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NOME

A HERMENÊUTICA NEORREALISTA
ESCANDINAVO-ESTADUNIDENSE: ENTRE A
DISCRICIONARIEDADE E A VINCULATIVIDADE NO DISCURSO
DOS DIREITOS HUMANOS

Projeto de pesquisa apresentado como requisito parcial de avaliação do componente


curricular "Trabalho de Conclusão de Curso II" do curso de graduação em Direito da
Universidade Federal da Bahia.

Salvador
2023
SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO 3

1.1 AUTOR 3
1.2 TÍTULO 3
1.3 ÁREA(S) DE CONHECIMENTO 3

2 CONTEXTUALIZAÇÃO E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA 3

3 HIPÓTESE (NECESSÁRIA APENAS SE A PESQUISA FOR EMPÍRICA) 4

4 JUSTIFICATIVA 4

5 OBJETIVOS 6

5.1 OBJETIVO GERAL 6


5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 6

6 METODOLOGIA 7

7 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA/REVISÃO DE LITERATURA 8

8 CRONOGRAMA DE ATIVIDADES 14

9 SUMÁRIO PROVISÓRIO 14

10 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO INICIAL 16


3

1 APRESENTAÇÃO

1.1 AUTOR
Nome

1.2 TÍTULO

A hermenêutica neorrealista escandinavo-estadunidense: entre a discricionariedade e a


vinculatividade no discurso dos direitos humanos

1.3 ÁREA(S) DE CONHECIMENTO


Filosofia do Direito; Hermenêutica Jurídica; Direitos Humanos

2 CONTEXTUALIZAÇÃO E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Este projeto adota como eixo temático a discussão sobre a viabilidade da adoção de
uma institucionalização ética como critério hermenêutico das decisões jurídicas sobre direitos
humanos. Discute-se o problema do pluralismo moral que permeia a sociedade
contemporânea e, ao mesmo tempo, impõe limites suprapositivos à aplicação jurídica,
gerando o problema metodológico-aplicativo da tensão vinculatividade-discricionariedade. É
justamente no contexto desse debate sobre os limites de validade do discurso de aplicação dos
direitos humanos que está situado o seguinte problema de pesquisa: é possível resolver a
aporia universalismo-particularismo do discurso dos direitos humanos e a tensão
vinculatividade-discricionariedade aplicativa do direito em uma sociedade permeada por um
pluralismo moral que dificulta a institucionalização de um padrão ético adotável como
referência limitativa de conteúdos jurídico-positivos?
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3 HIPÓTESE (NECESSÁRIA APENAS SE A PESQUISA FOR


EMPÍRICA)

Dado que a assunção dos direitos humanos como padrão de legitimidade


contemporânea do poder tem sido baseada em projetos metafísicos, etnocêntricos e que não
conseguem resolver a tensão entre discricionariedade e vinculatividade aplicativa do direito;
um modelo metodológico-aplicativo do direito que combine as matrizes
filosófico-hermenêutica (Gadamer e Esser), analítico-argumentativa (Peczenik) e diatópica
(Boaventura de Sousa Santos) em torno de uma “ética sem moral” (Adela Cortina) é capaz de
superar as aporias universalismo-pluralismo dos direitos humanos e
vinculatividade-discricionariedade.

4 JUSTIFICATIVA

A superação da moralidade convencional na sociedade contemporânea gerou uma


crise de fundamentação de pretensões éticas, agora desprovidas de um sustentáculo
metafísico. Não há um metaprincípio, uma espécie de fundamento moral último, idôneo a
possibilitar uma escolha racional entre reivindicações conflitantes, pressuposto básico da
linguisticidade nos moldes da hermenêutica filosófica, em que a linguagem é,
simultaneamente, limite e condição de possibilidade de sentido. Da mesma forma, não há um
elemento metódico-procedimental em senso constitutivo próprio para resolver o problema
hermenêutico-aplicativo do direito e, mais especificamente, do reconhecimento do discurso
dos direitos humanos.

A aporia básica do discurso dos direitos humanos identificada por Douzinas (2009),
qual seja, a tensão particularismo-universalidade, tem sido traduzida no conflito entre o
multiculturalismo e os esforços por uma universalização dos direitos humanos. De um lado,
temos a tendência a um pensamento relativista que, em nome do respeito ao pluralismo de
valores e comunidades, pode levar à admissão da institucionalização de conteúdos éticos e
conversíveis em linguagem jurídica desprovidas de limites substantivos. De outro, uma
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perspectiva universalizante que pode assumir caráter etnocêntrico, notadamente quando


gerada pelo discurso hegemônico dos direitos humanos produzido no Ocidente.
O pensamento multiculturalista é defendido por autores como Boaventura Sousa
Santos. O autor, no entanto, reconhece o risco de que o discurso multiculturalista possa servir
como fundamento para uma política reacionária. Em suas próprias palavras, “na forma como
são agora predominantemente entendidos, os direitos humanos são uma espécie de esperanto
que dificilmente poderá tornar-se na linguagem quotidiana da dignidade humana nas
diferentes regiões do globo” (SANTOS, 2005, p. 13).

Os problemas do discurso de universalismo dos direitos humanos a qual pode ser


exemplificada pela elaboração por Miguel Reale da categoria de “invariantes axiológicas”.
Ora, o autor tridimensionalista concreto, ao reconstruir historicamente o percurso de
sedimentação de valores, como os de liberdade de pensamento, desvinculação entre lei e
justiça, igualdade formal, segurança jurídica e igualdade material, estabeleceu uma
fundamentação para um suposto caráter de invariante axiológica da dignidade humana, fonte
dos valores sociais, puramente calcada em valores ocidentais. Estamos aqui diante da
vulnerabilidade do discurso dos direitos humanos ditos universais, transculturais e absolutos
às críticas de imperialismo cultural apontada por Douzinas (2009, p.30), que resume a aporia
entre relativismo e universalismo dos direitos humanos em duas perguntas:
se a crítica da razão destruiu a crença na marcha inexorável do progresso, se a crítica
da ideologia varreu para longe a maioria dos vestígios da credulidade metafísica, será que a
necessária sobrevivência da transcendência depende da inconvincente absolutização do
conceito liberal dos direitos por meio de sua imunização contra a história? […].

Será que pode haver uma ética que respeite o pluralismo de valores e comunidades?
Será que podemos descobrir na história uma concepção não absoluta do bem que possa ser
usada como um princípio quase transcendente de crítica?

A aporia ética contemporânea resolver-se-ia, segundo Engelmann (2007), não pela via
relativista, mas sim pela substituição da postura metafísica pela postura
ontológico-hermenêutica, em que os fins não são mais tidos como previamente dados, e sim
significados dentro do círculo hermenêutico. Proporcionar-se-ia, assim, a construção de uma
sociedade pluralista, em que seja efetivada a dignidade prometida pelo discurso dos direitos
humanos, solucionando-se a tensão entre tolerância e direito à diferença. À dimensão da
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institucionalização de uma ética que substitua a moral (solipsista) por uma construção
humanitária de caráter intersubjetivo, nos moldes defendidos por Adela Cortina, adere o
reconhecimento do caráter jurídico-positivo e vinculante dos conteúdos jurídicos, em respeito
à co-originalidade entre direito e moral. Nesse contexto, a proposta filosófico-hermenêutica
de Esser, ao tratar da transformação dos princípios em normas positivas, preocupa-se
simultaneamente com a eleição de valores que recuperam os motivos personalistas e
pluralistas conectados à autodeterminação individual (ZACCARIA, 2004, p. 381-2).

O respeito ao caráter irrenunciável das diferenças e irredutíveis especificidades


postulado por Esser leva-nos à necessidade de apresentação de um projeto de diálogo
intercultural, capaz de resolver a aporia entre universalismo e particularismo, desiderato que
exige a elaboração de uma proposta hermenêutico-aplicativa dos direitos humanos
simultaneamente superadora da metafísica das invariantes axiológicas de Reale e da
celebração de um relativismo cultural irresponsável.

5 OBJETIVOS

5.1 OBJETIVO GERAL

Apresentar um modelo hermenêutico-aplicativo dos direitos humanos fundado em uma


simultaneamente superadora da metafísica das invariantes axiológicas de Reale e da
celebração de um relativismo cultural irresponsável, e concretizadora de uma “ética sem
moral” superadora do solipsismo moral em nome de uma institucionalização intersubjetiva de
um direito conteudisticamente legítimo; de forma a equilibrar a tensão hermenêutica entre
vinculatividade e discricionariedade.

5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

● Traçar um paralelo entre, de um lado, o diálogo Reale-Lafer sobre a relação


entre justiça, direito positivo, vinculatividade e discricionariedade no tridimensionalismo
concreto.
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● Demonstrar a complementaridade entre a matriz hermenêutico-gadameriana de


Josef Esser, autor influenciado pelo realismo norte-americano, e a teoria da argumentação
neorrealista de Aleksander Peczenik, tendo como referência a distinção entre contexto de
descoberta e contexto de justificação da decisão judicial.
● Estabelecer uma intertextualidade entre o modelo proposto Esser-Peczenik e a
visão de Douzinas sobre a tensão entre universalismo e particularismo do discurso dos
direitos humanos, de forma a superar o etnocentrismo ocidentalista do pensamento de Reale.
● Qualificar o modelo Esser-Peczenik pela proposta de hermenêutica diatópica
apresentada por Boaventura Santos, transmudando-o em modelo Esser-Peczenik-Boaventura.
● Sofisticar o modelo Esser-Peczenik-Boaventura pela via da compatibilização
entre os conceitos de autonomia e solidariedade social, densificados pela via de um ethos
democrático em que a virtude seja entendida como predisposição para atuar de acordo com o
resultado dos processos dialógicos, de forma a transmudar o modelo proposto em
Esser-Peczenik-Boaventura-Cortina.
● Realizar um teste de aplicabilidade do modelo ora proposto a três situações
relacionadas ao instituto da defesa cultural no contexto da comunidade jurídica
norte-americana, dada a vinculação do tema com a tensão entre universalismo e
multiculturalismo.

6 METODOLOGIA

A exposição da postura metodológica referente a este trabalho pressupõe o


estabelecimento dos pressupostos filosófico-epistemológicos da hermenêutica filosófica
gadameriana e de sua maior influência, qual seja, a ontologia fenomenológica heideggeriana.

Ricoeur (1978, pp. 217 e ss.) trabalha a contraposição entre o cogito cartesiano e a
ontologia heideggeriana, indicando que a dicotomia sujeito-objeto assumida por Descartes
oculta a verdade, impedindo um desvelamento ontológico intersubjetivo pela via da tentativa
de atribuir à esfera apofântica, artificial, uma dimensão constitutiva que não tem, interpondo
na esfera lingüística uma ficção de objeto formal que, supostamente, permitiria uma
controlabilidade metodológica, a qual é pura ilusão ontológica.
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A finitude, como compreendida por Heidegger (2002), indica que a transcendência


humana encontra na linguagem, simultaneamente, sua condição de possibilidade e seus
limites, sendo impossível inserir novidade ou retirar-se do ambiente lingüístico, o que
inviabiliza a construção de sentidos a partir de um grau zero. E é na experiência de
ser-no-mundo que a linguagem conforma a pré-compreensão condicionante da atribuição de
sentidos pelo ente privilegiado que é o dasein. Diante disso, e decidido que realizaremos uma
pesquisa exploratória, utilizaremos a técnica de pesquisas bibliográfica, legislativa e
jurisprudencial, de forma a respeitar a impossibilidade de cisão entre teoria e prática.
Bibliográfica, pela necessidade de delineamento do estado da arte sobre a matéria a ser
discutida; legislativa, como fundamento jurídico para uma análise relativa à concretização
dos direitos humanos em esfera nacional e estrangeira; e jurisprudencial, com o fim de
possibilitar a problematização das tensões vinculatividade-discricionariedade e
univeralismo-pluralismo na prática judiciária em matéria de direitos humanos, em
consonância com os pressupostos da applicatio (Gadamer) e a relevância da historicidade –
compreendida como historicidade institucional, nos moldes do romance em cadeia de
Dworkin (1998).

O reconhecimento do nível epistemológico não mais como constitutivo do sentido, mas


sim como explicitativo do desvelar compreensivo (hermenêutico-circular), permite-nos
diferenciar direito e moral sem propriamente ignorar sua co-originalidade hermenêutica,
reconhecida por Habermas (2003). Reconhecer a diferença ôntico-ontológica e a inerente
dobra da linguagem (nível hermenêutico/nivel apofântico) não é postura que se contradiga
com a seguinte afirmação de Streck: "[...] não é proibido fazer epistemologia na
hermenêutica. [...]. Esse 'vetor de racionalidade de segundo nível' é perfeitamente compatível
com a hermenêutica, desde que não se situe como elemento 'construtor' do próprio
conhecimento (mundo compartilhado na pré-compreensão"). (2010, p.14) É justamente em
respeito à tradição lingüisticamente partilhada qualificada apofanticamente como jurídica que
a tese resultante será mera explicitação de um sentido reflexivamente desvelado.

7 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA/REVISÃO DE LITERATURA


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O quadro de virtudes aristotélicos não existe mais, devido à complexidade da sociedade


contemporânea, dita por muitos como pós-moderna, na qual sobram meios e faltam fins, ou
seja, indicações sobre o que fazer. Edmundson (2006, p. 7 e ss.) qualifica a retórica do
segundo período de expansão dos direitos humanos como caracterizada pelo ceticismo e pelo
niilismo moral, totalmente contrários à crença dominante na “era da razão” que inspirou a
Revolução Francesa a buscar direitos naturais universais. Douzinas (2009, p.261) não vê
limites ontológicos à recognoscibilidade de direitos, os quais podem ser estendidos ou
retirados de quaisquer áreas ou pessoas, de forma a restarem apenas limites convencionais,
quais sejam, os resultados de lutas políticas e os efeitos da lógica das leis. Os direitos
permitem a formalização de identidades ao permitir um reconhecimento recíproco, processo
em que o sujeito jurídico funciona como ponto intermediário entre conceitos abstratos e
indeterminados de humanidade e pessoas concretas, reais. Por isso mesmo, a falta de um
metaprincípio que sirva como fundamento moral último levou Kaufmann (p. 431-3) a adotar o
homem como valor hermenêutico chave do discurso dos direitos humanos, assumindo a noção
do círculo hermenêutico da compreensão inerente ao dasein e vendo o homem como objeto a
que se refere o discurso sobre a justiça.

Engelmann (2007, p. 244-5) entende que a relação sujeito-sujeito descrita por


Kaufmann pressupõe um acordo mútuo acerca de algo, em que se deposita confiança no outro
quanto à verdade ou à correta decisão normativa de questões práticas, atribuindo-lhe validade.
A noção de vigência como positividade, entendida como a exigência de que a decisão seja
objetivamente justa em senso geral e consonante com o ordenamento jurídico, gera, por meio
da fusão de horizontes dada no círculo hermenêutico (Gadamer), um horizonte intersubjetivo
de expectativas em torno do qual se aplica o Direito. A preocupação com esse horizonte
intersubjetivo de expectativas é central no pensamento de Esser, para quem o juiz não deve
confrontá-lo a posteriori, mas sim no curso de desvelamento da decisão razoável e satisfatória
de um consenso social (ENGELMANN, 2007, p. 244-5).

Esser (1981), ligado à tradição do realismo jurídico norte-americano, reintegra no


direito o elemento da tradição moral e jurídica, mas, para tanto, funda-se na hermenêutica
gadameriana e entende que a pré-compreensão possibilita ao juiz, quando entra em contato
com o caso, realiza uma conjectura de sentido face ao seu entendimento da norma e da
solução a encontrar, como a construção de uma convicção de justeza, processo que se dá
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preliminarmente a qualquer contato com a lei ou com considerações dogmáticas. O autor,


seguindo Gadamer também quanto à questão do método, considera este como destituído de
papel constitutivo no resultado interpretativo, não o compreendendo como uma dimensão
a-histórica e universal válida em qualquer contexto textual-normativo e em qualquer
circunstância fática. Seu modelo casuísta é hermenêutico-filosoficamente fundado na
irrepetibilidade das situações e na impossibilidade de encontrar um metamétodo que elucide
qual dos métodos é mais adequado diante de um problema jurídico (LARENZ, 1997, p. 288)
Zaccaria (2004, p. 379-86) explica que a tendência realista norte-americana de Esser
não implica uma indiferença em relação à noção de justiça. Ora, Esser atribui à jurisprudência
uma função de mediação entre o direito e a vida, vendo o juiz como o intérprete das tensões
renovadoras surgidas na sociedade e ligadas ao desenvolvimento da pessoa humana, sendo a
sua função a de proferir um rectus ordo, de forma a concretizar a justiça pela via
principiológica, em uma tarefa de racionalização e objetivação de interesses subjetivos e
sociais. Nesse ponto, surge a pergunta decisiva de Larenz: “Mas como é que o juiz reconhece,
independentemente da lei, aquilo que é, no concreto, principiologicamente justo?” A proposta
de Esser não é subjetivista, já que o substrato de conteúdo é colhido na intersubjetividade
consensual da tradição, legitimando a transformação dos princípios pré-positivos, meros
pontos de partida, em proposições e instituições jurídicas positivas qualificáveis como
injunções vinculativas para uma situação concreta, em consonância com a noção gadameriana
de applicatio. Mas como compatibilizar a falta de um metódo em sentido constitutivo e a
busca pelo proferimento de decisões ético-jurídicas não-discricionárias?

Esser distingue entre o achamento da decisão, com o que se chegaria a uma decisão
materialmente adequada do caso concreto fundada naquilo que se considera antecipadamente
como justo, e a fundamentação da decisão, realizada ulteriormente pela via da escolha e
utilização do método adequado a demonstrar a compatibilidade da decisão encontrada por
outras vias com o Direito legislado e com a dogmática, nos moldes da instrumentalização dos
métodos suscitado pela Doutrina do Direito Livre (LARENZ, 1997, p. 195). Estes lhe servem
unicamente, pois, como um ulterior controle de concordância, pois força o juiz a abandonar
uma solução que a princípio anteviu sempre que esta se não revele como susceptível de
fundamentação. De tal forma, embora se funde em Gadamer para elaborar um modelo
descritivo do contexto de descoberta, não nega a relevância, do momento artificial da
justificação, tanto interna quanto externa, da decisão, o qual se dá pela via de uma
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epistemologia em moldes não-constitutivos, na dimensão apofântica da linguagem. É


justamente aqui que o posicionamento de Esser reflete uma tentativa de reformular o
pensamento realista norte-americano, albergando o elemento da discricionariedade,
representado pelo achamento da decisão e central no desenvolvimento daquela escola, porém
neutralizando-o epistemológico-reflexiva-artificialmente pelo elemento de vinculatividade,
representado pela fundamentação da decisão e já assumido, ainda que em outros moldes, pela
perspectiva escandinava.

O acordo mútuo entre intérprete, texto e situação concreta pressupõe uma dimensão
justificante da aplicação do direito, entendido este como discurso prático. Peczenik, autor que
revela em sua teoria da argumentação pontos em comum com o Realismo Escandinavo –
sendo, por tal motivo, chamado por Aulis Aarnio, na introdução que escreveu para o livro
“On Law and Reason”, - de Peczenik (2009), vê o horizonte intersubjetivo de expectativas
como “ideologia jurídica”. A justificação profunda de uma decisão judicial requer uma
satisfação não apenas aos requisitos materiais e procedimentais de racionalidade, mas também
uma conformidade com os pontos de partida de certa comunidade jurídica, o que está
condicionado pela forma de vida dos integrantes dessa comunidade. Essa ideologia jurídica
não é um sistema coerente, mas sim uma coleção de convicções normativas e cognoscitivas
que objetivamos organizar coerentemente (FETERIS, 2007, p. 233-5). A aceitação do
conceito teórico de ideologia jurídica é uma condição do controle de concordância que a
dogmática jurídica exerce, segundo Esser, no que se refere à exigência do respeito ao
horizonte intersubjetivo de expectativas. Essa dogmática, na terminologia de Peczenik, é um
elemento integrante do grupo das fontes que se podem utilizar, servindo como mecanismo de
transformação das fontes legislativa e jurisprudencial dentro da lei. Nos casos difíceis dá-se
um salto dos fatos à decisão, o qual é perpetrado pela via da transformação das fontes, que
pode ser modificadora da norma legal (quando o juiz interpreta a norma legal) ou adicionante
de uma premissa (quando o juiz cria uma nova norma), de forma a fazer explícita a relação
entre a conclusão e a premissa, ponto em que entra em questão, mais uma vez, o tema da
discricionariedade (FETERIS, 2007, p. 235-7). As transformações dentro da lei, entendidas
como tomada de decisão a respeito do caráter normativos de certas fontes do direito,
pressupõem o que Peczenik chamou de transformação da lei, ou seja, a consideração de um
conjunto de fatos sociais e valores como um sistema jurídico dotado de vinculatividade. O
autor identifica requisitos avaliativos e/ou normativos a serem satisfeitos pela regra de
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transformação da lei (grundnorm). Esses requisitos referem-se a condições morais mínimas


impostas à consideração do sistema normativo como jurídico, ponto em que ecoa a noção de
“invariantes axiológicas” de Reale, para quem os valores são passíveis de ordenação
hierárquica, a qual tem como um dos seus critérios a herança histórica, sendo assumíveis
como conquistas valorativas, dotadas de permanência, atuando universalmente “como se”
fossem inatos (REALE, 2008, p. 513). Esse posicionamento de Reale está sujeito à
vulnerabilidade do discurso dos direitos humanos ditos universais, transculturais e absolutos
às críticas de imperialismo cultural realizada pelos teóricos multiculturalistas.

Devemos observar em Reale o vislumbre do que ele chamou de duas faces da


deontologia, noção sintetizada no seguinte par de afirmações feitas pelo autor: "O Direito
Positivo pressupõe a Justiça como condição de sua legitimidade; A justiça põe o Direito
Positivo como condição de sua realizabilidade" (1998, p. 38-9). Reale (1963, p. 285 e ss.)
indica o valor da pessoa humana como invariante axiológica, fonte de todos os valores
sociais, donde a sua caracterização dos direitos humanos como horizonte da legitimidade do
poder no mundo contemporâneo¸ quadro que se teria estabelecido com a sedimentação
cumulativa dos seguintes patamares axiológicos da legitimidade do poder. Em sua dialética de
implicação e polaridade, Reale, como explica Lafer (1992, p, 240), delineia a justiça, validatio
cognitionis de uma ordem jurídico-positiva, no horizonte de outras "invariantes axiológicas"
reveladas no processo histórico-político, como conjetura plausível de mediação entre a
pragma consubstanciada na realizabilidade dos valores (elemento empírico, cognoscível) e o
logos consubstanciado na inexauribilidade do dever-ser como significado profético (elemento
evolutivo, pensável).

A filosofia de Miguel Reale ainda é caracterizada por resquícios metafísicos e pela


construção de um discurso de direitos humanos fundada em uma visão etnocêntrica
ocidentalizada. Não é, pois, idônea a resolver a tensão entre vinculatividade e
discricionariedade aplicativa do direito, nem satisfaz a demanda por uma ética pluralista capaz
de permitir uma construção coletiva fundada nos ideais de autonomia e solidariedade social,
ou seja, concretizar uma “Ética sem Moral”, nos termos de Adela Cortina (2005). Por outro
lado, o autor aponta para o lado certo ao entrelaçar a justiça, entendida como ética
institucionalizada, e o direito positivo, percebendo que os limites do direito são encontrados
em uma esfera de valores compartilhados, ao mesmo tempo em que estes valores dependem
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da operacionalidade do direito para fins de concretização. O problema, pois, restringe-se ao


solipsismo ainda residual em sua filosofia, o que permite uma releitura das preocupações de
Reale à luz do pensamento de Douzinas, em cuja linguagem as “invariantes axiológicas”
podem ser traduzidas como um capital simbólico congregado na noção de direitos humanos, o
qual é largamente postulado – retoricamente –, dada a força do apelo contemporâneo à noção
de dignidade humana.
É o valor humano o que restringe os excessos da retórica, impedindo transformações
dentro da lei de caráter convencionalista, de forma a agregar a complementaridade entre
hermenêutica e analítica. Nesse sentido, se o homem, por um lado, é uma Constituição
não-escrita que carrega sentidos não mais aceitos, o homem não pode ser um princípio
hermenêutico jurídico-moral último, dado que o discurso e a prática dos direitos humanos têm
como um de seus objetivos fixar o sentido desse significante vazio, numa formulação que
ecoa o círculo hermenêutico heideggeriano entre pré-compreensão e compreensão
(DOUZINAS, 2009, p. 374). O vôo de sentido é detido até uma nova e concreta
reivindicação, a ser justificada em termos de uma transformação dentro da lei idônea a
concretizar a exigência de controle de concordância com o horizonte intersubjetivo de
expectativas (DOUZINAS, 2009, p. 265-6).

Essa ordem de raciocínio prático tem sua justificabilidade na dimensão


apofântico-reflexiva do logos, em que se dá a argumentação jurídica. Douzinas vê a razão
prática como uma parte limitada da faculdade do julgamento, dada a dimensão irracional
atributiva de sentido inexorável à atividade hermenêutica. É justamente pela necessidade de
controlar essa antecipação de sentido que Esser se preocupou em distinguir o achamento e a
fundamentação da decisão. A discricionariedade no julgamento, nos moldes de Peczenik,
pode ser evitada ao obedecer-se à exigência de que a transformação deve ser explicitada
argumentativamente, isso sim a posteriori, em nível epistemológico, no qual o jurista deve
explicar analiticamente como se deu aquilo que Gadamer (1999) chamou de mediação entre
logos (interpretação, reflexão, prudência, entrada correta no círculo) e ethos (compreensão
inexoravelmente aplicativa), de forma a comprovar a integração entre horizontes
intersubjetivos de expectativas e acordo mútuo.

Zaccaria (2004, p. 92-3) demonstra que o elemento de coerência na obra de Peczenik


adquire significado tanto no campo intra como no campo extrajurídico pela via da
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hermenêutica filosófica, ponto em que podemos identificar a compatibilidade entre a sua tese
e a de Esser. Ora, de um lado, o círculo hermenêutico revela o nexo indissolúvel entre a
compreensão da norma individual e a compreensão do sistema normativo como um todo. De
outro lado, estendendo a noção de interpretação à práxis corrente de um contexto
histórico-lingüístico dado, se reconhece a natureza holística e global, não fracionável, do
sentido que se há de desvelar.
Douzinas (2009, p. 374) explica que as alegações de direitos humanos traduzem uma
denúncia de injustiça, entendida como o esquecimento de que a natureza humana (o universal)
está constituída na e por meio da sua transcendência pelo mais particular, em sua
singularidade não-repetida. Ora, os direitos humanos não têm um tempo, espaço ou ideologia
próprios. Apresentam, isso sim, uma passividade em relação à demanda do Outro e uma
lógica de continuidade expansiva movida retoricamente.

O respeito ao caráter irrenunciável das diferenças e irredutíveis especificidades


postulado por Esser, conforme já demonstrado pelas ideias de Douzinas, implica a exigência
de apresentação de um projeto de diálogo intercultural, capaz de resolver a aporia entre
universalismo e particularismo, ponto em que se faz pertinente evocar o pensamento de
Boaventura Santos (2005). Segundo o autor, topoi fortes são muito vulneráveis quando
aplicados no contexto de um universo cultural que não seja aquele em que foi gerado, de
forma a acabarem sendo desconsiderados ou, na melhor hipótese, despromovidos de
premissas de argumentação a meros argumentos. Por outro lado, cada cultura tende a encarar
seus topoi de forma totalizante, o que impede a percepção de que, por mais fortes que sejam
as premissas, serão sempre tão incompletas quanto a cultura respectiva. É justamente na
ampliação máxima da consciência de incompletude mútua, pelo estimulo do diálogo
intercultural, que consiste o caráter diatópico (diálogo entre topoi) da proposta do autor (2005,
p. 8).

Santos (2005, p.12) aponta como imperativo cultural a todos os grupos empenhados a
assunção, dentre as diferentes versões de uma dada cultura, daquela que representa o círculo
mais amplo de reciprocidade dentro dessa cultura, a versão que vai mais longe no
reconhecimento do outro. Seu pensamento representa a dimensão de abertura dialógica do
multiculturalismo à busca por um ethos universalizável fundado nos pressupostos de
reconhecimento, autonomia pessoal e solidariedade social pela via dos quais Adela Cortina
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(2005) busca resgatar o ideal de existência. A adoção de tal união como compatibilização
entre universalismo e particularismo resolve a aporia da institucionalização de uma ética
intercultural, de forma a superar a moral, entendida esta em sentido solipsista. Por outro lado,
como advertiu o próprio Reale, o conteúdo ético precisa ser operacionalizado por um direito
positivo que o reconheça como condição de legitimidade e vinculatividade, o que pressupõe a
adoção de um modelo hermenêutico-aplicativa dos direitos, e, no particular, dos direitos
humanos, capaz de atribuir realizabilidade de tal ética sem a transgressão discricionária de
seus limites. Tal desiderato, nos moldes de Zaccaria, possivelmente seria alcançável pela via
da complementaridade entre a hermenêutica de Esser, herdeiro do realismo estadunidense, e a
analítica argumentativa de Peczenik, herdeiro do realismo escandinavo, de forma a equilibrar
a tensão hermenêutica entre vinculatividade e discricionariedade.

8 CRONOGRAMA DE ATIVIDADES
ETAPAS PERÍODO
LEVANTAMENTO BIBLIOGRAFICO 15/0/12 A 31/05/12

LEITURAS E FICHAMENTOS 01/06/12 A 30/09/12

LEVANTAMENTO JURISPRUDENCIAL 01/10/12 A 30/11/12

REDAÇÃO PROVISÓRIA 01/12/12 A 31/07/13

REVISÃO 01/08/13 A 30/09/13

DEPÓSITO 01/10/13

DEFESA 01/12/13

9 SUMÁRIO PROVISÓRIO

1 INTRODUÇÃO
2 A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO-PRÁTICO
NORTE-AMERICANO: HOLMES, JURISPRUDÊNCIA SOCIOLÓGICA E
REALISMO ESTADUNIDENSE

3 O REALISMO ESCANDINAVO
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4 O TRIDIMENSIONALISMO DE MIGUEL REALE, AS INVARIANTES


AXIOLÓGICAS E A CONJETURA

1.1 Modelos jurídicos, modelos dogmáticos e legitimidade material

1.2 Hermenêutica tridimensionalista concreta

4.3 Realizabilidade, inexauribilidade, preferibilidade, invariantes axiológicas e as duas


faces da deontologia

5 O MODELO HERMENÊUTICO DE ESSER E SUA COMPLEMENTAÇÃO


APOFÂNTICA PELA TEORIA DIALÓGICA DA ARGUMENTAÇÃO DE
PECZENIK: UMA SUPERAÇÃO À METAFÍSICA DAS INVARIANTES
AXIOLÓGICAS E À DICOTOMIA SUJEITO-OBJETO.

5.1 Diálogo entre Esser o realismo norte-americano

5.2 O pensamento neorrealista escandinavo de Peczenik

5.3 A complementação entre Esser e Peczenik e o discurso dos direitos humanos

5.3.1 O discurso de Douzinas sobre os direitos humanos no contexto da


complementação Esser-Peczenik

5.3.1 Hermenêutica diatópica, transformação das fontes, fundamentação


hermenêutico-decisória e defesa cultural em matéria penal

6 CONCLUSÃO

10 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO INICIAL

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17

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