  Outras classificações

A maioria dos autores apresenta apenas três áreas de interesse da fonética. Se-
riam as que acabamos de listar. Silva (2005, p. 24), entretanto, acrescenta a fo-
nética instrumental para fazer uma distinção alicerçada no uso predominante
de recursos laboratoriais.

capítulo 2 • 47
Para essa autora, a fonética instrumental “compreende o estudo das pro-
priedades físicas da fala, levando em conta o apoio de instrumentos laborato-
riais” (SILVA, 2005, p. 24).

Mattoso Câmara Jr, importante nome nos estudos linguísticos no Brasil, oferece em
seu Dicionário de linguística e gramática um tratamento dos estudos fonéticos di-
vididos em fonética descritiva, fonética auditiva, fonética experimental ou de
laboratório e fonética histórica ou diacrônica. Entendida como “estudo da fona-
ção”, a fonética é apresentada por Mattoso Câmara Jr. (1986, p. 116), uma primeira
área, como fonética descritiva porque “ela nos dá os efeitos acústicos elementares
que a nossa audição apreende como unidades sônicas, ou sons da fala, produzidos
pela articulação dos órgãos fonadores”. A fonética auditiva é caracterizada pela cons-
tatação de que “a fonética, para obter a realidade física integral do som da fala e da
sua concatenação num vocábulo ou frase, apoiou-se a princípio, exclusivamente, numa
especial educação auditiva, por parte do foneticista, e no exame introspectivo do seu
próprio jogo articulatório ao falar” (MATTOSO CÂMARA JR., 1986, p. 119). A fonética
experimental ou de laboratório estaria ligada ao surgimento e ao emprego de aparelhos
especiais, que seriam utilizados no estudo da articulação dos órgãos fonadores ou nos
estudos das “vibrações do ar que resultam da emissão dos sons vocais” (MATTOSO
CÂMARA JR., 1986, p. 120). A fonética histórica ou diacrônica “estuda na história
interna da língua as mudanças fonéticas, estabelecendo as chamadas leis fonéticas”
(MATTOSO CÂMARA JR., 1986, p. 120).

2.4  Segmentos fônicos


Para a apresentação dos diferentes segmentos fônicos da fala, serão aqui tra-
tados os sons emitidos em seus movimentos articulatórios. Uma vez que a ca-
racterística distintiva não será considerada, esses sons serão vistos não como
fonemas, mas como fones.
Na língua portuguesa, esses segmentos fônicos classificam-se em segmen-
tos vocálicos e segmentos consonantais. A divisão tradicional entre vogais e
consoantes em nível de articulação deve ter seu entendimento calcado na libe-
ração do fluxo de ar dos pulmões.

48 • capítulo 2
2.4.1  Segmentos vocálicos

Vogais são sons produzidos com o ar saindo dos pulmões (fluxo de ar egressivo) ,
sem nenhum impedimento a essa passagem de ar. Esses sons vocálicos se dife-
renciam dos consonantais pela inexistência de obstrução à saída de ar no trato
vocal e são produzidos de modo que o estreitamento gerado pelo movimento
dos articuladores não produza fricção. Sua emissão é realizada com a vibração
das pregas vocais, sendo por isso considerados sons vozeados ou sonoros.
As vogais podem ser ainda classificadas como orais e nasais. Na produção das
orais, o véu do palato fecha a passagem à cavidade nasal, fazendo com que o ar
saia somente pelo trato oral. Nas vogais nasais, o véu palatino encontra-se abaixa-
do, permitindo que o ar passe também pelas cavidades ressoadoras nasais.
Com relação às consoantes, estas são articuladas por meio da obstrução
parcial ou total no trato oral.
Há quatro critérios de classificação para as vogais:

a) Quanto à zona de articulação, segundo Bechara (2009) as vogais podem ser:


•  média ou central: a
•  anteriores ou palatais: é, ê, i
•  posteriores ou velares: ó, ô, u

/i/ /u/

/ê/ /ô/
Anteriores /é/ /ó/ Posteriores

/a/
Média

Por modo de articulação entendem-se os diferentes graus de fechamento da


cavidade orofaríngea e as maneiras como o ar nela modificado escoa pela boca.
Pontos ou áreas de articulação são os diferentes lugares em que dois articulado-
res entram em contato (CALLOU & LEITE, 2009, p. 23).

capítulo 2 • 49
Para a classificação articulatória das vogais, estão envolvidos o corpo da lín-
gua e os lábios. O corpo da língua pode movimentar-se verticalmente, levantan-
do-se ou abaixando-se, ou horizontalmente, avançando ou recuando. A mandí-
bula auxilia na abertura do trato oral para a diferenciação entre vogais abertas e
fechadas. O parâmetro que define o movimento vertical da língua é denomina-
do altura e o que define o movimento horizontal (avanço/recuo) denomina-se
anterioridade/posterioridade.
Há ainda a possibilidade de os lábios estarem distensos ou arredondados. O
movimento de arredondamento dos lábios ocorre na produção de vogais ditas
arredondadas. As demais são articuladas com os lábios distensos e são classifi-
cadas como não arredondadas.

b) Quanto à Intensidade, as vogais podem ser:


•  tônicas: mais intensidade
•  átonas: intensidade fraca

Para Bechara (2009, p. 63), vogal átona é inacentuada: avó, pagar, tímido. As
vogais átonas podem estar antes da tônica (pretônicas): avó, pagar, ou depois
(postônicas): tímido.
Nos vocábulos de maior extensão fonética, mormente nos derivados e nos
verbos seguidos de pronome átono, pode aparecer, além da tônica, uma vogal
de grande intensidade, a qual recebe o nome de vogal subtônica: polidamente,
cegamente.

c) Quanto ao timbre, as vogais podem ser:


•  abertas - a, é, ó (em sílabas tônicas ou subtônicas)
•  fechadas - ê, ô, i, u (em sílabas tônicas, subtônicas ou átonas)
•  reduzidas - vogais átonas finais, proferidas fracamente

Timbre, segundo Bechara (2009, p. 63), é o efeito acústico resultante da dis-


tância entre o dorso da língua e o véu do paladar, funcionando a cavidade boca
como caixa de ressonância. O timbre é o traço distintivo das vogais. Na vogal de
timbre aberto, a língua se acha baixa: /a/, /é/, /ó/. Na vogal de timbre fechado, a
língua se eleva: /ê/, /ô/, /i/, /u/. A vogal de timbre reduzido é proferida de forma
debilitada, anulando-se a oposição entre aberta e fechada.

50 • capítulo 2
d) Quanto ao papel das cavidades bucal e nasal, as vogais podem ser:
•  orais - a, é, ê, i, ó, ô, u – ressonância apenas da boca
•  nasais - todas as vogais nasalizadas – ressonância em parte da cavidade
nasal.

Índices de nasalidade: ~ e m ou n em fim de sílaba


São orais as vogais cuja ressonância se produz na boca. Há sete vogais orais
tônicas (/á/, /é/, /ê/, /i/, /ó/, /ô/, /u/, cinco orais átonas, por não haver aqui distin-
ção entre /é/ e /ê/ , /ó/ e /ô/ (/a/, /e/, /i/, /o/, /u/) e três reduzidas (/a/, /i/, /u/).
São nasais as vogais que, em sua produção, ressoam nas fossas nasais. Há
cinco vogais nasais (/ã/, /~e/, /~i/, /õ/, /~u/): lã, canto, campina, vento, venta-
nia, límpido, vizinhança, conde, condessa, pronunciamos. É o fenômeno da
ressonância, e não o da saída do ar, o que opõe os fonemas orais aos nasais.
(BECHARA, 2009, p. 64).

ABERTAS FECHADAS REDUZIDAS

Orais Orais Nasais Orais Nasais

1) A: pá, caveira ________ Romã, canto Casa Ímã, cantinho

2) E: fé, tela Vê, negro Lembro, vento Verde Engolir

Globi-
3) O: pó, voto Avô, povo Ponto, tômbola Comprida
nho

4) I: .............. Li, vida Fim, tinta Lápis Tinteiro

5) U: ............ Luz, tudo Fundo, cumpro Vírus Álbum

Além desses quatro critérios para classificação das vogais, Bechara (2009, p.
65) propõe o quinto critério:

capítulo 2 • 51
e) Quanto à elevação da língua, as vogais podem se distinguir em:
•  vogal baixa: /a/
•  vogais médias: /é/, /ó/ e /ê/ /ô/
•  vogais altas: /i/, /u/

Entre as nasais, desaparecem os dois graus de elevação das vogais médias.

2.4.1.1  Encontros Vocálicos

Considerando-se o português brasileiro (PB), podemos observar a ocorrência


de encontros de dois ou três segmentos vocálicos, chamados de hiatos, diton-
gos ou tritongos, os quais são formados, em geral, pelas vogais altas anterior [ i
] e posterior [ u ]. Quando ocupam as posições periféricas da sílaba, essas vogais
são chamadas de semivogais e apresentam menor proeminência acentual se
comparadas às vogais que acompanham. Nesse caso, são representadas, res-
pectivamente, pelos símbolos fonéticos [ j ] e [ w ].

•  Hiato
É o encontro de duas vogais em sílabas diferentes por guardarem sua indi-
vidualidade fonética: saída, caatinga, moinho. Isso ocorre porque a passagem
da primeira para a segunda se faz mediante um movimento brusco com inter-
rupção da voz.
De acordo com Cavalieri (2005), temos hiatos nas seguintes sequências:
a) entre vogais iguais átonas: caatinga, coordenação
b) entre vogais iguais, em que a segunda é tônica: alcoólico, xiita
c) entre vogais iguais, sendo a primeira tônica: voo, veem
d) entre vogais diferentes átonas: doação, estereotipado
e) entre vogais diferentes, sendo a primeira tônica: Maria, pavio
f) entre vogais diferentes, sendo a segunda tônica: hiato, freada

•  Ditongo
Os ditongos constituem-se de dois segmentos vocálicos. Há, no entanto,
duas possibilidades de sequência em uma mesma sílaba:

Vogal + semivogal ou semivogal + vogal

52 • capítulo 2
Vejamos alguns exemplos:
Pai, mãe, água, cárie, mágoa, rei
As sequências finalizadas por semivogal são sempre inseparáveis e são cha-
madas de ditongos decrescentes, pois terminam pela vogal com menor proe-
minência acentual. Na sequência semivogal + vogal, chamada de ditongo cres-
cente, já que é finalizada pelo segmento de maior proeminência (a vogal), há
possibilidade de esses dois segmentos constituírem sílabas separadas.
Os ditongos podem ser:

a) Crescentes e decrescentes
•  Crescente é o ditongo em que a semivogal vem antes da vogal: água, cárie,
mágoa.
•  Decrescente é o ditongo em que a vogal vem antes da semivogal: pai, mãe, rei.

Observação: para Bechara (2009, p. 67), a existência de ditongo crescente


pode ser discutível em muitos casos “por ser indecisa e variável a sonoridade
que se dá ao primeiro fonema. Certo é que tais ditongos se observam mais fa-
cilmente na hodierna pronúncia lusitana que na brasileira, em que a vogal (=
semivogal), embora fraca, costuma conservar sonoridade bastante sensível”.

b) Orais e nasais
Os ditongos nasais são sempre fechados, enquanto os orais podem ser aber-
tos (pai, céu, ideia) ou fechados (meu, doido, veia). Nos ditongos nasais, são
nasais a vogal e a semivogal, mas só se coloca til sobre a vogal: mãe.

•  Tritongo
Nos encontros de três segmentos vocálicos, em que somente um deles
ocupa o pico silábico, temos os chamados tritongos. Alguns estudiosos consi-
deram os tritongos como a fusão de um ditongo crescente e um decrescente;
outros consideram que tritongos, precedidos de oclusivas velares, seriam cer-
tamente consoantes complexas seguidas de ditongo. Assim, em palavras como
Uruguai, transcrita como [u r u’ g w a j], o dígrafo gu representaria uma con-
soante velar arredondada ou labializada [gw] (CAVALIERI, 2005; CRISTÓFARO
SILVA, 2002).

capítulo 2 • 53
2.4.2  Segmentos Consonantais

De acordo com a nomenclatura gramatical brasileira, classificam-se as conso-


antes de acordo com quatro critérios:

a) Quanto ao modo de articulação;


As consoantes, quanto ao modo de articulação, podem ser oclusivas e cons-
tritivas; estas últimas se subdividem em fricativas, laterais, vibrantes e nasais.

quando os órgãos da boca estão dispostos de tal modo que


OCLUSIVAS impedem totalmente a saída de ar.

quando os órgãos da boca estão dispostos de tal modo que impe-


CONSTRITIVAS dem parcialmente que a corrente expiratória chegue à atmosfera.

quando a correnteexpiratória, passando entre os órgãos que


FRICATIVAS formam o obstáculo parcial, produz um atrito à maneira de fric-
ção: /f/, /v/, /s/, /z/, /x/ e /j/.

quando a passagem da corrente expiratória, obstruída pela


aproximação do ápice ou dorso da língua aos alvéolos da arca-
LATERAIS da dentária superior ou do palato, escapa pelos lados da cavi-
dade bucal: /l/, /lh/.

quando o ápice da língua contra os alvéolos ou a raiz da lín-


gua contra o véu palatar executam movimento vibratório rápi-
VIBRANTES do, abrindo e fechando a passagem à corrente expiratória: / r/
(simples) e /rr/ (múltipla).

quando, pelo abaixamento do véu palatino e pelo abrimento do


NASAIS nasal, as consoantes ressoam nas fossas nasais. Temos três con-
soantes nasais: a bilabial /m/, a linguodental /n/ e a palatal /nh/.

54 • capítulo 2
b) Quanto à zona de articulação, as consoantes podem ser:
•  Bilabiais (lábio contra lábio): /p/, /b/, /m/
•  Labiodentais (lábio inferior e arcada dentária superior): /f/, /v/
•  Linguodentais (língua contra arcada dentária superior): /t, /d/, /n/
•  Alveolares (língua em direção ou contra os alvéolos): /s/, /z/, /l/, /r/, /rr/
•  Palatais (dorso da língua contra o céu da boca): /x/, /j/, /lh/, /nh/
•  Velares (raiz da língua contra o véu paladar): /k/, /g/

c) Quanto ao papel das cordas vocais, as consoantes podem ser:


•  Surdas: /p/, /f/, /t/, /s/, /x/, /k/
•  Sonoras: /b/, /v/, /d/, /z/, /j/, /g/, /m/, /n/, /nh/, /l/, /lh/ /r/, /rr/

d) Quanto ao papel das cavidades bucal e nasal, as consoantes podem ser:


•  Nasais: /m/, /n/, /nh/.
•  Orais: as demais são orais

Vejamos como fica esta classificação de acordo com o quadro abaixo:

Bilabiais Surda:/p/
Sonora:/b/
Surda:/t/
Oclusivas Linguodentais
Sonora:/d/
C
o Velares Surda:/t/
Sonora:/d/
n
Surda:/f/
s
Labiodentais Sonora:/v/
o
a Fricativas Alveolares Surda:/s/
n Palatais Sonora:/z/
t
Vibrantes Simples:/r/ Sonora:/j/
e Múltipla:/rr/ Surda:/x/
s Constritivas
Laterais Alveolar:/I/
Palatal:/Ih/
Bilabial:/m/
Nasais Linguodental:/n/
Palatal:/nh/

Figura 2.1 – Quadro de classificação das consoantes. Bechara 2009, p. 71.

capítulo 2 • 55
2.5  Fone, fonema e alofone
O modelo de fonologia que parece mais, aparentemente, é mais fácil de ser en-
tendido, em razão de termos uma tradição maior na direção que vai do particu-
lar ao mais geral, é o da fonêmica. Usaremos, portanto, tal modelo para apre-
sentar alguns conceitos básicos, tais como unidade distintiva e variação, sons
foneticamente semelhantes, dentre outros.
Vale destacar, antes de aprofundarmos nossos estudos a respeito da dife-
rença entre fone e fonema, do ponto de vista de representação, que existem os
níveis fonético e fonêmico. No plano fonético, temos fones que transcrevemos
entre colchetes como, por exemplo [a], enquanto, no plano fonêmico, temos
fonemas que transcrevemos entre barras transversais como, por exemplo /a/.
De acordo com Silva (2003, p. 127), fones são todos aqueles segmentos con-
sonantais e vocálicos identificados na transcrição fonética do corpus. Em ou-
tras palavras, fones são os segmentos encontrados no quadro fonético.
A determinação de fonemas, segundo SILVA (2003, p. 127) ocorre com a
identificação de pares mínimos para um grupo de dois segmentos.
Os alofones serão tratados mais adiante.

2.5.1  Os fonemas

Conforme visto no capítulo 2, item 2.1, fonética e fonologia, foram apresenta-


das as definições para fonema. Acrescentamos aqui mais uma contribuição de
BECHARA (2009, p. 57), “os fonemas são os sons elementares e distintivos que
o homem produz quando, pela voz, exprime seus pensamentos e emoções”. Fo-
nema é uma realidade acústica, registrada pelo nosso ouvido.
É interessante retomar os estudos do capítulo 1, para haver mais compreen-
são sobre fonemas, uma vez que se faz necessário dominar esse assunto para
entender o que são alofones. Para entender melhor a definição de fonema,
é , primeiramente, saber o que é uma unidade distintiva. As línguas naturais
formam-se da união de significados e significantes. Significante é a imagem
acústica do som que ainda se constitui em uma abstração. Significado tem a ver
com a ideia que essa imagem acústica transporta.

56 • capítulo 2
Para Cagliari (2002, p.24), “fonemas são os sons que têm a função de formar
morfemas e que, substituídos por outros ou eliminados, mudam o significado
das palavras”.
Para assinalar os fonemas de uma determinada língua, usamos o teste de
comutação, ou seja, de substituição de um som pelo outro. Através desse teste,
podemos fazer um levantamento de todos os sons de uma língua que têm a fun-
ção de fonema (distintiva).
Para melhor compreensão, vejamos alguns exemplos extraídos de Fonética
e fonologia do português, de Thais C. Silva (SILVA, 2003, p. 126).
Em português, definimos /f/ e /v/ como fonemas distintos, uma vez que o
par mínimo “faca” e “vaca” demonstra oposição fonêmica. Dizemos que o par
mínimo “faca/vaca” caracteriza os fonemas /f,v/ por contraste em ambiente
idêntico.
Quando os pares mínimos não são encontrados para um grupo de sons em
uma determinada língua, podemos caracterizar os dois segmentos em questão
como fonemas distintos pelo contraste em ambiente análogo.
Observem o exemplo:
Os sons [s] e [z], em português, são fonemas distintos em posição intervo-
cálica, pois existem pares mínimos que demonstram o contraste em ambiente
idêntico entre esses dois sons: “assa/asa”. Um exemplo para demonstrar o con-
traste fonêmico em ambiente análogo entre [s] e [z] em posição inicial é o par
de palavras “sumir/zunir”. Observe que, além da diferença segmental de [s] e
[z], temos a diferença entre [m] e [n] precedendo a vogal tônica. Não há razão
para supor que as consoantes nasais [m] e [n] possam influenciar a ocorrência
de [s] e [z], portanto o par de palavras “sumir/zunir” demonstra o contraste em
ambiente análogo entre [s] e [z], em posição inicial.

2.5.2  Os Alofones

Como o fone é a concretização do fonema (este é entidade abstrata), podemos


dizer que os alofones são variações fônicas. Os alofones são as realizações fo-
néticas de um mesmo fonema, condicionadas por fatores contextuais (ineren-
tes à vizinhança fonética ou coarticulação), dialetais (em função da varieda-
de geográfica que é falada) ou simplesmente decorrem de opções estilísticas
individuais.

capítulo 2 • 57
São exemplos de alofones condicionados pelo contexto as realizações do fo-
nema /s/ marca de plural, que se realiza por meio de três fones diferentes, do
seguinte modo:

•  [s] antes de consoante surda ou em posição final absoluta: <olhos pretos>


•  [z] antes de consoante sonora: <olhos verdes>
•  [z] antes de vogal: <olhos azuis>.

Assim, [s], [z] e [z] constituem alofones ou variantes fonéticas do fonema /s/
marca de plural, ocorrência que pode ser descrita por regras fonológicas.
São exemplos de alofones condicionados pela variante dialetal as realiza-
ções fonéticas do grafema /ch/ e do correspondente fonema /S/, em algumas
regiões do nordeste de Portugal, que são articulados como uma africada [tS]
em <chapéu>, por contraste com uma articulação palatal simples [S] na varian-
te do português-padrão. Assim, dialetalmente podemos dizer que [tS] e [S] são
alofones do fonema /S/.
Constituem ainda exemplos de variantes estilísticas ou livres, por resulta-
rem de opções individuais, as realizações do fonema /r/ nos alofones [rr] (vi-
brante uvular múltipla) ou [ÿ] (vibrante alveolar múltipla), em palavras como
rodar ou arrancar.
O fonema /t/, por exemplo, pode ser realizado, no português brasileiro,
como [t] – realização oclusiva linguodental –, observável em certas regiões pau-
listas sob influência italiana e no Nordeste oriental, especialmente dodo Rio
Grande do Norte a Sergipe.. Pode esse fonema também se realizar como [tš] –
realização fricativa palatal –, comum em vastas regiões brasileiras, como Rio de
janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul etc.
Diz-se tradicionalmente que as variantes ou alofones podem ser de vários
tipos: posicionais, regionais, estilísticas, livres ou facultativas.
As variantes posicionais ou combinatórias são as que mais interessam aos
foneticistas, pois decorrem do próprio contexto fônico em que ele é realizado.
Por exemplo, os fonemas /t/ e /d/ apresentam, em certos dialetos do português,
uma realização palatal diante de /i/ (tira, ditado, limite) e uma realização alveo-
lar ou dental diante das outras vogais (tua, tela, docas, dado) (CALLOU e LEITE,
2003, p.44).

58 • capítulo 2
Dependem dos hábitos articulatórios de cada falante.
LIVRES Assim, em princípio, muitos alofones são possíveis para
qualquer fonema.

Ocorrem em decorrência da posição que ocupam na ca-


deia fonológica e da proximidade dos fonemas vizinhos. O
exemplo acima, das realizações de /t/, é ilustrativo: esse
fonema é concretizado no Brasil como [tš] antes de /e/
(por sua vez, realizado como [i]), de /i/ e de /y/, como em
POSICIONAIS tomate, tipo e tio. Nas demais posições, é linguodental.
O mesmo vale para /d/, nas citadas posições, onde é rea-
lizado como [dž] antes de /e/ (realizado como [i]), de /i/ e
de /y/, como em vontade, divino e diálogo. Nas demais
posições, realiza-se como [d]. Isso, conforme já dissemos,
varia de acordo com as regiões brasileiras.

São produzidos com intenção expressiva, como o alon-


ESTILÍSTICOS gamento de [e]: meeeeeu.

2.5.3  A Comutação no reconhecimento de fonemas e alofones

De acordo com Cagliari (2002, p.24), os sons que têm a função de formar mor-
femas e que, substituídos por outros ou eliminados, mudam o significado das
palavras são chamados de fonemas. Lembrando que já foram apresentadas,
neste capítulo, as definições acerca de fonema, vamos retomá-las aqui apenas
para dar sequência a nossos estudos a respeito de alofones.
Para assinalar os fonemas de uma determinada língua, usamos o teste de
comutação, ou seja, a substituição de um som pelo outro. Através desse teste,
podemos fazer um levantamento de todos os sons de uma língua que têm a fun-
ção de fonema (distintiva).

capítulo 2 • 59
ATIVIDADES
01. Estabeleça as principais diferenças entre fonética e fonologia.

02. Considerando o que foi exposto neste capítulo, quais são as três grandes áreas de
interesse da fonética?

03. Observe o quadro de pares mínimos e/ou ausência de pares mínimos para os sons
foneticamente semelhantes (SFS) do português brasileiro e complete-o com a transcrição
fonética (SILVA, 2003, p.139).

SFS CONTRASTE OU AUSÊNCIA DE CONTRASTE FONÊMICO


p/b pato bato [‘patʊ] [‘batʊ]
t/d cata cada [‘katƏ] [‘kadƏ]
k/g cravo gravo [‘kɾavʊ] [‘gɾav ]
tᶴ/ ʤ tia dia
f/v faca vaca
ᶴ/ᶾ chá já
x/ᵞ
h/ɦ
t/s tapa sapa
d/z roda rosa
t/tᶴ
d/ ʤ
s/tᶴ chia tia
z/ᴣ asa haja
x/h
ᵞ/ɦ
m/n cama cana
m/ɲ soma sonha
n/ɲ sono sonho
l/ʎ mala malha
l/lʲ mala malha
lʲ/ ʎ
ɾ/ř caro carro
l/ ɾ calo caro
l/ ř calo carro
n/nʲ sono sonho
nʲ/ ɲ

60 • capítulo 2
REFLEXÃO
Os estudos em fonética articulatória podem mostrar-se relevantes e úteis, pois esclarecem
aspectos importantes da anatomia e da fisiologia da produção da fala, descrevendo a manei-
ra como os sons da fala são articulados pelos órgãos do aparelho fonador.
Desse modo, a fonética articulatória traz grande contribuição para o aprendizado da lín-
gua materna e de línguas estrangeiras; coopera com outras áreas do conhecimento ao forne-
cer subsídios para o trabalho com dificuldades e limitações relacionadas com patologias da
fala e da linguagem; e, ainda, contribui para a compreensão de diversos aspectos linguísticos.
O profissional da área de Letras não deve negligenciar as informações e os conhecimen-
tos advindos da fonética articulatória, mesmo que tenha alguma dificuldade com aspectos
descritivos e classificatórios dos sons ou com elementos da anatomia e da fisiologia da fala.
Quem trabalha com a língua precisa ter conhecimentos técnicos e teóricos necessários para
a compreensão de seu funcionamento e descrição.

LEITURA
O livro No reino da fala, de Eleonora Maia, publicado pela Ática, é uma leitura interessante
para quem quer avançar um pouco mais nos princípios da fonética, tanto articulatória quanto
acústica. A autora apresenta esses assuntos de forma bastante didática e compreensível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BABINI, Maurizio. Fonética, fonologia e ortoépia da língua italiana. São Paulo: Annablume, 2002.
BORBA, Francisco. da S. Introdução aos estudos linguísticos. 12. ed. Campinas: Pontes, 1998.
CAGLIARI, Luiz C.; MASSINI-CAGLIARI, Gladis. Fonética. In: MUSSALIM, Fernanda;
BENTES, Anna Cristina (Org.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez,
2004.
CALLOU, D. & Leite, Y. Iniciação à fonética e à fonologia. 11. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
CRYSTAL, David. A Dictionary of Linguistics and Phonetics. Oxford: Blackwell, 1980.
DUBOIS, J. et alli. Dicionário de Linguística. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
LOPES, E. Fundamentos da linguística contemporânea. São Paulo: Cultrix, 2005.
MACHADO, Mirian. Breve histórico. Sociedade Brasileira de Fonética, abr. 2004. Disponível em:
<http://sbfonetica.vilabol.uol.com.br/ congr.htm >.

capítulo 2 • 61
MATTOSO CÂMARA JR., J. Dicionário de Linguística e Gramática. 13 ed. Petrópolis: Vozes, 1986.
MEDEIROS, Beatriz; DEMASI, Rita. A história que nos conta o acervo do Laboratório de Fonética
da USP. São Paulo: Boletim online do CEDOCH, 2006.
SANTOS, R. S.; SOUZA, P. C. Fonética. In: FIORIN, J. L. (Org.). Introdução à linguística II: princípios
de análise. São Paulo: Contexto, 2003. p. 9-31.
SILVA, Thaïs Cristófaro. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios.
7ª ed. rev. e atual. São Paulo: Contexto, 2003.
SOUZA, Marcela O. P. A fonética como importante componente comunicativo para o ensino de
língua estrangeira. Prolíngua, Vol. 2, nº 1, jan./jun 2009.

62 • capítulo 2
3
Classificação
Articulatória das Vogais
e das Consoantes;
Transcrição
Fonológica - Processos
Fonológicos
Retomaremos, neste capítulo, os conhecimentos apresentados no capítulo 1
acerca de transcrição fonética para, na sequência, distingui-la da transcrição
fonológica. Em seguida, iremos conceituar os processos de neutralização e de
arquifonema, embasados principalmente em Callou & Leite (2009). Finaliza-
mos o capítulo discutindo os processos fonológicos, os quais manifestam-se
por adição ou inserção, supressão ou queda e por permuta de segmentos.

OBJETIVOS
Neste capítulo, você será capaz de:

•  Distinguir transcrição fonética de transcrição fonológica;


•  Conceituar o processo de neutralização;
•  Conceituar arquifonema;
•  Identificar os casos de neutralização na análise fonológica;
•  Empregar o arquifonema na representação fonológica;
•  Identificar os seguintes processos fonológicos na análise fonológica: debordamento, assi-
milação, harmonização vocálica, nasalização, palatalização, metafonia, ditongação, epêntese
aférese, síncope e apócope.

64 • capítulo 3
3.1  Transcrição fonética e transcrição
fonológica

Discutimos no item 1.4 do capítulo 1 afirmações acerca da transcrição fonética,


portanto sugiro que retorne a esse item fazendo uma releitura e depois conti-
nue os seus estudos para estabelecer um paralelo entre a transcrição fonética e
a transcrição fonológica.
Retomando o tema do capítulo 1, podemos dizer que transcrição fonética é
a tentativa de se registrar de modo inequívoco o que se passa na fala. O alfabe-
to fonético é uma convenção para se escreverem os sons das línguas indepen-
dentemente da convenção que cada uma utiliza para sua escrita no cotidiano
(CALLOU & LEITE, 2009, p.34).
Fonêmica é a área da linguística que busca estabelecer as relações entre fo-
nemas e alofones e teve como formulação inicial propor um método para con-
verter a fala em sistemas de escrita.
Para as transcrições fonêmicas, as quais devem ser feitas entre barras trans-
versais, deve-se recorrer ao quadro fonêmico da língua estudada (os quadros
variam para cada língua). Somente os fonemas aparecem nas transcrições fo-
nêmicas, ou seja, os alofones não são utilizados nas transcrições. Os símbolos
utilizados nas transcrições fonêmicas são, geralmente, os mesmos utilizados
nas transcrições fonéticas (símbolos propostos pelo Alfabeto Internacional de
Fonética). Símbolos adicionais que não figuram no quadro do IPA podem ser
utilizados em transcrições fonêmicas, desde que seja indicado eles represen-
tam, ou seja, todo e qualquer símbolo só tem interpretabilidade se especifica-
dos suas características e funções dentro do sistema simbólico em questão.
Por meio de seus movimentos articulatórios, pelo olhar da fonética, e de
suas oposições, pela representação fonológica, estudamos o sistema consonan-
tal e vocálico do português brasileiro. Vimos, até então, duas formas de notação
dos segmentos aqui tratados: (a) aquela que aparece entre colchetes quadrados
([ ]) correspondente à notação fonética, e que se baseia na produção do falante;
e (b) aquela entre barras inclinadas (/ /), que considera apenas os segmentos
que têm a função de distinguir significados. No primeiro caso, os segmentos
transcritos são denominados fones e, no segundo, fonemas.

capítulo 3 • 65
Selecionamos algumas palavras para exemplificar como seriam transcritas
por meio da transcrição fonética e, depois como seriam consideradas na trans-
crição para o nível fonológico.

TRANSCRIÇÃO TRANSCRIÇÃO
PALAVRAS FONÉTICA FONOLÓGICA

/‘p
Pato [ ‘p ɑ t ʊ]
to/

Bato [‘b ɑ t ʊ] /‘b ɑ t o/

Dato [‘d ɑ t ʊ] /‘d ɑ t o/

Cato [‘k ɑ t ʊ] /‘k ɑ t o/

Querido [k i ‘ɾ i d ʊ] /‘k ᴇ ‘ɾ i d o/

Quinta [k ỉ ᵑ t ɐ] /k ỉ Ν t ɐ/

Guerra [ɡɛΧɐ] /ɡ ɛ г ɐ/

3.2  Aplicações e limitações do alfabeto


fonético

A transcrição fonética tem sua utilidade ao percebermos que a fonética lida


com a substância da expressão. Essa substância precisa ser registrada o mais
fielmente possível.

66 • capítulo 3
É comum encontrar, no contexto escolar, dificuldades e confusões para re-
presentar os sons por meio das letras. O alfabeto ortográfico pode apresentar,
por exemplo, uma mesma letra para sons diferentes ou letras diferentes para
sons idênticos.

CONEXÃO
Você pode ouvir e visualizar a realização ou a emissão dos sons descritos na tabela fonética
consonantal usando um software que contém animações e recursos muito interessantes.
Para acessá-lo e usá-lo online, siga o link: <http://www.cefala.org/fonologia/fonetica_
consoantes.php>.

Encontramos, geralmente, problemas ortográficos nos quais há dúvida so-


bre a existência ou não de “h” na palavra haja ou hesitação sobre o uso de “g”
ou “j’ na palavra jiló. Constatamos, por exemplo, que o uso do “h” na ortografia
brasileira é totalmente arbitrário, levando-se em conta a perspectiva fonética.
Temos aí, de acordo com Santos e Souza (2003, p. 26), a primeira razão para
utilizar um alfabeto diferente do alfabeto ortográfico para lidar com o registro
mais fiel dos sons da fala humana.

As crianças, que estão aprendendo a grafia, escrevem xícara com ch, exame com z, malha
com lia. Isso ocorre porque, na ortografia, um som não necessariamente corresponde
a uma letra. Vejamos: a letra x tem diferentes pronúncias (exame, xícara), o s pode ser
como em sapo ou em asa. Por outro lado, assim como temos uma letra que corresponde a
mais de um som, um som pode corresponder a mais de uma letra. Por exemplo, o primeiro
som da palavra zebra pode ser grafado como z (zéfiro), s (mesa) ou x (exame). O primeiro
som da palavra rato ora é grafado com um r (rio), ora com RR (carro); o primeiro som de
sapo é escrito ortograficamente como s (seis), ss (passa), ç (caça), x (auxílio). Por fim,
há muitos casos em que se usa uma combinação de letras para indicar um determinado
som (por exemplo, nh, lh, ch), em que uma única letra que representa mais de um som (x
para sexo) e em que se utilizam letras que não têm nenhum correspondente sonoro (por
exemplo, o h em hospital).
SANTOS; SOUZA, 2003, p. 25-26.

capítulo 3 • 67
Vemos, então, que a razão para usarmos o alfabeto fonético em vez do alfa-
beto ortográfico nos estudos fonéticos e na fonologia está relacionada com a
necessidade de ser fiel à realidade da expressão da substância.

O alfabeto ortográfico já é uma abstração. Ninguém escreve como fala. A palavra porta
é grafada igualmente por cariocas, piracicabanos e gaúchos; no entanto, cada um pro-
nuncia esse r de maneira diferente. Essa abstração é importante para a uniformização
e o entendimento (preocupação com o conteúdo), mas, se a preocupação é com a
expressão, deve-se tentar identificar cada som diferente. É por isso que se faz uso de
um alfabeto fonético, que visa a notar mais precisamente cada som. Por exemplo, (...) a
segunda vogal de ovo não é igual à primeira, assemelha-se a um [u], mas também não é
como a primeira vogal de uva. Essa segunda vogal de ovo é mais central do que a vogal
[u] e um pouco mais alta do que a vogal [o]. Há um símbolo único para descrever esse
som: [ʊ]. A mesma coisa ocorre com a segunda vogal de sete. Ela não é baixa como um
[e] nem é tão alta e anterior como um [i]. Seu símbolo é o [ɪ]. No caso dos ditongos, a
posição da vogal não acentuada leva os estudiosos a analisá-las como aproximantes, e
por isso, tem-se seu [sew] e muito [mũj.tʊ].
SANTOS; SOUZA, 2003, p. 26.

Santos e Souza (2003, p. 26) chamam a atenção, ainda, para o fato de que o
alfabeto fonético não está livre de generalizações e de limitações.

Por exemplo, usa-se o [t] para notar o primeiro som da palavra tacape e [tʃ] para grafar
o primeiro som de tia. No entanto, pode ocorrer de certas pessoas produzirem o [t] co-
locando a ponta da língua entre os dentes e alvéolos, como o fazem os gaúchos. Neste
caso, acrescenta-se um diacrítico [t̪] para marcar a posição, se o intuito for uma trans-
crição mais detalhada, ou simplesmente se usa [t ], caso uma descrição mais geral seja
suficiente. Os diacríticos servem também para marcar outros fenômenos envolvidos na
produção de sons. Por exemplo, quando sussurramos uma palavra como tendência, o
[ d ], que é sonoro, é produzido desvozeado. Para marcar esse desvozeamento, usa-se
um outro diacrítico junto com o símbolo [d̻ ].
SANTOS; SOUZA, 2003, p. 26.

68 • capítulo 3
3.3  Fonemas e variantes
Vimos, ao longo dos capítulos que compõem esse livro, várias definições de fo-
nema. Dentre elas, destacamos aqui fonema como uma entidade abstrata que
se manifesta por meio de segmentos fônicos. Se eliminarmos os detalhes foné-
ticos, que não tem papel distintivo na língua, poderemos representar os seg-
mentos fônicos por meio de uma escrita fonêmica. O fonema individualiza-se e
ganha realidade pelo seu contraste com outros feixes em ambientes fonéticos
idênticos ou análogos, conforme visto no capítulo 2.
A operação usada para depreender os fonemas de uma determinada língua,
a qual consiste em substituir num vocábulo uma parte fônica por outra, de ma-
neira a obter um outro vocábulo da língua: pala: bala: mala: sala: fala: vala, é
chamada de comutação.
Ao examinar os vocábulos pala, bala, tua, sua, cinco, zinco, podemos con-
cluir que segmentos que se diferenciam por apenas um traço podem represen-
tar dois fonemas distintos.
Sabemos que o fonema pode variar na sua realização, por isso aos vários
sons que realizam o mesmo fonema damos o nome de variantes. Uma varian-
te apresenta-se como manifestação substancial de uma unidade abstrata ou
como variante do padrão que representaria essa unidade.
A fonemização implica a redução de um número ilimitado de variantes a
um número limitado de invariantes.
O tipo de variação que os linguistas chamavam, tradicionalmente, de variação
livre era explicado como decorrente de características individuais do falante, inde-
pendentemente de qualquer fator condicionante (CALLOU & LEITE, 2009, p.42).
Labov (1969) demonstrou que a variação aparentemente livre é sempre de-
terminada por fatores extra e intralinguísticos, de forma predizivel, e existe
até no nível do idioleto. O pesquisador não terá condições de predizer em que
ocasião um indivíduo falará desta ou daquela maneira, dirá (karu] ou [kahu]
(carro), por exemplo, mas poderá mostrar que, dependendo da classe social,
do sexo, da idade etc., ele usará uma outra variante, aproximadamente dez por
cento em média numa dada situação. A variação linguística, em geral, é condi-
cionada de forma consistente dentro de cada grupo social, dentro de cada re-
gião e seria parte integrante da competência linguística. A formulação de Labov
pressupõe, portanto, ser a variação inerente ao sistema da língua.

capítulo 3 • 69
3.4  Arquifonema e Neutralização
Vejamos os conceitos apresentados a respeito de neutralização e arquifonema,
extraídos de Callou & Leite (2009, p. 43).
Para as autoras, a neutralização ocorre quando há uma supressão das opo-
sições entre dois ou mais fonemas em determinados contextos, isto é, quando
uma oposição é anulada ou neutralizada. No sistema fonológico do português,
em posição pretônica, há uma neutralização entre [e] e [s] e [o] e [o], cuja opo-
sição é funcional em posição tônica. Em posição átona, os dois fonemas corre-
lativos tornam-se intercambiáveis sem que isso altere o significado da forma. O
conceito de neutralização e de arquifonema (realização não marcada resultan-
te da neutralização) aparece com Trubetzkoy e seus companheiros do Círculo
Linguístico de Praga. Em casos de neutralização, a realização acústica já não
corresponde a um dos fonemas intercambiáveis, mas a um arquifonema que
compreende ambos. Lembrando a distinção do linguista Eugênio Coseriu entre
sistema — norma —fala, vale observar que a realização é indiferente do ponto
de vista do sistema funcional, mas poucas vezes será indiferente do ponto de
vista da norma. No Rio de Janeiro e no Sul do país, em geral, esse arquifonema
será realizado com timbre mais fechado, [e] ou [o], enquanto, no Nordeste, o
timbre mais aberto ocorrerá com mais frequência, [ɛ] e [ɔ]. As normas variam,
portanto, de região para região.
Algumas correntes não aceitam a noção de neutralização e preferem tratar
o fenômeno dentro da morfofonologia ou morfofonêmica.

3.5  Processos fonológicos na análise fonológica


Por ser dinâmica, a língua está sujeita a transformações, modificações, as quais
podem ser determinadas por fatores fonéticos, morfológicos e sintáticos. Além
disso, fatores prosódicos como o acento da palavra ou da frase, a entoação ou a
velocidade da elocução são aspectos que também devem ser levados em consi-
deração ao observarmos essas transformações.
Segundo Callou & Leite (2009, p. 43), uma vogal em sílaba não acentuada
não se comporta da mesma forma que a sua correspondente tônica. As posições

70 • capítulo 3
átonas, por serem mais débeis, favorecem o processo fonológico da neutraliza-
ção, já referido no item 3.3. Deste modo, devemos levar em consideração tanto
os processos fônicos que ocorrem isoladamente nas palavras quanto as modifi-
cações que sofrem as palavras por influência de outras com que estão em con-
tato na frase.
As modificações sofridas pelos fonemas no início, no meio ou no fim da
palavra designam-se processos fonológicos e são responsáveis pelas mudan-
ças linguísticas, logo pela evolução da língua. Deste modo, essas modificações
sofridas pelos segmentos no eixo sintagmático podem alterar ou acrescentar
traços, eliminar ou inserir segmentos. Algumas dessas alterações ocorrem
sistematicamente e atuam sobre o nível fonológico da língua, outras afetam
apenas o nível fonético, ocorrendo assistematicamente. Podemos observar o
funcionamento desses processos fonológicos (e/ou fonéticos) do português no
momento sincrônico, assim como é possível encontrar exemplos na evolução
do latim para o português. Os processos que produziram mudanças históricas
são os mesmos que estamos testemunhando a cada momento hoje. O compor-
tamento fonológico não é amorfo pelo contrário, é o aspecto mais estruturado
da língua.
Esses processos fonológicos manifestam-se por:

•  adição ou inserção
•  supressão
•  permuta

Vejamos cada um deles em particular:

3.5.1  Processos fonológicos por inserção de segmentos:

a) Prótese
Ocorre pelo acréscimo de um fonema no início da palavra:

•  stare > estar


•  spiritu > espírito

capítulo 3 • 71
b) Epêntese
Ocorre pelo acréscimo de um fonema no meio da palavra:

•  humile > humilde


c) Paragoge
Ocorre pelo acréscimo de um fonema no final da palavra:

•  ante > antes

3.5.2  Processos fonológicos por supressão de segmentos:

a) Aférese
Ocorre pela supressão de um fonema no início da palavra:

•  inamorare > namorar

b) Síncope
Ocorre pela supressão de um fonema no meio da palavra:

•  veritate > verdade

Em relação à síncope, há duas observações que podem ser feitas:

1. A supressão de glide provoca “monotongação”: manteiga – mantega


2. A síncope também ocorre nas palavras proparoxítonas (forma empres-
tada do latim clássico). Na fala coloquial, ela se transforma em paroxítona:
(I) chácara – [´∫akſa] (II) xícara – [´∫ikſa] (III)abóbora – [a´bobſa] (IV) fósforo
– [´fosfſo]

c) Apócope
Ocorre pela supressão de um fonema no final da palavra:

•  crudele > cruel

72 • capítulo 3
3.5.3  Processos fonológicos por alteração de segmentos são as
mudanças sofridas por alguns fonemas em resultado da influência
de outros fonemas que lhe estão próximos

a) Assimilação
Um segmento adquire propriedades do segmento que está próximo dele: (I)
Campo [‘bãnku]: [n] se torna velar por influência do [k]; (II) Queijo: o [k] (velar)
diante de [e, i] torna-se palatal; (III) diante de uma vogal, a vibrante vira tepe.
Ex. super amigo; (IV) /s, z/: será surdo ou sonoro conforme a consoante que lhe
segue. Ex. rasga, casca; (V) O mesmo para o /r/: barco, cargo b) palatalização:
Quando o som de um segmento se torna palatal ou semelhante a ele, por exem-
plo, queijo: o [k] (velar) diante de /e, i/ torna-se palatal

b) Dissimilação ocorre quando dois fonemas iguais tornam-se diferentes:


rotundu > rodondo > redondo
alacre > alagre > alegre

c) Sonorização (ou abrandamento) quando o som surdo se torna sonoro.


Ex.: [s] em final de sílaba e diante de fonema sonoro (I) As ovelhas [azo’velas]
(II) Mesmo [‘mezmu] É interessante notar que a sonorização às vezes ocorre no
processo de aquisição de linguagem pela criança. Em vez de “toca”, fala “doca”,
ocorre o inverso, ou seja, a dessonorização: “burro” por “purro”. Na evolução
histórica, também houve sonorização de muitos fonemas: (I) acutu – agudo (II)
aurifice – ourives (III) acetu - azedo f) Metafonia: alteração no timbre da vogal
tônica por influência de uma vogal átona posterior: (I) ovo – ovos (ó) (II) devo –
deves (é) (III) subo – sobes (ó)

Em geral, só em posição tônica há abertura das vogais portuguesas. A fala


típica do Nordeste, porém, é caracterizada pela abertura das vogais pretônicas:
(I) coluna (ó)
(II) Verônica (é)

d) Labialização: quando um segmento torna-se labial arredondado, por


exemplo, osso [oso] A consoante se tornou labializada por ocorrer entre vogais
arredondadas. I) decaimento – fenômeno fonético em que o fone se transforma
em outro, por exemplo, lote [lóti]: o “e” se torna “i”em final de palavras.

capítulo 3 • 73
e) Metátese é a mudança de um fonema dentro de uma sílaba ou palavra:
pro > por
feria > feira

f) Vocalização é a transformação de uma consoante em vogal:


octo > oito
regnu > reino

g) Nasalação: ocorre quando um som oral torna-se nasal por influência de


outro fonema nasal próximo:
lana > lãa > lã
canes > cães

h) Desnasalação: ocorre quando um som nasal torna-se oral:


bona > bõa > boa
luna > lûa > lua

i) Palatização: ocorre quando há a passagem de um grupo consonântico


à palatal:
plumbu > chumbo
flama > chama
clamare > chamar

j) Crase: ocorre quando há a aglutinação de duas vogais em uma só:


legere> leer> ler
pede > pee > pé

k) Ditongação: ocorre quando há a contração de duas vogais em um


ditongo:
lege > lee> lei
animales V animaes > animais

l) Redução vocálica: ocorre quando há o enfraquecimento de uma vogal


em posição átona na segunda palavra:
bolo > bolinho
mar > maresia

74 • capítulo 3
De maneira mais sintética, Callou & Leite (2009, p.44) agrupam esses pro-
cessos fonológicos em:

1. Processos que acrescentam traços ou mudam a especificação dos tra-


ços (o processo de assimilação e um dos mais conhecidos e é também respon-
sável por um grande número de alterações fônicas): podemos citar os processos
de nasalização e palatalização que fazem com que, por exemplo, uma vogal se
torne nasalizada diante de consoante nasal (cama, tônica) ou uma consoante se
realize como palatal quando estiver diante de vogal anterior palatal (tira, diabo)
etc. Os processos conhecidos como harmonização vocálica e metafonia tam-
bém se incluem neste item. No primeiro caso, ocorre uma ação assimilatória
da vogal tônica sobre a pretônica (m[i]nino, f[i]liz, f[u]rmiga, c[u]stume); no se-
gundo, ocorre ação assimilatória da átona sobre a tônica. Metafonia é o proces-
so diacrônico que irá explicar a passagem de metu a m[e]du; sincronicamente,
plurais como form[o]sos, comp[o]stos que a norma culta rejeita explicam-se
também por extensão da regra de metafonia.
2. Processos que inserem segmentos (por exemplo, a ditongação, a epên-
tese etc., que irão explicar o aparecimento de uma semivogal em rapa[y]z e de
uma vogaL em ab[i]soluto, ad[i]vogado, t(a]ramela, respectivamente).
3. Processos que apagam segmentos (pronúncias como o[kl]os, xi[kr]a,
'perai' por 'espera ai', tradicionalmente denominadas como síncope, aférese,
apócope, a depender da posição em que se encontre a vogal).

Esses três grupos de processos abarcam numerosos exemplos de mudan-


ças e atuam sobre a estrutura da sílaba. Podem ocorrer alterações na distribui-
ção de vogais e consoantes, mudança de classe principal, enfraquecimento ou
reforço, sempre segundo a posição do segmento no vocábulo ou no sintagma.
No registro informal e na linguagem popular, podemos encontrar a cada passo
exemplos que demonstram essa dinâmica da língua.

capítulo 3 • 75
ATIVIDADES
01. (UFMG) Indique a forma ortográfica de cada um dos exemplos que se seguem (pode
ocorrer sequência de palavras).

FORMA ORTOGRÁFICA BELO HORIZONTE (MG) RIO DE JANEIRO (RJ) TEÓFILO OTONI (MG)
1. [‘pas] [‘paiʃ] [‘paz]
[‘lus] [‘luiʃ] [‘luz]
[mespa‘sadʊ] [meiʃpa‘sadʊ] [mespa‘sadʊ]
[paskalo’ ɾozə] [paiʃkalo’ ɾozə] [paskalo’ ɾozə]
[lustaɦ’ dʒiə] [luiʃtaɦ’ dʒiə] [lustaɦ’ dʒiə]
[mezbu’ nitʊ] [meiʒbu’ nitʊ] [mezbu’ nitʊ]
[paz’dadə] [paiʒ’dadə] [paz’dadə]
[luzgro’teskə] [luigro’teskə] [luzgro’teskə]
[mezi’terʊ] [meizi’terʊ] [mezi’terʊ]
[pazawme’ʒadə] [paizawme’ʒadə] [pazawme’ʒadə]
[luzoho’ɾozə] [luizoho’ɾozə] [luzoho’ɾozə]
[‘mes] [‘meiʃ] [‘mes]
[‘mezis] [‘meziʃ] [‘meziz]

02. (UFMG adaptada) A frase a seguir faz parte do enunciado de um exercício. Ela está
transcrita usando-se o alfabeto fonético. Tente escrevê-la usando a forma ortográfica.

trãs’krevə u ‘testʊ a’baiʃʊ fonεtʃika’m~etʃi ‘ dʃi a ‘kohdʊ kõ ‘ suə pɾo’ n~usiə

REFLEXÃO
Deixamos para você o desafio de refletir sobre a relevância da contribuição da linguística e
de todas as suas áreas pertinentes para o conhecimento humano. Particularmente, encora-
jamos você a empreender um esforço para identificar e reconhecer, ao longo de seu curso, o
valor de um conhecimento teórico, rigoroso e sistematizado no estudo da linguagem.
Considere que as informações, as teorias e os conceitos apresentados ao longo deste
material podem servir como instrumento ou ferramenta para a leitura, estudo e compreensão
de diversos textos e temas com os quais você ainda será confrontado.

76 • capítulo 3
LEITURA
Sugerimos a leitura de livros introdutórios sobre Linguística para a fixação do conteúdo abor-
dado ao longo deste material. Um livro que recomendamos é Introdução à linguística Vol.
1 e 2, organizado por José Luiz Fiorin, publicado pela Contexto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BABINI, Maurizio. Fonética, fonologia e ortoépia da língua italiana. São Paulo: Annablume, 2002.
BORBA, Francisco. da S. Introdução aos estudos linguísticos. 12. ed. Campinas: Pontes, 1998.
LOPES, E. Fundamentos da linguística contemporânea. São Paulo: Cultrix, 2005.
MOREIRA, Sulamara. Reformar ortográficas. Letra A. Belo Horizonte, Ano 5, nº 17, mar./abr. 2009.
SANTOS, R. S.; SOUZA, P. C. Fonética. In: FIORIN, J. L. (Org.). Introdução à linguística II: princípios
de análise. São Paulo: Contexto, 2003. p. 9-31.
SILVA, Thaïs C. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. São
Paulo: Contexto, 2005.

capítulo 3 • 77
78 • capítulo 3
4
O Estudo da Sílaba
e Noções de
Prosódia: Acento,
Ritmo e Entoação.
Neste capítulo, iremos aprofundar nossos conhecimentos acerca do estudo
da sílaba, identificando os elementos que compõem a estrutura silábica, as-
sim como os padrões silábicos do português. Iremos classificar os tipos de sí-
labas e distinguir hiato, ditongo e tritongo. Na sequência, iremos diferenciar
encontro consonantal de dígrafo. Vamos também apresentar noções de pro-
sódia, parte da fonologia que estuda os traços fônicos que se acrescentam aos
sons da fala e que devem ser descritos com referência a um domínio maior do
que um simples segmento.

OBJETIVOS
Neste capítulo, você será capaz de:

•  Classificar os tipos de sílaba;


•  Identificar os elementos da estrutura silábica;
•  Identificar os padrões silábicos do português;
•  Distinguir hiato, ditongo e tritongo;
•  Distinguir encontro consonantal e dígrafo;
•  Identificar a função do dígrafo na escrita;

80 • capítulo 4
4.1  Noções de prosódia: acento, ritmo e
entoação.

Vimos, até então, um resumo das funções da fonética e da fonologia ao longo


dos nossos estudos e pudemos verificar, com mais clareza, o quanto nos ser-
vimos dessas duas maneiras para observar os fatos linguísticos em nosso dia
a dia. No entanto, até pouco tempo, a fonética e a fonologia vinham sendo re-
legadas a uma rápida apresentação e classificação dos sons vocálicos e conso-
nantais e sua relação com o sistema ortográfico em vigor, assim como aspectos
igualmente importantes como a prosódia e entoação e a variedade fonética re-
lativa às diversas pronúncias regionais, por exemplo, não tinham tido também
espaço adequado para discussão.
Para dar início aos nossos estudos acerca do tema, destacamos que, quan-
do estivermos nos referindo a aspectos que dizem respeito a unidades maio-
res como as sentenças, estaremos tratando da entoação. Quando falarmos de
prosódia, estaremos nos referindo a aspectos fônicos relativos aos fonemas da
língua dentro de uma sílaba ou vocábulo.
De acordo com Seara (2011, p. 22), três parâmetros acústicos são conside-
rados para a prosódia. São eles a intensidade, a curva de f0 (pitch) e a duração.
Na entoação, um importante parâmetro de análise é a curva de f0 (contorno de
pitch).
A definição de entoação apresentada por Dubois parece deixar explícita essa
distinção. Vejamos abaixo:

[...] variações de altura do tom laríngeo que não incidem sobre um fonema ou sílaba,
mas sobre uma sequência mais longa (palavra, sequência de palavras) e formam a
curva melódica da frase. São utilizadas, na fonação, para veicular, fora da simples enun-
ciação, informações complementares [...] reconhecidas pela gramática: a interrogação
(frase interrogativa), a cólera, a alegria (frase exclamativa) etc (Dubois, 1973, p. 217).

Segundo Seara (2011), a prosódia é parte da fonologia que estuda os traços


fônicos que se acrescentam aos sons da fala e que devem ser descritos com
referência a um domínio maior do que um simples segmento. Dubois (1973)
apresenta os três elementos pesquisados pela prosódia de uma forma bastante

capítulo 4 • 81
clara: o acento dinâmico (de energia), relacionado à força com que o ar é expeli-
do dos pulmões; o acento de entoação (de altura), referente à frequência de f0;
e a duração, relativa à sustentação sonora de um fonema.
Assim, pela prosódia veremos algumas diferenças observadas entre sílabas
átonas e tônicas no português brasileiro. Parece ser consenso, se levarmos em
conta somente a nossa experiência linguística, que a sílaba tônica teria maior
energia e maior duração do que as sílabas átonas. Agora, se o nosso objetivo é
verificar as diferenças de entoação entre, por exemplo, uma frase declarativa e
uma interrogativa, o contorno de pitch já é suficiente para tal distinção.
No capítulo 5, retomaremos alguns desses conceitos e aprofundaremos as
noções acerca de prosódia.

4.2  Sílaba
Segundo Bechara (2009, p. 84), sílaba é um fonema ou um grupo de fonemas
emitidos num só impulso expiratório. Vejamos os exemplos: a-zei-to-na, e-gíp-
cio, subs-tan-ti-vo.
Segundo o autor, quanto à sua constituição, a sílaba pode ser simples, cons-
tituída apenas de uma vogal ( e, há, ah!) ou composta e esta última aberta (ou
livre) ou fechada (travada).
Sílaba composta é a que encerra mais de um fonema:

•  ar (vogal + consoante),
•  lei ( consoante + vogal+ semivogal)

A sílaba composta é aberta ou livre se terminar em vogal: vi; é fechada, ou


travada, se terminar em caso contrário, incluindo-se a vogal nasal, porque a na-
salidade vale por um travamento de sílaba: ar, lei, ou, mas, um.
Para Callou & Leite (2009, p. 30), do ponto de vista articulatório, a sílaba cor-
responde a um acréscimo da pressão do ar expelido dos pulmões pela atividade
de pulsação dos músculos respiratórios; que faz com que a saída do fluxo de
ar não seja contínua, mas em jatos sucessivos, enquanto do ponto de vista da
percepção, considera-se a cadeia sonora como composta de aclives, ápices e
declives de sonoridade, cada sílaba sendo constituída de um ápice, que é o seu
núcleo ou centro ocupado por sons de alta sonoridade, como, por exemplo, as

82 • capítulo 4
vogais. Os aclives e declives constituem 'vales' de sonoridade que determinam
as fronteiras silábicas, suas margens, lugar preferencial das consoantes.
Segundo as autoras, a noção de sílaba é muito usada para estabelecer a
distinção entre as duas grandes classes de sons, sendo que as vogais ocorrem
como núcleos silábicos e as consoantes como margens.
Vejamos as definições de sílaba, encontradas em Cristóforo Silva (2003,
p.76). A autora adota a noção de sílaba descrita em Abercombrie (1967), a qual
explica a sílaba em termos do mecanismo de corrente de ar pulmonar. Nesses
mecanismos, o ar é expelido por meio de movimentos de contração e relaxa-
mento dos músculos respiratórios em pequenos jatos de ar. Cada contração
e cada jato de ar expelido dos pulmões constitui a base de uma sílaba. Deste
modo, a silaba é interpretada como um movimento de força muscular que se
intensifica atingindo um limite máximo, após o qual ocorrerá a redução pro-
gressiva desta força.
Segundo a autora, a silaba é estruturada em três partes:

a) uma parte nuclear, que é obrigatória e geralmente é preenchida por um


segmento vocálico;
b) duas partes periféricas, opcionais, preenchidas por segmentos conso-
nantais. Quando esses segmentos consonantais ocorrem, podem apresentar
uma ou mais consoantes.

Caso a sílaba apresente apenas o segmento vocálico, este preencherá todas


as partes da estrutura da sílaba.
Vejamos alguns exemplos:
A sílaba inicial da palavra “atrás” apresenta apenas o segmento vocálico, en-
quanto a sílaba final da mesma palavra apresenta a parte periférica à esquerda
preenchida por duas consoantes: tr. A parte periférica à direita é preenchida
pela consoante s.
O pico silábico da sílaba final da palavra “atrás” é a vogal a que se encontra
entre as consoantes tr e s.
Callou & Leite (2009) também apresentam essa definição e acrescentam ou-
tras. Segundo as autoras, as sílabas do português brasileiro se constituem de
vogais (representadas aqui por V) e consoantes (representadas por C) ou semi-
vogais (representadas por V’). Cada um desses elementos ocupa uma posição

capítulo 4 • 83
na sílaba, tendo como elemento obrigatório as vogais. Estas ocupam a posição
chamada de núcleo ou pico silábico. As consoantes e semivogais ocupam as
posições periféricas da sílaba. A posição periférica pré-vocálica, corresponden-
te à parte anterior ao núcleo, é chamada de ataque ou onset silábico e pode
não ser preenchida por nenhum segmento. A posição periférica pós-vocálica,
que corresponde à parte posterior ao núcleo, é chamada de coda silábica e
pode também não estar preenchida. Algumas teorias fonológicas veem as sí-
labas como construção hierárquica constituída de ataque e rima, esta última
composta pelo núcleo e pela coda, sendo aquele obrigatório e esta opcional
(COLLISCHON, 1996).
Para saber o número de sílabas que uma palavra possui, devemos contar o
seu número de vogais, já que toda sílaba tem obrigatoriamente núcleo e que
este, no português brasileiro, deve ser constituído por uma única vogal. Assim,
a palavra mata, tendo duas vogais, apresenta igualmente duas sílabas. Atente
para o que foi dito, número de sílabas igual ao número de vogais (e não semi-
vogais). Assim, na palavra queijo, temos apenas duas sílabas, uma vez que o “i”
é uma semivogal.
Vejamos alguns exemplos acerca das definições importantes para a com-
preensão onset silábico e coda silábica retirados de Seara (2011, p. 96):

4.2.1  Onset Silábico

Esta posição pré-vocálica pode ser ocupada por uma ou duas consoantes.
Quando o onset silábico corresponde a apenas uma consoante (C1V), chama-se
onset simples e qualquer das consoantes do português brasileiro pode ocupar
essa posição, todavia as consoantes / ɾ/, / ʎ/ e / η/ não ocorrem em início de
palavra, somente no interior dela.
Quando o onset silábico é preenchido por duas consoantes (C1 C2V), cha-
ma-se onset complexo e a segunda consoante deve ser uma líquida lateral /1/
ou não lateral / ɾ/. Na posição de C1, podemos observar tanto fricativas quan-
to oclusivas. Essa sequência de consoantes que pertencem à mesma sílaba é
chamada de encontro consonantal tautossilábico. Há, porém, algumas restri-
ções para esses encontros. Em sílabas localizadas em início de palavra, não há
ocorrência dos encontros consonantais tl, dl ou vr. Já, em sílabas localizadas no
interior de palavras, não aparecem os encontros dl e vl.

84 • capítulo 4
4.2.2  Coda Silábica

Esta posição pós-vocálica pode ser ocupada por uma ou mais consoantes.
Quando há apenas uma consoante nessa posição, temos a coda simples, quan-
do há duas ou mais consoantes, temos a coda complexa.
Na distribuição dos fonemas do português brasileiro, ocorrem restrições
também para essa posição. Os segmentos fonéticos que ocorrem em coda silá-
bica são normalmente representados por arquifonemas em função da variação
que ocorre nessa posição. São eles: /N/, /S/ e /R/.
A consideração do arquifonema /N/ vai ser dependente da teoria fonológica
observada. Há uma corrente (HEAD, 1964; PONTES, 1972; BACK, 1973) que ar-
gumenta que o sistema fonológico do português brasileiro comporta sete vogais
orais e cinco nasais, ou seja, existem palavras que se distinguem apenas pela na-
salidade da vogal. Dessa maneira, / ã/ e /a/ seriam fonemas na língua, uma vez que
formam pares mínimos nas palavras cata e canta, visto que o que as distingue são
as vogais /a/ (oral) e /ã/ (nasal). Para tal corrente, não há necessidade do arquifo-
nema /N/ e a palavra canta tem a seguinte transcrição fonológica: /´ k ã t a/.
Vemos, por essa transcrição, que a sílaba inicial de canta apresenta apenas
onset e núcleo.
Com base na constituição do onset e da coda silábica, Seara (2011, p. 96)
apresenta a seguinte classificação para sílabas:

SIMPLES constituídas apenas pelo núcleo silábico

apresentam núcleo é seguido ou precedido por con-


COMPLEXAS soantes

ABERTAS OU LIVRES não apresentam coda silábica e,

FECHADAS OU TRAVADAS possuem coda silábica.

capítulo 4 • 85
4.3  Classificação da sílaba
A maneira mais fácil de separar sílabas é pronunciar a palavra lentamente, de
forma melódica e, dependendo do número de sílabas, as palavras em portu-
guês podem ser classificadas em:

MONOSSÍLABAS (uma só sílaba): me, seu, mas (átonas); dó, noz, sol (tônicas)

DISSÍLABAS (duas sílabas): poder, colar, prédio

TRISSÍLABAS (três sílabas): palhaço, carteira, sábado

POLISSÍLABAS (mais de três sílabas): televisão, Florianópolis, passarinho

4.4  Tonicidade
Uma sílaba tônica ou acentuada é aquela produzida com um pulso torácico re-
forçado em comparação às silabas não acentuadas ou átonas. Dizemos também
que a vogal acentuada é percebida por ter uma duração mais longa e mais alta.
As vogais acentuadas ou tônicas, portanto, carregam o acento mais forte ou
acento primário, enquanto as vogais não acentuadas ou átonas pretônicas e
postônicas ou carregam acento secundário ou são isentas desse acento.

4.4.1  Acento tônico e acento gráfico

a) Sílaba tônica: A sílaba proferida com mais intensidade que as outras é a


sílaba tônica, que recebe o acento tônico, também chamado acento de intensi-
dade ou prosódico. Nem sempre a sílaba tônica recebe acento gráfico.
Ex.: sofá, livro, estômago

86 • capítulo 4
b) Sílaba subtônica: Algumas palavras, geralmente derivadas e polissíla-
bas, além do acento tônico, possuem um acento secundário. A sílaba com acen-
to secundário é chamada de subtônica.
Ex.: florzinha, somente, cafezal.

c) Sílaba átona: As sílabas que não são tônicas nem subtônicas chamam-se
átonas. Podem ser pretônicas (antes da tônica) ou postônicas (após a tônica).
Ex.: batata (átona pretônica, tônica, átona postônica)
século (tônica, átona postônica, átona postônica)

Não confunda acento tônico com acento gráfico. O acento tônico está rela-
cionado com a intensidade do som e existe em todas as palavras com duas ou
mais sílabas. O acento gráfico existe em apenas algumas palavras e é usado de
acordo com as regras de acentuação gráfica.
Leia, a seguir, um artigo do prof. Pasquale Cipro Neto, publicado na Folha
de S. Paulo, em 03 de março de 2005, em que ele comenta a importância de pro-
nunciar corretamente a sílaba tônica das palavras.

Rapte-me, camaleoa

O título da coluna lhe trouxe à mente alguma canção, caro leitor?


Para ajudar, eu continuo a letra:
“Adapte-me a uma cama boa / Capte-me uma mensagem à toa”.
E então? Lembrou? O nome da canção (de Caetano Veloso) é justamente
“Rapte-me, Camaleoa” (do disco “Outras Palavras”, de 1981).
Nessa letra, Caetano desfila flexões verbais cuja pronúncia pode causar
alguma dificuldade. Como se leem formas como “adapto”, “opto”, “optam”,
“adaptam”? Onde cai o acento tônico?
É provável que você já tenha ouvido essas formas pronunciadas como se
houvesse um “i” (tônico) depois do “p” (“adapíto”, “opíto”, “opítam” e “ada-
pítam”, respectivamente). Essas pronúncias (inadequadas ao padrão culto da
língua) talvez se expliquem pelo fato de o falante agir como se houvesse um “i”
no infinitivo (“opitar”, “adapitar”). Cá entre nós, quem é que pronuncia “optar”
e “adaptar” sem uma pontinha de “i” depois do “p”?
O fato é que não existe o “i” depois do “p” de “optar”, “adaptar”, “captar”,
“raptar” etc., como também não existe depois do “g” de “dignar”, “resignar”,

capítulo 4 • 87
“impugnar”, “repugnar”, “estagnar” etc. A conjugação do presente do indicati-
vo de todos esses verbos é regular, o que significa que as três flexões do singular
(eu, tu e ele) e a da terceira do plural (eles) são paroxítonas.
Moral da história: a sílaba tônica de “adaptam” é “dap” (lê-se “adáptam”); a
de “rapta” é “rap” (lê-se “rápta”); a de “resignam” é “sig” (lê-se “resígnam”); a de
“designo” também é “sig” (lê-se “desígno”); a de “opto” é “op” (lê-se “ópto”); a de
“repugna” é “pug” (lê-se “repúgna”); a de “impugna” é “pug” (lê-se “impúgna”).
Quando se fala de economia, por exemplo, pode-se dizer que determina-
da medida não estagna o processo inflacionário. Cabe, então, uma pergunta:
como ler “estagna”? Já vimos que essa flexão é paroxítona, logo a pronúncia é
“estágna”.
Convém lembrar que o que se registra sobre as flexões do presente do in-
dicativo vale também para o presente do subjuntivo. Dessa maneira, a sílaba
tônica de “resigne” é “sig”, ou seja, lê-se “resígne” (“Não é possível que alguém
se resigne à profunda mediocridade que reina no Brasil”); a sílaba tônica de
“impregne” é “preg” (“Não quero que esse cheiro se impregne em minha pele”).
Na primeira e na segunda do plural (nós e vós) dos dois presentes e em todas
as flexões dos demais tempos, esses verbos continuam regulares. O que significa
isso? Significa que, se a sílaba tônica de “cantaram” é “ta”, a de “optaram” tam-
bém é “ta”; se a tônica de “cantarei” é “rei”, a de “designarei” também é “rei”.
Por fim, vale lembrar um verbo estúpido, na moda em tempos tão estúpidos
como os de hoje: “decapitar”. Notou o “i” depois do “p”?
Por isso, qualquer semelhança ou relação entre o verbo “decapitar” e a ex-
pressão latina per capita não é mera coincidência. A expressão per capita equi-
vale a “por cabeça”; o verbo “decapitar” significa exatamente “cortar a cabeça”.
Com relação ao “i” de “decapitar”, já se sabe que o que vale para esse verbo
não é o que se viu a respeito de “captar”, “raptar” etc. A sílaba tônica de “deca-
pito”, “decapita”, “decapitam” ou “decapitem” é “pi”.

4.4.2  Classificação das palavras quanto à posição da sílaba tônica

Quanto à posição da sílaba tônica, as palavras classificam-se em:

a) oxítonas: a sílaba tônica é a última da palavra:


Ex.: já-ca-ré, sa-ber, con-dor, re-fém, ru-im

88 • capítulo 4
b) paroxítonas: a sílaba tônica é a penúltima da palavra:
Ex.: li-vro, rit-mo, sé-rie, bo-ê-mia, gra-tui-to, lá-tex, ru-brica

c) proparoxítonas: a sílaba tônica é a antepenúltima da palavra:


Ex.: ma-te-má-ti-ca, pân-ta-no, dí-gi-to, qui-sés-se-mos, á-li-bi, ín-te-rim

Nem sempre a sílaba tônica vem indicada com acento gráfico. Dessa forma,
é fundamental distinguir o acento tônico do acento gráfico, como vimos acima.
Observe, no excerto da letra de música a seguir, que Chico Buarque usou
somente palavras proparoxítonas ao final de cada verso:

CONSTRUÇÃO
Chico Buarque
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado (...)

Para conhecer a letra da música na integra, acesse:


<http://www.vagalume.com.br/chico-buarque/construcao.html>

capítulo 4 • 89
4.5  Encontros vocálicos
Vamos retomar aqui os conceitos de encontros vocálicos, já apresentados no ca-
pítulo 2, item 2.4.1.1, para situá-lo junto ao conceito de encontro consonantal.
Na língua portuguesa, há três tipos de encontros vocálicos: ditongo, hiato
e tritongo.

4.5.1  Ditongo

Para Cristófaro Silva (2002, p. 94), um ditongo consiste de uma sequência de


segmentos vocálicos sendo que um dos segmentos é interpretado como vogal e
o outro é interpretado como um glide, um segmento com características fonéti-
cas de uma vogal distinguindo-se pelo fato de não poder constituir uma sílaba
independente. O segmento interpretado como vogal no ditongo é aquele que
conta como uma unidade em termos acentuais, enquanto o termo interpreta-
do como glide não o tem. A vogal e o glide são pronunciados na mesma síla-
ba, em um ditongo, conforme observamos em [´p a ʊ] “pau”, lembrando que
o segmento interpretado como vogal representa o núcleo ou pico da sílaba. O
segmento [ʊ] é interpretado como glide e não recebe acento, portanto não cons-
titui sílaba independente.
Resumindo:
Ditongo é a sequência vogal + semivogal ou vice-versa, na mesma sílaba.

Caixa cai – xa
Ciência ci-ên-cia

Os ditongos classificam-se em crescente ou decrescente, oral ou nasal:

•  Ditongo decrescente é a sequência de vogal + semivogal, na mesma sílaba.

História his- tó- ria SV + V


Pátio pá- tio SV + V

90 • capítulo 4
Ainda segundo a autora, quando os ditongos apresentam a sequência de gli-
de-vogal conforme observamos em “acionista” [a s Ḭ o ´n i s t ɘ] e “magoa” [´m
a g ʊ ɘ] são denominados crescentes.

•  Ditongo crescente é a sequência de semivogal + vogal, na mesma sílaba

História his - tó- ria SV + V


Pátio pá - tio SV + V

•  Ditongo oral ocorre quando o ar sai totalmente pela boca:

Glória glo- ria


Chapéu cha- péu

•  Ditongo nasal ocorre quando o ar sai parte pela boca, parte pelas fossas nasais

Mãe [`mãy]
Bem [`bêy]

4.5.2  Hiato

Hiato é a sequência de duas vogais em sílabas diferentes.

Piano pi- a- no
Coordenar co- or- de- nar

capítulo 4 • 91
4.5.3  Tritongo

Tritongo é a sequência semivogal + vogal + semivogal na mesma sílaba.

Uruguai U-ru-guai
Qual qual [uaw]

Os tritongos também são classificados em orais ou nasais, seguindo os


mesmos princípios dos ditongos.

CONEXÃO
Palavras com a semivogal entre duas vogais trazem dois ditongos cada uma. Ex.:
cheio = chei-io
ceia = cei-ia
maio = mai-io
A sílaba posterior ao primeiro ditongo traz um embrião semivocálico que só se registra na
fala. A tal fenômeno se dá o nome de glaide (inglês glide). Assim, cada uma dessas palavras
traz ditongo decrescente e ditongo crescente, respectivamente.

4.6  Encontros consonantais


Dá-se o nome de encontro consonantal à sequência de consoantes numa pala-
vra. Ex.: prato, ritmo, claro, sublime.
Há encontros consonânticos pertencentes a uma sílaba ou a sílabas diferen-
tes. Os primeiros terminam por l ou r:

LI-VRO - BLU-SA - PRO-SA - CLA-MOR - RIT-MO - PAC-TO- AF-TA - AD-MI-TIR

92 • capítulo 4
Os encontros consonantais classificam-se em:

ENCONTRO CONSONANTAL As consoantes estão juntas na mesma sílaba.


PERFEITO OU PRÓPRIO Ex.: cra-vo, pro-ble-ma, flau-ta.

ENCONTRO CONSONANTAL As consoantes aparecem em sílabas diferen-


IMPERFEITO OU IMPRÓPRIO tes. Ex.: ap-to, ad-vo-ga-do, sub-to-tal.

OBSERVE QUE CADA CONSOANTE FORMA UM FONEMA DISTINTO.

São mais raros em nossa língua os seguintes encontros consonânticos en-


contráveis em vocábulos eruditos. Esses encontros são separáveis, salvo os que
aparecem em início de vocábulos:

Bd Lamb-da Ft Af-ta

Bs Ab-so-lu-to Pn Pneu, pneu-má-ti-co

Cç Sec-ção Ps Psiu

Dm Ad-mi-tir Pt Ap-to

Gn Dig-no Tm Ist-mo

Mn Mne-mô-ni-co Tn Ét-ni-co

capítulo 4 • 93
Tais encontros merecem especial atenção porque, na pronúncia despreocu-
pada, tendem a constituir duas sílabas pela intercalação de uma vogal:

Advogado Adivogado ou adevogado

Absoluto Abissoluto

Admirar Admirar

Afta Afita

Ritmo Rítimo

Pneu Pineu/peneu

Indigno Indiguino

4.7  Dígrafos
Forma-se o dígrafo ou digrama quando a língua recorre a duas letras para re-
presentar um só fonema.
Para Bechara (2009, p. 72), não há de se confundir dígrafo ou digrama com
encontro consonantal, pois dígrafo é o emprego de duas letras para representa-
ção gráfica de um só fonema, enquanto no encontro consonantal cada conso-
ante forma um fonema distinto.
Há dígrafos para representar consoantes e vogais nasais. Os dígrafos repre-
sentados por consoantes são:

CH chover RR carroça

LH telha SS pássaro

NH vinho SC piscina

GU guerra SÇ cresça

QU quilo XC exceção

Desses dígrafos, todos são inseparáveis, com exceção de rr, ss, sc, sç, xc.

94 • capítulo 4
4.8  Letra diacrítica
Segundo Bechara (2009, p. 73) letra diacrítica é aquela que se junta a outra para
lhe dar valor fonético especial e constituir um dígrafo. Em português, as letras
diacríticas são:

H – R- S- C- Ç- U - para os dígrafos consonantais: chá, carro, passo, quero


M – N para os dígrafos vocálicos: campo, onda

Observação: daí se tiram as seguintes conclusões aplicáveis à analise


fonética:

1. Não há ditongo em quero.


2. M e n não são aqui fonemas consonânticos nasais em caMpo, oNDa,
mas há autores que os classificam como consoantes por não aceitarem a exis-
tência de vogais nasais.
3. Qu e gu classificam -se como /k/ e /g/, respectivamente.

Observe como no poema a seguir a poetisa Cecília Meireles explorou o dí-


grafo CH.

A chácara do Chico Bolacha

Na chácara do Chico Bolacha,


o que se procura
nunca se acha!

Quando chove muito,


o Chico brinca de barco,
porque a chácara vira charco.

Quando não chove nada,


Chico trabalha com a enxada
e logo se machuca
e fica de mão inchada.

capítulo 4 • 95
Por isso, com o Chico Bolacha,
o que se procura
nunca se acha.

Dizem que a chácara do Chico


só tem mesmo chuchu
e um cachorrinho coxo
que se chama Caxambu.

Outras coisas, ninguém procure,


porque não acha.
Coitado do Chico Bolacha!

<https://literaturaemcontagotas.wordpress.com
/2009/06/05/a-chacara-do-chico-bolacha/>
“A Chácara do Chico Bolacha”, escrita em 1964.

Outros dígrafos são formados por vogais seguidos de –M e –N, na mesma sílaba:

AM cam-po AN can-to

EM sem-pre EN pen-te

IM lim-po IN cin-to

OM pom-ba ON con-to

UM bum-bo UN pre-sun-to

Observe como o poeta Manuel Bandeira brinca com os fonemas, na cons-


trução de um poema concreto; esse jogo com os fonemas nos dá um efeito de
sentido diferenciado: o marulhar das ondas.

96 • capítulo 4
A onda

A onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda.

ATIVIDADES
01. Explique a seguinte afirmação, extraída de Bechara (2009)
Não há ditongo em quero.

02. Diferencie dígrafo de encontro consonantal.

03. Analise a presença dos dígrafos no poema de Cecilia Meireles:

A chácara do Chico Bolacha


Na chácara do Chico Bolacha,
o que se procura
nunca se acha!

Quando chove muito,


o Chico brinca de barco,
porque a chácara vira charco.

Quando não chove nada,


Chico trabalha com a enxada
e logo se machuca
e fica de mão inchada.

capítulo 4 • 97
Por isso, com o Chico Bolacha,
o que se procura
nunca se acha.

Dizem que a chácara do Chico


só tem mesmo chuchu
e um cachorrinho coxo
que se chama Caxambu.

Outras coisas, ninguém procure,


porque não acha.
Coitado do Chico Bolacha!

REFLEXÃO
A silaba é, porém, a unidade indispensável para os estudos de prosódia e de ritmo. Atualmen-
te, estão se intensificando os estudos nessa área, passando-se de uma fonologia em que os
processos eram vistos como decorrentes principalmente da adjacência de segmentos para
uma fonologia em que se privilegiam elementos como duração, intensidade e altura (elemen-
tos suprassegmentais) e a sílaba como unidade detonadora de processos fonológicos. Leva-
se em conta não só, como era mais usual, a fala lenta e pausada, mas também os diversos
ritmos e velocidades. Essas vertentes da fonologia recebem designações como fonologia
natural, fonologia autossegmental, fonologia métrica em oposição à fonologia estruturalista
e fonologia.

LEITURA
Sugiro uma leitura mais aprofundada do livro CRISTÓFARO SILVA, Thaís. Fonética e fo-
nologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 6 ed. São Paulo: Contexto,
2003, para realizar alguns exercícios propostos pela autora.

98 • capítulo 4
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BABINI, Maurizio. Fonética, fonologia e ortoépia da língua italiana. São Paulo: Annablume, 2002.
BORBA, Francisco. da S. Introdução aos estudos linguísticos. 12. ed. Campinas: Pontes, 1998.
CEGALA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. São Paulo: Nacional, 2005.
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Gramática reflexiva: texto, semântica e interação. São Paulo:
Atual, 2005.
LOPES, E. Fundamentos da linguística contemporânea. São Paulo: Cultrix, 2005.
MALMBERG, Bertil. A fonética: no mundo dos sons da linguagem. Lisboa: Livros do Brasil, 1954. p.
39-50.
MOREIRA, Sulamara. Reformas ortográficas. Letra A. Belo Horizonte, Ano 5, nº 17, mar./abr. 2009.
SANTOS, R. S.; SOUZA, P. C. Fonética. In: FIORIN, J. L. (Org.). Introdução à linguística II: princípios
de análise. São Paulo: Contexto, 2003. p. 9-31.
SILVA, Thaïs C. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. São
Paulo: Contexto, 2003.

capítulo 4 • 99
100 • capítulo 4
5
Fonologia e Ensino
de Ortografia
Neste capítulo estudaremos as regras ortográficas, assim como discutiremos
a necessidade de empregar essas regras corretamente. Discutiremos também
a importância da fonologia para o ensino de ortografia. Como o foco do capi-
tulo é ortografia, com certeza iremos falar também a respeito no novo acordo
ortográfico. Aliás, acordo ou desacordo ortográfico?

OBJETIVOS
Neste capítulo, você será capaz de:

•  Identificar as orientações das regras ortográficas;


•  Empregar corretamente regras de ortografia.
•  Identificar a função social da escrita;
•  Discutir estratégias de ensino de ortografia.

102 • capítulo 5
5.1  Ortografia
Um antigo professor de gramática já me ensinava que ortografia vem do grego
orthos (correto) e graphein (escrever), sendo, portanto, uma tendência para se
fixar um “sistema estrito de grafia”. Simplificando, ortografia seria a forma cor-
reta de escrever.
Se pensarmos na linguagem coloquial, aquela do dia a dia, marcada pela
oralidade e pela informalidade, talvez a ortografia torne-se, até certo ponto, um
pouco irrelevante. Quando tratamos, no entanto, do registro escrito, dentro do
contexto da chamada norma culta, deve-se dar importância à ortografia e levar
em conta as recomendações para se produzir uma escrita-padrão e dentro das
normas ortográficas vigentes.
Para falar a verdade, nem sempre as regras são claras. Algumas regras são
complexas e acabam dificultando a vida do usuário da língua. Por isso mesmo,
para muito entusiastas do novo acordo ortográfico, as novas regras simplifica-
riam o nosso sistema ortográfico, mas há controvérsias! Muita gente boa anda
dizendo o contrário.
De qualquer modo, não dá para negar que os sistemas ortográficos são con-
vencionais e têm certo caráter de arbitrariedade, ainda que eles sejam baseados
em princípios fonéticos e etimológicos.

5.1.1  Acordo ou desacordo ortográfico?

Desde o início do século XX, tanto no Brasil quanto em Portugal, empreende-


ram-se esforços na busca de um modelo de ortografia que possibilitasse a con-
vergência ortográfica nas publicações oficiais e no ensino entre os dois países.
Em 1945, foi assinado um Acordo Ortográfico em Portugal, tornando-se vigente
apenas neste país, pois o Brasil não o ratificou, preferindo manter o vocabulá-
rio de 1943. Em 1986, teve lugar no Brasil nova tentativa de uniformização, mas
sem consenso.

Os princípios fonéticos e etimológicos correspondem, respectivamente, à fonética e à


etimologia. A fonética estuda os sons de uma língua, ou seja, os sons vocais em sua
natureza física e fisiológica. A etimologia ocupa-se do estudo da origem das palavras.

capítulo 5 • 103
Em 1990, depois de um longo trabalho desenvolvido por representantes de
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e
Príncipe, chegou-se ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, ao qual Timor
aderiu em 2004. O texto do Acordo, no entanto, não entrou em vigor, já que não
foi ratificado.
A CPLP (Comissão de Países de Língua Portuguesa), tempos depois, decidiu
que o Acordo poderia entrar em vigor, caso três países o ratificassem. Como o
Brasil ratificou-o em 2004 e Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, em 2006, ele já
poderia tecnicamente ter entrado em vigor.
Portugal, depois de muito hesitar, aderiu ao Acordo. A Assembleia da
República de Portugal ratificou o acordo em maio de 2008.
Agora, já estamos vivendo a vigência e aplicação do Novo Acordo Ortográfico,
embora haja um tempo de transição no qual convivem a antiga e a nova
ortografia.
Entre gramáticos e linguistas, há opiniões e emoções tanto favoráveis quan-
to contrárias à vigência imediata do Novo Acordo. Embora alguns critiquem as-
pectos do texto do Acordo e outros concordem com as mudanças propostas, há
uma atitude de cautela da parte de muitos estudiosos. A questão é basicamente
a seguinte: seria oportuno um acordo neste momento? Não há outras priorida-
des educacionais com as quais o MEC deveria se preocupar?

CONEXÃO
No link a seguir, você poderá ler o texto do Acordo na íntegra: <http://www.abril.com.br/arquivo/
acordo_ortografico.pdf>

Não é intenção aqui apontar uma posição final sobre o assunto, nem mes-
mo oferecer detalhada explicação de cada regra do Novo Acordo. O espaço
aqui é mais para introduzir o assunto e apresentar alguns pontos do Novo
Acordo Orográfico.

104 • capítulo 5
5.2  Regras sobre o emprego de algumas letras
O Acordo Ortográfico trata do emprego de algumas letras. Vamos examinar al-
guns casos que snele foram abordados e, também, estende nossa consideração
a algumas normas práticas para emprego de determinadas letras que fazem
parte da gramática e não foram objeto do Acordo.

5.2.1  Vogais átonas: uso do “e” e do “i”.

Deve-se escrever com e, antes de vogal ou ditongo da sílaba mais forte, a palavra
que é derivada de outra terminada em e acentuado: guineense (de Guiné); pole-
ame e poleeiro (de polé); coreano (de Coreia); galeão (de galé).
Deve-se escrever com i, antes da sílaba tônica (a mais forte da palavra), os
substantivos e adjetivos que derivam de outras palavras e que tenham o sufixo
-iano e -iense: acriano (Acre); torriense (Torres).

5.2.2  Uso da vogal “e”

Os verbos terminados em –oar e –uar devem ser escritos com e no singular


do presente do subjuntivo: abençoe, abençoes, abençoe; acentue, acentues,
acentue.
Os substantivos e adjetivos que estão relacionados com substantivos que
apresentam a terminação –eia apresentam a vogal e: baleeiro (baleia); candeei-
ro (candeia); traqueano (traqueia).
Geralmente, os ditongos nasais apresentem o e: cães; escrivães; mãe; pães;
pões.

5.2.3  Uso da vogal “i”

Os verbos terminados em –uir devem ser escritos com i na 2a e na 3a pessoas do


singular do presente do indicativo: possuis, possuis; contribuis, contribui.
Atente para algumas formas do presente do indicativo e do subjuntivo dos
verbos terminados em –ear: receio, receias, receie, receia, receamos, receais,
receiam; passeie, passeies, passeie, passeemos, passeeis, passeiem.

capítulo 5 • 105
Muita atenção para os verbos mediar, ansiar, remediar, incendiar e odiar:
anseio, anseias, anseia, ansiamos, ansiais, anseiam; medeie, medeies, medeie,
mediemos, medieis, medeiem.

5.2.4  Uso da letra G

O g está presente nas seguintes terminações: -árgio, -égio, ígio, -agem, -igem,
-ege, -ugem, -oge, -ógio, -úgio. Exemplos: adágio, pedágio, plágio, egrégio, re-
lógio, plumagem, agiotagem, fuligem, ferrugem, penugem, herege. Exceções:
pajem e lambujem.
Emprega-se, geralmente, a letra g depois de R. Veja alguns exemplos: diver-
gir, submergir, ressurgir, mas nem sempre é assim: gorjeta, sarjeta, gorjeio.
Atente para as seguintes palavras que também apresentam a letra g: aborí-
gine, agilidade, algema, apogeu, argila, bege, bugiganga, cogitar, fugir, geada,
gesto, higiene, monge, tigela, vagem.

5.2.5  Uso da letra J

Palavras que são derivadas de outras palavras que também apresentam a letra
j: anjinho (anjo); canjica (canja;) gorjear, gorjeio, gorjeta (gorja); cerejeira (cere-
ja); laranjeira (laranja), lisonjear, lisonjeiro (lisonja); lojinha, lojista (loja); no-
jento (nojo); sarjeta (sarja); enrijecer(rijo); varejista (varejo).
Usa-se o j na terminação –aje: laje, traje, ultraje.
Nas formas dos verbos terminados em –jar: arranjar (arranjo, arranje, arran-
jem); despejar (despejo, despejem), enferrujar (enferrujem), viajar (viajo, viaje,
viajem). Atenção: viagem é substantivo e não verbo.
Em palavras de origem tupi, africana, árabe ou exótica, também encontra-
mos o j: jiboia, pajé, jirau, alforje, canjica, jerico, manjericão, Moji.
Fiquem atentos às seguintes palavras que também apresentam o j: berin-
jela, cafajeste, granja, jejum, jerimum, jérsei, jiló, majestade, objeção, ojeriza,
projétil, rejeição, trejeito.

5.2.6  Emprego da letra S

A letra S terá som de “z”quando estiver entre vogais. Dizemos que, nesse caso,
a letra s intervocálica representa o fonema /z/. Veja alguns casos em que se usa
a letra s.

106 • capítulo 5
Temos o s nas palavras derivadas de outra em que já existe s: casa (casinha,
casebre, casarão); divisar (divisa); paralisar (paralisia); liso (lisinho, alisado, ali-
sador); análise (analisar, analisador, analisante).
Empregamos o s nas palavras que apresentam os seguintes sufixos:

a) -ês, -esa: (indicando nacionalidade, título, origem): português, portu-


guesa; marquês, marquesa; burguês, burguesa; duquesa, baronesa;
b) -ense, -oso, -osa (formadores de adjetivos): caldense, catarinense, amo-
roso, amorosa, gasoso, gasosa, espalhafatoso;
c) -isa (ocupação feminina): poetisa, profetisa, sacerdotisa, pitonisa.

Após ditongos, devemos sempre escrever com s: lousa, coisa, causa, ausên-
cia, náusea.
Tenha muito cuidado com as formas do verbo pôr (e derivados) e querer.
Sempre serão escritas com s: pus, pusera, puséssemos, repusera, quis, quisera,
quiséssemos, quisesse.
Atenção para as seguintes palavras: abuso, aliás, anis, asilo, atrás, através,
bis, brasa, evasão, extravasar, fusível, hesitar, lilás, maisena, obsessão (diferen-
temente de obcecado), usura, vaso.

5.2.7  Uso de SS

Devemos escrever com ss os substantivos formados de verbos que têm o radical


terminado em –ced, -gred, -prim e –met: intercessão (interceder), retrocesso
(retroceder), concessão (conceder), agressão (agredir), supressão (suprimir),
intromissão (intrometer).
Substantivos cujos verbos cognatos terminam em –tir também apresentam
ss: admissão (admitir), discussão (discutir).

5.2.8  Emprego da letra Z

Usamos a letras z nas palavras derivadas de outras em que já existe z: deslize


(deslizar, deslizante); razão (razoável, arrazoado, arrazoar); raiz (enraizar).

capítulo 5 • 107
Nos seguintes sufixos também empregamos a letra z:

a) -ez, -eza (substantivos abstratos derivados de adjetivos): rijo, rijeza; rí-


gido, rigidez; nobre, nobreza; surdo, surdez; inválido, invalidez; macio, maciez;
singelo, singeleza.
b) -izar (verbos) e -ização (substantivos): civilizar, civilização; colonizar,
colonização; hospitalizar, hospitalização. Atenção: pesquisar, analisar, avisar.

Fique atento à grafia correta das seguintes palavras: assaz, batizar (batis-
mo), buzina, catequizar (catequese), coalizão, cuscuz, giz, gozo, prazeroso, va-
zar, verniz.
Observe ainda estas palavras: ascensão, pretensão, extensão, concessão, ex-
cesso, excessivo, abstenção, ascensorista, rescisão, oscilar, expor, extravagante,
exceção, exceder, excitar.

5.2.9  Uso da letra X e do dígrafo CH

Geralmente se usa x depois de ditongo: ameixa, caixa, feixe, frouxo, baixo, re-
baixar, paixão. Exceção: recauchutar, recauchutagem, recauchutadora.
Após en no início de palavras, usa-se x: enxada, enxaqueca, enxerido, enxa-
me, enxovalho, enxugar, enxurrada. Fique atento às palavras que fogem à regra
por serem derivadas de outras que apresentam ch. É o caso de enchente e en-
cher que derivam de cheio. A mesma coisa acontece com encharcar (de charco)
e enchiqueirar (de chiqueiro).

Há palavras que são semelhantes na pronúncia e se distinguem apenas pelo contraste


entre o x e o ch na escrita. É o caso de cheque (documento bancário ou ordem de
pagamento) e xeque (jogada de xadrez); cocho (recipiente para alimentar animais) e
coxo (capenga, imperfeito); tachar (pôr defeito em alguém) e taxar (cobrar impostos).

Após me no início de palavras também se usa x: mexer, mexerica, mexerico,


mexilhão, mexicano. A exceção é mecha.
Há várias palavras de origem indígena, africana e inglesa que apresentam x:
xavante, xingar, xique-xique, xará, xerife, xampu.

108 • capítulo 5
O dígrafo ch é usado nas seguintes palavras: arrocho, apetrecho, bochecha,
brecha, broche, chalé (diferentemente de xale), chicória, cachimbo, comichão,
chope, chuchu, chute, deboche, fachada, flecha, linchar, mochila, pechincha,
piche, pichar, salsicha.

5.3  Acentuação gráfica


A sílaba mais forte de uma palavra recebe o acento de intensidade ou acento
tônico. O acento tônico nem sempre corresponde a um acento gráfico. Exis-
tem regras que, por convenção, estabelecem em quais casos o acento tônico é
marcado graficamente. As regras de acentuação gráfica, portanto, estabelecem
quando a sílaba tônica de uma palavra é marcada graficamente e o tipo de acen-
to gráfico.

A sílaba tônica de uma palavra, na língua portuguesa, pode estar em três diferentes
posições. Cada posição corresponde a uma classificação. Quando a sílaba tônica é a
última, a palavra é oxítona. Se a sílaba tônica for a penúltima, a palavra será paroxítona.
Quando a sílaba tônica é a antepenúltima, a palavra é proparoxítona. As palavras de
uma sílaba são denominadas monossílabos tônicos ou átonos de acordo com a inten-
sidade que elas apresentam numa frase.

O Acordo Ortográfico não alterou todas as regras de acentuação gráfica. É o


caso das regras referentes às palavras oxítonas e monossílabos tônicos. Confira
as recomendações quanto à acentuação gráfica.

5.3.1  Monossílabos tônicos

São acentuados graficamente os terminados em a(s), e(s), o(s), éi(s), éu(s), ói(s).
Exemplos: pá, pé, sê, pó, pôs, dó, réis, céu, réu, rói
As formas verbais têm e vêm são acentuadas graficamente em oposição às
formais verbais no singular tem e vem. Também é acentuado graficamente o
verbo pôr em oposição à preposição por.

capítulo 5 • 109
Veja alguns exemplos:
Os alunos têm apresentado bons resultados. / O aluno tem apresentado
bons resultados.
Os turistas vêm nos visitar mais vezes quando são bem tratados. / O turista
vem nos visitar mais vezes quando é bem tratado.
É preciso pôr as contas em dia./ Ele disse que há muita coisa por fazer.

5.3.2  Palavras oxítonas

São acentuadas graficamente as palavras oxítonas terminadas em a(s), e(s),


o(s), em, ens.
Exemplos: crachá, você, até, cipó, avô, avós, alguém, contém (verbo conter),
parabéns, armazéns, reféns
Também são acentuadas as oxítonas terminadas em ditongo aberto éi(s),
éu(s), ói(s).
Exemplos: anéis, fiéis, chapéu, herói

5.3.3  Palavras paroxítonas

São acentuadas graficamente as paroxítonas terminadas em:

•  L: incrível, inflamável, útil, pênsil, móvel


•  N: íon, hífen, próton, sêmen, elétron
•  R: repórter, caráter, éter, mártir
•  X: tórax, ônix, látex
•  PS: bíceps, tríceps
•  I(s): táxi, lápis, grátis
•  US, UM, UNS: vírus, ônus, bônus, álbum, fórum, álbuns
•  Ã, ÃS, ÃO, ÃOS: ímã, órfã, órfãs, bênção, órgão, órfãos, sótãos
•  Ditongos orais (seguidos ou não de s): água, árduo, jóquei, vôlei, cáries,
fáceis, inflamáveis, lírio, lírios, mágoas

A forma verbal pôde (3a pessoa do singular do pretérito perfeito do indi-


cativo do verbo poder) é acentuada graficamente para diferenciar-se de pode
(3a pessoa do singular do presente do indicativo).

110 • capítulo 5
O Novo Acordo Ortográfico, no entanto, suprimiu o acento diferencial de
outras palavras, entre elas: para (verbo) e para (preposição); pelo/pelos (subs-
tantivo) e pelo/pelos (verbo pelar e contração de preposição e artigo); polo/
polos (substantivo) e polo (contração arcaica de proposição e artigo), coa/coas
(verbo coar) e coa/coas (preposição + artigo).
O Acordo Ortográfico também alterou outras normas. Confira:

a) As palavras paroxítonas com ditongos ei e oi na sílaba tônica deixam


de ser acentuadas graficamente: ideia, boleia, assembleia, apoio (1a pessoa do
singular do presente do indicativo do verbo apoiar), jiboia, europeia, heroico
(diferentemente de herói, que é oxítona).
b) As formas verbais terminadas por eem perdem o acento: creem, deem,
leem, veem, descreem, releem, reveem.
c) A vogal tônica do hiato oo deixa de receber acento gráfico: voo, perdoo,
povoo (verbo povoar).
d) Os verbos arguir e redarguir deixam de ser acentuados graficamente
com acento agudo na tônica u: tu arguis, ele argui, arguem, tu redarguis, ele
redargui, redarguem.
e) Não são acentuados graficamente os prefixos paroxítonos terminados
em r e i: inter-helênico, super-homem, semi-intensivo.

5.3.4  Palavras proparoxítonas

São acentuadas graficamente todas as proparoxítonas: cômodo, lâmpada, êxi-


to, líquido, mérito, trânsito.

5.3.5  Hiatos acentuados

Quando a segunda vogal de um hiato for i ou u e tônica, seguida ou não de s,


será acentuada: saúde, saída, proíbo, faísca, baú, viúva, juíza, juízo, país, Jaú,
Jacareí, Cabreúva, Luís.
Atenção! Se essas vogais tônicas do hiato forem seguidas de outras consoan-
tes ou nh, não haverá acento: Luiz, juiz, raiz, Raul, cairmos, contribuinte, sair,
cauim.

capítulo 5 • 111
O Novo Acordo Ortográfico alterou, nessa regra de acentuação do hiato, o
seguinte: se as vogais i ou u forem precedidas de ditongo, não serão mais acen-
tuadas graficamente. Veja como ficam agora algumas palavras que se incluem
nesse caso: feiura, Bocaiuva, baiuca.

5.4  Acento agudo indicador da crase


A palavra crase significa “fusão”. A crase é a fusão ou contração de duas vogais
idênticas e é graficamente marcada pelo acento grave. Ocorrerá crase quando
houver a fusão da preposição “a” e do artigo definido “a”.

a- preposição + a - artigo = à

Vejamos uma tabela que orienta o uso da crase.

1O CASO: A PALAVRA DA ESQUERDA PEDE A PREPOSIÇÃO A E A


PALAVRA DA DIREITA PODE TER O ARTIGO A.

O gerente referiu-se à secretária. → referiu-se a + a secretária


Referia-me à professora. → referia-me a + a professora
O diretor dirigiu-se à recepção. → dirigiu-se a + a recepção
O funcionário prestou atenção à explicação. → prestou atenção a + a explicação
Ele chegou atrasado devido à chuva. → devido a + a chuva
Quanto à dívida, está tudo certo. → quanto a + a dívida
Em relação à reunião, participaremos. → em relação a + a reunião

Observe: se a palavra da direita for masculina, não haverá crase.


referiu-se a + o diretor → referiu-se ao diretor
dirigiu-se a + o balcão → dirigiu-se ao balcão
quanto a + o pagamento → quanto ao pagamento
devido a + o trânsito → devido ao trânsito
Atenção: antes de pronomes pessoais femininos e pronomes indefinidos, não ocorrerá crase.
Dirigia-me a ela. / Referia-me a alguém. / Falei a algumas pessoas.

112 • capítulo 5
2O CASO: USA-SE O SINAL INDICATIVO DE CRASE NAS EXPRESSÕES
FORMADAS POR PALAVRAS FEMININAS.

Veja os exemplos:
A sala ficou às escuras. → palavra feminina
Fique à vontade. → palavra feminina
Ele andou às cegas. → palavra feminina
O vendedor seguia tudo à risca → palavra feminina
Fui atender o cliente às pressas. → palavra feminina
Estava à espera de você.
Não ando à toa por aí.
Estávamos à beira da falência.

A sala ficou às escuras. → palavra feminina


Fique à vontade. → palavra feminina
Ele andou às cegas. → palavra feminina
O vendedor seguia tudo à risca → palavra feminina
Fui atender o cliente às pressas. → palavra feminina
Estava à espera de você.
Não ando à toa por aí.
Estávamos à beira da falência.

Nesses casos, você não enxergará a fusão dos dois as. No entanto, sempre que for
uma expressão isto é, um conjunto, formado por palavra feminina, não tenha dúvida,
haverá crase.

capítulo 5 • 113
USO DA CRASE NAS EXPRESSÕES FORMADAS POR HORAS E DIAS

Deve ser seguido o mesmo princípio das expressões formadas por palavras femininas,
porém deve-se não craseá-las quando já houver uma preposição antes.
A reunião será às 16 horas.
A reunião vai das 15 às 16 horas.
A reunião vai de 15 a 16 horas.
A reunião está marcada para as 16 horas.
O contrato será assinado entre as 14 e as15 horas.
Da segunda à sexta-feira
De segunda a sexta-feira

GOLD, 2002.

Também ocorre o acento agudo na contração da preposição “a” com os pro-


nomes demonstrativos aquele, aquela e aquilo. Veja os exemplos.
Referia-me àquele passageiro sentado na primeira fila.
Enviei o cliente àquela empresa mencionada em nossa conversa.
Falei àqueles funcionários tudo que sabia.
Ele referia-se àquilo?

5.5  Trema
O Novo Acordo Ortográfico suprimiu completamente o trema em palavras por-
tuguesas ou aportuguesadas, permanecendo apenas em palavras estrangeiras.
Veja: linguiça, sequência, tranquilo, cinquenta, sagui, arguir, linguística.

5.6  Hífen
Provavelmente é no emprego do hífen que reside a maior dificuldade quanto
ao entendimento e aplicação das alterações do Novo Acordo Ortográfico. Em
muitos casos, o hífen foi abolido, em outros, ele passou a ser usado. Vejamos
então o que mudou e o que não foi alterado.

114 • capítulo 5
Uso do hífen com prefixos
Com os prefixos auto, contra, extra, infra, intra, neo, proto, pseudo, semi,
supre e ultra somente devemos usar o hífen se a palavra seguinte começar por
“h”ou vogal igual à vogal final do prefixo. Antes do acordo, também se usava o
hífen quando a palavra seguinte começava por h, r, s e qualquer vogal. O Novo
Acordo mudou isso. Também é importante atentar para o fato de que nas pa-
lavras que começam com r ou s, além de não mais se usar o hífen, é preciso
dobrar essas letras.
Auto-hipnose, auto-observação, autoadesivo, autoanálise, autobiografia,
autoconfiança, autocontrole, autocrítica, autoescola, automedicação, autope-
ça, autopiedade, autopromoção, autorretrato, autosserviço, autossuficiente,
autossustentável
Contrabaixo, contraceptivo, contracheque, contradizer, contraespião, con-
trafilé, contragolpe, contraindicação, contramão, contraordem, contrapartida,
contrapeso, contraproposta, contrarreforma, contrassenso
Extraconjugal, extracurricular, extraditar, extraescolar, extrajudicial, extra-
oficial, extraterrestre, extratropical
Infracitado, infraestrutura, infraocular, infrarrenal, infrassom, infraverme-
lho, infravioleta
Intracelular, intragrupal, intramolecular, intramuscular, intranet, intrao-
cular, intrarracial, intrauterino, intravenoso
Neoacadêmico, neocolonialismo, neofascismo, neoirlandês, neoliberal,
neonatal, neorromântico, neossocialismo, neozelandês
Protoevangelho, protagonista, protótipo, protozoário
Pseudoartista, pseudocientífico, pseudoedema, pseudoproblema, pseudor-
rainha, pseudorrepresentação, pseudossábio
Semiaberto, semialfabetizado, semiárido, semibreve, semicírculo, semi-
deus, semiescravidão, seminu, semirreta, semisselvagem, semitangente, semi-
úmido, semivogal
Supracitado, supramencionado, suprapartidário, suprarrenal, suprassumo,
Ultracansado, ultraelevado, ultrafamoso, ultrajudicial, ultranacionalismo,
ultraoceânico, ultrapassagem, ultrarradical, ultrarromântico, ultrassensível,
ultrassom, ultrassonografia
Com os prefixos ante, anti, arqui e sobre somente usaremos hífen se a palavra
seguinte começar com “h”ou vogal igual à vogal final do prefixo. Pela regra antiga,
também se usava o hífen quando a palavra seguinte começava com “s” e “r”.

capítulo 5 • 115
Antebraço, antecâmara, antediluviano, antegozar, ante-histórico, antemão,
anteontem, antepenúltimo, anteprojeto, anterrepublicano, antessala, antevés-
pera, antevisão
Antiabortivo, antiácido, antiaéreo, antialérgico, anticoncepcional, antide-
pressivo, antigripal, anti-hemorrágico, anti-herói, anti-horário, anti-imperialis-
mo, anti-inflacionário, antioxidante, antirrábico, antirradicalista, antissemita,
antissocial, antivírus
Arquibancada, arquidiocese, arqui-hipérbole, arqui-inimigo, arquimilioná-
rio, arquirrival, arquissacerdotal
Sobreaviso, sobrecapa, sobrecomum, sobrecoxa, sobre-erguer, sobre-huma-
no, sobreloja, sobremesa, sobrenatural, sobrenome, sobrepasso, sobrerrenal.
Com os prefixos hiper, inter e super, somente usaremos hífen se a palavra
seguinte começar com “h”ou “r”.
Hiperativo, hiperglicemia, hiper-hidratação, hiper-humano, hiperinflação,
hipermercado, hiper-realismo, hiper-reativo, hipersensibilidade, hipertensão,
hipertrofia
Interação, interativo, intercâmbio, intercessão, intercontinental, interdis-
ciplinar, interescolar, interestadual, interface, inter-helênico, inter-humano,
interlocutor, intermunicipal, inter-racial, inter-regional, inter-relação, interse-
ção, intertextualidade
Superaquecido, supercampeão, supercílio, superdosagem, superfaturado,
super-habilidade, super-homem, superinvestidor, superleve, supermercado,
superlotado, super-reativo, super-requintado, supersecreto, supervalorizado.
Com o prefixo sub, somente usaremos hífen se a palavra seguinte começar
com “b”ou “r”.
subaquático, sub-base, subchefe, subclasse, subcomissão, subconjunto,
subdiretor, subdivisão, subeditor, subemprego, subentendido, subestimar,
subfaturado, subgrupo, sub-hepático, sub-humano, subjugado, sublocação,
submundo, subnutrido, submundo, suboficial, subprefeito, sub-raça, sub-rei-
no, sub-reitor, subseção, subsíndico, subsolo, subtítulo, subtotal
Com o prefixo co, somente usaremos hífen se a palavra seguinte começar
com “h”
Coautor, cofundador, co-herdeiro, cosseno, cotangente, coobrigação, coo-
cupante, cooperar, coordenar

116 • capítulo 5
Alguns prefixos sempre serão seguidos de hífen. Confira:

Além: além-mar, além-túmulo


Aquém: aquém-fronteiras, aquém-mar
Bem: bem-amado, bem-querer (exceção: bendizer e benquisto)
Ex: ex-senador, ex-esposa
Grã: grã-duquesa, grã-fino
Grão: grão-duque, grão-mestre
Pós: pós-moderno, pós-meridiano, pós-cabralino
Pré: pré-nupcial, pré-estreia, pré-vestibular
Pró: pró-britânico, pró-governo
Recém: recém-chegado, recém-nascido, recém-nomeado
Sem: sem-número (inúmeros), sem-terra, sem-teto, sem-vergonha
Vice: vice-diretor, vice-governador

Conforme o Novo Acordo, os pseudoprefixos ou prefixos falsos serão segui-


dos de hífen se a palavra seguinte começar por “h” ou por vogal igual à vogal
final do prefixo falso. Veja a lista.

AERO: aeroespacial, aeronave, aeroporto


AGRO: agroindustrial
ANFI: anfiartrose, anfíbio, anfiteatro
AUDIO: audiograma, audiometria, audiovisual
BI(S): bianual, bicampeão, bigamia, bisavô
BIO: biodegradável, biofísica, biorritmo
CARDIO: cardiopatia, cardiopulmonar
CENTRO: centroavante, centromédio
DE(S): desacerto, desarmonia, despercebido
ELETRO: eletrocardiograma, eletrodoméstico
ESTEREO: estereofônico, estereofotografia
FOTO: fotogravura, fotomania, fotossíntese
HIDRO: hidroavião, hidroelétrico
MACRO: macroeconomia
MAXI: maxidesvalorização
MEGA: megaevento, megaempresário
MICRO: microcomputador, micro-onda

capítulo 5 • 117
MINI: minidicionário, mini-hotel, minissaia
MONO: monobloco, monossílabo
MORFO: morfossintaxe, morfologia
MOTO: motociclismo, motosserra
MULTI: multicolorido, multissincronizado
NEURO: neurocirurgião
ONI: onipresente, onisciente
ORTO: ortografia, ortopedia
PARA: paramilitares, parapsicologia
PLURI: plurianual
PENTA: pentacampeão, pentassílabo
PNEUMO: pneumotórax, pneumologia
POLI: policromatismo, polissíndeto
PSICO: psicolinguística, psicossocial
QUADRI: quadrigêmeos
RADIO: radioamador
RE: reposição, rever, rerratificação
RETRO: retroagir, retroprojetor
SACRO: sacrossanto
SOCIO: sociolinguístico, sociopolítico
TELE: telecomunicações, televendas
TERMO: termodinâmica, termoelétrica
TETRA: tetracampeão, tetraplégico
TRI: tridimensional, tricampeão
UNI: unicelular
ZOO: zootecnia, zoológico

Confira, também, os casos em que o hífen deve continuar a ser usado:

•  Para dividir sílabas: or-to-gra-fi-a, gra-má-ti-ca, ter-ra, per-do-o, ál-co-ol,


ra-i-nha, trans-for-mar, tran-sa-ção, su-bli-me, sub-li-nhar, rit-mo.
•  Com pronomes enclíticos e mesoclíticos: encontrei-o, recebê-lo, reuni-
mo-nos, encontraram-no, dar-lhe, tornar-se-á, realizar-se-ia.
•  Antes de sufixos -(gu) açu, -mirim, -mor: capim-açu, araçá-guaçu, araçá-
mirim, guarda-mor.

118 • capítulo 5
•  Em compostos em que o primeiro elemento é forma apocopada (bel-, grã-
, grão- ...) ou verbal: bel-prazer, grã-fino, grão-duque, el-rei, arranha-céu, cata-
vento, quebra-mola, para-lama, beija-flor.
•  Em nomes próprios compostos que se tornaram comuns: Santo-Antônio,
Dom-João, Gonçalo-Alves.
•  Em nomes gentílicos: cabo-verdiano, porto-alegrense, espírito-santense,
mato-grossense.
•  Em compostos em que o primeiro elemento é numeral: primeiro-minis-
tro, primeira-dama, segunda-feira.
•  Em compostos homogêneos (dois adjetivos, dois verbos): técnico-científi-
co, luso-brasileiro, azul-claro, quebra-quebra, corre-corre.
•  Em compostos de dois substantivos em que o segundo faz papel de adjeti-
vo: carro-bomba, bomba-relógio, laranja-lima, manga-rosa, tamanduá-bandei-
ra, caminhão-pipa.
•  Em composto em que os elementos, com sua estrutura e acento, perdem
a sua significação original e formam uma nova unidade semântica: copo-de-lei-
te, couve-flor, tenente-coronel, pé-frio.

O GLOBO

5.7  Prosódia
Podemos definir prosódia como a correta acentuação das palavras. Por isso
mesmo, a prosódia ocupa-se da correta emissão de palavras quanto à posição
da sílaba tônica, segundo as normas da língua culta. Quando pronunciamos
uma palavra com o acento de intensidade colocado erroneamente em uma síla-
ba, temos um erro prosódico ao qual se dá o nome de silabada. Vejamos alguns
desses erros mais comuns e sua correção.

Enquanto a prosódia refere-se à acentuação das sílabas nas palavras, a parte da gra-
mática que trata da pronúncia correta das palavras é a ortoepia. A ortoepia determina
como devemos pronunciar nitidamente as vogais, os ditongos, os tritongos e os hiatos.
Também orienta quanto à articulação ou pronúncia adequada das consoantes e dos en-
contros consonantais. Para saber mais sobre o assunto, veja em: <http://www.colada
web.com/portugues/ortoepia-e-prosodia>.

capítulo 5 • 119
5.7.1  Palavras oxítonas

Ruim (evite pronunciar “rúim”); mister (como adjetivo essa palavra significa
“necessário”); condor (cuidado para pronunciar a palavra como se fosse paroxí-
tona); Nobel (é mais adequada a pronúncia como oxítona e não como paroxíto-
na); ureter (a prosódia dessa palavra é como oxítona e seu plural é ureteres, ou
seja, paroxítona).

5.7.2  Palavras paroxítonas

Acórdão (decisão judicial); âmbar; avaro (alguém que é usurário, avarento, pão-
-duro); batavo (da Batávia, holandês); cânon (regra, norma); caracteres; clímax;
edito (mandato, ordem, decreto); fluido (substância líquida ou gasosa, não pro-
nuncie “fluído”); ibero (não pronuncie “íbero”); rubrica (é o mais adequado,
embora haja tendência para se aceitar “rúbrica”); têxtil; látex; xérox (também
se aceita “xerox’, ou seja, a pronúncia como oxítona).

5.7.3  Palavras proparoxítonas

Arquétipo (modelo, protótipo, exemplar); boêmia (evite pronunciar “boemia”);


estratégia; êxodo (saída, emigração); ínterim (cuidado para não dizer “interim”,
como se fosse oxítona); perífrase; réquiem.

5.7.4  Algumas palavras que admitem dupla prosódia

Acróbata ou acrobata; Oceânia ou Oceania; projétil ou projetil; réptil ou reptil;


ortoépia ou ortoepia; hieróglifo ou hieroglifo.

5.8  Representação gráfica dos sons: os


sistemas ortográficos

Logo na primeira unidade, fizemos algumas considerações sobre a escrita e sua


origem. Agora, retomamos brevemente esse tema para apontar a relação entre
a escrita e os estudos fonéticos e fonológicos.

120 • capítulo 5
Sabemos que os sistemas de escrita atuais vêm de uma longa tradição his-
tórica. Borba (1998, p. 137-138) observa que, no uso de sinais gráficos, “as per-
das, trocas ou adaptações, na verdade, são pequenas”. O linguista brasileiro
acrescenta que “a comunicação escrita sempre pôde ser feita de três maneiras:
desenhos ou figuras que tentam descrever certas situações; símbolos mais ou
menos complexos que representam palavras; sinais mais simples que repre-
sentam sílabas ou sons”. Nesse último caso, temos “as chamadas escritas foné-
ticas em que os sinais representam sílabas ou sons isolados”.
Borba (1998, p. 138) também observa que “um sistema gráfico ideal é aquele
em que a cada fonema corresponde um sinal gráfico ou grafema”. Faz, ainda,
uma distinção importante em relação ao papel da fonética e da fonologia na
representação dos sons. Ele afirma que a chamada “escrita fonética” ou a escri-
ta que representa os sons da língua são termos inadequados para se referir ao
sistema gráfico ou ortográfico.
Na verdade, as realizações fonéticas são muito instáveis e variadas, não con-
tribuindo para uma sistematização econômica, prática e eficaz em termos de
sistema gráfico para o uso comum.
O sistema gráfico deve ter como orientação uma base fonológica. Isso quer
dizer que os fonemas, por serem em número mais limitado, prestar-se-iam
mais para orientar os sistemas ortográficos.
Os sistemas ortográficos, contudo, apresentam também inadequações,
pois a correspondência entre fonema e grafema não é comum.
Nem todos os elementos funcionais da língua (quantidade, intensidade,
entoação etc.) estão representados no sistema ortográfico. Verificam-se des-
vios, redundâncias e inadequações nos sistemas ortográficos pelo fato de a
língua está sempre em mudança. Por isso, constatamos certa falta de corres-
pondência entre o sistema fonológico e o gráfico, levando a língua escrita a se
caracterizar paradoxalmente como menos clara e precisa do que a língua falada
(BORBA,1998, p. 138). Deve haver, entretanto, um esforço para a preservação de
certa coerência nos sistemas ortográficos em benefício da operacionalidade da
língua.
Já que é muito difícil a correspondência biunívoca entre o sistema fonológi-
co e o ortográfico, pede-se, então, um mínimo de discrepância e o máximo de
coerência interna para preservar a operacionalidade do sistema. A coerência
pode ser vista sob dois aspectos: fonológico e etimológico. O primeiro caso diz
respeito à correspondência dos grafemas aos padrões fonológicos básicos e o

capítulo 5 • 121
segundo, às relações diacrônicas entres os símbolos gráficos, o que se pode ve-
rificar pela conservação de sinais e pela correspondência entre séries morfoló-
gicas e séries gráficas (BORBA,1998, p. 138).
Assim, percebemos que o sistema ortográfico da língua portuguesa, por
exemplo, não é um sistema rigorosamente fonético. Ele é mais dependente dos
aspectos fonológicos e etimológicos. Podemos citar, como exemplo, o caso da
palavra ‘exame’, que é grafada dessa forma e não como ‘ezame’ em função de
tal palavra vir do latim examen.

5.9  Algumas observações sobre o Novo


Acordo Ortográfico

Desde o início do século XX, tanto no Brasil quanto em Portugal empreende-


ram-se esforços na busca de um modelo de ortografia que pos­sibilitasse a con-
vergência ortográfica nas publicações oficiais e no ensino entre os dois países.
Em 1945, foi assinado um Acordo Ortográfico em Portugal, tornando-se vi-
gente apenas neste país, pois o Brasil não o ratificou, preferindo manter o voca-
bulário de 1943. Em 1986, teve lugar no Brasil nova tentativa de uniformização,
mas sem consenso.
Em 1990, depois de um longo trabalho desenvolvido por represen­tantes de
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Por­tugal e São Tomé
e Príncipe, chegou-se ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, ao qual o
Timor aderiu em 2004. O texto do Acordo, no entan­to, não entrou em vigor, já
que não foi ratificado.
A CPLP (Comissão de Países de Língua Portuguesa), tempos depois, decidiu
que o Acordo poderia entrar em vigor, caso três países o ratificassem. Como o
Brasil ratificou-o em 2004 e Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, em 2006, ele já
poderia tecnicamente ter entrado em vigor.
Portugal, depois de muito hesitar, aderiu aoAcordo, ratificando-o em maio
de 2008.
Agora, já estamos na vigência e aplicação do Novo Acordo Ortográfico, em-
bora haja um tempo de transição no qual convivem a anti­ga e a nova ortografia.

122 • capítulo 5
Escrita pautada na etimologia, ou seja, procurava-se a raiz la-
SÉC. XVI AO XX tina ou grega para escrever as palavras.

A Academia Brasileira de Letras começa a simplificar a escri-


1907 ta nas suas publicações, por meio do uso de uma ortografia
mais fonética.

Primeira reforma ortográfica feita em Portugal na tentativa de


1911 uniformizar e simplificar a escrita. O Brasil não adotou.

A Academia Brasileira de Letras resolve harmonizar a nossa


1915 ortografia com a portuguesa.

1919 A Academia Brasileira de Letras revoga a resolução de 1915.

Aprovado o primeiro acordo ortográfico entre Brasil e Por-


1931 tugal, visando a suprimir diferenças, unificar e simplificar a
língua portuguesa. Portugal não seguiu as recomendações.

A nova Constituição Brasileira resgatou a ortografia de 1891,


1934 retornando a uma escrita etimológica (volta a ser usado, por
exemplo, o ph no lugar do f).

1937 O Brasil voltou a utilizar a ortografia de 1931.

Primeira Convenção Ortográfica entre Brasil e Portugal, na


1943 qual foi elaborado o Formulário Ortográfico de 1943.

O Acordo Ortográfico tornou-se lei em Portugal, mas, no Bra-


1945 sil, não foi ratificado pelo governo. Os brasileiros continuaram
a usar a ortografia de 1943.

capítulo 5 • 123
Promulgadas alterações no Brasil, reduzindo as divergências
1971 ortográficas com Portugal.

Promulgadas alterações em Portugal, reduzindo as divergên-


1973 cias ortográficas com o Brasil.

A Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências


1975 de Lisboa elaboram novo projeto de acordo que não foi apro-
vado oficialmente.

Encontro dos sete países de língua portuguesa. Foi apresen-


1986 tado um memorando sobre o Acordo Ortográfico.

A Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências


1990 de Lisboa elaboram a base do Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa, que deveria entrar em vigor em 1994.

Assinado um protocolo modificativo determinando que o


2004 acordo só entraria em vigor quando três países o ratificassem.
O legislativo brasileiro aprova o Acordo.

2006 Cabo Verde e São Tomé e Príncipe aprovam o Acordo.

Portugal aprova o novo Acordo Ortográfico da Língua Por-


2008 tuguesa.

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entra em vigor


2009 no Brasil com prazo de adaptação até 2012.

Tabela 5.1 – Mudanças históricas da ortografia do português.

124 • capítulo 5
Entre gramáticos e linguistas, há opiniões e emoções tanto favo­ráveis quan-
to contrárias à vigência imediata do Novo Acordo.
De acordo com a professora de língua portuguesa da Universidade de São
Paulo (USP), Elis Cardoso, “apesar de o Acordo visar a uma uniformização grá-
fica entre os países lusófonos, as principais diferenças entre as variantes da
língua passam longe das questões ortográficas”. Ela afirma que distinções gra-
maticais e, principalmente, semânticas continuarão a existir entre o português
europeu, africano e brasileiro, haja vista que a língua e suas variações são re-
gidas por aspectos culturais. Há ainda as diferenças fonéticas, que saltam aos
ouvidos. “Todos continuarão a reconhecer o sotaque de um português e de um
brasileiro”, diz (MOREIRA, 2009).
Aqueles que defendem o Novo Acordo apontam aspectos positivos mesmo
na motivação política e cultural.
Os motivos fundamentais para que isso aconteça são políticos, principal-
mente relacionados ao intercâmbio de livros e documentos entre os falantes
de português. O professor de linguística da Faculdade de Letras da UFMG, Luiz
Francisco Dias, ressalta ainda que as tentativas de unificação buscam fortale-
cer o idioma. “O português passa a se afirmar como uma língua que une povos
que têm uma história em comum. Esse fortalecimento se dá frente aos povos
que falam outras línguas, o que facilita inclusive o ensino do idioma em gran-
des universidades estrangeiras” (MOREIRA, 2009).
Há também quem reconheça nos acordos ortográficos um movimento de
mudança que corresponde às transformações que se verificam na língua ao
longo do tempo.

CONEXÃO
Confira um artigo, publicado em 2008, sobre polêmicas relacionadas com o Novo Acordo Or-
tográfico e o modo como a imprensa tratou a questão recentemente. O texto é de autoria do
linguista Marcos Bagno e está disponível em: <http://www.marcosbagno.com.br/conteudo/
arquivos/art_carosamigos-novembro2.htm>.

Modificações na ortografia são ocorrências naturais, reflexos da evolução


e modernização de um idioma. “Algumas mudanças acontecem para ratifi-
car o que já vinha sendo verificado na prática. É o caso do retorno das letras k,

capítulo 5 • 125
w e y ao nosso alfabeto e da abolição do trema”, comenta a professora Maria
Auxiliadora Leal. Em reformas anteriores, essas letras foram abolidas, justa-
mente por serem derivadas do latim e usadas somente em palavras de grafia
etimológica (tipo de escrita mais arcaica que a fonética). “A palavra tipografia,
por exemplo, era grafada typographia”, lembra Elis Cardoso. Entretanto, com a
ascensão dos estrangeirismos, principalmente os provenientes do inglês, essas
letras acabaram por fazer parte, também, do cotidiano dos falantes do portu-
guês. A professora do curso de Letras da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Maria Flor de Maio, que trabalha com a formação de professores,
vê a reincorporação desses caracteres de maneira positiva. “Na fase inicial da
alfabetização, a inclusão do k, w e y é interessante porque nós vemos crianças
com nomes grafados com essas letras. Para uma aluna que se chama Kátia, por
exemplo, ter essa letra no alfabeto é importante quando ela está aprendendo a
ler”, avalia (MOREIRA, 2009).
Embora alguns critiquem aspectos do texto do Acordo e outros concordem
com as mudanças propostas, há uma atitude de cautela da parte de muitos es-
tudiosos. A questão é basicamente a seguinte: seria oportuno um acordo neste
momento? Não há outras prioridades educacionais com as quais o MEC deve-
ria preocupar-se?
Para muitos, o Novo Acordo veio num tempo inoportuno.
Não é a intenção aqui apontar uma posi­ção final sobre o assunto, nem mes-
mo oferecer detalhada explicação de cada regra do Novo Acordo. O espaço aqui
é mais para introduzir o assunto e motivá-lo a conhecer criticamente o Novo
Acordo Ortográfico com leituras e pesquisas que você poderá desenvolver.

ATIVIDADES
01. Acentue graficamente quando for necessário.
a) O pais precisa de politicos e governantes eticos.
b) Não negocio com gente perdularia.
c) O item mais importante que ele propos foi alem das expectativas.
d) De tudo de si mesmo, caso queira abrir um negocio rentavel.
e) E preciso propor novas alternativas ao plano do governo.
f) O projeto esta por um fio.
g) Ele vai por cada item no arquivo.

126 • capítulo 5
02. Marque a alternativa que contém erro de acentuação gráfica
a) item, hífen, refém, recém
b) saúde, rainha, juiz, Luís
c) tórax, táxi, látex, chale
d) cipó, café, sofá, joia
e) básica, tóxico, relâmpago, lâmpada

03. Leia este trecho da música Construção, de Chico Buarque e assinale a alternativa cor-
reta, no que diz respeito à acentuação gráfica da última palavra de cada verso:

Amou daquela vez como se fosse a última


Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico...

a) São acentuadas por serem oxítonas terminadas em vogal.


b) São acentuadas por serem proparoxítonas terminadas em vogal.
c) São acentuadas por serem proparoxítonas.
d) São acentuadas por serem oxítonas terminadas em ditongo crescente.
e) São acentuadas por serem proparoxítonas terminadas em ditongo crescente.

04. Assinale a alternativa que justifica a acentuação da forma verbal "há".


a) É um monossílabo átono.
b) É forma verbal.
c) É palavra sem valor semântico.
d) É monossílabo tônico terminado em "a".
e) A vogal "a" possui timbre aberto.

capítulo 5 • 127
REFLEXÃO
Neste capítulo, estudamos as principais regras de ortografia; aprendemos a distinguir os
homônimos dos parônimos e como usá-los num contexto. Vimos também as mudanças ocor-
ridas por meio do Novo Acordo Ortográfico, mas não podemos nos esquecer da importância
da fonologia para o ensino de ortografia.
Muito estudo se faz necessário, portanto reveja sempre todos os temas abordados ao
longo deste livro, pesquise os autores citados e as referências apresentadas para que você
possa se tornar um profissional de destaque em sua área. Bons estudos! Bom trabalho!

LEITURA
Para estudar mais sobre ortografia, veja estes livros:
CEGALA, D. P. Novíssima gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Nacional, 2005.
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Gramática reflexiva: texto, semântica e interação. São Paulo:
Atual, 2005.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Gramática reflexiva: texto, semântica e interação. São Paulo:
Atual, 2005.
COUTINHO, I. de L. Gramática histórica. 6. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1968.
CUNHA, C. F.; CINTRA, L. F. L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1985.
GOULART, A. T.; SILVA, O. V. Estudo dirigido da gramática histórica e teoria da literatura. São
Paulo: Ed. do Brasil, 1975.
MESQUITA Roberto Melo. Gramática da língua portuguesa. São Paulo: Saraiva, 1998.
SACCONI, L. A. Nossa gramática: teoria e prática. São Paulo, Atual, 1999.
SILVA NETO, S. da. Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil. Rio de Janeiro:
Presença, 1976.
TEYSSIER, P. História da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

128 • capítulo 5
GABARITO
Capítulo 1

01.
Tabela 1
LUGAR DE ARTICULAÇÃO ARTICULADOR ATIVO ARTICULADOR PASSIVO
Bilabial Lábio inferior Lábio superior
Labiodental Lábio inferior Dentes incisiveis superiores
Dental Ápice ou lamina da língua Dentes incisiveis superiores
Alveolar Ápice ou lamina da lingua Alvéolos
Alveopalatal Parte anterior da lingua Parte medial do palato móvel
Palatal Parte média da lingua Parte final do palato móvel
Velar Parte superior da lingua Véu palatino ou palato móvel

Tabela 2
MODO DE
DESCRIÇÃO/CARACTERÍSTICAS
ARTICULAÇÃO
Sons não oclusivos, que não se articulam dentro da área vocálica, mas que não
apresentam fricção, graças ao fato de a constrição ser menor
Aproximantes (Isto é, formar uma passagem mais aberta à corrente de ar) do que o necessário
para causar turbulência à passagem do ar fonatório e consequente produção de
fricção.
Sons produzidos com uma obstrução à corrente de ar produzida pelo encurvamento
Retroflexos
da ponta da língua para cima e para trás.
Sons produzidos com um bloqueio completo à corrente de ar em algum ponto do
Oclusivos aparelho fonador, desde a glote até os lábios (ex.: as consoantes grifadas em pato;
gado).
Sons produzidos com um bloqueio à corrente de ar na cavidade oral, com concomi-
Nasais tante abaixamento do véu palatino, o que permite a saída da corrente de ar pelas
narinas (ex.: somo; sono; sonho).
Sons produzidos com um estreitamento em qualquer parte do aparelho fonador
Fricativos (da glote até os lábios), de tal modo que o ar fonatório, passando por essa parte,
produza fricção (ex.:faca; vaca; saca; jaca).
Sons que bloqueiam a passagem central da corrente de ar na parte anterior da
Laterais
cavidade oral, permitindo um escape lateral (ex.: vela; velha).

capítulo 5 • 129
Tabela 3

APARELHO FONADOR
ÓRGÃO DESCRIÇÃO
Cartilagem em forma de colher cuja função é fechar a laringe de modo que o alimen-
Epiglote
to não entre na laringe e, portanto, nos pulmões.
São a principal fonte de ar para a produção de sons da fala (...). Os pulmões são
Pulmões
conectados à traqueia por dois tubos bronquiais.
Ligamentos de tecido elástico que estão unidos às cartilagens aritenoides (na parte
Cordas vocais de trás, chamada de posterior, da laringe) e à tireoide (localizada na parte da frente,
chamada de anterior, da laringe) na laringe.
Trata-se de uma válvula cuja função principal é controlar o ar que sai e entra nos
pulmões, além de impedir que alimentos entrem nos pulmões.
Laringe É formada por várias cartilagens. Algumas dessas cartilagens se movimentam, entre
elas as cartilagens a que se ligam às cordas
vocais.
É um tubo muscular com forma de cone invertido, que vai da glote à base do crânio.
Através dele ocorre a passagem do ar para a respiração e para a fonação (via tra-
Faringe
queia) e do alimento
ingerido (via esôfago).
Também conhecido como palato mole. Trata-se da continuação do céu da boca (es-
corregue a língua pelo céu da boca que é possível sentir quando não há mais osso, o
que deixa o tecido
Véu palatino
muscular mole). Esse tecido muscular termina na úvula. Ele se move para cima de
modo a impedir a passagem do ar pela cavidade nasal, permitindo sua passagem
apenas pela cavidade oral.
É o espaço, a abertura entre as cordas vocais, que pode assumir diferentes formas,
Glote
dependendo da posição das cordas vocais.
Vai dos tubos bronquiais até a laringe e é responsável pela maior fonte de energia
Traqueia para a produção dos sons da fala. É formada por anéis cartilaginosos que se mantêm
unidos por uma membrana.
O espaço entre a passagem velo-faringal e as fossas nasais. Quando o véu palatino
Cavidade
está abaixado, o ar transita por essa passagem. É separado da cavidade oral pelo
nasal
palato duro.
Parte superior da cavidade bucal, fica à frente do véu palatino, logo atrás da arcada
Palato duro
alveolar. É fixa e óssea. Também é conhecida como abóbada.
Trata-se de um grande músculo extremamente plástico e móvel responsável pelas
Língua
maiores modificações do volume e da geometria da cavidade oral.
Formada por lábios, dentes, mandíbula e língua. Dentro dela destacam-se, ainda, os
Cavidade oral
alvéolos.
Também chamado de maxilar inferior. Graças à sua mobilidade, permite também
Mandíbula
alterações na cavidade oral.
Duas pregas que marcam o final da cavidade oral e do trato vocal. Sua constituição
Lábios muscular permite grande plasticidade e mobilidade, alterando a forma da cavidade
oral.
Arcada
Parte óssea atrás dos dentes superiores, antes do palato duro.
alveolar
Úvula É conhecida como ‘campainha’. Trata-se de um prolongamento do véu palatino.
Dentes Influem na fonação porque podem impedir, total ou parcialmente, a passagem de ar.

130 • capítulo 5
02. Os articuladores ativos são aqueles que se movimentam em direção ao articulador pas-
sivo. São eles: o lábio inferior, a língua, o véu palatino e as cordas vocais.
Os articuladores passivos, ao contrário dos articuladores ativos, não se deslocam. Não se
comportam de modo ativo na produção do som, embora sejam partes integrantes e indispen-
sáveis. Os articuladores passivos são: o lábio superior, os dentes superiores e o céu da boca.
03. D, A,C, B
04. A Fonética é a ciência que descreve, classifica e transcreve os sons da fala. Ocupa-se
da parte significante do signo, ou seja, estuda todos os sons possíveis de serem produzidos
pelo aparelho fonador humano.
A Fonologia compartilha do mesmo objeto de estudo da Fonética, o som da fala, porém
sob pontos de vista diferentes. A preocupação da Fonologia não é descrever os sons da fala,
mas propor-lhes uma explicação. Enquanto a Fonética é basicamente descritiva, a Fonologia
é uma ciência explicativa, in¬terpretativa; enquanto a análise fonética se baseia na produção,
percepção e transmissão dos sons da fala, a análise fonológica busca o valor dos sons em
uma língua – em outras palavras, sua função linguística.

Capítulo 2

01. Enquanto a Fonética é basicamente descritiva, a Fonologia é uma ciência explicativa,


interpretativa; enquanto a análise fonética se baseia na produção, percepção e transmissão
dos sons da fala, a análise fonológica busca o valor dos sons em uma língua – em outras
palavras, sua função linguística. (CAGLIARI & MASSINIGAGLIARI, 2004, p. 106)
FONÉTICA FONOLOGIA
Estudo dos sons relacionados ao sistema da
Ocupa-se dos sons da fala
língua.
Fenômenos físicos concretos Valor dos sons; sua função linguística
Uso de métodos que correspondem às ciências Uso de métodos da Linguística, das humanidades
naturais. ou das ciências sociais.
Descritiva Explicativa, interpretativa
Estuda a substância do plano da expressão. Estuda a forma do plano da expressão

02. A Fonética concentra três principais áreas de interesse: Fonética Articulatória, Fonética
Auditiva e Fonética Acústica.

capítulo 5 • 131
03.
SFS CONTRASTE OU AUSÊNCIA DE CONTRASTE FONÊMICO
p/b pato bato [‘patʊ] [‘batʊ]
t/d cata cada [‘katƏ] [‘kadƏ]
k/g cravo gravo [‘kɾavʊ] [‘gɾavʊ]
tᶴ/ ʤ tia dia [´tʃiə] [´dƷiə]
f/v faca vaca [´fakə] [´vakə]
ᶴ/ᶾ chá já [´ʃa] [´Ʒa]
x/ᵞ
h/ɦ
t/s tapa sapa [´tapə] [´sapə]

Capítulo 3

01.
FORMA ORTOGRÁFICA BELO HORIZONTE (MG) RIO DE JANEIRO (RJ) TEÓFILO OTONI (MG)
1. paz [‘pas] [‘paiʃ] [‘paz]
2. luz [‘lus] [‘luiʃ] [‘luz]
3. mês passado [mespa‘sadʊ] [meiʃpa‘sadʊ] [mespa‘sadʊ]
4. paz calorosa [paskalo’ ɾozə] [paiʃkalo’ ɾozə] [paskalo’ ɾozə]
5. luz tardia [lustaɦ’ dʒiə] [luiʃtaɦ’ dʒiə] [lustaɦ’ dʒiə]
6. mês bonito [mezbu’ nitʊ] [meiʒbu’ nitʊ] [mezbu’ nitʊ]
7. paz dada [paz’dadə] [paiʒ’dadə] [paz’dadə]
8. luz grotesca [luzgro’teskə] [luigro’teskə] [luzgro’teskə]
9. mês inteiro [mezi’terʊ] [meizi’terʊ] [mezi’terʊ]
10. paz almejada [pazawme’ʒadə] [paizawme’ʒadə] [pazawme’ʒadə]
11. luz horrorosa [luzoho’ɾozə] [luizoho’ɾozə] [luzoho’ɾozə]
12. mês [‘mes] [‘meiʃ] [‘mes]
13. meses [‘mezis] [‘meziʃ] [‘meziz]

02. trãs’krevə u ‘testʊ a’baiʃʊ fonεtʃika’m~etʃi ‘ dʃi a ‘kohdʊ kõ ‘ suə pɾo’ n~usiə

Capítulo 4

01. Não há ditongo em quero.


Na palavra QUERO temos um dígrafo uma vez que as letras QU representam apenas
um fonema.
02. O dígrafo é o emprego de duas letras para a representação gráfica de um só fonema
enquanto no encontro consonantal cada letra representa um fonema. Vejamos os exemplos:
Passo = ss é um dígrafo, duas letras que representam apenas um fonema /s/
Prato = pr é um encontro consonantal, duas consoantes, dois fonemas. /p/r/

132 • capítulo 5
A chácara do Chico Bolacha
Na chácara do Chico Bolacha,
o que se procura
nunca se acha!

Quando chove muito,


o Chico brinca de barco,
porque a chácara vira charco.

Quando não chove nada,


Chico trabalha com a enxada
e logo se machuca
e fica de mão inchada.

Por isso, com o Chico Bolacha,


o que se procura
nunca se acha.

Dizem que a chácara do Chico


só tem mesmo chuchu
e um cachorrinho coxo
que se chama Caxambu.

Outras coisas, ninguém procure,


porque não acha.
Coitado do Chico Bolacha!

Podemos observar nesse poema de Cecilia Meireles a presença de dígrafos consonan-


tais, representados por CH, RR, NH, QU e GU e dos dígrafos vocálicos representados por
AN, UM, entre outras.
Vale destacar que a autora faz um jogo com a presença de palavras que apresentam o
dígrafo CH em oposição a palavras que apresentam o fonema X, como em cachorrinho coxo,
uma oposição entre fonema e letra.

capítulo 5 • 133
Capítulo 5

01.
a) O país precisa de políticos e governantes éticos.
b) Não negocio com gente perdulária.
c) O item mais importante que ele propôs foi além das expectativas.
d) Dê tudo de si mesmo, caso queira abrir um negócio rentável.
e) É preciso propor novas alternativas ao plano do governo.
f) O projeto está por um fio.
g) Ele vai pôr cada item no arquivo.

02.
c) tórax, táxi, látex, chale

03.
c) São acentuadas por serem proparoxítonas.

04.
d) É monossílabo tônico terminado em "a".

134 • capítulo 5
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 135
ANOTAÇÕES

136 • capítulo 5

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