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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2

2 AS ABORDAGENS DO CONCEITO DE PERSONALIDADE ..................... 3

2.1 A teoria psicanalítica clássica de Sigmund Freud .............................. 11

2.2 Teoria analítica de Carl Jung.............................................................. 13

2.3 Teoria de Karen Horney ..................................................................... 18

2.4 Teoria de Alfred Adler......................................................................... 19

2.5 Teoria de Erik Erikson ........................................................................ 20

3 CONCEITOS DE PERSONALIDADE E TEMPERAMENTO ..................... 31

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 43

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 AS ABORDAGENS DO CONCEITO DE PERSONALIDADE

Você sabe como a personalidade se forma? Antes de começarmos os nossos


estudos, é importante salientar que a personalidade humana, é entendida de
diferentes formas a depender da corrente teórica que a investiga. Assim, diante do
amplo panorama de teorias contemporâneas sobre a personalidade, talvez a ação
mais adequada não seja escolher qual delas é a melhor, mas compreender como cada
uma se posiciona diante do que pretende explicar. Portanto, para estudar a
personalidade, você deve conhecer as diversas correntes psicológicas que se
dedicaram a ela. Você vai ver que não existe uma definição única e consolidada,
considerando que os métodos de pesquisas e teorias desenvolvidas são distintas.
Sendo assim, é necessário enfatizar que o conceito de personalidade é central
para todas as abordagens teóricas da psicologia. Embora seja definido e enquadrado
de forma diferente, é essencial para a compreensão dos sujeitos e para as propostas
de intervenção psicológica. Em geral, a personalidade é a forma como cada pessoa
é, sendo composta por experiências e características pessoais influenciadas pela
sociedade e pela cultura.
Algumas teorias sugerem que a personalidade é construída por meio do
aprendizado, tanto respondendo a estímulos quanto criando repertórios baseados na
percepção e na memória. Outros acreditam que certos conjuntos de recursos podem
distinguir ou identificar indivíduos. Há ainda, teorias que sugerem que as experiências
da infância, ligadas à bagagem genética, desempenham um papel dominante na
formação de uma estrutura de personalidade estável, mas não necessariamente
saudável. Portanto, as diferenças entre esses métodos são significativas.
A personalidade é uma questão fundamental em psicologia, motivo de
inúmeras interrogações e diferentes concepções teóricas. A primeira teoria moderna
da personalidade foi desenvolvida por Sigmund Freud (1856-1939) com base em
observações de pacientes na prática clínica. Desde essa elaboração, surgiram várias
teorias e concorrentes para explicar a diversidade humana e por que as pessoas são
como são. A tendência hoje é apresentar teorias baseadas em evidências científicas
e não em evidências clínicas, mas a teoria de Freud continua válida, sendo
constantemente revisada e atualizada (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015).

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A partir disso, pode-se dizer que todas as espécies animais têm diferenças
individuais de aparência e comportamento, mas a espécie humana tem as maiores
diferenças físicas e psicológicas, já que podemos ser altos ou baixos, quietos ou
extrovertidos, calmos ou agitados, loiros, morenos, ruivos, brancos, negros, entre
várias outras especificidades.
Não é por acaso que a personalidade tem fascinado os autores da psicologia.
Tem sido um desafio para as teorias conseguir envolver esse universo de diferenças,
porém, elas concordam em uma coisa: a personalidade vem do latim persona, que
era a máscara utilizada no teatro romano para diferenciar os papéis dos personagens.
Contudo, quando as teorias falam de personalidade, elas denotam a muitas outras
características de uma pessoa, além dos papéis (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015).
De acordo com Schultz e Schultz (2021), são três as definições básicas de
personalidade nas teorias:

 O estado de ser uma pessoa;


 As características e qualidades, que formam o caráter distinto de uma
pessoa;
 A soma de todas as características físicas, mentais, emocionais e sociais
de uma pessoa.

Os autores também apontam as grandes distinções entre as teorias e as


especificidades dos períodos em que foram elaboradas e publicadas, estando entre
elas, o fato de serem generalistas. Os autores do século XX partiram das realidades
europeia e norte-americana, e na formulação de suas teorias, não consideraram
diferenças culturais, sociais e raciais, bem como características relacionadas a idade,
orientação sexual, crença religiosa e deficiência (SCHULTZ; SCHULTZ, 2021).
É importante pensar ainda, nas mudanças sociais que ocorreram desde então,
alterando a realidade das crianças e dos pais até os dias atuais, uma vez que os pais
passam mais tempo longe de casa e as crianças iniciam a socialização secundária
muito cedo, ou seja, vão para a creche ou escola logo após o nascimento.
Esses são fatores de vida que distinguem os indivíduos que são analisados
para a construção de grande parte das teorias da personalidade. Para assegurar os
seus realinhamentos, os autores continuam trabalhando e atualizando as teorias. De

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acordo com as teorias, todos temos personalidade, a qual desde muito cedo,
determina as nossas experiências e continuará definindo até o fim de nossas vidas.
A personalidade pode inibir ou facilitar a experiência e a escolha, pode
beneficiar ou limitar a captação de oportunidades, impedir ou agir ativamente para que
aconteçam. Ser quem somos, ter a saúde que temos e fazer as escolhas que fazemos
são, por exemplo, resultado da nossa personalidade. Muitas vezes as pessoas são
julgadas como sem personalidade, sendo apontadas como alguém influenciável, ou
de ter uma personalidade forte ou fraca, ou seja, ela é imponente ou flexível. Na
realidade, a personalidade se diferencia e caracteriza o indivíduo, no entanto, é
inadequado julgá-la como forte, fraca, boa ou mal, entre outros aspectos. Assim, pode-
se dizer que a personalidade se assemelha a impressão digital, considerando que
todos nós temos e cada uma é única.
Segundo Feldman (2015), não importa em qual campo da psicologia a pessoa
escolha trabalhar, ela alternará entre uma das cinco grandes perspectivas atuais:
neurociência, cognição, comportamento, humanidades e psicodinâmica. Embora
existam diferenças significativas entre essas abordagens, existem questões
epistemológicas essenciais na psicologia que precisam ser discutidas e respondidas
por cada uma das vertentes. Veja o exemplo no quadro 1.

Quadro 1 – Questões epistemológicas importantes nas perspectivas da psicologia

Fonte: Adaptado de Feldman (2015)

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Embora tenham argumentos e conceitos diferentes sobre o avanço da
personalidade, os ramos da teoria precisam abordar questões-chave e fornecer
respostas que unifiquem a psicologia de maneira epistemológica. Essas questões não
são exclusivas nem binárias, mas seguem um continuo de orientação teórica. Deve-
se enfatizar que a classificação das concepções ou métodos psicológicos
apresentados no quadro acima, não seria uma concordância entre os estudiosos.
Alguns ainda pensam no tripé clássico como a psicologia de meados do século XX:
Psicanálise, Behaviorismo e Gestalt (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2009).
Contudo, a especificação proposta por Feldman (2015) tenta novas
abordagens que foram se desenvolvendo e moldando o cenário teórico e de pesquisas
que temos hoje em dia, basicamente a partir das décadas de 1960 e 1970, como
psicologia cognitiva e neurociência. No entanto, as teorias estão divididas em relação
à influência geral do ambiente e da genética na formação e desenvolvimento da
personalidade. A hereditariedade é um grupo de característica que são herdadas de
forma genética, já o ambiente está relacionado ao ambiente criativo, social e familiar.
Assim, a predisposição hoje em dia é aceitar que a personalidade e o comportamento,
não são motivados por uma única influência. A resposta a essa pergunta está em
algum ponto entre esses dois aspectos, embora as escolas continuem diferindo o
quanto à prevalência de um sobre o outro pode ser marcante (FELDMAN, 2015).
De outro modo, o comportamento consciente ou inconsciente é outro aspecto
a ser tratado por psicólogos variadas abordagens teóricas. Os psicólogos
psicodinâmicos concordam que a personalidade se desenvolve essencialmente em
torno de elementos inconscientes das primeiras experiências da vida. Psicólogos
cognitivos acreditam que a personalidade está intimamente relacionada ao
funcionamento mental e ao aprendizado. Dessa forma, entra em questão outro
aspecto fundamental: processos mentais versus comportamento. O comportamento é
perceptível e os processos mentais são invisíveis. A perspectiva comportamental
defende o estudo do primeiro, e a cognitiva, por exemplo, do segundo. De acordo com
a abordagem cognitiva, é preciso saber o que e como a pessoa pensa, para que se
consiga conhecer o comportamento.
As abordagens que defendem o livre-arbítrio, protegem a liberdade e a
capacidade de uma pessoa decidir por si mesmo. Já a teoria determinística, está
voltada para decisões que surgem de fatores alheios ao controle das pessoas. As

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abordagens variam de posturas extremas para as mais moderadas, sendo que essas
ultimas acabam reconhecendo que alguns comportamentos podem ser determinados
pelo passado, enquanto outros podem ser naturais e controláveis (SCHULTZ;
SCHULTZ, 2021). Diferentes posições afetam diretamente a compreensão das
funções mentais, transtornos e modalidades de intervenção. Por exemplo, alguns
psicólogos acreditam que pessoas mentalmente vulneráveis ou doentes em um
determinado momento podem ser responsabilizadas por suas ações, enquanto outros
acreditam que precisam ser protegidas.
A suposta discordância entre as distinções individuais e princípios universais é
outra importante questão epistemológica, ou seja, o quanto o comportamento é
determinado por características individuais e o quanto reflete a cultura e a sociedade
em que vivemos. A primeira opção é individual e a segunda é universal entre os
humanos. Por exemplo, os neurocientistas tendem a defender a universalidade
porque o comportamento depende da função cerebral. Assim, as suas pesquisas
visam estabelecer padrões. Por outro lado, os psicólogos humanistas, acreditam na
expressão autêntica e genuína de cada indivíduo (FELDMAN, 2015).
A psicologia como ciência tem, ao longo de sua história, produzido teorias que
usam conceitos e métodos inspirados em diferentes visões da natureza humana para
compreender a função mental, o comportamento e a vida psíquica. Porém, todas elas
propõem o estudo da personalidade, como o elemento central para o conhecimento
do sujeito. O quadro 2, apresenta a posição de cada abordagem que desenvolveu
teorias da personalidade, em relação às questões-chave da ciência psicológica.

Quadro 2 – Múltiplas perspectivas da personalidade


Abordagem Determinantes Natureza Livre arbítrio Estabilidade
teórica e da (fatores versus versus
principais personalidade hereditários) determinismo modificabilidade
autores conscientes versus criação
versus (fatores
inconscientes ambientais)
Psicodinâmica Dá ênfase ao Enfatiza a Enfatiza o Enfatiza a
Sigmund Freud, inconsciente. estrutura inata, determinismo, estabilidade das
Carl Jung, herdada da a visão de que

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Karen Horney e personalidade, o características
Alfred Adler valorizando a comportamento durante a vida
(1860 – importância da é direcionado e
atualidade) experiência causado por
infantil fatores
externos ao
próprio
controle.
Traços Desconsidera o As abordagens Enfatiza o Enfatiza a
Gordon Allport, consciente e o variam. determinismo, estabilidade das
Raymond inconsciente. a visão de que características
Cattell e Hans o durante a vida.
Eysenck (1904 comportamento
– 1960) é direcionado e
causado por
fatores
externos ao
próprio
controle.
Aprendizagem Desconsidera o Centra-se no Enfatiza o Enfatiza que a
Frederic consciente e o ambiente. determinismo, personalidade
Skinner e Albert inconsciente a visão de que permanece
Bandura (1870 o flexível e
– atualidade) comportamento resiliente durante
é direcionado e a vida.
causado por
fatores
externos ao
próprio
controle.

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Abordagem Determinantes Natureza Livre arbítrio Estabilidade
teórica e da (fatores versus versus
principais personalidade hereditários) determinismo modificabilidade
autores conscientes versus
versus criação
inconscientes (fatores
ambientais)
Biológica e Desconsidera o Enfatiza os Enfatiza o Enfatiza a
evolucionista consciente e o determinantes determinismo, estabilidade das
Therese Tellegen inconsciente. inatos, a visão de que características
(1980 – herdados da o durante a vida.
atualidade) personalidade. comportamento
é direcionado e
causado por
fatores
externos ao
próprio
controle.
Humanista: Carl Enfatiza o Enfatiza a Enfatiza a Enfatiza que a
Rogers e Abraham consciente interação liberdade de os personalidade
Maslow (1960 – mais do que o entre a indivíduos permanece
atualidade) inconsciente. natureza e a fazerem as flexível e
criação. próprias resiliente durante
escolhas. a vida
Fonte: Adaptado de Feldman (2015).

As concepções ou abordagens, lançadas no quadro 2 são essenciais para olhar


a psicologia como ciência, pois as teorias necessitam responder às questões
epistemológicas levantadas pela ciência para serem consideradas sustentáveis do
ponto de vista acadêmico. Nem todas as abordagens existentes propõem uma teoria
da personalidade, daí a diferença entre os quadros 1 e 2. Por isso, os métodos e
teorias da personalidade assumem diferentes posições em questões epistemológicas

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da psicologia, sendo esta discussão fundamental para estabelecer as concepções de
personalidade, bem como ela é formada, desenvolvida e manifestada.
Desta forma, podemos concluir que, embora não haja uma definição única, mas
compreendida de diferentes maneiras de acordo com as correntes teóricas que a
estudam, a personalidade é um padrão relativamente permanente de traços e
aspectos únicos e que dão a veracidade e individualidade ao comportamento de uma
pessoa (ROBERTS; MROCZEK, 2008).
Os traços influenciam as diferenças individuais em relação ao comportamento,
bem como para consistência do comportamento ao longo do tempo, possibilitando a
estabilidade em diferentes situações. Essas características, ou seja, os traços podem
ser únicos, comuns a algum grupo ou compartilhados pela espécie inteira, porém, seu
padrão é diferente em cada indivíduo. Cada pessoa então, embora semelhantes aos
outros em alguns aspectos, têm uma personalidade única. Traços são, portanto,
qualidades exclusivas de um indivíduo e incluem atributos como temperamento,
caráter e inteligência, sendo importante considerar as diferenças entre personalidade,
temperamento, caráter e traços.
Podemos então, entender a personalidade como um padrão de comportamento
que estabelece o modo de vida e os valores de uma pessoa, como por exemplo o jeito
de ser, a forma de se expressar e de ser reconhecido no meio em que vive. O
temperamento é uma parte inata da personalidade, e o caráter é o temperamento que
foi modificado e inserido no meio. Temperamento e caráter são, dessa forma, parte
desse vasto conceito de personalidade. A personalidade também possui traços mais
ou menos dominantes, que são padrões de percepção e relação com o ambiente, pois
podem variar ou mudar dependendo do contexto em que estamos.
É necessário ressaltar que o estudo dos traços de personalidade teve início no
início do século XX, originando-se na psicologia americana, baseou-se na
aplicabilidade dos conhecimentos. Posteriormente, outros autores, como Allport
(1897– 1967) e Eysenck (1916 – 1997), propuseram teorias com outros objetivos.
Assim, no próximo tópico, você vai compreender sobre as abordagens que concebem
a personalidade motivada por forças e conflitos internos pouco conscientes e
controláveis. O pioneiro dessa corrente foi Sigmund Freud, posteriormente seguido e
criticado por Carl Jung, Karen Horney, Alfred Adler, Erik Erikson. Você também vai

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conhecer a teoria e as contribuições de Gordon Allport, Hans Eysenck e Raymond
Cattell para o entendimento da teoria dos traços de personalidade

2.1 A teoria psicanalítica clássica de Sigmund Freud

Sigmund Freud, médico e psicanalista, nasceu na Morávia em 6 de maio de


1856 e morreu em Londres, em 23 de setembro de 1939. Foi um teórico essencial
para a ciência psicológica, marcando as bases do conhecimento do mundo ocidental
para destacar as marcas psicológicas singulares de cada indivíduo (MARIANO, 2018).
Ao propor a narrativa de histórias de vida como prática efetiva de saúde, ele
estabeleceu as bases clínicas através da escuta que era a maneira em que conseguia
colocar em prática a sua escuta interventiva. Assim, ao desenvolver um referencial
teórico para o desenvolvimento infantil no âmbito familiar, desbravou um campo de
pesquisa que valorizava a subjetividade e a variabilidade de cada pessoa. Portanto,
cavou fundo e plantou uma forte raiz, com muitos micélios, para que pensemos na
personalidade com demora e com distinção (FELDMAN, 2015).
De acordo com o psicanalista, a maior parte do comportamento humano é
influenciada pelo inconsciente (impulsos, pulsões, desejos, vontades, necessidades)
com partes conscientes e inconscientes. Em sua segunda teoria do aparelho mental,
introduziu os termos id, ego e superego para se referir às estruturas da personalidade.
É uma estrutura dinâmica com interações internas e externas, com forças e instintos
que motivam o comportamento (FELDMAN, 2015).
O id é uma manifestação subconsciente, localizado em um reservatório de
energias psíquicas que são chamadas de pulsões, instintos e desejos. São impulsos
com fluxo ilimitado de energia que exercem pressão constante sobre as
personalidades. Seu foco é a satisfação imediata para que diminua a tensão, porque
é impulsionado pelo princípio do prazer. Neste contexto, a realidade impede essa
descarga. Dessa forma, pode-se dizer que o id está presente desde o nascimento.
A realidade é representada pelo ego, que tenta equilibrar as demandas do id
com as demandas da realidade do mundo externo e os ditames do superego. Este é
um caso que visa preservar a segurança do indivíduo e ajudar na integração na
sociedade. O ego é regido pelo princípio da realidade porque é um regulador cujas
principais funções são a percepção, memória, sentimento e pensamento. O ego

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representa a personalidade, que é o Eu do indivíduo, que toma decisões e dirige
ações, levando em consideração as condições objetivas da sociedade. Também se
desenvolve desde o nascimento (FELDMAN, 2015).
Na infância, desenvolve-se outra manifestação da personalidade: o superego.
Ela surge da internalização de proibições, restrições e mandatos impostos por pais e
professores de acordo com a realidade. Uma vez internalizadas essas exigências
sociais e culturais, ninguém precisa mais ‘dizer não’, pois a proibição já está no
indivíduo, o que gera muitos conflitos internos (FELDMAN, 2015).

Para Bock, Furtado e Teixeira (2001, p. 101):

[...] o ego e, posteriormente, o superego são diferenciações do id, o que


demonstra uma interdependência entre estes três sistemas, retirando a ideia
de sistemas separados. O id refere-se ao inconsciente, mas o ego e o
superego têm, também, aspectos ou ‘partes’ inconscientes.

Esses casos contêm as experiências pessoais de cada pessoa e expressam


seu desenvolvimento atual. Com isso, o psicólogo examina a história pessoal em
relação à história de familiares e outros grupos sociais, que também se inscrevem nos
valores e crenças da sociedade.
Para Freud, a personalidade se desenvolve em cinco estágios: oral, anal, fálico,
latente e genital. Nessas fases, a criança enfrenta conflitos decorrentes das
exigências da sociedade e de seus próprios impulsos sexuais, pois nessas fases a
sexualidade está relacionada à vivência do prazer, e não ao gozo da relação sexual
da genital. Se estes conflitos não forem resolvidos numa determinada fase, implicam
uma fixação na fase que persiste até à idade adulta. Assim, entender e conhecer
essa estrutura com as vivências e dificuldades dessas fases pode apontar traços
específicos na personalidade adulta.
A dinâmica e os conflitos no desenvolvimento da personalidade geram
ansiedade. Para explicar esse desconforto e insatisfação, ou seja, o desprazer, Freud
atribuiu esse processo aos mecanismos de defesa utilizados pelo ego, que excluem
da consciência conteúdos indesejados e protegem o aparelho psíquico. O ego usa
esses meios para suprimir ou mascarar a percepção do perigo interno e reduzir a
ansiedade por meio de estratégias inconscientes de defesa. Dessa maneira, muda a
percepção da realidade e mascara a fonte da ansiedade do indivíduo. Os mecanismos
utilizados são: repressão, regressão, deslocamento, racionalização, negação,
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projeção, sublimação e formação reativa, que podem ser utilizados de diversas formas
para proteção contra a ansiedade.
Os mecanismos são os nossos meios de defesa que em algum momento ou
situação, iremos aciona-los, de outro modo quando os mesmos se tornam excessivos,
passa-se a esconder e recanalizar em forma de impulsos inconcebíveis, podendo até
mesmo desenvolver transtornos mentais, produzidos pela ansiedade, sendo
denominada por Freud como neurose (FELDMAN, 2015).
A teoria de Freud foi refutada por psicólogos da época (1900) e ainda hoje sofre
críticas por não ter sido comprovada cientifica, considerando que as primeiras teorias
psicanalíticas de Freud não são cientificas, pois, ela não contava com um programa
de pesquisa experimental, como ocorre na psicologia científica e a neurociência
cognitiva. Segundo Feldman (2015, p. 391), “ a ênfase de Freud no inconsciente foi
parcialmente apoiada pela pesquisa atual sobre os sonhos e a memória implícita,
sendo os avanços na neurociência compatíveis com alguns de seus argumentos”.
Além do mais, “ os psicólogos cognitivos e sociais encontraram evidências crescentes
de que os processos inconscientes nos ajudam a pensar e avaliar nosso mundo,
estabelecer metas e escolher cursos de ação” (FELDMAN, 2015, p. 391).
Neste tópico, você aprendeu sobre a formação da personalidade de acordo
com a Psicanálise de Freud. Você pôde compreender também, a relação da
personalidade com os principais conceitos estabelecidos pelo autor: o Id, ego e
superego.

2.2 Teoria analítica de Carl Jung

O psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961) foi discípulo de Freud de 1907-1913.


Jung foi um dos principais membros dos estágios iniciais do movimento psicanalítico,
o primeiro presidente da Associação Psicanalítica Internacional (International
Psychoanalytical Association — IPA). O psicanalista era especialista em "psicose" e
era fascinado pelo orientalismo. Graças à sua experiência, iniciou um estudo
aprofundado sobre esquizofrenia, autoerotismo e autismo om Freud e Breuer (1901-
1939).
Jung encontrou a confirmação de sua pesquisa sobre o subconsciente,
associações verbais e complexos na obra de Freud. A psicologia analítica, que é a

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base da psicoterapia, surgiu do movimento junguiano. De acordo com a teoria da
personalidade de Jung, a personalidade total ou estrutura da psique é composta de
vários sistemas diferentes, mas interativos. Os mais importantes são o ego, o
inconsciente pessoal e seus complexos, o inconsciente coletivo e seus arquétipos, a
anima e o animus, sombras e personas. Além desses sistemas interdependentes,
estão as atitudes introvertidas e extrovertidas e as funções de pensamento,
sentimento, sensação e intuição. Finalmente, existe o self, que é o centro de toda
personalidade. Veja exemplos de construção de personalidade de Carl Jung, na figura
1 abaixo.
Figura 1. Construção da personalidade segundo Carl Jung.

Fonte: bit.ly/3x7t3YQ

Conforme Roudinesco e Plon (1998, p. 423) os arquétipos constituem o


inconsciente coletivo, base da psique, estrutura imutável, espécie de
patrimônio simbólico próprio de toda a humanidade. Essa representação da
psique é complementada por “tipos psicológicos”, isto é, características
individuais articuladas em torno da alternância introversão/ extroversão, e por
um processo de individuação, que conduz o ser humano à unidade de sua
personalidade através de uma série de metamorfoses (os estádios
freudianos). A criança emerge, assim, do inconsciente coletivo, para ir até a
individuação, assumindo a anima e o animus.

Conforme a imagem da construção da personalidade, Carl Jung vai descrever


as estruturas da seguinte maneira:

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A Persona: a persona é uma máscara adotada pela pessoa em resposta às
demandas das convenções e das tradições sociais e às suas próprias necessidades
arquetípicas internas (JUNG, 1953). É o papel atribuído a alguém pela sociedade, em
que a sociedade espera que a pessoa desempenhe na vida. O propósito da máscara
é causar uma impressão definida nos outros, embora muitas vezes, não
necessariamente, oculta a verdadeira natureza da pessoa. A persona é a
personalidade pública, aqueles aspectos que apresentamos ao mundo ou que a
opinião pública impõe ao indivíduo, em contraste com a personalidade privada
existente por trás da fachada social.
O núcleo do qual a persona se desenvolve é um arquétipo. Esse arquétipo,
como todos os arquétipos, origina-se das experiências da raça. Nesse caso, as
experiências consistem em interações sociais em que a assunção de um papel social
teve um propósito útil para os humanos ao longo de sua história, como animais sociais.
A persona é parecida com o superego de Freud em alguns aspectos.
O Ego: A mente consciente é composta de percepções, memórias,
pensamentos e sentimentos, e é responsável por nosso senso de identidade e
continuidade, e de uma perspectiva humana é o centro da consciência.
A Sombra: os arquétipos das sombras consistem em instintos animais que os
humanos desenvolveram a partir de formas de vida inferiores (JUNG, 1948).
Portanto, a sombra representa o lado animal da natureza humana. Como o arquétipo,
a sombra é a fonte de nossa noção de pecado original, quando projetada para fora
torna-se o inimigo (JUNG, 1960).
O arquétipo da sombra também é responsável por trazer à consciência
pensamentos, sentimentos e ações desagradáveis e socialmente censuráveis, que a
pessoa pode então esconder da visão pública pela persona ou reprimir em seu
subconsciente pessoal. Assim, o lado obscuro da personalidade derivado do
arquétipo, ou seja, um arquétipo que transpassa pelos aspectos privados do ego e
também um grande segmento do conteúdo do inconsciente pessoal. A sombra, com
seus instintos animais vitais e apaixonados, confere à personalidade uma qualidade
volumosa ou tridimensional, ou seja, ajuda a completar a pessoa como um todo. Então
você deve ter notado uma semelhança entre a sombra e o conceito freudiano do id
(JUNG, 1960).

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Inconsciente pessoal: é uma área adjacente ao ego, composta de
experiências que antes eram conscientes, mas agora são reprimidas, esquecidas,
anuladas ou desconhecidas e em experiências que inicialmente eram fracas demais
para causar uma impressão consciente na pessoa. Os conteúdos do inconsciente
pessoal, como os do material pré-consciente de Freud, são acessíveis à mente
consciente, e há um grande trânsito de mão dupla entre o inconsciente pessoal e o
ego (JUNG, 1960).
Os complexos: é um grupo organizado ou uma constelação de sentimentos,
pensamentos, percepções e memórias, que existem no inconsciente pessoal.
Contudo, existe um núcleo que age como uma espécie de magneto que atrai ou
‘constela’ várias experiências (JUNG, 1960).
Inconsciente coletivo: o conceito de um inconsciente coletivo, ou
transpessoal, é um dos aspectos mais originais e controversos da teoria de Jung da
personalidade, pois, é o sistema mais poderoso e influente da psique e, em casos
patológicos, domina o ego e o inconsciente pessoal (JUNG, 1959).
O inconsciente coletivo é o depósito dos vestígios de memória latentes
deixados por nossos ancestrais, que inclui não apenas a história racial dos seres
humanos como uma espécie distinta, mas também a história de seus ancestrais pré-
humanos ou animais. Portanto, o inconsciente coletivo é o resquício psicológico do
desenvolvimento evolutivo do ser humano, o acúmulo de experiências repetidas de
várias gerações. Pode-se dizer que é quase completamente independente de todas
as coisas pessoais da vida do indivíduo e provavelmente universal. Assim, todos os
seres humanos, têm mais ou menos o mesmo inconsciente coletivo (JUNG, 1959).
O Self: Para Jung (1953), o conceito fundamental da psicologia
completamente unificada é o Self. O self é o ponto essencial da personalidade em
torno do qual todos os outros sistemas estão constelados, assim, os mantém unidos
e a personalidade desenvolve a estabilidade e o equilíbrio.

“Se imaginarmos a mente consciente com o ego como seu centro, como
estando oposto ao inconsciente, e acrescentarmos agora ao nosso quadro
mental o processo de assimilar o inconsciente, podemos pensar nessa
assimilação como uma espécie de aproximação do consciente e do
inconsciente, em que o centro da personalidade total já́ não coincide com o
ego, mas com um ponto médio entre o consciente e o inconsciente. Esse
seria o ponto de um novo equilíbrio, um novo centra- mento da personalidade
total, um centro virtual que, devido à sua posição focal entre o consciente e o
inconsciente, garante uma fundação nova e mais sólida para a personalidade.
” (JUNG, 1953, p. 219).

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O self é um objetivo na vida pelo qual as pessoas lutam constantemente, mas
raramente alcançam. Os componentes individuais da personalidade devem estar
totalmente desenvolvidos e específicos, antes que o self possa emergir. É por isso
que os arquétipos do self não aparecem até a meia-idade do indivíduo (JUNG, 1953).
Nessa época, ela começa a fazer um sério esforço para mudar o centro da
personalidade do ego consciente para um que esteja a meio caminho entre a
consciência e a inconsciência. Essa região intermediaria é a província do self. O
conceito de self provavelmente é a descoberta psicológica, mais importante de Jung,
e representa a culminação de seus estudos intensivos dos arquétipos (JUNG, 1953).
Arquétipos: são componentes estruturais do inconsciente coletivo que
recebem vários nomes: arquétipos, dominantes, imagens primordiais, imagos,
imagens mitológicas e padrões de comportamento (JUNG, 1953). Um arquétipo é uma
forma universal de pensamento/ideia, que contém um grande elemento de emoção.
Essa forma de pensamento, cria imagens ou visões que correspondem na vida normal
de vigília a algum aspecto da situação consciente.
Anima e o animus: é bastante reconhecido e aceito que o ser humano é
essencialmente um animal bissexual. Em um nível fisiológico, o macho secreta tanto
hormônios masculinos, quanto femininos assim como a fêmea. No nível psicológico,
as características masculinas e as femininas, são encontradas em ambos os sexos. A
homossexualidade é apenas uma das condições, mas talvez a mais notável, que deu
origem à concepção de bissexualidade humana. Jung atribuiu o lado feminino da
personalidade do homem e o lado masculino da personalidade da mulher a
arquétipos. O arquétipo feminino no homem é chamado de anima, e o arquétipo
masculino na mulher é chamado de animus (JUNG, 1954).
Esses arquétipos, embora possam ser condicionados pelos cromossomos
sexuais e pelas glândulas sexuais, são os produtos das experiências raciais do
homem com a mulher e da mulher com o homem. Em outras palavras, ao viver com a
mulher ao longo das épocas, o homem se feminizou, ao passo que a mulher, por viver
com o homem, se masculinizou (JUNG, 1954).
Tais arquétipos não só fazem com que cada sexo manifeste características do
sexo oposto, mas também agem como imagens coletivas, que motivam cada sexo a
responder aos membros do outro sexo e a compreendê-los. O homem apreende a

17
natureza da mulher por meio de sua anima, assim como a mulher apreende a natureza
do homem por meio de seu animus (JUNG, 1954).
Mas a anima e o animus também podem levar ao desentendimento e à
discórdia se a imagem arquetípica, for projetada sem consideração pelo caráter real
do parceiro. Isto é, se um homem tentar identificar sua imagem idealizada de mulher
com uma mulher real e não levar em conta as discrepâncias, entre o ideal e o real, ele
pode sofrer um amargo desapontamento, quando perceber que as duas não são
idênticas. Tem de haver um compromisso entre as necessidades do inconsciente
coletivo e as realidades do mundo externo para que a pessoa seja razoavelmente
bem-ajustada (JUNG, 1954).
Dessa forma, vimos que, ao investigar a complexidade da psique humana, Jung
se deparou com a noção de inconsciente coletivo e seus arquétipos. O aspecto mais
relevante da teoria da personalidade de Jung, está voltado para a sua ênfase no
caráter progressista do desenvolvimento da personalidade, diante do inconsciente
coletivo e seus arquétipos. Pois, ele acreditava que os humanos estão
constantemente progredindo ou tentando progredir de um estágio de desenvolvimento
menos completo para um mais completo. Além disso, ele também acreditava que a
humanidade, como espécie, está constantemente desenvolvendo novas formas de
existência. Assim, Jung chamou a personalidade de psique, pois, compreendia os
aspectos conscientes e inconscientes formando um todo, o que contrariava a visão
freudiana de uma personalidade fragmentada. Para Jung, nós já nascemos inteiros, e
nos cabe apenas compreender essa totalidade (JUNG, 1954).
Nesta seção, você se inteirou sobre a estrutura da personalidade de Carl Jung,
dessa forma, foi apresentado os principais conceitos como: arquétipos, self, sombra,
persona, anima, animus, inconsciente pessoal e inconsciente coletivo. Portanto,
através desses conceitos, Carl Jung tem como objetivo maior a psicologia analítica,
pois, proporciona a compreensão de aspectos da personalidade humana.

2.3 Teoria de Karen Horney

Karen Horney (1885–1952), orientou-se para o culturalismo, procurando


fundamentar a psicologia da mulher, sobre uma identidade própria. Segundo Feldman
(2015) refere-se a ela, como a primeira psicóloga feminista. De acordo com seus

18
estudos, Horney sugeriu que a personalidade se desenvolve no contexto das relações
sociais e depende particularmente da relação entre os pais e os filhos e do quanto as
necessidades da criança, são atendidas (FELDMAN, 2015).
A psicóloga feminista, entendia que as influências maiores na personalidade se
davam, por meio, de ocorrências sociais na infância. Assim, a mente consciente teria
um papel na personalidade humana, apresentando uma visão holística e humanista
da psique individual, dando ênfase as diferenças culturais e sociais ao redor do
mundo. Ademais, atribuiu o sentimento de inferioridade experimentado por algumas
mulheres a fatores sociais (FELDMAN, 2015).
É necessário ressaltar que Horney foi uma das primeiras a enfatizar a
importância dos fatores culturais na determinação da personalidade. Por exemplo, ela
propôs que os rígidos papéis de gênero da sociedade para as mulheres levaram-nas
a experimentar ambivalência quanto ao sucesso, porque temiam fazer inimigos se
tiverem muito sucesso (FELDMAN, 2015).
Compreende-se nesse tópico, que Horney como psicóloga feminista contribuiu
apresentando os principais fatores que influenciam a personalidade, como as relações
sociais e as diferenças culturais.

2.4 Teoria de Alfred Adler

Alfred Adler (1870–1937) também foi discípulo de Freud, de quem se distanciou


por discordar da superestimação do fator sexual, sendo além disso, o fundador da
psicologia do desenvolvimento individual. Conforme Adler, o ambiente social e a
obsessão incessante do indivíduo em atingir metas preestabelecidas, são os
determinantes do comportamento humano, envolvendo a sede pelo poder e pela
fama, formando a personalidade através desses determinantes (DAINEZ; SMOLKA,
2014).
Segundo Dainez e Smolka (2014) na psicologia individual de Adler, cada
pessoa é concebida como uma totalidade integrada dentro de um sistema social. A
personalidade então, corresponde a uma unidade e o seu estudo se orienta para a
luta que ela realiza para se desenvolver e exprimir. Os mais importantes
determinantes da estrutura da vida da personalidade, se originam nos primeiros
tempos da infância sendo que o propósito específico e o efeito particular da vida

19
psíquica, não se fundem sobre uma realidade objetiva, mas sobre a impressão
subjetiva que o indivíduo teve dos acontecimentos da vida. Sendo assim, cada
indivíduo se organiza em função de sua percepção subjetiva do mundo social.
Como você viu, em uma breve explicação da contribuição de Adler,
entendemos que a personalidade e o comportamento, são expressões do psiquismo
humano, que estão interligadas e são estudadas por diferentes perspectivas, como a
psicologia behaviorista com o estudo do comportamento, a cognitivista, que
demonstra evidências crescentes de que os processos inconscientes ajudam os
indivíduos a pensar sobre o mundo e avaliá-lo, a definir objetivos e escolher uma rota
de ação, bem como, os estudos da neurociência que tem apoiado a existência do
inconsciente, pela pesquisa atual sobre os sonhos e a memória implícita (FELDMAN,
2015).

2.5 Teoria de Erik Erikson

Erikson tinha uma orientação teórica em psicanálise, mas propôs algumas


modificações na construção da personalidade. Segundo Bee (2003), uma das
principais diferenças era que Erikson não ressaltava a sexualidade como eixo central
do desenvolvimento da personalidade. Para ele a identidade se forma gradualmente
e sua totalidade, não se completa ao final da puberdade, ou seja, da adolescência.
O desenvolvimento se dá em estágios e cada um envolve o que Erikson
chamou de crise na personalidade. Como consequência, Erikson (ERIKSON, 1972)
afirmou que o desenvolvimento da personalidade é contínuo e formulou sua própria
teoria do desenvolvimento, conhecida até hoje como PSICOSSOCIAL e não
psicossexual como a de Freud.
Para que você possa identificar melhor as fases pelas quais uma pessoa passa,
conforme a teoria de Erik Erikson sobre os “estágios do desenvolvimento”, observe a
tabela 1 abaixo:
Período Qualidade de Ego Algumas tarefas e Virtude
a ser atividades do
desenvolvida estágio
Nascimento aos Confiança básica O bebê desenvolve Esperança.
12-18 meses. versus o sendo de

20
desconfiança perceber se o
básica. mundo é um lugar
bom e seguro.
12 – 18 meses aos Autonomia versus A criança Vontade.
3 anos. vergonha, dúvida. desenvolve um
equilíbrio de
independência e
autossuficiência
em relação à
vergonha e a
dúvida.
3 aos 6 anos. Iniciativa versus A criança Propósito.
culpa desenvolve a
iniciativa quando
experimenta novas
atividades e não é
dominada pela
culpa.
6 anos á Diligência versus A criança deve Habilidade.
puberdade. inferioridade. aprender as
habilidades da
cultura ou enfrentar
sentimentos de
incompetência.
Puberdade ao Identidade versus O adolescente Fidelidade.
adulto jovem. confusão de deve determinar
papéis. seu próprio senso
de eu (quem sou
eu?) ou
experimentar uma
confusão de
papéis.

21
Adulto jovem. Intimidade versus A pessoa procura Amor.
isolamento. estabelecer
compromissos
com os outros, se
não for bem-
sucedida, poderá
sofrer isolamento e
auto absorção.
Vida adulta Generatividade O adulto maduro Cuidado.
intermediária. versus preocupa-se em
estagnação. estabelecer e
orientar a próxima
geração, ou então
sente um
empobrecimento
pessoal.
Vida adulta tardia. Integridade do ego O adulto maduro Sabedoria.
versus despero. preocupa-se em
estabelecer e
orientar a próxima
geração, ou então
sente um
empobrecimento
pessoal.
Fonte: Adaptado de Bee (2003); Papaplia e Feldman (2013).

Pode-se observar na tabela acima que Erikson apresenta as qualidades que o


ego deve desenvolver, apontando assim, para os extremos. O teórico acredita que,
para um desenvolvimento adequado, deve haver um equilíbrio em cada etapa. Para
ele, mais importante do que a sexualidade, era a forma como as relações se
desenvolviam e os resultados destas relações. Nesse caso, o envolvimento dos pais
é essencial para promover esse equilíbrio.

22
O primeiro estágio psicossocial (Confiança básica versus Desconfiança
básica), corresponde ao período entre o nascimento e os primeiros 18 meses de vida
da criança. Sua atenção está em sua mãe, que satisfaz suas necessidades e desejos
em um tempo tolerável e o faz entender que não ficará sozinho. No entanto, é
importante mencionar que existem alguns casos em que outra pessoa assume esse
papel. Quando um bebê passa por essa fase de forma harmoniosa, recebendo amor
e atenção de seu provedor, desenvolve sentimentos de confiança básica, e quando
esses desejos não são atendidos satisfatoriamente, o sentimento que surge é de
desconfiança básica (RABELLO; PASSOS, 2001).
Diferentes autores (BEE, 2003; RABELLO; PASSOS, 2001; PAPALIA;
FELDMAN, 2013; CARPIGIANI, 2010) enfatizaram que o autodesenvolvimento
saudável requer um equilíbrio entre esses dois sentimentos, e que é importante que a
criança experimente alguns momentos de frustração, para entender que é importante
desconfiar às vezes, assim como acreditava Erik Erikson. Nessa fase, Papalia e
Feldman (2013) evidenciam que as crianças desenvolvem a virtude da esperança ao
compreenderem que o querer e o esperar são possíveis.
O segundo estágio psicossocial (Autonomia versus Vergonha, dúvida),
ocorre entre os primeiros 18 meses de vida e os 03 anos de idade da criança. Nessa
fase a criança passa a ter mobilidade e começa a desenvolver uma sensação de
independência e/ou autonomia.
Este período requer orientação dos pais para evitar que a criança experimente
fracassos posteriores, gerando sentimentos de vergonha (raiva de si mesmo) e
dúvida, ao invés de autocontrole e autovalor (BEE, 2003). Para Rabello e Passos
(2001), nesta fase as crianças começam a absorver as regras sociais, aprendem
sobre alguns privilégios, obrigações e limitações, e aprendem a se controlar. Os
autores enfatizam novamente a importância de equilibrar experiências positivas e
negativas para o autodesenvolvimento saudável do ego. Espera-se que as crianças
desenvolvam nessa etapa, a força básica da vontade.
O terceiro estágio psicossocial (Iniciativa versus Culpa), ocorre entre 03 e
06 anos, quando as crianças ingressam na escola. Nessa fase, espera-se que a
criança tenha desenvolvido a confiança, o controle e a autonomia presentes
nas fases anteriores. Ao aliar confiança e autonomia, a criança desenvolve a
determinação, que é essencial ao senso de iniciativa. Segundo Rabello e Passos

23
(2001), o crescimento intelectual das crianças é reflexo de sua entrada na escola, que
é fundamental para suas habilidades de planejamento e organização e o
desenvolvimento do propósito como virtude.
Quando seus planos não se concretizam, as crianças tendem a direcionar suas
energias para fantasias, buscando compensar, de certa forma, o sentimento de culpa
por não os ter realizado. Normalmente esses objetivos se manifestam no nível sexual
e na idade adulta essa frustração pode levar a patologias ou se expressar pela
somatização de conflitos. A ansiedade sobre atividades futuras também pode surgir
quando uma criança se sente culpada. Por isso, Rabello e Passos ressaltam a
importância de os pais explicarem aos filhos que determinadas atividades não podem
ser desenvolvidas por eles, incentivando também a formação dessas atividades na
infância quando puderem (BEE, 2003; PAPALIA; CARPIGIANI, 2010; FELDMAN,
2013).
O quarto estágio psicossocial (Diligência versus Inferioridade), corresponde
a fase onde o indivíduo se torna adulto e está preparado para unir sua
identidade com a de outra pessoa sem se sentir ameaçado. Para isso,
é necessário que tenha a sua experiência vivenciada referente as fases anteriores de
forma positiva, construindo um ego forte, saudável e autônomo, que aceite conviver
com outro ego sem se sentir anulado ou ameaçado. Os indivíduos podem preferir o
isolamento à intimidade quando o ego não está suficientemente seguro. O risco nesta
fase é que os jovens desenvolvam o elitismo, limitando suas conexões sociais a
pessoas com personalidades semelhantes (RABELLO; PASSOS, 2001).
Segundo Carpigiani (2010), Erikson entendia que o jovem adulto deve estar
preparado para a intimidade, formar vínculos afetivos duradouros, ter força ética
suficiente para se manter fiel a esses vínculos, mesmo quando impõe compromissos
significativos, e a virtude de desenvolver o amor. Ela enfatiza que o isolamento é
importante, já que o jovem adulto tem que suportar tanto estar sozinho quanto estar
em um relacionamento.
O sétimo estágio psicossocial (Generatividade versus Estagnação), refere-
se à idade adulta intermediária e talvez seja o mais longo dos oito estágios. Nesta
fase, o dilema existente é entre generatividade e estagnação. Conforme Carpigiani
(2010, p. 17), se o desenvolvimento do ego foi saudável nas etapas anteriores, o
indivíduo deve ser capaz de "superar desafios, cuidar dos bens adquiridos e manter

24
relações afetivas". Além disso, nesse estágio, ocorre a construção da família, a
expansão profissional e a inclusão e formação de uma nova geração, definido como
generatividade. No entanto, à medida que o indivíduo envelhece, pode acontecer do
mesmo perder seu envolvimento com as novas gerações, criando a sensação de
estagnação, por não se sentir mais necessário.
O oitavo e último estágio psicossocial (Integridade do Ego versus
Desespero), corresponde à idade adulta tardia. Nesse momento da vida, Erikson
entendia que as pessoas pensam sobre suas vidas, o que fizeram e o que não fizeram.
Rabello e Passos (2001) escrevem que esse processo ocorre de duas maneiras: a
pessoa pode ficar angustiada ao ver a morte se aproximando e entender que seu
tempo acabou e não tem mais nada a ver com a família e com a sociedade, vivendo
a velhice em eterna nostalgia e tristeza ou a pessoa sente que cumpriu seu dever ao
experimentar os sentimentos de dignidade e integridade.
Carpigiani (2010) enfatiza que esses sentimentos podem ser potencializados
ou minimizados conforme a cultura, dependendo do papel que os idosos
desempenham em cada sociedade e sua importância. A virtude que se desenvolve
nesta fase é a sabedoria.
Até aqui, podemos compreender sobre a contribuição da teoria do
desenvolvimento da personalidade de Erik Erikson, lembrando que, não devemos
entender nenhuma teoria como absoluta, tendo em vista que existe um pouco de cada
uma em um determinado aspecto do desenvolvimento da personalidade, contribuindo
para o desenvolvimento humano.

 Contribuições para a teoria dos traços de personalidade:

Gordon Allport:

Allport (1897–1967) buscou estudar a personalidade em seus aspectos mais


singulares e individuais, fundando a psicologia individual. O conceito de
personalidade, de acordo com Gordon Allport, advém do aspecto singular do sujeito
que é capaz de diferir um indivíduo do outro, apesar das similaridades, sendo a
unicidade o que os diferencia. A personalidade vai se maturando ao longo das fases:
bebê, adolescente e adulto, provando que não é uma unidade estática. Contudo, nem

25
sempre alcança uma maturidade psicológica, enfrentando, por vezes, dificuldade
relacional na vida adulta (CARLETTI, 2022).
A teoria dos traços de personalidade é um modelo que busca identificar os
principais aspectos da personalidade, como os traços que são evidentes no indivíduo,
marcando sua singularidade e as características aprendidas por influências culturais
e sociais. Além disso, os comportamentos se explicam por motivações, ou seja, um
estímulo externo pode mobilizar determinado comportamento.
A definição de traço segundo Allport (1937), pode desmembrar-se em dois
aspectos: os traços individuais e os comuns. O primeiro consiste em disposições
pessoais, ou seja, há um traço morfogênico que é singular ao indivíduo, algo que é
improvável encontrar em outras pessoas. O segundo aspecto aponta o traço comum
a vários indivíduos, como temperamentos e personalidades similares, mas que podem
ser internos, que demarcam o indivíduo e determinam de forma consistente o
comportamento.
De acordo com Hall, Lindzey e Campbell (2000), a personalidade é considerada
uma condição humana. Sugere-se que a personalidade seja parte do indivíduo, tanto
que, para Allport, a personalidade é o que um homem realmente é (ALLPORT, 1937
apud HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2000). Assim, compreende-se que a
personalidade consiste nas características da pessoa.
Diante da posição de Hall, Lindzey e Campbell (2000), a personalidade é um
conceito que define a singularidade do indivíduo, ou seja, apesar das influências
culturais, dos laços familiares e dos vínculos socioafetivos, que naturalmente têm
influência no modus operandis do sujeito, a personalidade nada mais é do que a
essência do indivíduo, o que demarca a condição dele enquanto humano e, por fim, o
diferencia dos demais, mesmo que tenha crescido na mesma estrutura e
experienciado eventos similares ao longo da sua vida.
De acordo com a teoria do traço de Gordon Allport, os traços individuais são
chamados de disposições pessoais, ou seja, características que são perceptíveis em
cada indivíduo, podendo haver até 10 disposições dominantes ou mais. Quanto aos
tipos de disposições, temos as cardinais, centrais e secundárias (HALL; LINDZEY;
CAMPBELL, 2000).
 Cardinais: trata-se de um traço singular que diferencia um indivíduo do
outro. Essas características intrínsecas são evidenciadas no

26
comportamento do sujeito. Um bom exemplo, são os perfis de liderança.
Essa característica é inata e, de acordo com a teoria dos traços,
hereditária.
 Centrais: são conjuntos de características que tendem a construir a
personalidade do sujeito e que o estruturam a um dado comportamento.
Trata-se de um conjunto de traços que demarcam a personalidade do
indivíduo. Essas características podem ser percebidas a partir da
convivência mais próxima, como perceber por exemplo, que o sujeito é
gentil, organizado, amigo, justo e generoso.
 Secundárias: são aspectos ou traços da personalidade que podem ir
mudando ao longo da vida, como características estilísticas que mudam
ao longo das fases da vida. Pode-se por exemplo, gostar de usar calças
pantalonas quando mais jovem, mas na vida adulta adotar outro estilo.

Veja o exemplo no quadro 1 abaixo:

Quadro 1. Teoria da personalidade por Gordon Allport

Traços cardinais — características únicas do sujeito. Por exemplo, poder,


generosidade.
Traços centrais — características que definem a personalidade na ausência de
um traço cardinal. Por exemplo, honestidade e sociabilidade.
Traços secundários — características que são passíveis de mudanças. Por
exemplo, estilos, gostos.
Fonte: Adaptado de Nunes (2005).

Allport (1961) discutiu duas disposições que demarcam a personalidade do


sujeito. A primeira é a disposição motivacional que inicia a ação, a qual é sentida com
mais intensidade e motiva as necessidades básicas. A segunda é a disposição
estilística, que refere-se a um comportamento adaptativo e que se assemelha à ideia
de comportamento expressivo de Maslow (1928 - 1970), ou seja, está ligada à
aparência do indivíduo.

27
Mas, como exemplificar tais disposições? Em relação à primeira terminologia,
pode-se pensar a partir da necessidade de buscar alimentos, água, satisfação sexual,
entre outras, por serem essenciais para sobrevivência. Em relação à segunda
disposição, pode-se citar a realidade do ambiente de trabalho e o estilo de vestimenta
indicado para cada cargo ou área, já que por exemplo, advogados trabalham com
trajes formais.
No mais, pode-se perceber que a personalidade abarca um campo amplo de
discussão e Allport contribuiu de forma contundente para a compreensão da noção de
traço, dimensões da personalidade, vislumbrando os comportamentos motivados a
partir das experiências e, também, das características singulares. O autor considera
as predisposições a responder igualmente ou de um modo semelhante a tipos
diferentes de estímulos, ou seja, formas constantes e duradouras de reagir ao
ambiente. Portanto, pode-se compreender que Allport trabalha as características da
individualidade do sujeito, bem como, a natureza real e a determinação do
comportamento, podendo ser passível de demonstração empírica e possuir variações
situacionais e inter-relacionais.

 Raymond B. Cattell:

Cattell (1905–1998) foi muito importante nos primeiros anos da psicometria,


com sua pesquisa da estrutura psicológica intrapessoal. Nos seus estudos, também
explorou as dimensões básicas da personalidade e do temperamento, a variedade de
habilidades cognitivas, as dimensões dinâmicas de motivação e emoção, as
dimensões clínicas da personalidade anormal, os padrões de sintonia de grupo e o
comportamento social, entre outros aspectos.
O autor definiu a personalidade como algo que “diz o que um homem irá fazer
quando colocado em uma dada situação” (CATTELL, 1965, p. 25) e acrescentou que
a personalidade não está somente relacionada com os comportamentos manifestos,
mas também com aqueles encobertos.
A dedicação de Cattell pela ciência e pelos métodos científicos foi constante
em toda a sua vida. Ele elaborou formas sofisticadas para identificar os domínios da
personalidade e motivação e, subsequentemente, a moralidade, a partir da adoção de

28
métodos científicos usados pelo seu mentor, Spearman (1863 – 1945), para verificar
os mais amplos domínios da inteligência, habilidade e cognição.
A teoria da personalidade de Cattell é baseada na análise fatorial na
metodologia estatística, onde relaciona a sua ideia em investigar as estruturas do
temperamento e motivação, a partir da observação do trabalho de Spearman e
posteriormente de Thurstone na descrição da estrutura das habilidades por esse
método (CATTELL, 1984).
A teoria de Cattell também é reconhecida como teoria do traço, com uma visão
abrangente da personalidade, buscando esquematizar empiricamente grandes
extensões do domínio da personalidade, o que resultou num grande número de traços
dinâmicos. Para Hall, Lindzey e Campbell (20000, p. 257) “muitas das ideias de Cattell,
especialmente as relacionadas ao desenvolvimento, estão intimamente ligadas às
formulações de Freud e às de autores psicanalíticos que vieram depois” deste último.
Para Cattell (1984), a personalidade é uma estrutura complexa e distinta de traços.

Veja os principais fatores do teste de personalidade, para Cattel:


 Ego narcisista versus não assertividade disciplinada, segura
 Inibição/timidez versus confiança
 Esperteza maníaca versus passividade
 Independência versus submissão
 Comention (conformidade gregária) versus objetividade
 Exuberância versus refreamento
 Cortetia (prontidão cortical) versus pathemia
 Mobilização de energia versus regressão
 Ansiedade versus ajustamento
 Realismo versus tensinflexia (tendência psicótica)
 Autossentimento narcisista versus despretensão
 Apatia cética versus envolvimento
 Astenia de superego versus segurança bruta
 Responsividade sincera versus falta de vontade
 Impassibilidade versus dissofrustance
 Prudência versus variabilidade impulsiva
 Exvia (extroversão) versus invia (introversão)

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 Desânimo (pessimismo) versus atitude alegre
 Caráter não prático versus caráter prático
 Sonolência versus excitação
 Autossentimento versus autossentimento frágil.

Neste tópico, foram descritos os principais fatores do teste de personalidade,


elaborado por Cattell (1984). De acordo com o autor, o traço de personalidade é uma
estrutura mental, como uma inferência realizada através do comportamento
observado, para que se explique a regularidade ou a consistência desse
comportamento.
 Hans Eysenck

Eysenck (1916–1997) foi psicólogo alemão e, desenvolveu uma teoria fatorial


semelhante à de McCrae e Costa (1997), fundamentando-a basicamente na análise
fatorial e na biologia. Estabeleceu, porém, somente três dimensões da personalidade:
extroversão/ introversão, neuroticismo/estabilidade e psicoticismo/superego.
Para Eysenck, as diferenças individuais na personalidade são provenientes de
diferenças genéticas, compreendendo estruturas cerebrais, hormônios e
neurotransmissores que influenciam os três fatores da personalidade. O psicólogo
define traços como disposições importantes semipermanentes da personalidade, que
compõem intercorrelações significativas entre diferentes comportamentos habituais
(FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015).
Segundo Feist, Feist e Roberts (2015) os extrovertidos são caracterizados pela
sociabilidade e pela impulsividade, mas também por jocosidade, vivacidade,
perspicácia, otimismo e outros traços indicativos de pessoas que são gratificadas pela
associação com os outros. Os introvertidos são caracterizados pelos traços opostos
aos dos extrovertidos, são quietos, passivos, pouco sociáveis, cuidadosos, reservados
e pensativos. Entretanto, as principais diferenças entre extroversão e introversão não
são comportamentais, mas de natureza biológica e genética.
O neuroticismo/estabilidade é indicado como forte componente hereditário.
Assim, a pessoa com escore alto em neuroticismo apresenta disposição para reagir
com excesso emocional e dificuldade de retornar ao estado normal depois de uma
alteração emocional. No entanto, Eysenck afirma que o neuroticismo não sugere

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compulsoriamente uma neurose, porém sobre forte estresse pode produzir um
transtorno neurótico (Eysenck, 1991 apud FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015).
Esses dois fatores, extroversão/introversão e neuroticismo/estabilidade, foram
a base da teoria da personalidade de Eysenck (1970), que posteriormente reconheceu
o psicotismo/superego, formando as três dimensões. As características das pessoas
com escore alto em psicotismo são: egocentrismo, frieza, impulsividade, hostilidade,
agressividade, desconfiança, psicopatia e antissociabilidade. Já as pessoas com
baixo escorem são mais altruístas, com alta socialização e empatia, cooperativas e
mais convencionais.
Até aqui você pôde compreender a articulação entre a natureza das teorias da
personalidade em uma retrospectiva histórica. Portanto, pode-se notar que dentro do
campo de estudos da psicologia, como ciência, muito se produziu sobre esse tema,
assim podemos identificar, vários autores que contribuíram de modo fecundo para a
produção de nossas reflexões sobre a personalidade. No próximo tópico iremos tratar
do tema temperamento e as suas variações.

3 CONCEITOS DE PERSONALIDADE E TEMPERAMENTO

Existem muitos conceitos atribuídos à personalidade e ao temperamento. Para


a Associação Americana de Psicologia - APA (AMERICAN PSYCHIATRIC
ASSOCIATION, 2002, p. 771), a personalidade consiste em "padrões duradouros
relacionados a percepções, relacionamentos e pensamentos sobre o ambiente e
sobre si mesmo". O senso comum usa o termo personalidade para se referir aos traços
distintivos de uma pessoa e o termo tem muitos significados diferentes, mas
geralmente transmite a ideia de uma unidade que inclui a humanidade.
Tavares (2006) afirmou que a personalidade pode ser concebida como um
conjunto de traços ou características que conferem a cada indivíduo uma identidade
única e determinam padrões de pensamento, sentimento e ação. Esses traços são
moldados pela interação entre a personalidade natural de um indivíduo e suas
experiências de vida. Embora seja relativamente estável ao longo do tempo, possui
um grau de flexibilidade que permite que os indivíduos se adaptem bem ao seu
ambiente.

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Ainda de acordo com Tavares (2006) uma forma de distinguir uma pessoa da
outra é a personalidade, que é construída a partir das próprias experiências das
pessoas em seu meio, levando em consideração aspectos de sua cultura e educação,
costumes, crenças, etc. Uma das teorias mais famosas da personalidade é a
psicanálise, desenvolvida por Sigmund Freud em 1882, que afirma que as estruturas
da personalidade são formadas por volta dos quatro ou cinco anos de idade.
Personalidade inclui temperamento e caráter.
Delisle (1999) descreve a personalidade como uma forma específica e
relativamente estável de organizar os componentes cognitivos, emocionais e
comportamentais da experiência de um indivíduo. Como por exemplo, a definição de
(cognição) significa a associação de alguém com eventos (comportamentais) e os
sentimentos (emocionais) que acompanham esses eventos permanecem
relativamente estáveis ao longo do tempo e fornecem um senso de identidade. A
personalidade é um senso de si mesmo e o impacto que ele provoca nas outras
pessoas.
Segundo Cloninger, Svrakic e Przybeck (1993), a personalidade é concebida
como uma interação dinâmica entre dimensões de temperamento, componente
constitucional herdado, e dimensões de caráter, que são características adquiridas
por meio, do aprendizado e da experiência. O temperamento reflete diferenças
individuais no aprendizado de hábitos, através, de recompensa e punição e é
representado por quatro dimensões: busca de novidades, esquiva ao dano,
dependência de gratificação e persistência.
De acordo com o modelo de Cloninger, Svrakic e Przybeck (1993), o caráter é
desenvolvido a partir das relações do eu: eu - comigo, eu - com o outro e eu, com o
meio, cujo objetivo é adaptar o indivíduo ao meio. As dimensões de caráter são:

 Autodirecionamento (AD): diz respeito à relação do sujeito consigo


próprio e refere-se à força de vontade, autodeterminação, habilidade de
controle das situações, adaptação de comportamentos de acordo com
as metas estabelecidas e os valores pessoais, ao adiamento de
gratificação imediata, à aceitação de suas fraquezas e ao
reconhecimento de suas qualidades.

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 Cooperatividade (CO): representa a relação do indivíduo com o outro e
envolve empatia, tolerância, aceitação social, prontidão para ajudar e
amabilidade.
 Autotranscendência (AT): refere-se à relação do indivíduo com o meio,
isto é, sentir-se parte integrante da natureza, do universo e envolve
sentimentos de contemplação, meditação, aceitação espiritual e
misticismo.
A personalidade é resultado da interação entre temperamento e caráter, que
salientam e dão significado a toda experiência (CLONINGER; SVRAKIC; PRZYBECK,
1993). Segundo Cairus e Ribeiro (2005), Hipócrates, por volta de 430 a.C, em seu
texto (Da Natureza do homem), propôs quatro tipos de temperamentos da
personalidade e são eles:
 Temperamento sanguíneo
 Temperamento colérico
 Temperamento melancólico
 Temperamento fleumático, (HIPOCRÁTES, 2005).

É necessário que você saiba, que todas as pessoas apresentam características


conforme os quatros tipos de temperamento, mas somente um ou dois irão se
destacar, podendo haver, inclusive, a intensificação de um temperamento e a fraqueza
de outro, revelando que essas características podem ser apresentas em graus
diferentes. Além disso, os temperamentos têm influência direta em nossas relações
pessoais. Agora, você verá as características de cada temperamento de forma mais
detalhada, os quais podem se desenvolver no indivíduo por completo, ou, ficarem
restritas a certas áreas. Além do mais, o indivíduo pode estar vivendo os seus
aspectos positivos, negativos ou ambos.

 Temperamento sanguíneo:

A beleza sanguínea está associada ao sol, como algo brilhante e vibrante.


Pessoas com esse tipo de temperamento gostam de ser o centro das atenções,
costuma odiar rotina e não têm medo de coisas novas, impulsivas e imprudentes. Sua
cor é amarela. De acordo com Hallawell (2010), as características são as seguintes:

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 Suas forças: pessoa extrovertida, muito comunicativa, motivada,
automotivada, festiva, cheia de vida e enérgica. Vigorosa e estimulante,
interessa-se em coisas novas, produtivas e inovadoras. É uma pessoa
espirituosa e rápida, tem a necessidade de marcar presença e no final
acaba sendo o centro das atenções. Tem seu trabalho e interage bem
com outras pessoas porque gosta da companhia delas e pode
simpatizar facilmente. Não gosta de rotina ou de lugares fechados. Tem
boa intuição e é espontânea e transparente. Gosta de coisas vistosas,
coloridas, luminosas e brilhantes.

 Suas fraquezas: irregularidade, inconsistência, desorganização e falta


de estrutura. Perde o foco facilmente porque tem problemas de
concentração e desiste de tarefas sem completá-las. Trata – se de uma
pessoa vaidosa, esquecida e geniosa, que pode ter acessos de raiva.
Pode variar entre euforia e depressão. Pode ficar estranha, porque sua
extroversão é curiosa e barulhenta. Sua impetuosidade pode colocá-
la em situações difíceis e seu amor pela aventura e risco os torna
imprudentes.

 Temperamento colérico:

A beleza colérica está relacionada ao coração. Transmite força, coragem e


determinação. É poderosa, passional e independente. Sua cor é o vermelho. De
acordo com Hallawell (2010), as características da pessoa com esta beleza são as
seguintes.
 Suas forças: determinada, persistente, objetiva e explosiva. É
passional, emotiva, dramática e intensa. Líder nata, é rápida e busca
resultados, sempre motivada pelo desafio. Pessoa leal, fiel e generosa,
e detesta traição. Procura o domínio, mas não tem preocupação em ser
o centro das atenções. Forte, corajosa e tem facilidade em se
concentrar. Pode ser extrovertida, mas geralmente é reservada. Direta e
franca, não gosta de rodeios ou insinuações. Apesar de não gostar de

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ser contrariada, não tem problema em ouvir opiniões divergentes, desde
que sejam bem fundamentadas e servirem a seus propósitos. Mesmo
sendo temperamental, é uma pessoa que não guarda rancor e gosta de
luxo.
 Suas fraquezas: impaciente, intolerante e autoritária. Pessoa
competitiva e batalhador. Essas características, podem levar essa
pessoa até a ser violenta, raivosa e explosiva, e nesses momentos de
raiva é imprudente. Não tolera a fraqueza dos ouros, sendo muitas vezes
insensível, podendo até ser cruel. Procura sempre dominar, mas não
controlar e isso pode levá-la a criar atritos e a ser brusca e imperiosa.
Tem dificuldade de delegar poderes, sendo centralizadora. Sua fraqueza
pode levá-la a ser indelicada e rude. A sutileza não é seu forte, sua
postura e expressão frequentemente intimidam os outros. É vaidosa,
orgulhosa e dificilmente aceita seus erros publicamente, tendo a
tendência de transferir a culpa ou buscar uma desculpa. É bagunceira,
mas não desorganizada, mas é desatenta a detalhes. Não suporta ser
pressionada ou controlada.

 Temperamento melancólico:

A beleza melancólica é ligada à água, transmite calma e organização. É


elegante, charmosa e sofisticada, profunda e artística. Há dois tipos de melancólicos:
o artístico, que age com o coração, e o científico, que age com a razão. Sua cor é o
azul. De acordo com Hallawell (2010), as características são as seguintes:

 Suas forças: ambos os tipos de melancólicos são organizados,


disciplinados, detalhistas, pragmáticos e perfeccionistas. São pessoas
pacientes, profundas e pensativas. O tipo artístico é sensível, mas não
esboça grande exaltação ou emoção, embora seja sentimental e
delicado. É uma pessoa com característica confiável e muito competente
e está sempre em busca da perfeição. O tipo científico é mais frio do que
o tipo artístico. É cerebral e lógico, muito organizado, sistemático e
detalhista. Os dois tipos têm grande poder de concentração, disciplina,

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paciência e persistência, finalizando o que começam. Respeitam os
outros, são discretos e procuram nunca ser inconvenientes ou
intrometidos.

 Suas fraquezas: pessoa ansiosa, indecisa e perfeccionista ao extremo.


É introvertida, tímida, quieta e retirada. Não gosta de ser o centro das
atenções. Tem dificuldade de se impor e de confrontar situações ou
pessoas. Pode ser rancorosa e vingativa. Sua falta de emoção pode
constranger os outros e fazê-la parecer antipática. Controladora, não
sabe lidar bem com o inesperado e o novo, e tem medo do
desconhecido. Por isso, segue regras e é conservadora, o que prejudica
sua criatividade. Pode ser arrogante, também exige demais de si próprio,
desenvolvendo sentimentos de incapacidade e problemas de
autoestima. O melancólico é o que mais tem tendência a sofrer de
depressão e da síndrome do transtorno obsessivo-compulsivo, por
causa da sua ansiedade

 Temperamento fleumático:

A beleza fleumática é serena e espiritualizada. É amigável, meiga e acolhedora,


transmite segurança e paz. Sua cor é o roxo. De acordo com Hallawell (2010), as
características são as seguintes:

 Suas forças: é um ser diplomático, pacificador, místico e tende a ser


ingênuo. Muito amigável e, geralmente, alegre e sorridente. Pessoa
extremamente calma e dificilmente se zanga, mas, também, raramente
demonstra grandes emoções. Não gosta de confrontos e de
desavenças. Procura agradar os outros e fazer com que todos se sintam
bem. Não é competitiva. É boa ouvinte. Não apegada a coisas materiais,
sendo desprendida e generosa, se contentando com pouco. É
constante, paciente, confiável, fiel e leal. É adaptável, embora não goste
de mudanças. É motivada somente pela busca de segurança.

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 Suas fraquezas: parece uma pessoa desinteressada, pode ser apática,
acomodada e alienada. Apresenta dificuldade de tomar decisões e
sempre que pode transfere essa responsabilidade para outra pessoa.
Tem pouco entusiasmo e iniciativa. É resistente a mudanças, por ser
muito conservadora e acomodada. Sua busca pela segurança a faz fugir
de situações de risco e, assim, acaba perdendo muitas oportunidades.
É previsível e pouco criativa. Não gosta de assumir posições de
responsabilidade ou liderança.

Você observou acima, a identificação dos tipos de temperamentos descritos


por Hipócrates (2005), dessa maneira a utilização dessa teoria, foi um referencial para
o psicólogo Ivan Pavlov, que identificou, experimentalmente os mesmos tipos de
temperamentos humanos em animais, mostrando sua relação com o sistema nervoso
e fatores bioquímicos. A partir de então, vários estudos baseados em processos
neurotransmissores, genéticos, bioquímicos e do sistema nervoso, foram
desenvolvidos com a suposição de que esta é a explicação para as diferenças de
temperamento (ZUCKERMAN, 1991).
É importante ressaltar que existem vários sistemas básicos que tentam explicar
a base do temperamento, mas dois se destacam mais. O primeiro, é chamado de
sistema humoral, é de interesse histórico e relaciona o estado do organismo com a
proporção de fluidos e humores que circulam no organismo. Daí a origem
da classificação dos temperamentos sanguíneo, colérico, fleumático e melancólico. O
segundo sistema, denominado constitucional, baseia-se nas diferentes compleições
do organismo e na sua estrutura física. Esta tipologia representa uma abordagem dos
estudos sobre a relação entre características físicas e psicológicas.
A palavra temperamento tem sua origem no latim temperamentum = que
significa medida e representa o caráter individual ea intensidade dos
afetos psicológicos, o humor predominante e a estrutura de motivação.
Segundo Breuer (1987) estabelece algumas diferenças de temperamento,
mencionando que alguns são mais duradouros, enquanto outros são mais inertes e
indiferentes. Como por exemplo, existem pessoas que não conseguem ficar paradas,
aquelas que sabem deitar em sofás, as que são mais ágeis, entre outras. Breuer
(1987, p. 205) prossegue afirmando que "essas diferenças, que constituem o

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'temperamento natural' do homem, certamente se baseiam em profundas diferenças
em seu sistema nervoso, na medida em que elementos cerebrais em repouso
funcional liberam energia".
Novais (1977), afirmava que o temperamento está relacionado ao clima químico
no qual a personalidade se desenvolve. Já, para Petroviski (1985) o temperamento
era entendido como a combinação estabelecida e persistente das propriedades
psicodinâmicas de um indivíduo, que se manifestam por meio de suas atividades e
comportamentos e, assim, formam sua base orgânica. Ainda seguindo essa ideia,
Allport (1966) definiu o temperamento como um fenômeno especial da natureza
emocional de um indivíduo, incluindo sua sensibilidade aos estímulos, a intensidade
e velocidade das respostas e algumas outras peculiaridades relacionadas à
hereditariedade.
Conforme Strelau e Angleitner (1987), existem cinco características
que distinguem temperamento de personalidade, são elas:

 O temperamento é biologicamente determinado e a personalidade é um


produto do ambiente social.
 Os traços de temperamento podem ser identificados desde a infância,
enquanto a personalidade é formada durante o desenvolvimento infantil.
 Diferenças individuais em traços de temperamento como ansiedade,
extroversão-introversão também são observadas em animais, enquanto
a personalidade é uma prerrogativa humana.
 O temperamento apresenta aspectos estilísticos. A personalidade
contém aspectos do comportamento.
 Ao contrário do temperamento, a personalidade refere-se à função
combinada do comportamento humano.

A personalidade então, pode ser definida como a organização abrangente de


todas as características cognitivas, emocionais e físicas de um indivíduo,
manifestadas em diferentes situações e com significado especial para os outros.
Assim, em geral, podemos definir personalidade, como um conjunto de elementos de
temperamento herdados durante a gravidez e de elementos adquiridos do meio,
durante o estágio de desenvolvimento, para formar o mundo psicológico interno de
uma pessoa (STRELAU; ANGLEITNER, 1987).

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Atualmente, se considera que certas características do temperamento são
resultado de processos fisiológicos no sistema linfático, bem como os efeitos
endócrinos de alguns hormônios na vida psicológica do sujeito. Portanto, é possível
explicara interferência do ambiente pela genética e pelas condições biológicas
presentes no temperamento de cada pessoa. Por outro lado, podemos entender o
temperamento como uma disposição inata e peculiar pela qual o sujeito está disposto
a responder aos estímulos ambientais. Nessa perspectiva, o temperamento é a
maneira interior de ser e se comportar de uma pessoa; geneticamente determinado,
é o aspecto somático da personalidade (NARRAVO, 1999).
O temperamento pode ser conduzido de pai para filho, mas não se aprende,
nem se ensina, só pode ser suavizado à sua maneira, o que é determinado pelo
caráter. Veja a definição de caráter no quadro 2, abaixo.

Quadro 2. Definição de caráter.

CARÁTER
É a soma de traços de personalidade, expressas no modo básico do indivíduo reagir
perante a vida, seu estilo pessoal, suas formas de interação social, aptidões, etc. O
caráter reflete o temperamento moldado, modificado e inserido no meio familiar e
sociocultural. É a resultante, ao longo da história pessoal, da interação constante
entre o temperamento e as expectativas e exigências conscientes e inconscientes
dos indivíduos que criaram determinada pessoa. O caráter resulta do modo como o
indivíduo equacionou, consciente e inconscientemente, o seu temperamento com
essas exigências e expectativas.

Fonte: bit.ly/3S0fOSp

O conceito de caráter emergiu da filosofia e tornou-se objeto de pesquisa


científica. O termo caráter vem do grego character e relaciona-se como um sinal,
marca, ao instrumento que grava. Quando aplicado à personalidade, este
termo denota aqueles aspectos que se inscreveram na psique e no corpo de cada
indivíduo durante seu desenvolvimento.

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Freud (1987) e Abraham (1970) embora não sejam os primeiros, também se
dedicaram ao estudo do caráter, deixando uma grande contribuição, bem como vários
outros cientistas, seguiram o exemplo nessa direção. Mas, entre eles, o que mais se
destacou e conseguiu formar uma teoria coerente sobre o caráter foi Wilhelm Reich.
Segundo Reich (1995), o caráter é o conjunto de reações e hábitos de
comportamentos específicos de cada pessoa. Estes incluem as atitudes e valores
conscientes, o estilo de comportamento (timidez, agressividade e assim por diante) e
as atitudes físicas (postura, hábitos de manutenção e movimentação do corpo). Em
outras palavras, caráter é a forma como uma pessoa se apresenta ao mundo, com
seu temperamento e personalidade, ou seja, é o temperamento e a personalidade
expressos através da atitude de uma pessoa.
A origem e a estrutura do caráter têm sido objeto de várias escolas de
pensamento em psicologia, as quais a maioria concorda que o caráter não se
manifesta na infância de forma abrangente e definida, mas é formado através da
experiência nas fases do desenvolvimento psicossexual, até alcançar sua completa
expressão ao final da adolescência. Entendendo que a personalidade e o
temperamento de uma pessoa são expressos através do caráter, é fundamental
conhecer o caráter de uma pessoa, pois isso significa conhecer as características
básicas que determinam seu comportamento e seus atos (REICH, 1995).
Desde o momento da fecundação, todas as características genéticas dos pais
são transferidas para o bebê, formando seu temperamento. Mesmo durante a
gravidez, o bebê percebe todos os estímulos do ambiente, pois, sente e sofre as
mudanças pelas quais a mãe passa durante a gravidez e, aos poucos, absorve esses
estímulos e os organiza em seu mundo interior, contribuindo para a formação de sua
personalidade. Os possíveis comprometimentos que por ventura irá ter ao longo das
etapas de desenvolvimento, determinam a forma como age e reage à vida, formando
assim seu caráter, que nada mais é do que a expressão de seu mundo interior.
Cada um assumirá então uma forma funcional bem definida, um padrão típico
de comportamento, nas circunstâncias mais incomuns. Por exemplo, podemos pensar
em uma sala de aula, cheia de alunos onde um atirador entra sem ninguém esperar.
Todo mundo provavelmente ficará com medo, mas todos reagirão de acordo com sua
estrutura de caráter. Alguns desmaiam de medo, outros têm diarreia, sonolência,
taquicardia, sudorese.

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Os antecedentes e o caráter de uma pessoa serão determinados por muitos
fatores (REICH, 1995). O primeiro deles diz respeito ao momento em que a frustração
se manifesta, ou seja, a fase em que a criança passa por seu desenvolvimento. Se a
frustração se manifestar na fase sustentação (VOLPI; VOLPI,2002), a criança terá um
caráter do tipo esquizoide (REICH, 1995) ou um núcleo psicótico (NAVARRO, 1995).
Se ocorrer frustração durante a fase de incorporação (VOLPI; VOLPI, 2002), a
criança terá caráter oral (REICH, 1995) ou borderline (NAVARRO, 1995). Se a
frustração ocorrer na fase de produção (VOLPI; AMP; VOLPI, 2002), a criança terá
um caráter masoquista ou obsessivo-compulsivo (REICH, 1995) ou psiconeurótico
(NAVARRO, 1995). Se a frustração ocorre na fase de identificação (VOLPI; VOLPI,
2002), a criança tem caráter fálico-narcisista ou histérico (REICH, 1995) ou neurótico
(NAVARRO, 1995). Entretanto, a falta de frustração pode fazer com que a criança
desenvolva um tipo de caráter chamado de genital, ideal de Reich (1995) para as
crianças do futuro.
Portanto, cada tipo de caráter terá uma dinâmica particular. O esquizoide terá
como comportamento básico a esquiva, o oral a dependência, o masoquista a
lamentação e o sofrimento, o obsessivo-compulsivo a ordem e limpeza, o fálico-
narcisista o poder e o histérico a sedução.
Outro fator crucial para a formação e o tipo de caráter que uma criança irá
desenvolver tem a ver com a frequência e intensidade da frustração. Isso significa que
retrocessos ou sentimento de frustração são necessários durante o estágio de
desenvolvimento quando ocorrem obstáculos e, assim, caracterizam os traços, pois,
é preciso que seja aplicado com certa frequência e/ou que sua intensidade seja
suficiente para atingir o limiar da criança, lembrando que cada criança tem seu próprio
limiar.
Outras situações, como a natureza dos impulsos contra os quais a frustração se
dirige principalmente, as concessões iniciais à criança seguidas de intensas
frustrações sem motivo, o sexo da principal pessoa que frustra e a criança e as
contradições existentes nas próprias frustrações, irão formando registros
significativos, comprometendo a criança em seu desenvolvimento psicoafetivo,
deixando, dessa forma, traços significativos que irão compor a sua estrutura de
caráter. Conforme Reich “o caráter não é determinado por aquilo que evita, mas pela

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maneira como o faz e pelas forças pulsionais que o ego utiliza para esse fim” (1995,
p. 212).
Como você pôde perceber, o conteúdo exposto ao longo dos capítulos
proporciona a oportunidade de aprender sobre como se deu o contexto de
desenvolvimento da teoria da personalidade e temperamento. Compreende-se que a
personalidade pode ser entendida de diferentes formas a depender da corrente teórica
que a investiga e que o temperamento é determinado pelo caráter. Dessa maneira,
você pôde identificar, como esses dois conceitos se posicionam, frente aos
parâmetros epistemológicos da psicologia como ciência.

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