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10/04/2023
EUROPA / ANÁLISE
HISTÓRIA / LIVROS / SOCIOLOGIA
O nazismo de Heidegger é
indissociável de sua filosofia
POR GUSTAV JÖNSSON
TRADUÇÃO
LAIRA VIEIRA
Pouco após os nazistas tomarem o poder, ele fez manobras para se tornar
reitor da Universidade de Freiburg. Ele cuidadosamente encenou seu discurso
de posse. Rodeado por membros das forças policiais nazistas, ele delineou sua
visão da vida universitária nazificada; então toda a sala cantou Horst-Wessel-
Lied, o hino do nacional-socialismo.
Mais tarde, Heidegger afirmou que só havia sido leal ao nazismo por alguns
meses, tendo tropeçado inocentemente no “erro”, antes de se tornar um
crítico do regime. Seus seguidores repetiram acriticamente essa linha, mesmo
diante de evidências crescentes, mas o registro histórico não pode ser
descartado.
Entre 1929 e 1930, Heidegger assumiu o que descreveu como uma Kehre
(virada) filosófica, mudando o foco para um exame do Dasein, uma palavra
confortavelmente traduzida como “existência”, mas que Heidegger usa para
denotar o modo de experimentar a realidade disponível para os seres humanos
que assume uma familiaridade e preocupação com o mundo social.
Por meio dessa noção, Payen argumenta, Heidegger trata uma perspectiva
volkish como o modo natural de se relacionar com o mundo. Payen, portanto,
escreveu que Being and Time, publicado em 1927, “acabou sendo um trabalho
sofisticado de Blut und Boden [sangue e solo]”.
Nos Cadernos, ele elogiou o nazismo como um “princípio bárbaro”. “Aí reside
sua essência e sua capacidade de grandeza” — ele se preocupava apenas com a
possibilidade de “se tornar inócuo por meio de sermões sobre o Verdadeiro, o
Bom e o Belo” – conceitos metafísicos que Heidegger visou derrubar em favor
de sua noção mais fundamentada de ser.
Assim, ele acreditava no poder redentor da violência nazista: ela servia como
uma força contrária ao “niilismo” iluminista. O movimento nazista poderia
assim pôr fim a séculos de Seinsvergessenheit (esquecimento do Ser).
Ninguém pode agora afirmar que Heidegger não era entusiasticamente pró-
Hitler; para obter uma medida das controvérsias restantes, veja onde Wolin e
Payen discordam. Wolin acredita que Heidegger endossou a solução final em
1933; Payen está cético.
Quando ele criticou o “biologismo” redutivo, ele não estava dizendo que não
havia raças biológicas; em vez disso, ele estava dizendo que havia mais raça do
que biologia. Ele simplesmente se opôs a uma teoria racial nazista em favor de
sua própria teoria racial nazista.
Pode-se aprender muito com os hábitos de leitura: pela manhã, antes mesmo
de Hitler se tornar chanceler, Heidegger lia o nazista Völkischer Beobachter ou
o ultrarreacionário Die Tat; à noite, ele se enrolava na cama com algum
panfleto fascista.
O que levou Heidegger a ficar do lado dos nazistas? Payen coloca muita ênfase
na fanática esposa de Heidegger, Elfride, mas também cita sua experiência na
Primeira Guerra Mundial, que o converteu ao culto da violência heróica. No
final da guerra, ele se convenceu de que a Alemanha precisava de uma
revolução da direita que inaugurasse um espírito nacional.
Hannah Arendt acabou concluindo que ele havia afundado na superstição, mas
ela também sentiu o canto da sereia: ele os ensinou, disse ela, a “pensar
apaixonadamente”.
Heidegger achava que tinha a missão de reconectar o espírito alemão com a
pura barbárie. Ele permaneceu impenitente; no final, sua crítica ao regime
nazista era simplesmente que havia falhado com o movimento nazista — não
havia inaugurado um “novo começo”.
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