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VOLUME 7
História natural
das cidades
PEDRO PAULO PIMENTA
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História natural
das cidades
PEDRO PAULO PIMENTA
SUMÁRIO
04 A cidade elusiva
10 Modelos imaginários
14 História e destruição
24 Os museus e a história natural
29 Epílogo: uma utopia possível?
35 P.S.: outra história natural
38 Referências bibliográficas
40 Sobre o autor
SOBRE ESSAS PEDRAS,
EU LEIO OS SÉCULOS
UM POUCO COMO OS
FORASTEIROS NOS
CÍRCULOS DOS
TRONCOS CORTADOS
LÊEM AS IDADES DAS
ÁRVORES
‐3‐
A CIDADE ELUSIVA
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costumes, algo impensável em uma obra moderna de
narrativa histórica. Como falar da Segunda Guerra
Mundial, por exemplo, sem se referir às cidades
obliteradas pelos bombardeios? Guernica, Londres,
Varsóvia, Dresden, Hiroshima, Nagasaki, são, para nós,
nomes de entidades dotadas de personalidade própria,
formadas por populações culturalmente distintas,
politicamente diferenciadas, que em nada lembram os
conglomerados indiferentes cercados por muros que os
generais antigos invadiam e, dependendo das
circunstâncias ou do capricho, poupavam, submetendo
à servidão, ou saqueavam e destruíam. Quase tudo que
sabemos das cidades antigas vem de sua preservação
parcial fortuita ao longo dos séculos e de escavações
arqueológicas realizadas a partir do século XIX . Já a
memória das cidades contemporâneas, que progridem,
crescem e se transformam por meio da destruição do
próprio passado, está registrada nas artes e na literatura.
A ideia de que uma cidade pode ser projetada no
espaço neutro da geometria, cartografada, lida e
interpretada, não é, portanto, natural. O caso de Roma,
cidade das cidades, é um bom exemplo. Essa república
situada à beira do Mediterrâneo nunca foi objeto, na
Antiguidade, de urbanização planificada. As sucessivas
melhorias, introduzidas nos primeiros séculos de sua
existência, mas principalmente na época imperial a partir
da ditadura de Júlio César, se deram à revelia do que
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hoje chamaríamos de projeto de urbanização. Roma
passou por grandes transformações desde sua fundação,
no século V a.C., até sua destruição quase mil anos depois.
De aldeia, tornou-se a capital do mundo antigo,
centro do poder político e da atividade comercial para
o qual afluíram milhares de pessoas, oriundas de
províncias europeias, africanas e asiáticas. As necessidades
de seus habitantes se transformaram, e se muitas delas
puderam ser acomodadas por meio de medidas de eficácia
variável (a distribuição de água potável conta entre as
maravilhas da engenharia romana; a coleta de lixo, não),
a verdade é que uma série de mazelas que afligem seres
humanos quando vivem próximos uns dos outros
permaneceu sem solução.
Um Estado comercial, como observou Adam Smith
em A riqueza das nações (1776), deve contar com uma
força militar permanente para se defender da agressão
de potências rivais. O caso de Roma ilustra essa máxima
à perfeição. De início uma cidade-estado, logo se tornou
uma república expansionista, adquirindo por fim os
contornos de um vasto império, cujas fronteiras eram
guardadas com zelo por legiões bem treinadas e
destemidas. Além da cidade de Roma, havia muitos
outros centros urbanos de importância, como Alexandria,
Antioquia, Cartago, Éfeso e Marselha. Foi sobretudo
em centros como esses que se fizeram sentir os efeitos
das pestes, fenômeno particularmente devastador nas
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cidades. Ora, era inevitável que a diminuição súbita da
população romana concentrada em centros urbanos tivesse
alguma consequência para a estabilidade do corpo político
da república imperial. No entanto, apesar da gravidade
da questão, a classe governante romana aparentemente
não encarava o problema nesses termos ou, ao menos,
não se dispôs a tratá-lo de maneira adequada, tomando
medidas para a melhoria do aparato urbano que pudessem
conter ou minimizar o impacto das pestes. E não por
falta de capacidade — a aristocracia romana tinha uma
reserva considerável de talentos —, mas porque, entre
outras coisas, os romanos não viam a cidade como nós a
vemos e não pensavam que ela pudesse ou merecesse ser
compreendida em termos estritamente racionais, como
um espaço em que fenômenos de diferentes ordens se
desenrolam com certa regularidade e adquirem uma
complexidade ainda maior por estarem interligados.
O que explica essa aparente falta de interesse por
um espaço tão importante? Voltemos aos historiadores,
que refletem bem essa postura em seus escritos e ajudam
a compreendê-la. É preciso lembrar que a história, como
gênero literário, ocupa no mundo antigo uma posição
intermediária. Se não é tão reles como a comédia, que
narra ações ridículas ou vis, tampouco pode aspirar à
nobreza da tragédia, que narra ações nobres e elevadas,
situadas não no plano dos acidentes da experiência, mas
no da necessidade moral. É famosa a distinção do filósofo
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grego Aristóteles: a tragédia fala do que deve ser, a
história diz o que é. Enquanto a verdade daquela reluz,
a desta cintila fraca e instável, como que maculada pelo
peso das circunstâncias. Mas, se não é nobre, a linguagem
do historiador nem por isso se rende ao vil. Ao contrário,
é calculada para dilapidar o que há de nobre e moral
nas coisas humanas, que podem não ser heroicas, mas
têm o seu valor e são instrutivas, desde que vistas pela
perspectiva adequada.
Jamais ocorreria a um historiador antigo falar do
cotidiano das pessoas comuns. Legiões de soldados
perdem a vida em conflitos sangrentos, mas o historiador
e senador romano Tácito (c. 56-117) não fala em números
e não se deixa tocar pela enormidade do desastre militar;
limita-se a mencionar a perda deste ou daquele
aristocrata, que tombaram liderando um batalhão de
anônimos. Tácito procede assim não por temperamento,
mas por respeito a uma regra do gênero. Entre o prédio
que abriga o Senado e o local em que se reúnem os
tribunos da plebe há uma tessitura de ruas, edifícios
públicos e privados, estabelecimentos comerciais,
escritórios de administração, templos religiosos, centenas
de pessoas. Nada disso, porém, chama a atenção do
também romano Salústio (86-34 a.C.) em sua descrição
da conjuração de Catilina — interessa apenas a
enormidade das ações dos homens (nobres) envolvidos
na trama. Muitos historiadores romanos, quando têm
de mencionar um ofício de natureza manual, recorrem
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a circunlocuções para não manchar a elevação de sua
prosa com palavras como “sapateiro” ou “ferreiro”. É
uma questão de imaginação: a prosa seleciona os fatos,
filtra-os com um certo tom e uma determinada ênfase,
e o que é transmitido à imaginação do leitor é uma
versão edulcorada da experiência, da qual quase tudo,
na verdade, foi expurgado. Essa disciplina estrita é
completamente incompatível com a ideia de que a cidade
poderia ser descrita, reconstituída, imaginada.
Pode-se dizer que essa mesma atitude pauta a
política romana, que faz o Estado se voltar quase
inteiramente para as ações nobres, as únicas consideradas
importantes, ou seja, as relacionadas à guerra contra
nações estrangeiras e ao governo das províncias,
relegando os problemas das pessoas comuns ao segundo
plano. Que a população seja paulatinamente abatida por
pestes ocasionais é considerado uma fatalidade, e o modo
como vivem os habitantes das cidades que não pertencem
às elites não é problema da aristocracia, tampouco do
imperador (que cultiva o favor da plebe à maneira de
um ditador populista) ou dos representantes das tribos
que formam a cidade, preocupados com disputas de
caráter político e econômico mais gerais. Não admira,
portanto, que as pestes que eventualmente terminaram
por enfraquecer e combalir o poderoso Império Romano
não entrassem no campo de preocupação dos “gestores”
das cidades: uma cidade não forma um sistema, é um
simples agregado.
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MODELOS IMAGINÁRIOS
Italo Calvino tem, como se sabe, um livro sobre o
simbolismo das cidades invisíveis. Roma foi, em certo
sentido, uma cidade invisível, ou que só se tornou visível
graças à preservação, largamente acidental, de algumas
de suas estruturas públicas e privadas. A época de
Michelangelo, Brunelleschi, Domenichino, Da Vinci
e Rafael soube tirar proveito dessas ruínas, monumentos
de um passado que se afigurou a eles como um período
muito especial da história humana. Os indícios
remanescentes se tornaram um manancial de imagens,
um repertório de lugares, uma série de tropos recorrentes,
não necessariamente ligados às suas funções e finalidades
originais. Muito já se disse, e continua a ser dito, a
respeito da perfeição e da excelência das formas artísticas,
superiores à própria natureza (a arte, com seus dispositivos
intelectuais e técnicos, supera a natureza, a arte corrige
a natureza, a arte contém a natureza etc.).
Também o século XVIII, o chamado Século das
Luzes, exprimiu seu fascínio pela cidade antiga, que
Montesquieu e Edward Gibbon interpretaram como o
centro de irradiação de um poder político, militar e
econômico sem igual na história humana. Não se
restringiram à leitura dos historiadores: para escrever
sobre Roma, tiveram de realizar uma peregrinação, ver,
examinar e tocar os vestígios de uma força que se
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concretizou em um espaço determinado e se organizou
em uma estrutura que pode ser chamada de urbana. Foi
então que surgiu, no imaginário ocidental, o poderoso
repertório de figurações imaginárias da Roma antiga
— tão forte, na verdade, que continua a nos assombrar.
Mesmo nós, brasileiros, que vivemos a milhares de
quilômetros de distância desse palco da Antiguidade,
falamos uma língua neolatina e utilizamos, sem perceber,
analogias e imagens que os romanos forjaram no bojo
de sua experiência.
A cidade é filha das batalhas, travadas nos campos:
essa afirmação do filósofo e historiador David Hume é
um bom exemplo da disposição positiva da modernidade
em relação a esse novo objeto, não mais um suporte de
ações, como na Antiguidade, mas ele mesmo produto
de uma história. A existência das cidades em geral, e
dos grandes centros urbanos em particular, assinala
simbolicamente, para o olhar iluminista, o fim da guerra
do homem contra o homem, a superação do estado de
natureza em que a vida é constantemente ameaçada, o
advento do refinamento e da civilização, no quadro dos
quais a guerra é vista como um braço da política, e não
como uma situação natural inevitável. É na época do
Iluminismo que surge essa admiração pela cidade em
si, por Roma e Atenas, tomadas como epítomes das
grandes cidades antigas, mas também por Paris e
Londres, novas capitais da Europa que condensam o
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que há de melhor no mundo moderno. A cidade europeia
torna visíveis os valores de estabilidade política e
prosperidade econômica da civilização comercial, e é
segundo esse critério que os viajantes, os missionários
e os exploradores da América, oriundos de Espanha,
Portugal, França e Holanda, irão decretar que esse
continente se encontra estacionado em um estágio social
primordial, muito próximo ou idêntico ao estado de
natureza. Até onde o colonizador enxerga (e sua visão
não vai muito longe), o selvagem americano não edifica
cidades, mas vive como nômade ou pastor, agrega-se
em aldeias que logo são desfeitas, perambula ao sabor
das circunstâncias em busca dos meios de sua
sobrevivência.
Por não terem visto cidades como as suas nas
Américas, os europeus pensaram que elas não existiriam
ali. Pois se enganaram. Pierre Clastres argumentou que
o homem americano aprendeu rapidamente a se furtar
ao invasor, a tornar-se invisível diante dele, a vencê-lo
sem enfrentá-lo em combate (CL ASTRES, 2003) . A
paleontologia contemporânea mostra que as cidades
existiram na Amazônia, encontra o seu traçado por
detrás da vegetação, escava o solo em busca de seus
equipamentos, detecta o elemento humano e artificial
escamoteado por uma paisagem enganosamente natural.
Para chegar à cidade americana, é preciso primeiro
querer encontrá-la, supor que uma aglomeração de seres
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humanos vivendo juntos por certo tempo pode ter uma
configuração diferente daquela que os franceses
escolheram dar a Paris ou os portugueses a Lisboa.
Então, descobrir-se-á que, assim como a cidade é filha
da guerra, também sua obliteração pode ser uma tática
de preservação de um modo de vida, de uma urbanidade
construída bem longe do padrão greco-romano. Tendo
chegado a esse ponto, a imaginação se dilata, varia seus
hábitos e se torna capaz de entrever outras formas de
organização humana, diferentes daquelas das capitais
europeias e da ideia da cidade antiga, igualmente
merecedoras do nome de “cidade”.
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HISTÓRIA E DESTRUIÇÃO
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portanto, à demarcação de um signo preciso de
transformação: o clima da Sibéria, outrora propício a
esse animal gigantesco, tornou-se inóspito, por alguma
razão (que Cuvier pensava ser uma súbita modificação
ou “revolução”), acarretando assim a eliminação da
espécie. O passado da natureza adquire densidade, as
sucessões de fenômenos ganham o caráter de uma
história, a linguagem do naturalista se reconhece como
portadora de um novo gênero, amorfo, cujos lineamentos
são ditados não por prescrições previamente estabelecidas,
mas pelas exigências dos objetos a serem estudados. Os
historiadores romanos da Antiguidade não se dignavam
a entrar nos detalhes menores da vida urbana; o
naturalista está autorizado por Cuvier a falar apenas de
minúcias e a atrelar o valor das grandes teorias que irá
formular à quantidade de pequenos fatos e pormenores
que puder detectar, sem os quais não poderá sequer
formular suas teses mais gerais. A hierarquia se inverteu:
o pequeno, o insignificante, são a chave para entender
o grandioso, o importante.
Como observou Jacques Rancière em diversas
ocasiões,1 é apropriado que essa reviravolta tenha
ocorrido na época da Revolução, quando o povo passa
a ser representado e, por fim, toma o lugar da aristocracia,
os comerciantes se impõem aos proprietários fundiários,
e o sentimento do homem comum, não as virtudes
1 Cf. Rancière 2010 e 1989.
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elevadas da aristocracia, passa a ser a regra. No plano
político, a vontade geral dos cidadãos ocupa o lugar que
outrora pertencera aos nobres: a Constituição republicana
é formulada pelo povo, com suas preocupações
comezinhas, e não imposta a ele pelos nobres, com suas
grandes visões. Em certo sentido, a paleontologia é uma
ciência que coaduna com uma atmosfera republicana,
pois nela os grandes fatos são ancorados nos pequenos.
Mais que isso, como nota Rancière, ela é também uma
ciência solidária a uma mudança de registro no uso da
língua. No Antigo Regime, a palavra escrita era regulada
pela palavra falada: os círculos de conversação da corte
e dos salões, promovidos e animados pelas grandes
damas da aristocracia francesa, funcionavam como o
árbitro do bom uso gramatical e estilístico. A esses juízes
os escritores franceses, dos autores trágicos aos
epistolares, dos poetas e críticos aos filósofos, submetiam
suas composições. A arte de falar e de escrever, na França
do Antigo Regime, era regrada por preceitos similares
aos vigentes na Antiguidade greco-romana: fala-se do
que é elevado e extraordinário, evita-se a todo custo o
que é baixo e corriqueiro.
A Revolução subverteu esse circuito ao pôr abaixo
os pilares institucionais que o sustentavam, mas talvez
seus dias já estivessem contados a partir do momento
em que Jean-Jacques Rousseau se tornou um escritor de
alcance nacional, lido nas províncias e por toda sorte
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de gente, e Diderot e D’Alembert preferiram dar mais
espaço, nas páginas de sua Enciclopédia, às artes
mecânicas e aos ofícios do que à filosofia, à poesia e à
retórica. Com isso, tornou-se possível ler sem falar sobre
assuntos que não necessariamente cabem em uma
conversação de salão (sentimentos íntimos, técnicas de
fabricação de vidro etc.), saboreando uma linguagem
calculada para o silêncio, não para a palavra falada, uma
linguagem sentimental (Rousseau) ou corriqueira (a
Enciclopédia). Ainda segundo Rancière, isso explica por
que, na aurora da Revolução, os jovens de província que
depois irão tumultuar a vida da capital leem Tácito não
mais como o mestre da retórica elevada, incompreensível
sem o comentário erudito, mas como um autor qualquer.
É que o livro deixou de ser um objeto a ser decifrado e
passou a ser uma fonte de entretenimento acessível a
todos: pode-se ler por conta própria.
Da mesma maneira, os grandes animais extintos
que Cuvier identificou — mamute, megatério,
mastodonte etc. — deixaram de ser enigmas fósseis para
oferecer, ao olhar de qualquer um, o signo inequívoco
da história da sucessão das formas no mundo natural:
o passado vira presente ou se impõe a este com a
perspectiva de eras que se sucederam umas às outras, à
revelia das expectativas humanas. História sublime e,
paradoxalmente, democrática. O seu fio é a destruição:
formas antigas dão lugar a novas, o tempo geológico se
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impõe aos ciclos da vida; indiferente a ela, as populações
de animais vivem e morrem ao sabor de circunstâncias
variáveis e fortuitas. E mesmo as formas mais portentosas
— os grandes mamíferos, os grandes impérios — estão
fadadas a desparecer na noite do tempo. A consciência
democrática é também a noção da pequenez da espécie
humana e da transitoriedade de seus anseios e ambições,
incluídos aí os mais complicados emaranhados urbanos
e os mais ousados planos de sua racionalização.
Rancière encontra nos romances de Honoré de
Balzac esse mesmo senso de deslocamento do homem,
essa consciência de sua importância relativa ao meio
que habita, e os interpreta pelo duplo prisma de uma
arqueologia da paisagem e de uma fisiologia da
vestimenta. No primeiro registro, o homem se descobre
minúsculo diante da imensidão da cidade moderna e
da sucessão de camadas com que ela se acumula,
testemunho de uma história da qual o homem comum
é parte insignificante. Cito uma passagem de A pele de
onagro (1831):
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pedreiras de Montmartre ou nos xistos dos Urais,
esses animais cujos restos fossilizados pertencem a
civilizações antediluvianas, assusta-se de entrever
bilhões de anos, milhões de povos que a frágil
memória humana, que a indestrutível tradição
divina esqueceram, e cujas cinzas, acumuladas na
superfície do nosso globo, formam meio metro de
terra que nos dão o pão e as flores. Não é Cuvier o
maior poeta do nosso século? Lorde Byron
reproduziu bem, em palavras, algumas agitações
morais; mas nosso imortal naturalista reconstruiu
mundos com ossos esbranquiçados, reconstruiu,
como Cadmo, cidades a partir de dentes, repovoou
milhares de florestas e os mistérios da zoologia com
alguns fragmentos de hulha, redescobriu populações
de gigantes nos pés de um mamute. (BALZAC, 2008)
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estado de natureza, por assim dizer. O ambiente urbano
tem com a vida uma relação de fomento e aniquilação,
de cuidado e agressão similar àquela que os seres vivos
não humanos claramente têm com o seu meio.
Paradoxalmente, é apenas ao voltar-se para esses “outros
seres” que a biologia começou a se dar conta de que o
que era válido para eles também serviria para nós, apesar
de toda a nossa pretensão de nos diferenciarmos do
“resto da criação”. Estudar a paleontologia é começar a
desvendar com mais nitidez os modos de existência da
espécie humana em sua pertença a um mundo que
permanece estritamente “natural”.
O segundo registro que Rancière identifica na prosa
de Balzac diz respeito à fisiologia da espécie humana
como espécie urbana. No Antigo Regime, as vestes
declaravam a origem social. Aristocratas, burgueses e
artesãos não se misturavam: pessoas de bem não iam a
bairros pobres, e a circulação dos pobres pelos bairros
ricos limitava-se à prestação de serviços. A cidade era,
portanto, perpassada por uma diferenciação rígida, quase
estamental, que incidia no espaço de circulação das
pessoas. (Não estariam ainda hoje as grandes cidades
brasileiras presas a essa lógica?) Já o espaço de circulação
da cidade moderna, fruto da Revolução — ela mesma
uma catástrofe tão grande quanto as que, na teoria de
Cuvier, abalam o mundo natural —, não é neutro, por
certo, mas tampouco tem força suficiente para diferenciar
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um homem de outro: na Paris do século XIX , cada um
pode e deve ir aonde bem entender, é livre para se perder
no circuito das ruas, avenidas, alamedas e parques. Mas
basta observar um pouco para ver que, se tudo mudou,
resta que os indivíduos da espécie humana estão
perfeitamente cientes de que essa liberdade de movimento
não é signo de igualdade de condição, e cada um deles
pertence a uma variedade bem definida:
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adquiriu uma importância social, pois que foi
convocada a restabelecer as nuanças inteiramente
extintas no vestuário. Ela tornou-se o critério a
partir do qual se reconheceria o homem polido e o
homem sem educação. [...] Para dizer a verdade, a
gravata é o homem, é através dela que o homem se
revela e se manifesta. (IDEM, 2009)
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pequeno-burguês e filisteu”. (BENJAMIN 1989)
Isso sugere que o urbanismo, como tentativa de
compreender e sistematizar a cidade pela intervenção,
seria uma disciplina herdeira, em última instância, da
geologia e da paleontologia, filiação confirmada pelas
aspirações dos arquitetos modernos a moldar a percepção
e o comportamento dos homens — sua fisiologia, em
suma — mediante a reinvenção da cidade a partir de
diferentes concepções de emancipação, completa ou
parcial, de seus habitantes. Para tratar de coisas tão
vulgares e preocupar-se com objetos tão mesquinhos,
a arquitetura terá de deixar para trás suas pretensões de
pertença ao panteão das grandes artes, às quais esteve
presa até o século XIX , reconhecendo-se, enfim, como
uma disciplina do rol das técnicas — plenamente
moderna, calcada para um mundo bem diferente daquele
em que a ideia do belo foi primeiro cogitada.
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OS MUSEUS E A HISTÓRIA NATURAL
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criou um novo tipo de instituição.2 Conhecemos bem,
que seja de ouvir falar, o Museu do Louvre que então
surgiu, mas nem sempre nos damos conta de que ele
tem afinidades significativas com outro museu, o de
História Natural, que, na mesma Paris revolucionária,
alocado no Jardim Botânico, passou a oferecer ao público
as curiosidades naturais oriundas da extinta coleção do
rei. Em ambos, é traçada uma história: em um deles, a
história das formas produzidas pela imaginação, o
repertório das possibilidades desse poder do espírito
humano; no outro, a história de formas como que
imaginadas pela natureza e generosamente oferecidas
por ela à nossa apreciação. É claro que não parece certo
dizer que a natureza faz algo em prol da espécie humana,
mas esse jeito de falar, além de reconfortante, cria um
clima de fábula em nossa concepção das relações entre
natureza e arte — como se a natureza fosse um outro
jeito de ser arte.
Na Paris revolucionária, ninguém tinha dúvidas de
que as formas do Museu do Louvre e as do Museu de
História Natural eram de ordem distinta: a natureza
não “fabrica” coisas no mesmo sentido que os homens
2 No qual, diga-se de passagem, teve lugar de destaque o pintor Jacques-
Louis David que, como mostrou T. J. Clark, foi responsável pela organização
do repertório de imagens no qual a república nascente houve por bem se
reconhecer (não apenas nos museus que então surgiram, como também
nas festas revolucionárias). Cf. Clark, 2007.
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o fazem — a essa altura, Kant já escrevera a Crítica da
faculdade de julgar (1790). Mas esse paralelismo
institucional promove certa nivelação entre essas séries
distintas, ao oferecê-las a um público que não foi treinado
para apreciá-las, que não tem, num caso e no outro,
formação crítica, mas que talvez seja capaz de
compreendê-las pela mobilização de uma capacidade
natural, dê-se a ela o nome de sensibilidade, sentimento,
juízo, entendimento ou razão. A nivelação da palavra
ao registro da escrita estende-se assim às artes plásticas
e às ciências naturais: objetos “falam” e “têm uma
linguagem”, podem “ser lidos” na medida mesma em
que se dão a apreciar em silêncio e são privados de voz
— um pouco como as facções mais radicais da Revolução
se exprimem na retórica rudimentar e violenta de
panfletos que, escritos dez anos após a morte de
Rousseau, em nada lembram a elegância da linguagem
sentimental deste que é o seu mestre em matéria de
política e moral. Prosa rústica, que não foi feita para ser
soletrada, mas lida na quietude, em meio à multidão, e
absorvida como um bálsamo que promete, em teoria,
uma libertação, em meio a toda a violência e a destruição
dos processos reais.
Em breve surgirão, no rastro dessas grandes
instituições, pequenos museus, mais modestos, dedicados
à história da cidade, e não raro, portanto, à história das
catástrofes e destruições que imprimem sucessivas formas
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a um espaço variável que recebe um mesmo nome, malgrado
transformações tão profundas que o tornam irreconhecível
de um momento a outro: difícil determinar, por exemplo,
em que medida a São Paulo da década de 1930, retratada
nas fotos de Claude Lévi-Strauss, é ou não a mesma da
década de 2010, na qual vivemos (ou tentamos sobreviver).3
É então que, pela preservação da “memória” da cidade,
reunida em documentos oficiais, testemunhos oculares,
peças literárias, recortes de jornal etc., esse conglomerado
ganha uma identidade própria, que todos reconhecemos
na medida em que nos empenhamos em compreender o
presente pelas lentes do passado — exercício válido e
interessante, ainda que nem sempre bem-sucedido.
A proximidade entre a história natural e a história
natural da cidade produz às vezes instituições que são
amálgamas. Se o Jardim Botânico (“Imperial”) do Rio
de Janeiro nasceu, e continua sendo, bem francês, o
Museu do Ipiranga, em São Paulo, surgiu como museu
de história natural à francesa e depois foi elevado (ou
rebaixado) à condição de museu da Independência
nacional. Impossível decidir qual seu caráter agora, visto
que, por falta de recursos, ele permanece fechado ao
público. O Museu Nacional, no Rio de Janeiro, também
3 A partir de Darwin, será possível falar da cidade como lugar da luta dos
seres vivos pela obtenção dos meios de sua sobrevivência: A origem das
espécies (1859) é publicada na mesma Londres em que surge O capital
(1867) de Karl Marx.
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teve suas fases e, em sua versão derradeira, oferecia ao
público uma feliz combinação de elementos de história
geológica, de botânica e zoologia, e de história
mediterrânea, africana e sul-americana, e ainda o curso
de pós-graduação que, trabalhando sobre o acervo e a
biblioteca do Museu, produzia conhecimento científico
a partir dos mesmos objetos que o público simplesmente
aprendeu a apreciar. Compunha assim um panorama
instigante, que dava muito a pensar acerca das relações
entre essas dimensões do que se chama de “história”,
bem como dos processos e políticas de aquisição de
acervo que teriam levado a um resultado tão único e
auspicioso. Certamente havia aí, nesse caráter múltiplo,
híbrido e instigante, algo da cidade em que a instituição
se situava, e, em menor medida, do país ao qual se referia
o adjetivo “nacional”. Nesse sentido, o museu é
testemunha não só de eventos, mas também de processos.
E sua destruição, pela guerra, pelo descaso, ou pelo
embate de um Estado contra sua própria sociedade, é
um passo importante, até necessário, para que a “nação”
a qual um dia pertenceu tenha sua história suprimida,
para que os processos sociais que nela transcorrem e
que lhe dão uma identidade se tornem invisíveis, e o
presente desponte como um recomeço absoluto, que se
redobra sobre si mesmo e restringe a possibilidade de
se imaginar outro futuro, diferente daquele que nele se
afirma como o único possível ou necessário.
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EPÍLOGO: UMA UTOPIA POSSÍVEL?
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de aceitar, pode ser uma boa ideia frequentar os poucos
museus de história natural dignos desse nome existentes
no Brasil. É o caso, por exemplo, do Museu da
Inconfidência, em Ouro Preto, com sua coleção
excepcional — cujo principal atrativo, a meu ver, não é
contar a história do evento que lhe dá nome, mas traçar
as etapas da consolidação e do declínio de um conjunto
de técnicas e artes, inclusive as relativas à escravidão,
que recortaram e reconfiguraram, nas Minas Gerais
portuguesas, o espaço da experiência sensível marcada
pelo regime colonial de extração de riquezas. Já o Museu
de Mineralogia, também em Ouro Preto, situado na
mesma praça onde está o Museu da Inconfidência, exibe
os materiais que compõem o solo das Minas, dando
uma ideia tão variada e rica da natureza mineral quanto
a que costumamos ter dos vegetais ou dos animais. Não
longe dali, a antiga Casa dos Contos tem em seu subsolo
uma antiga senzala. A sombria exposição oferece, além
dos instrumentos de tortura dos escravos pelos feitores,
uma máquina de tear similar à descrita por Diderot na
Enciclopédia — objeto que evoca a indignação desse
mesmo filósofo com o tráfico negreiro.
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Penso aqui também em uma instituição bem mais
modesta, o Museu de Pesca de Santos, que visitei pela
primeira vez quando de sua abertura, nos anos 1970,
com meu pai, arquiteto de formação e amigo de um dos
membros da equipe de restauração do prédio. Quarenta
anos depois, ao lado de minha filha, reencontrei no
amplo salão que ocupa metade do primeiro andar o
impressionante esqueleto de baleia, cercado pelos de
outros cetáceos menores. Exibição simples mas
informativa, oferece uma perspectiva da história evolutiva
dessa classe de animais e permite ao visitante reconstituir,
inadvertidamente, o desenvolvimento morfológico desses
magníficos mamíferos marinhos: estrutura e adaptação,
Charles Darwin e Richard Owen reunidos na mesma
sala de um antigo entreposto do Império Britânico.
Subindo a serra, entrando na capital pela rodovia
Anchieta, não está longe o Museu de Zoologia da
Universidade de São Paulo, onde o visitante, após passar
por uma sala com impressionantes fósseis de dinossauros
encontrados em território brasileiro, depara com uma réplica
quase perfeita do megatério de Cuvier e, mais adiante, com
diversos espécimes de plantas identificadas por Lineu e
numerosos moluscos cuja existência veio à tona graças à
taxonomia de Lamarck. O museu, muito bem organizado,
ocupa parte de um prédio maior, no qual estão instalados
pesquisadores, coleções de estudo, uma biblioteca e,
suponho, laboratórios. Nas visitas mais recentes que fiz ao
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local, geralmente em cinzentas tardes de domingo (uma
feliz coincidência), havia muita gente por lá, interessada
pelos objetos em exibição e pelas explicações que pontuam
a exposição. Depois, lendo uma reportagem publicada na
revista Pesquisa Fapesp (GUIMARÃES, 2018), descobri que o
museu era de fato bem cuidado, e o seu prédio, bem
conservado. Pois, ao contrário do Museu Nacional, o Museu
de Zoologia da USP passou recentemente por reformas,
incluindo a incorporação de medidas preventivas de
segurança contra incêndios e outros acidentes. Uma
instituição pública dirigida com seriedade, e um abrigo
seguro para o exercício da imaginação, que parte sentindo-
se revigorada o suficiente para desenhar, por conta própria,
um traçado diferente, se não para o país, para a cidade à
sua volta. Eis uma experiência muito singular e, eu diria
mesmo, bastante radical.
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P.S.: OUTRA HISTÓRIA NATURAL
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ou daquele governo, está inscrita na índole mesma do
fenômeno populacional. Não custa reiterar, com Foucault
ou sem ele, que a ideia de que um grupo de indivíduos
forma algo como uma “população”, ideia tão cara à
seleção natural darwiniana, veio da economia política,
preocupada com questões de administração pública.
Mas, na natureza darwiniana não há governo, apenas
equilíbrios espontâneos; e eles não são os mesmos que
se estabelecem nas sociedades a partir de finalidades
humanas. Nesse sentido, tornou-se quase obrigatória a
leitura do mais recente livro do antropólogo norte-
americano James C. Scott, Against the Grain (2017), que
mostra o eventual lugar da cidade na história de nossa
espécie: não os problemas que a cidade veio resolver,
mas tratando-a como uma contingência, os que ela criou.
Na Mesopotâmia antiga, na Amazônia de mil anos
atrás, no modelo de civilização ocidental, um sistema
de organização de relações, formado por interações entre
indivíduos, se impõe a uma espécie e condiciona sua
evolução. Tudo indica que ao menos uma parte de nossos
problemas atuais, que tentamos resolver politicamente,
está destinada a se furtar à nossa intervenção. Medidas
de isolamento, testes em massa, vacinas, são tantas
soluções imediatas, obtidas pela intervenção ativa da
ciência, fomentada por governos e empresas para uma
situação que não pode perdurar, porque não temos como
nos adequar a ela, porque não estamos preparados para
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viver com ela, e que temos o direito de sentir como
insuportável. Nunca é tarde para reconhecer os limites
do humano em um mundo que insiste em permanecer
natural. E se voltarmos agora o nosso olhar, mais uma
vez, para as cidades, outrora tão familiares, sentiremos
uma sensação inusitada, de estarmos diante de coisas
conhecidas, porém muito estranhas (o Unheimilich de
Freud).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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________. O inconsciente estético, trad. Mônica Costa
Netto. São Paulo, Editora 34, 2010.
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SOBRE O AUTOR
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COLEÇÃO OUTRAS PALAVRAS
Rizoma temporal
PETER PÁL PELBART
CONSELHO ESCOLA
diretoria CRISTIANE MUNIZ E MAIRA RIOS
CONSELHO CIENTÍFICO
diretoria ANÁLIA M. M. DE C. AMORIM E MARIANNA
BOGHOSIAN AL ASSAL
CONSELHO TÉCNICO
diretoria GUILHERME PAOLIELLO
CONSELHO HUMANIDADES
diretoria CIRO PIRONDI
CONSELHO SOCIAL
diretoria ANDERSON FABIANO FREITAS
NÚCLEO DE DESIGN
coordenação CELSO LONGO E DANIEL TRENCH
DÉBORA FILIPPINI, BEATRIZ OLIVEIRA E GABRIEL DUTRA
CDD 708.0981
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