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O PAPEL DO CIDADAO

0 que você está


DISPOSTOAMUDAR?
Para modificar hábitos, é preciso abrir mão de
confortos que prejudicam o ambientê, ê negociar a
distribuição dos sacrifícios

Por Fernando Pachi

V
ocê está disposto a abrir mão do seu conforto e de alguns sumidor pelo bolso. O problema é como tornar essas práticas
de seus hábitos para salvar a vida e a própria Terra? Feita generalizadas numa sociedade como a brasileira, ao mesmo
assim, esta pergunta parece exagerada e com resposta tempo carente e dispendiosa de seus recursos naturais. É rlma
óbvia. "Claro que sim. Faremos o possível. Afinal, não pode- dificuldade que ultrapassa as muitas iniciativas individuais e
mos imaginar a vida fora deste mundo" seria o coro ouvido por tem â ver com a história do Brasil e do mundo.
quem se atrevesse a perBuntar a uma multidão. De tão óbvia, a A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra em Êns do
resposta chega a ser falsa e apressada. A verdade é que muitos século XVIII, expandiu-se pela Europa, Estados Unidos e
ainda se perguntam se podem mesmo Íazer algo para salvar o também por antigas colônias, como o Brasil, que passaram a
planeta, atribuindo os problemas ambientais à sociedade, aos ver no industrialismo a superação de problemas econômicos e
governos ou a qualquer instância supostamente exterior a nós o alívio de suas tensões sociais, com mais empregos e melhores
mesmos. Basta lembrar algumas iniciativas que compreendere- condições de vida. O mundo tornou-se um grande mercado
mos a dificuldade de convencer a todos de participar de algum para a circulação de produtos. Produzir em larga escala para
modo da operação de salvamento da Terra. uma populaçào cada vez mais numerosa exigia mais energia,
Há pouco mais de dez anos começou o rodízio de carros maior extração de recursos naturais e, conseqüentemente, ge-
na cidade de São Paulo para manutenção da qualidade do ar ração de mais lixo.
e para conter emissões de gases que provocam o efeito estufa. A sociedade de massas atingiu proporções gigantescas no
No entanto, muita gente reclamou da arbitrariedade da me- século XX. O capitalismo, já em fins do século XIX, se genera-
dida e da falta de trânsporte coletivo adequado, duvidou da lizou como sistema dominante. A conseqüência desse processo
eficácia da iniciativa e até foi parâr na Justiça contra o rodízio, foi uma pressão exagerada e nunca antes mensurada sobre o
5
a alegando perdas econômicas, dificuldades para trabalhar etc. meio ambiente para a manutenção da vida humana na Terra.
Passados dez anos, o rodízio foi assimilado pelo paulistano e Hoje, as sociedades pós-industriais, principalmente nos países
E
muitos vêem benefícios na diminuição do trânsito. de primeiro mundo, exigem muito mais do que a Natureza é
Há seis anos, nos habituamos a economizar energia. O apa- capaz de dar. É mais grave ainda o fato de os recursos naturais
=
É gão elétrico demonstrou a necessidade do uso mais racional da não se regenerarem na mesmâ velocidade com que sào extra-
9
z energia elétrica. As metâs de consumo, com punição monetária ídos. Daí a grande dificuldade contemporânea: como manter
: a quem as descumprisse, serviram para reeducar o cidadão. esse padrão de vida, baseado em modelos e sistemas reconhe-
o Porém, foi necessário adotar uma punição, que pegou o con- cidamente lesivos ao meio ambiente?

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A TIIRRA PRECISA de 18 meses para se recuperar daquilo
que é UJ'I[-IZLDO fM LrNl ANO

Estamos em plena "sociedade de hectares de terras produtivas disponí possibilidade de atuação parâ os indiví-
risco", como alertou o sociólogo alemão veis para atender a suas necessidades. duos em prol do meio ambiente. O preço
Ulrich Beck, cunhador desta expres- Atualmente, esse número é de 1,1 hec- dos produtos é o que mais pesa na hora
são. Isso quer dizer que a sociedade tare. Em 2050, chegará a 0,9 hectare, de decidir comprar algo em países como
industrial desenvolveu tecnologia e, para uma população mundial de cerca o Brasil, em que as necessidades básicas
proporcionalmente, processos e pro- de 10 bilhões de habitantes. de toda a população não são atendidas.
dutos perigosos para a vida, com con- Dados publicados em 2006 no re- Ainda agimos de acordo com uma ló-
seqüências como o aquecimento global. latório Planeta Viuo, da organização gica econômica, como se o ambiente
Doenças e contaminações são alguns não-governamental'§7\íF, mostram não existisse. Nem sempre preço bai-
dos problemas que surgem cada vez que o índice da pegada ecológica mais xo é garantia de processos produtivos
que o controle escapa ao ser humano. que triplicou desde 1961, superando a que respeitem a Natureza. Tampouco
É o qo" temos visto quando o assunto capacidade de regeneração da Terra em o consumidor dispõe de informações
é desastre ambiental. De novo nos per- aproximadamente 25"/" - ou seja, é ne- consistentes para decidir comprâr ou
guntâmos: como cada um pode reverter cessário um ano e meio para o planeta não determinada mercadoria. Ainda
esse processo? se recuperar daquilo que é utilizado em assim, é no ato de consumir que faze-
um ano. Se o consumo e a degradação mos escolhas e podemos definir relações
Pegada Ecológica continuârem neste ritmo, em 2050 pre- de cidadania, como alertou o sociólogo
E orrÍctr DTMENSToNAR o quanto nos- cisaremos de três planetas Terra para Nestor Canclini, que vê essa caracterís-
so modo de vida impacta o ambiente. dar conta do nosso estilo de vida. Por tica na contemporaneidade.
Temos a impressão de que há muito isso, precisamos equilibrar o consumo O consumo também se relaciona ao
exagero quando se fala que precisamos e reduzir os resíduos. estilo de vida. Por isso, o consumismo
mudar urgentemente nossos hábitos. Ao longo do século XX, a popu- exarcebado das sociedades industriais
Para quem duvida ou necessita de uma laçào mundial cresceu oiro vezes e a tornou-se alvo de crítica de ambienta-
medida para entender o drama ambien- produçào industrial aumentou mais listas e até de lideranças religiosas, que
tal, uma boa dica é o site Pegada Eco- de I00 vezes. Conseqüentemente, o não vêem com bons olhos o individua-
lógica. O resultado do teste demonstra consumo de energia se elevou em cerca lismo de nossos tempos, fruto de inten-
â quantidade de "Natureza" necessária de 80 vezes. Para manter esse padrão, sa e definitiva afirmação do indivíduo
para mânter o estilo de vida de cada um, as indústrias teriam de aumentar sua desde o século XVIII. Fato é que este
ou seja, o nível de impacto nâ susten- produção de cinco a dez vezes nos pró- indivíduo todo-poderoso, que hoje tem
tabilidade da Terra. Dá para ter uma ximos 50 anos, seus direitos reconhecidos, face às ins-
idéia de como os padrões de produção tituições, tem também o dever de pen-
e consumo atuais destroem os recursos Consumo Consciente? sar em como salvar o planeta. Cálculos
naturais e prejudicam a capacidade de SE coNsrprRARMos o coNsuuo ainda de ecologistas demonstram que, se a
regeneração do planeta. Na década de como algo em que há relativa liberdade populaçào do mundo consumisse tanto
60, cada habitante do planeta tinha 6 de escolha, podemos vislumbrar uma quanto os americanos, seriam necessá-
rios mais quatro planetas Terra para
que dispuséssemos de água, energia,
alimentos, produtos e serviços básicos.
r Apreserveção ambiental ainda é vista pela maioria das pessoas como um problema do Assim, organizações tentam despertar
governoou da sociedade como umtodo, e os indivíduos não sesentem encorajados a abrir a sociedade para a necessidade de um
mão de seu modo de vida para diminuir o impacto sobre o clima do planeta. consumo consciente, como o trabalho
r Ao autor prega uma conscientização do uso dos recursos naturais e medidas para um realizado pelo Instituto Akatu, que
consumo inteligente, como usarapenas a água necessária, optar pormadeira certiÍicada, mostra estrâgos que podemos câusar
diminuir o consumo de carne, trocar o carro pelo transporte público e utilizar menos em simples atos cotidianos. Escovar
aparelhos elétricos. os dentes com a torneira abertâ, por
exempio, pode gerar um gasto de 14
r Para aumentar a conscientização e a iniciativa individuais, o governo e as instituições
litros de água. Se 4 milhões de pessoas
devem recuperar a conÍiança da sociedade, para que todos trabalhem juntos no projeto
escovassem seus dentes com a torneira
de recuperação do planeta.
fechada, economizaríamos água su-

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a

ficiente para o abastecimento para a agropecuária é uma das


de uma cidade com 1 milhão motivações para desmatar, pro-
de habitantes num dia. Essas JOSE SÀRAMAGO cesso que se acelerou nos anos
instituições apostam no enorme 90, segundo estudo do Banco
poder transformador deste indi- Mundiai. No Brasil, essas áre-
víduo que seria capaz de mudar as sào ocupadas por planraçào
seus hábitos, privilegiando pro- de soja, que acabâ em pârte se
dutos de empresas com proces- transformando em ração de
sos menos prejudiciais ao meio animais. Além disso, â pro-
ambiente. Falta informaçào. e dução de cada quilo de carne
o apelo ao consumo é enorme, bovina exige cerca de 20 mil
muito mais do que o apelo para iirro: de água. À opçào sào os
a preservação do planeta. alimentos orgânicos, inclusive
carne de r.aca e de frango, que
Desmatamento seguem regras de preservaçào
QuaNoooASSUNToéaque- ambiental em suâ produção.
cimento global, nos países em Este tipo de açào pode. teori-
desenvolvimento, o desmata- camente, estimular empresas a
mento é o principal responsável adotar medidas de controle da
pela emissão de gases que pro- origem dos alimentos. Recen-
vocâm efeito estufa. No Brasil, temente, indústrias européias
75"/" das emissões de CO2 são do setor de alimentos e a rede
originárias da destruição de ÀS INT'ERMITÊNCIAS de lanchonetes McDonald's se
florestas. Assim, é necessário DA fulORTE comprometerâm a deixar de
pensar em como impedir o l"i
{á;i
*,- comprâr soja brasileira produ-
desmatamento, gerado, entre Pr,,., ,, -#' ,, ,., ,
zida em áreas desmatadas da
Cor.rleNurE D,rs [..r,t t *;
outros fatores, pela extraçâo floresta amazônica.
da madeira. Além de contribuir Mudanças nos hábitos alimen-
para o aquecimento global, o INT€RM\TêNCIASDAM0RI€, deJosé Saramago, publicado pela Cia. das Letras, tares como o consumo de alimentos
foi o primeiro livro impresso no Brasil com o selo do FSC [sigla em inglês para
desmatamento representa a Conselho de Manejo Florestal). 0 papel foi produzido com medeira de floreía
orgânicos sào um caminho interes-
perda sistemática de diversas manejada e o processo, até a tinta usada para impressão, foi realizado de sante, mas não exclusivo. Na hora
especies vegetais e animais. e forma ecologicamente adequada e socialmente benéfica de comprar, o melhor é optar por
causa erosão do solo, degrada- alimentos produzidos na região e
ção de áreas de bacias hidrográficas e originária de processos de extração por frutas da estação, para reduzir a neces-
profu ndas alterações nos ecossistentas sustentável. Esse selo é resultado de sidade de transporte em longas distâncias,
sem que haja nenhuma garantia de consulta a organismos de defesa do diminuindo o consumo de combustível.
preservá-los ou reproduzi-los. Em geral, meio ambiente, tribos indígenas e
ainda não há a prática de cobrar dos comerciantes. Os produtores certifi- Transporte Alternativo
comerciantes e fabricantes informa- cados têm de atender â uma série de Os coN,l eusrÍvrrs róssErs sào apon-
ções sobre a origem da madeira. Isso requisitos, como estabelecimento de tados por ambientalistas e cientistas
quer dizer que há formas de manejo regras de controle e impacto ambiental, como os grandes vilões do aquecimento
sustentável, ou seja, de extrair madei- conservação das florestas e regrâs de global. Muitos esforços são feitos na
ra da Natureza, garantir a reposição e plantio, além de respeito aos direitos direção de aumentar o uso de fontes
não destruir os ecossistemas. O Forest dos povos indígenas. A questão é como energéticas alternativas. Prova disso
Stewardhip Council (FSC) é umâ orgâ- nos sensibilizârmos para a cobrança é o esforço brasileiro de produção de
nização não-governamental que criou desses padrões, aceitos internacional- biocombustíveis. Mas ainda temos o
um selo para identificar a madeira mente. No caso brasileiro, como disse- desafio de generalizar as alternativas
mos acima, o preço ainda pesa como no plano mundial. A principal fonte
fator preponderante paÍa a decisão de de energia do planeta é originada de
q consumo; e móveis feitos de madeira combustíveis fósseis, como o petróleo, o
o
t-
F€,RNÀNDO PACHI é jornalista, mestre em
certificada são mais caros. carvão e o gás natural, que determinam
5 comunicação e semiótica pela PUC-SB
Alguns pesquisadores defendem 75"Á do consumo mundial de energia.
professor da área de comunicação e dou-
a torando em lingüística do lnstituto de Es- que a redução no consumo de carne Se pensarmos numa possibilidade de
9 tudos da Linguagem da Universidade Es- é também um bom modo de preser- atuação direta, verificamos que nosso
tadual de Campinas IlEL-Unicamp). var as florestas. A extensão das áreas modelo de transporte atual, baseado

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NA CIDADE Df SAO PALfLO são emitidos 16 milhoes


de toneladas de CO, POR ANO
no uso do automóvel, que redefiniu a esse estado americano âprovou a redu- câmente de usinas hidrelétricas, devido
configuração urbana no século XX, é ção da emissão de gases que provocâm à disponibilidade fluvial em nosso país.
um grande equívoco, muito prejudicial efeito estufa em25oÁ até o ano de2020. Ambientalistas apontam vantagens nâ
ao ambiente. A frota mundial de carros A União Européia adotou como meta â geração de energia hidrelétrica por
é de cerca de 600 milhões de veículos. redução em 20'/o até 2020. não emitir gases poluentes para suâ
Em 2010, deve chegar a 900 milhões. geração. No entanto, a construção de
Só em São Paulo estão em circulação Energia usinas provoca alagamentos de áreas
aproximadamente 5 milhões de veículos, Vr,uos euE A DEMANDA por energia extensas, modifica o curso dos rios e
que liberam 8 milhões de toneladas de não parou de crescer e deu um salto promove alteração profunda nos ecos-
CO2 por âno - o principal gás causa- no século XX. À fonte dessa energia sistemas. Além disso, a decomposição
dor do aquecimento global, resultante é basicamente derivada de combusti da vegetação submersa pode gerar ga-
da queima de gasolina e óleo diesel no veis fósseis, o que já é por definição \es como o metano, que tem impacto
transporte. No total, são emitidos anual- um grande problema ambiental. No no efeito estufa. Isso sem contar o im-
mente na cidade 16 milhões de toneladas Brasil, a energia elétrica provém basi- pacto provocado nas populações.
de COz. Os dados são do Inventário de A maior parte da energia produ-
Emissões de Gases de Efeito Estufa do zida é usada pelas indústrias. Econo-
Município de São Paulo, levantamento mizar energia é uma ação que reduz a
realizado por equipe especializada do destruição do meio ambiente causada
Programa de Pós-Graduação em Enge- pelo processo de geração. Geralmente
nharia (Coppe) da Universidade Federal pensamos que o consumo se restringe
do Rio de Janeiro, em convênio com a ao uso doméstico, para Íazer funcionar
prefeitura de São Paulo. os eletrodomésticos que temos em câsa.
Aderir âo transporte coletivo, dar No entanto, todos os produtos que con-
e receber carona e usar bicicleta como sumimos têm uma energia embutida,
transporte, por exemplo, são atitudes que que é aquela utrlizada em sua fabricação,
ajudam a diminuir o número de carros e que custa muito para o meio ambiente.
na rua e a emissão de COu. Em 52 dias, Daí ser necessário consumir com racio-
considerando-se um trajeto de 20 km, nalidade. Por exemplo, um computador,
um veículo emite 440 kg de dióxido de aparelho de uso cotidiano, consome de
carbono. Esta quantidade é a mesma que energia em sua produção o equivalente
uma árvore adulta demora 20 anos para âo que vai gastar para funcionar du-
absorver em seu processo de fotossíntese. rante 30 anos. Só que sua média de uso
Para diminuir as emissões, basta deixar o é de três anos. Depois, esse produto é
cârro umâ vez por semana em casa. Ima- geralmente descartado, o que provoca o
gine se todos adotassem esse hábitol Ou- tão propalado problema da destinação
tra atitude como a manutenção adequada do lixo, que merece um tópico à par-
da parte mecânica dos automóveis pode te em qualquer discussão sobre meio
ajudar a reduzir a emissão dos poluentes. ambiente. Por isso, um dos aspectos
Estudo da Companhia de Têcnologia de da reciclagem é propiciar economia
Saneamento Ambiental (Cetesb) mostra da energia, que seria utilizada para a
que 10% da frota, que corresponde a fabricação de novos produtos.
carros mais antigos e sem manutenção, e Como vivemos atuaImente cercados
responsável por 50% do total de emissões por aparelhos que visam facilitar a vida,
em São Paulo. impõe-se a reflexão sobre como calcular
Iniciativas individuais somadas a os gastos de energia não só do ponto de 3
ações públicas podem dar alguns bons vista econômico, mas de sua eficiência
resultados. Um exemplo é o governo
da Califórnia, que decidiu processar =
MULHER FALAao celularenquento pêdala porAmsterdã: s
seis montadoras de veículos por danos
deixaro carro em casa umavez porsemanajá ajuda a
causados ao meio ambiente. Além disso, diminuiras emissões de GEE @

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Í

ambiental. Será que poderemos manter


todo esse conforto a longo prazo? Que-
remos mântê-lo? - talvez seja a pergunta
mais adequada - e aque custo?

Lógica Perversa
Capa vEz MArs rEREMos problemas
ambientais, como o aquecimento global,
porque não há "desenvolvimento sus-
tentável" que consiga reverter a lógica
econômica que os gera: mais produção,
mais crescimento econômico e mais
consumo. Seria muita fé na tecnologia e
na "tolerância" do planeta acreditarmos
que o tal desenvolvimento sustentável,
criado no plano político para apaziguar
os múltiplos interesses econômicos que
rondam a questão ambiental, se realize
de fato em todo o planeta.
O sistema econômico atual permite
CASAABASTECIDA por energia solar na Universitg of Margland, em Washington, D.C.: alternativa à energia elétrica
que os principais agressores do meio
e à queima de combustíveis fósseis. 0 projeto foi criado de forma a lembrar a trajetória do Sol pelo céu
ambiente arquem com pouco prejtízo
derivado de sua ação. Nesse ponto, a
ação dos indivíduos dificilmente po- que incluísse os direitos sociais. Esse projeto tas por aquilo que se produz na sociedade.
derá deter o processo de degradação não completou em boa parte do mundo,
se Ocorre que não se pode definir o que se
se ela mesma não deixar de legitimar restringindo-se a alguns países que alcan- produz, como se produz e como se distri-
esse sistema econômico. Uma equipe çaram desenvolvimento social e econômico buem esses bens. Esse direito se restringiu
internacionai de pesquisadores calcu- no sécuio passado. Ao mesmo tempo em às elites, que se tornam mais cidadãs no
lou que os muitos serviços prestados que âtinBia seu auge nesres pa íses. o projeto cenário chamado de "global".
pela Natureza valem em média US$ 33 moderno entrou em descrença e decadência. A grande discussão é como "religar"
trilhões por ano, número que se refere a De certa forma, deixou de mobiiizar os os indivíduos à política e o Estado à
avaliações feitas sobre quanto custaria indivíduos e de estabelecer os laços sociais sociedade, num momento em que os
para fornecer todos esses serviços em necessários para a ação política. âgentes tradicionais - sindicatos, par-
projetos realizados pelo homem, por Vivemos hoje um período de degra- tidos e associações de modo geral - não
meio de tecnologia. Esse valor equivale dação da política e descrença em suas conseguem mobilizar nem seduzir os
a quase o dobro do PIB mundial. Nem instituições. Quem se sente hoje repre- indivíduos â pârtir do "velho projeto
economicamente vale destruir o que sentado de fato por um partido, por um moderno", forjado no Século das Lu-
ainda temos, se é que temos. sindicato ou mesmo pelas ditas organiza- zes. Causas ambientais sensibilizam.
ções da sociedade civil? O consumo dos A questão é saber se são capazes de
A Dimensão Política bens privados e os meios de comunicação congregar. Mais do que isso, devemos
O »nsarro euE A euESTÃo ambiental nos assumem boa parte do significado de descobrir em que espaços públicos es-
coloca atinge as pessoâs, a sociedade, as nossas vidas. Encantamo-nos pouco com ses indivíduos, cientes de seu poder no
relações econômicas e políticas. Na verda- as regrâs da democracia e com a parti- reconhecimento de sua subjetividade
de, esses indivíduos que, em sua esfera de cipação coletiva no espaço público. Mas e particularidades, podem atuar, ou
atuação, desejam salvar o planeta, pouco consumir também é uma arena de dispu- quais espaços desejam conquistar. M
podem fazer se não participarem da arena
decisória em que se movimenra a socie-
dade. Falamos da necessidade e urgência PARA CONHTC€R MAIS
de uma ação política numa era em que a
Risk societg: towards a new modernitg. Ulrich Beck. Sage Publications, 2000.
política, como forma de construção social,
Consumidores e cidadãos - Conflitos muhiculurais da globalização. Nestor Canclini. Editora UFRJ, 1992
3 vive também sua crise, historicamente
I

interpretável. As utopias geradas pelo Uma reavaliação dos negócios a partir de uma perspectiva sistêmica - A mudança para empresas e

projeto iluminista no século XVIII foram serviços financeiros pautados na sustentabilidade. S. Waage. lnstituto Ethos, 2004.

perseguidas nos séculos XIX e XX, o que Calcule seu impacto sobre o meio ambiente: www.ecologicalfootprint.orgl
e
o nos permitiu acreditar numa modernidade Verifique o que consumir sem consumir o mundo: www.akatu.net

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