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A Crise Ambiental: Ainda há esperança?

O ser humano está no mundo para viver com o outro, inserido no que se designa por
sociedade. E esta, organizada em países (num sentido mais lato, em povos…)
ambicionam todos o mesmo, viverem em liberdade, em paz e prosperidade, numa
relação cada vez mais difícil com a natureza. No contexto a palavra “difícil” traduz uma
realidade inédita para a humanidade, pois a contínua aceleração de mudanças nocivas
para o ambiente com que nos confrontamos fazem, inclusive, perigar a sua existência no
planeta, pelo menos na forma como a conhecemos. Embora a mudança faça parte da
dinâmica complexa - e natural dos sistemas, a velocidade que hoje lhe impõem as ações
humanas contrastam com a lentidão (e tempo…) da evolução e adaptação biológicas.

Uma certa confiança “irracional” nos efeitos benéficos – a todos os níveis, do progresso
da evolução humana e relação sustentável com a natureza ruíram há muito, logo que
estes temas tiveram sobre si os olhares da ciência e dos investigadores. Recordo a
propósito o momento zero, há um pouco mais de meio século, que constitui a
publicação do relatório apresentado ao Clube de Roma (The Limits to Growt - Os
Limites do Crescimento), e a realização da primeira grande conferência da ONU sobre o
Ambiente Humano, em junho de 1972 (Estocolmo). As suas conclusões tiveram
repercussões enormes, não apenas no plano político e económico, mas também no
domínio dos nossos referenciais culturais e imagéticos.

Foi a partir desse momento (o tal momento zero) que se pode afirmar que uma boa parte
da sociedade - pelo menos da mais educada e a que vive melhor, está a entrar numa
etapa de maior consciencialização do problema global que enfrentamos, com uma maior
sensibilidade relativamente ao ambiente e ao cuidado com a natureza. Neste nosso
mundo desenvolvido, cresce uma sincera e sentida preocupação pelo que está a
acontecer à nossa casa comum – poluição, mudanças climáticas, perda de
biodiversidade, deterioração da qualidade de vida humana, degradação social e
desigualdade planetária, pelo menos na assunção dos custos por quem não beneficia
diretamente de um certo progresso.

Apesar da evolução imensa nos últimos 50 anos no conhecimento científico/


tecnológico e nas políticas ambientais,

Apesar dos muitos alertas, campanhas, conferências, discursos, dinheiro investido (até
em educação ambiental), há uma realidade que não nos abandona e que nos entra
diariamente em casa pelos meios de comunicação social e que, de alguma forma, nos
vai entorpecendo. Ao contrário do que se esperaria, alguns dos indicadores ambientais
mais básicos são cada vez mais negros. A título de exemplo, produzimos cada vez mais
lixo, gastamos mais água e, quanto à energia – e apesar de dispormos cada vez mais de
energia “sustentável”, o mundo não diminuiu a sua necessidade de energia fóssil. Cada
vez se consome mais, se exploram mais jazidas (até em locais que até há uns anos
considerávamos inacessíveis/proibidos), como alguns santuários ambientais e o fundo
dos mares. No conjunto, tendências que contribuíram para um aumento dramático das
emissões de gases com efeito de estufa desde o advento da era industrial, levando-nos a
uma mudança climática global de proporções e duração potencialmente catastróficas.

Prosseguindo no retrato, refere-se o estado de degradação dos biomas terrestres capazes


de produzir culturas que, nos últimos 50 anos - entre metade e um quinto, foram
dramaticamente alterados pela atividade humana. A este respeito, contabiliza-se cerca
de 10 Milhões de hectares (10 M de campos de futebol) que se perdem a cada ano, o
que representa um fracasso da política de proteção ambiental em favor da lucrativa
indústria de soja, pecuária e palma – já se perderam cerca de 20% da maior floresta
tropical do mundo, uma área que contém cerca de 30% da biodiversidade global.

Mesmo os aparentes sucessos, como o do aumento das taxas de reciclagem, inversão do


estado de sobrevivência de algumas espécies resgatadas à extinção, a proibição dos CFC
´s, do DDT, da melhoria da qualidade global do ar, da água e aumento do uso de
tecnologias verdes, nomeadamente na produção automóvel e de energia, questiona-se o
seu custo global para o planeta, em consumo de recursos. Exploram-se cada vez mais
metais, principalmente os ditos raros (fundamentais às novas tecnologias dos
telemóveis, ecrãs, iluminação lead, motores elétricos, painéis solares), que deixam um
lastro de milhões de toneladas de resíduos que não sabemos ainda como tratar e
armazenar. Recicla-se de fato muito mais, mas ainda não sabemos se a reciclagem
realmente funciona de maneira prática e sustentável pois estamos, na base, a perpetuar o
padrão consumista.
É claro que alguns destes sucessos, no nosso primeiro mundo, são alcançados à custa da
externalização para países “pobres”, para onde se enviam indústrias poluentes (por
exemplo no calçado e vestuário), indústria extrativa (matérias-primas) e produção
agrícola. Numa síntese, reconhecer-se que a manter estes níveis desequilibrados de
consumo globais, há um limite para o uso de recursos naturais, estamos de fato perante
um sistema irreversível – o homem a travar uma guerra contra a natureza, que é um
ato suicida (António Guterres).

Mas perante este cenário, em que se reconhecem os problemas e os seus efeitos a prazo
sobre todos nós – somos todos o passado de amanhã (Eduardo Lourenço), onde algo
parece estar a falhar, no que a nossa educação ambiental diz respeito e que alguém
identifica como ingénua e romântica. Percebemos tudo mas não estamos disponíveis
para assumir os sacrifícios que uma verdadeira sustentabilidade implicam. É deste
fenómeno que temos de falar cada vez mais – sustentabilidade, um equilíbrio que é
necessário, uma capacidade de satisfazer as nossas necessidades sem comprometer a
capacidade de gerações futuras. No fundo, manter uma relação equilibrada entre os
padrões de consumo com os recursos disponíveis, entre o desenvolvimento e a
preservação do meio ambiente, uma espécie de triângulo mágico assente em três pilares
– financeiro, ambiental e social.
Apesar de tudo o que sabemos cientificamente, e de milhares de anos de saber
acumulado, tradições religiosas e éticas que apelam noutras direções, à entreajuda, ao
altruísmo e à cooperação, as nossas instituições jurídicas e políticas continuam a viver
num mundo de fronteiras verticais e a construir muros, como se estes nos pudessem
proteger da tragédia existencial de um mundo devastado pelo colapso ambiental.

No final do dia só nos poderemos queixar de nós mesmos, da nossa falta de coragem
para viver à altura dos nossos melhores valores, aqueles – os únicos, que nos podem
garantir a continuidade histórica em condições de dignidade.

Como nos mostra a história da borracha e da química medicinal, os problemas vão


criando soluções que criam problemas, que, em todo o caso, só se resolvem com mais e
melhor ciência. Não esqueçamos que “onde há o perigo, cresce também a salvação”
(Hubbert Reeves).

O mundo está complexo e o futuro carregado de incertezas. Mas são as pessoas que
pelos seus atos esclarecidos (com educação, que conduzem à mudança de
comportamentos…) e pela sua vontade incansável podem desviar o rumo da rota de
colisão onde estamos embarcados. A esperança só nasce onde impera a capacidade de
iniciativa, e o futuro já não depende da simples e passiva espera, mas da nossa
capacidade de nos unirmos ativamente para a tarefa comum de o merecermos.

É a humanidade que precisa de mudar, reforçando a consciência da nossa origem e


necessidades comuns (nota para a introdução deste texto). Esta consciência basilar será
o caminho que permitiria o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de
vida, principalmente dos que podem mudar.

Paulo Barata

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