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SOBRE A COLONIALIDADE DO SER: CONTRIBUIÇÕES PARA A


DESENVOLVIMENTO DE UM CONCEITO1

Nelson Maldonado-Torres

O conceito de colonialidade do ser surgiu nas discussões de um grupo


diversificado de intelectuais que trabalham com questões relacionadas à
colonialidade e decolonialidade do poder2 Em particular, devemos o conceito a
Walter Mignolo, que refletiu sobre ele por mais de uma década.3 Eu não t lembro
exatamente quando ouvi ou li sobre o termo pela primeira vez acho que foi no
ano 2000, em uma palestra proferida por Mignolo no Boston CollegeT, mas
posso dizer que desde que ouvi me chamou a atenção de uma forma particular.4
A razão é que, quando conheci o conceito, já havia passado algum tempo
estudando a ontologia de Martin Heidegger, e de alguns dos críticos que abordam
sua obra a partir de questões relacionadas aos problemas do racismo e da
experiência colonial. . Heidegger, considerado por muitos como um dos dois
mais originais ÿ filósofos europeus do século XX (sendo o outro Ludwig
Wittgenstein), deixou uma marca signiÿ cativa na filosofia ÿ europeia, ao

1 Seções deste ensaio foram apresentadas em palestras no Center for Globalization Studies in the
Humanities, no John Hope Franklin Center, Duke University, em 5 de novembro de 2003, e na
conferência sobre dCritical Theory and Decolonization, na Duke University e na University of
North Carolina, Chapel Hill, em 30 de maio de 2004.
Agradeço à Fundação Ford, ao diretor do Center for Globalization Studies, Walter Mignolo, e ao
co-organizador da conferência Duke and Chapel Hill, Arturo Escobar, por tornar esses eventos
possíveis e/ou facilitar minha participação neles. .
2 Estes incluem Fernando Coronil, Santiago Castro-Gómez, Oscar Guardiola, Edgardo Lander, Walter
Mignolo, Aníbal Quijano, Freya Schiwy, Catherine Walsh, entre outros.
3 Ver Walter Mignolo (1995, pp. 9-32). Para uma discussão mais recente, ver Walter Mignolo (2003a,
pp. 631-671). O conceito também aparece em um ensaio recente da romancista, teórica literária
e filósofa afro-caribenha Sylvia Wynter (2003, pp. 257-337).
4 Mignolo pode ter apresentado a ideia em diferentes lugares no ano de 2000. Foi o caso da
apresentação Thinking Possible Futures: The Network Society and the Coloniality of Being,
realizada na University of British Columbia em 30 de março de 2000. Infelizmente falta o texto
desta apresentação.

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continuar o ataque frontal de Nietzsche à ÿ filosofia moderna centrada na


epistemologia, com a elaboração do que ele chamou de ontologia fundamental.
A formulação heideggeriana de um novo começo para a ÿ filosofia consistiu em
uma rearticulação da questão sobre o ser, que inÿ influenciou muitos outros
intelectuais posteriores, como o franco-argelino Jacques Derrida, entre outros.

Tive a sorte de ser apresentado ao pensamento de Heidegger pela professora


Joan Stambaugh, que trabalhou com Heidegger por algum tempo na Alemanha.
Ela é a tradutora de várias obras de Heidegger para o inglês, incluindo sua obra
magna, Ser e Tempo. 5
Depois de estudar Heidegger
com ela, comecei a ler atentamente autores da tradição fenomenológica,
particularmente Jean-Paul Sartre, Edmund Husserl e Jacques Derrida. Aos poucos
fui percebendo os variados sotaques, as abordagens originais e as diferentes
questões que estavam no centro desses e de outros ÿ filósofos que conversavam
com a fenomenologia.
Mas foi só lendo a obra do pensador lituano-judeu Emmanuel Levinas que acordei
de meu sono ontológico. A obra de Levinas não foi apenas uma variação da ÿ
filosofia européia ou um tema fenomenológico. Nele encontrei uma subversão
radical da filosofia ÿ ocidental. Levinas reflete de fontes judaicas, e não apenas
gregas. Conceitos e ideias do judaísmo complementam e às vezes até substituem
as ideias gregas e cristãs em sua estrutura filosófica. Essa subversão permitiu a
Levinas apresentar uma ideia muito particular da ÿ filosofia e da vocação do ser
humano: o início do ÿ filosofar não consiste no encontro entre sujeito e objeto,
mas na ética, entendida como a relação fundamental entre um eu e outros. A obra
de Levinas me surpreendeu e me fascinou. Tendo sido exposto às obras seminais
dos chamados mestres da suspeita no Ocidente, a saber, Marx, Nietzsche e
Freud, meu horizonte de possibilidades não continha a ideia de tal ruptura. O
pensamento de Levinas deslocou os eixos do pensamento crítico, introduzindo
coordenadas de pensamento que não poderiam ser explicadas apenas como
variações criativas ou inovações dentro da episteme europeia moderna, seja em
termos de trabalho, vontade de poder ou inconsciente. Eu queria saber mais sobre
a obra de Levinas, mas meu interesse principal não era tanto me tornar um
especialista em seu pensamento, mas sim aprender sua abordagem e método, ou
forma de interpretar. Ele tinha certeza de que o caminho de reflexão que Levinas
abriu para si mesmo era tão rico e produtivo quanto o pensamento ao qual ele se
opunha. Foi também, ao que tudo indica, uma proposta de trabalho que merecia
ser continuada e aprofundada, bem como colocada em diálogo com a obra de
pensadores igualmente heréticos da tradição ocidental ÿ filosófica ÿ c.6

5 Ver Martin Heidegger (1996).


6
O conceito de heresia que me parece mais adequado neste contexto é exposto em Anthony
Bogues (2003).

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Além dos fundamentos da heresia levinasiana, havia outros elementos em


sua obra que ressoavam com meus interesses. Levinas foi um sobrevivente do
Holocausto judeu, evento que marcou toda a sua obra.
Heidegger, ao contrário de Levinas, apoiava o regime nazista, e via na ÿ figura do
Führer um líder que conduziria o povo (Völk) à autenticidade nacional . ÿ firme, e
embora sua aliança não se estendesse aos anos do holocausto judaico, ele nunca
se desculpou com o povo judeu pelo apoio a alguém que havia demonstrado forte
anti-semitismo desde o início de sua liderança.8 Levinas, que havia sido encantado
com o pensamento de Heidegger enquanto estudava em Freiburg na segunda
década do século 20, ele mais tarde se tornou o mais feroz oponente do
heideggerianismo. Para ele, a aliança de Heidegger com o regime nazista não
era apenas uma questão de preferência pessoal, mas de alguma forma também
envolvia seu projeto ÿ filosófico ÿ c. A ontologia de Heidegger apareceu para
Levinas como uma ÿ filosofia do poder.9 A proposta da ontologia como ÿ filosofia
primeira é, para Levinas, cúmplice da violência.

Isso representou um desafio que o próprio Levinas tentou superar ao elaborar


uma ÿ filosofia que não fosse cúmplice ou cega para a desumanização e o
sofrimento. Essa é outra razão pela qual a ética e a relação face a face ocupam
um lugar central no pensamento de Levinas.
Mal sabia eu na época que um encontro semelhante com Levinas desempenhou
um papel importante no surgimento da ÿ filosofia da libertação latino-americana,
conforme exposta na obra de Enrique Dussel e Juan Carlos Scannone, entre
outros jovens argentinos, no final do Década de 1960. Levinas também despertou
Dussel de seu sono ontológico e o inspirou a articular uma filosofia crítica ÿ do
Ser e da totalidade, que não apenas considerava a experiência do anti-semitismo
e do Holocausto judaico, mas também a dos povos colonizados em outras partes
do mundo, principalmente na América Latina. Se Levinas estabeleceu a relação
entre ontologia e poder, Dussel, por sua vez, notou a ligação entre o Ser e a
história das companhias coloniais, aproximando-se assim muito da ideia de
colonialidade do ser. Foi, porém, outro argentino, Walter Mignolo, quem formularia
o conceito mais de duas décadas depois. O conceito de colonialidade do ser
nasceu em conversas sobre as implicações da colonialidade do poder, em
diferentes âmbitos da sociedade.10 A ideia era que se para além da colonialidade
do poder havia também a colonialidade do conhecimento, então, muito bem
poderia ter

7 Para uma discussão sobre a relação de Heidegger com o nazismo, incluindo fontes primárias, ver
Richard Wolin (ed.) (1991).
8 Levinas julga negativamente Heidegger por não ter se desculpado com o povo judeu por sua
cumplicidade com o nazismo. Ver Emmanuel Levinas (1989, pp. 485-488).
9 Ver Emmanuel Levinas (1969).
10 Sobre a colonialidade do poder, ver Aníbal Quijano (2000a, pp. 342-386; 1991, pp. 11-
vinte; 2000b, pág. 533-580; e 1992).

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uma colonialidade específica do ser.11 E, se a colonialidade do poder se refere à inter-relação


entre as formas modernas de exploração e dominação, e a colonialidade do conhecimento tem
a ver com o papel da epistemologia e das tarefas gerais da produção de conhecimento na
reprodução dos regimes coloniais de pensamento, a colonialidade do ser refere-se, então, à
experiência vivida da colonização e seu impacto na linguagem. Mignolo deixa claro em suas
reflexões sobre o assunto:

A ciência (conhecimento e sabedoria) não pode ser separada da linguagem; as línguas não
são apenas fenômenos culturaisp nos quais as pessoas encontram sua identidadep; estes
são também o lugar onde se inscreve o conhecimento. E se as línguas não são coisas que
os seres humanos têm, mas algo que eles são, então a colonialidade do poder e do saber
engendra a colonialidade do ser. (2003a, pág. 669)

A emergência do conceito de colonialidade do ser responde, então, à necessidade de


esclarecer a questão sobre os efeitos da colonialidade na experiência vivida, e não apenas na
mente dos sujeitos subalternos. Daí que a ideia ressoasse tão fortemente em mim, que
trabalhava com fenomenologia e ÿ filosofia existencial, assim como criticava tais abordagens a
partir da perspectiva da subalteridade racial e colonial. Quando se reflete sobre o termo
colonialidade do ser no contexto do debate de Lévinas e Dussel com Heidegger, ele fornece
uma pista importante para esclarecer os laços específicos entre o que Heidegger chamou de
Ser e o projeto colonial.

Resta mencionar outra figura ÿ importante que eu estava estudando quando fui exposto às
discussões sobre a colonialidade do ser: Frantz Fanon.12 A crítica de Fanon à ontologia
hegeliana em Black Skin, White Masks não apenas fornece a base para uma concepção
alternativa da relação senhor-escravo, tal como descrita por Hegel, mas também contribui para
uma avaliação mais geral da ontologia, à luz da colonialidade e da luta pela descolonização. Se
Dussel esclarece a dimensão histórica da colonialidade do ser, Fanon articula as expressões
existenciais da colonialidade, em relação à experiência racial e, em parte também, à experiência
da diferença de gênero. E, enquanto o ponto de partida, para Levinas, é o momento anárquico
na constituição da subjetividade em seu encontro com o Outro, Fanon concentra sua atenção
no trauma do encontro do sujeito racializado com o outro imperial: d! black!e (Fanon, 1973, p.
90). É a partir desse ponto que Fanon começa a elaborar o que poderia ser considerado como
o aparato existencial do dsujeito produzido pela colonialidade do ser. Um esforço consistente
nessa direção levaria a uma exploração da linguagem, da história e da existência. A colonialidade
do ser introduz o desafio de conectar os níveis genético, existencial e histórico,

11 A colonialidade do conhecimento é o tema organizador de Edgardo Lander (ed.) (2000).


12
Mignolo vê Fanon como uma figura central em sua própria articulação da colonialidade do ser.
Ver Walter Mignolo (2003a, p. 669).

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onde o ser mostra seu lado colonial e suas fraturas de forma mais evidente.13
Espero poder dar alguns passos nessa direção neste trabalho. Este ensaio está
dividido em quatro partes, cada uma das quais tenta responder a uma pergunta: o
que é a colonialidade?, o que é o ser?, o que é a colonialidade do ser? e, ÿ
finalmente, o que é a descolonização e a degeneração (ou ação degenerativa) do
ser?

O QUE É COLONIALIDADE?

Colonialidade não significa a mesma coisa que colonialismo. O colonialismo


denota uma relação política e econômica, na qual a soberania de um povo reside
no poder de outro povo ou nação, que constitui tal nação em um império.
Diferentemente desta ideia, a colonialidade refere-se a um padrão de poder que
surgiu como resultado do colonialismo moderno, mas em vez de se limitar a uma
relação formal de poder entre dois povos ou nações, refere-se antes à forma como
o trabalho, o conhecimento, a autoridade , e as relações intersubjetivas se
articulam entre si, por meio do mercado capitalista mundial e da ideia de raça.14
Assim, embora o colonialismo preceda a colonialidade, a colonialidade sobrevive
ao colonialismo. Mantém-se viva nos manuais de aprendizagem, nos critérios do
bom trabalho académico, na cultura, no bom senso, na autoimagem dos povos,
nas aspirações dos sujeitos e em muitos outros aspectos da nossa experiência
moderna. De certa forma, respiramos a colonialidade na modernidade diariamente.

A colonialidade não é simplesmente o resultado ou a forma residual de


qualquer tipo de relação colonial. Ela surge em um contexto sócio-histórico, em
particular o do descobrimento e conquista das Américas.15 Foi no contexto dessa
massiva empresa colonial, a mais ambiciosa da história da humanidade, que o
capitalismo, relação econômica e social já existente , foi combinado com formas
de dominação e subordinação, que eram centrais para manter e justificar o
controle sobre os sujeitos colonizados nas Américas. A colonialidade refere-se,
antes de tudo, aos dois eixos de poder que passaram a operar e a definir a matriz
espaço-temporal do que se convencionou chamar de América. Segundo Aníbal
Quijano, esses dois eixos eram:

A codificação das diferenças entre conquistadores e conquistados na ideia de orazap, uma


suposta estrutura biológica que colocava alguns em uma situação natural de inferioridade
em relação aos outros. Os conquistadores assumiram esta ideia como o elemento
fundamental e constitutivo das relações de dominação impostas pela conquista [w] O outro
processo foi a constituição de uma nova estrutura de conquista.

13 Para um esclarecimento da relação entre os níveis genético, existencial e genealógico/histórico,


ver Nelson Maldonado-Torres, Against War: Views from the Underside of Modernity (sd).

14 Ver Aníbal Quijano (2001).


15 Ver Aníbal Quijano e Immanuel Wallerstein (1992, pp. 559-575).

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o controle do trabalho e de seus recursos, juntamente com a escravidão, a servidão, a


produção mercantil independente e a reciprocidade, em torno e com base no capital e no
mercado mundial (2000b, p. 533).

O projeto de colonização da América não teve apenas significado local.


Muito pelo contrário, forneceu o modelo de poder, ou a própria base sobre a qual a identidade
moderna deveria ser construída, que então permaneceria inescapavelmente ligada ao
capitalismo mundial e a um sistema de dominação, estruturado em torno da ideia de raça. Esse
modelo de poder está no cerne da experiência moderna. A modernidade, geralmente considerada
como o produto do Renascimento europeu ou do Iluminismo, tem um lado obscuro constitutivo.16
A modernidade como discurso e prática não seria possível sem a colonialidade, e a colonialidade
constitui uma diversidade, uma dimensão inescapável dos discursos modernos.

Como surgiu a colonialidade do poder? Quijano localiza sua origem nas discussões sobre
se os índios tinham alma ou não. novas identidades foram
criados no contexto da colonização europeia nas Américas: europeus, brancos, índios, negros
e mestiços, para citar apenas os mais frequentes e óbvios.17 Uma característica desse tipo de
classificação social é que a relação entre os sujeitos é não horizontal, mas vertical. Ou seja,
algumas identidades denotam superioridade sobre outras. E tal grau de superioridade se justifica
em relação aos graus de humanidade atribuídos às identidades em questão. De um modo geral,
quanto mais clara a pele, mais perto se chega de representar o ideal de uma humanidade
completa.18 Na visão dos conquistadores, servia para criar novos mapas do mundo; a geografia
continuou a produzir essa visão das coisas. O mundo inteiro foi visto à luz dessa lógica. Este é
o começo da decolonialidade global.19 É verdade que, em 1537, o Papa declarou os índios
como humanos, porém, como bem aponta Quijano (1992):

Desde então, nas relações intersubjetivas e nas práticas sociais de poder, a ideia de que os
não europeus têm uma estrutura biológica, não apenas diferente da dos europeus, mas,
sobretudo, pertencente a um tipo ou nível diferente.

Devemos acrescentar a isso que, além de uma diferença colonial entre colonizadores e
colonizados, estabelecida por meio da ideia de raça, também se estabeleciam diferenças entre
colonizadores e colonizados. Isso indica que a diferença colonial (termo cunhado por Mignolo)
foi acompanhada

16 Ver Walter Mignolo (2003b).


17 Ver Aníbal Quijano (1992).
18 Ver Lewis R. Gordon (1995) e (2000a); Nelson Maldonado-Torres (2006b) e Sylvia Wynter
(novecentos e noventa e cinco).

19 Sobre a colonialidade global, ver Chloe S. Georas (1997), Ramón Grosfoguel (2003) e Walter
Mignolo (2002, pp. 215-244; e 2000a).

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daquilo que o próprio Mignolo chama de diferença imperial (entre colonizadores e


súditos de impérios europeus e não europeus), e do que chamei, alhures, de
heterogeneidade colonial.20 dColoniale heterogeneidade refere-se às múltiplas formas
de subalterização , noção de raça; uma ideia que se gera em relação à concepção
dos povos indígenas nas Américas, e que se fundamenta no imaginário, no senso
comum e nas relações sociais que se estabelecem em relação aos escravos da África
nas Américas. A heterogeneidade aqui aludida aponta para a diversidade de formas
de desumanização baseadas na ideia de raça, e para a circulação criativa de conceitos
raciais entre membros de diferentes populações (nas quais, aliás, por vezes contam
as próprias populações brancas). No entanto, o conceito também incorpora a ideia do
caráter diferencial dessa diversidade, pois a ideia de raça não ignora sua origem e
tende a se manter (embora com variações e exceções ligadas à história colonial local
de diferentes lugares, ou a momentos históricos particulares) o indígena e o negro
como categorias preferenciais de desumanização racial na modernidade.

É claro que o significado de orazap mudou ao longo dos séculos, e que o conceito
não significava no século XVI o que passou a significar durante a revolução dos
biólogos no século XIX, que produziu taxonomias baseadas na categoria de raça
biológica. No entanto, é possível falar de uma semelhança entre o racismo do século
XIX e a atitude dos colonizadores em relação à ideia de graus de humanidade. De
certa forma, pode-se dizer que o racismo científico e a própria ideia de raça foram as
expressões explícitas de uma atitude mais geral e difundida em relação à humanidade
dos sujeitos colonizados e escravizados nas Américas e na África, no final do séc.
século XV e no século XVI. Eu diria que o que então nasceu foi algo mais sutil, mas
ao mesmo tempo mais penetrante do que transpareceu inicialmente no conceito de
raça: é uma atitude caracterizada pela desconfiança permanente.

Enrique Dussel (1996, p. 133) propõe que Hernán Cortés deu expressão a um ideal
de subjetividade moderna, que pode ser chamado de ego com chiro, que antecede a
formulação cartesiana de ego cogito. Isso sugere que o significado do cogito
cartesiano , para a identidade europeia moderna, deve ser entendido em relação a
um ideal inquestionável de subjetividade, expresso na noção de ego conquiro. A
certeza do sujeito em sua tarefa de conquistador precedeu a certeza de Descartes
sobre a tintura como substância pensante (res cogitans) e forneceu uma maneira de
interpretá-la. O que estou sugerindo aqui é que o sujeito prático conquistador e a
substância pensante tinham graus de certeza semelhantes para o sujeito europeu.
Além disso, o ego conquiro forneceu o fundamento prático para a articulação do ego
cogito. Dussel sugere esta ideia: dObarbarop foi o contexto obrigatório de

vinte
Mignolo elabora os conceitos de diferença colonial e diferença imperial em Walter Mignolo
(2003c). Sobre o conceito de heterogeneidade colonial, ver Nelson Maldonado-Torres (2005a, p.
55).

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qualquer reflexão sobre a subjetividade, a razão, o cogitoe (1996, p. 133). Mas tal
contexto não foi definido apenas pela existência do bárbaro ou, melhor dizendo, o
bárbaro adquiriu novas conotações na modernidade. O bárbaro era agora um
sujeito racializado. E o que caracterizava essa racialização era um questionamento
radical ou uma desconfiança permanente da humanidade do sujeito em questão.
Assim, as certezas sobre o empreendimento colonial e o fundamento do ego
conquiro permanecem ancoradas, como o cogito cartesiano , na dúvida ou no
ceticismo. O ceticismo torna-se o meio para alcançar a certeza e fornecer uma
base sólida para o sujeito moderno.
O papel do ceticismo é central para a modernidade européia. E assim como o ego
conquiro precede o ego cogito, um certo tipo de ceticismo sobre a humanidade
dos suboutros colonizados e racializados serve de pano de fundo para as certezas
cartesianas e seu método de dúvida hiperbólica. Assim, antes que o ceticismo
metódico cartesiano (o procedimento introduzido pela figura do gênio do mal) se
tornasse central nas concepções modernas de si e do mundo, havia outro tipo de
ceticismo na modernidade que já era constitutivo do sujeito moderno. Em vez da
atitude metódica que leva ao ego cogito, essa forma de ceticismo define a atitude
que sustenta o ego conquiro ou homem imperial. Seguindo a interpretação
fanoniana do colonialismo como uma realidade maniqueísta, a relação fundamental
desse maniqueísmo com a misantropia, como indica Lewis Gordon, caracterizaria
essa atitude como um maniqueísmo misantrópico racista/imperial, que também
pode ser entendido mais simplesmente como uma atitude imperial .
vinte e um

Ao contrário da dúvida metódica cartesiana, o ceticismo misantrópico


maniqueísta não duvida da existência do mundo ou do status normativo da lógica
e da matemática. Em vez disso, questiona a humanidade do colonizado. A divisão
cartesiana entre res cogitans (coisa pensante) e res extensa (matéria), que tem
como uma de suas expressões a divisão entre mente e corpo, é precedida pela
diferença antropológica colonial entre o ego conquistador e o ego conquistado.
Obviamente, deve-se perguntar até que ponto essa relação não apenas antecipou
o dualismo cartesiano, mas também o tornou possível, inspirou e/ou ofereceu o
horizonte de sentido para sua aceitação, interpretação e aplicação. Seja qual for
a resposta, o que está claro é que esse dualismo serviu para traduzir o racismo
do senso comum europeu em nível metódico, e que, como indica Quijano, as
articulações científicas posteriores, que tomaram o corpo como uma entidade
puramente material,

21 Fanon expõe sua concepção do colonialismo como maniqueísmo em Frantz Fanon (2001a).
Para a interpretação de Gordon do maniqueísmo como misantropia, isto é, como anti-humanismo
ou humanismo perverso, ver Lewis R. Gordon (1997a, pp. 29-30). O danti-humanismo é muito
apropriado aqui porque, para Gordon, o anti-humanismo contemporâneo testemunha a
prevalência da misantropia racial hoje. O modelo ou paradigma de existência aqui referido com
o conceito de homem imperial tem uma expressão mais concreta: o homem europeu e o homem
americano. Desenvolvo em outro lugar o significado adequado desses termos, bem como sua
morte necessária. Ver, por exemplo, Nelson Maldonado-Torres (2005b) e (2002).

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eles facilitaram o estudo de certas populações em termos naturalísticos, que


engendraram o estudo científico das raças.22 Ou seja, os relatos modernos da
relação mente/corpo serviram de modelo para entender as relações entre
colonizador e colonizado, e entre homem e homem, mulheres, particularmente
mulheres de cor. Essa dicotomia se traduz na diferença entre europeus e não
europeus, e entre pessoas de pele clara e pessoas de pele escura, o que o
ilustre sociólogo afro-americano WEB Du Bois chamou de problema da linha de
cor.23 A articulação Este problema coloca em julgamento , não apenas modelos
sociais ou concepções geopolíticas europeias, mas também as próprias bases
de suas ciências, que aparecem ligadas ao problema racial.24 Du Bois
acrescenta o racismo ao positivismo, ao historicismo e ao naturalismo, como um
problema fundamental das ciências européias. Mas, mais do que simplesmente
somar, ele alerta sobre sua importância fundamental, destacando como a revisão
do positivismo, do naturalismo e do próprio relativismo nas ciências, por si só,
não pode dar resposta aos problemas mais urgentes do século XX. Esses
problemas tornaram-se aparentes na Segunda Guerra Mundial, bem como nas
lutas pela descolonização, contra o racismo e contra diferentes tipos de
hierarquias humanas no século XX. Devemos acrescentar a isso, se relacionarmos
as ideias de Du Bois com as teses sobre a origem da colonialidade articuladas
por Quijano e outros, a prioridade epistêmica do problema da linha de cor, que
precedeu e condicionou as expressões específicas da ciências e o humanismo
que a acompanha. Caberia perguntar até que ponto o positivismo, o historicismo
e o naturalismo fazem parte das estratégias de evasão da liberdade e da
responsabilidade, que já haviam se tornado sistêmicas na modernidade em
relação à ideia de raça. Ou, pode-se considerar a colonialidade como um
discurso e uma prática que prega simultaneamente a inferioridade natural dos
sujeitos e a colonização da natureza, que marca certos sujeitos como
dispensáveis e a natureza como pura matéria-prima para a produção de
mercadorias no mercado mundial. A colonialidade surge, assim, como o horizonte
necessário para explorar os limites das ciências europeias. E é a partir do próprio
tema da colonialidade, da percepção da pertinência sociológica e epistemológica
da linha de cor,e que se pode articular devidamente um novo paradigma ou
modo de pensar descolonial e transmoderno. Isso é parte do que explorarei na
última seção deste ensaio, a respeito das ciências da

22 Ver comentários de Aníbal Quijano sobre o dualismo moderno (Quijano, 2000b,


pp. 554-556).
23 Lembre-se do julgamento profético de WEB Du Bois no século 20: dO problema do século 20 é o
problema da linha de cor, a relação das raças mais claras e mais escuras na Ásia, África, América e
nas ilhas do mar [The O problema do século 20 é o problema da linha de cor, a relação entre as raças
de cor mais clara e mais escura na Ásia, África, América e nas ilhas do mar] (Du Bois, 1999, p. 17).

24 Ver Jane Anna Gordon (sd); Lewis R. Gordon (2000b); Paget Henry (2005); Antonio
Monteiro (2000) e Lucius T. Outlaw, Jr. (2000).

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coloniais, transmodernidade e a virada descolonial. O que gostaria de destacar


por enquanto é a ideia de que se o ego conquiro antecipa a virada subjetiva e
solipsista do ego cogito, então o ceticismo maniqueísta abre a porta e condiciona
a recepção do ceticismo cartesiano. Essa ideia também sustenta a suspeita de
que seria impossível dar conta adequada da crise da modernidade europeia, sem
referência, não apenas aos limites do cartesianismo, mas também aos efeitos
traumáticos do ceticismo misantrópico e seu ethos imperial . Ao mesmo tempo,
isso denota que a superação da colonialidade metódica requer um novo tipo de
ceticismo e uma atitude teórica que rearticula a busca da verdade com a busca
do bem, entendido como fraternidade não sexista, ou convívio mais humano. linha
de cor e hierarquias que se baseiam na naturalização das diferenças humanas.25
Mas, para entender a visão descolonizadora e o ceticismo decolonial, primeiro é
necessário esclarecer o que se entende aqui por ceticismo misantrópico colonial/
racial.

O ceticismo misantrópico expressa dúvida sobre o mais óbvio. Afirmações


como direitos humanos assumem a forma de perguntas retóricas cínicas, como:
você é realmente humano? dVocê tem direitos torna-se dpor que você acha que
tem direitos? Você é realmente racional? O ceticismo misantrópico é como um
verme no próprio coração da modernidade. As conquistas do ego cogito e da
razoabilidade instrumental operam dentro da lógica que o ceticismo misantrópico
ajudou a estabelecer. Esta é a razão pela qual a ideia de progresso sempre
significou, nos tempos modernos, progresso apenas para alguns, e porque os
Direitos do Homem não se aplicam igualmente a todos, entre outras contradições
óbvias.

O ceticismo misantrópico fornece as bases para uma opção preferencial pelo ego
conquistador, o que explica como se pode conceber que a proteção de alguns
seja obtida à custa da vida de outros.26 A atitude imperial promove uma atitude
fundamentalmente genocida em relação aos colonizados. e racializado. Ela se
encarrega de identificar os sujeitos coloniais e racializados como dispensáveis.

A menção à guerra, conquista e genocídio traz à tona outro aspecto fundamental


da colonialidade.27 A questão de saber se os povos indígenas das Américas
tinham ou não alma foi concebida em relação a

25 Para explorações do problema das ciências modernas em relação à disjunção entre a busca da
verdade e a busca do bem, ver Boaventura de Sousa Santos (1992, pp. 9-48) e Immanuel
Wallerstein (1999, pp. 185- 191). Já comentei a proposta de Wallerstein, em Nelson Maldonado-
Torres (2002, pp. 277-315).
26 A opção preferencial pelo ego conquiro seria diretamente contestada pela teologia da libertação
e sua ênfase na opção preferencial pelos pobres e despossuídos. Sobre a opção preferencial
pelos pobres e outras ideias centrais da teologia da libertação, ver Ignacio Ellacuría e Jon
Sobrino (eds.) (1990).
27 Este e os dois parágrafos seguintes reproduzem uma discussão que desenvolvo no sexto
capítulo de Nelson Maldonado-Torres (sd).

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a questão da guerra justa. Nos debates ocorridos em Valladolid no século XVI,


Sepúlveda argumentou contra Las Casas que os espanhóis tinham a obrigação
de travar uma guerra justa contra aqueles que, em sua inferioridade, não
adotariam a religião cristã.28 Novamente aqui, como visto antes, a resposta à
pergunta não é tão importante quanto a própria pergunta. A descoberta e
conquista das Américas foi um evento histórico com implicações metafísicas,
ontológicas e epistêmicas. No momento em que se decidiu a questão da justiça
da guerra contra os povos indígenas nas Américas, os conquistadores já haviam
estabelecido uma forma peculiar de se relacionar com os povos que encontravam.
E a forma como o fizeram não aderiu aos padrões éticos que regiam seus
respectivos reinos. Como argumenta Sylvia Wynter (1995, pp. 5-57), a reÿ nição
colombiana do propósito da terra, em termos do benefício dos povos europeus
vis-à-vis aqueles que vivem fora do ecúmeno humano, anuncia o excepcional
caráter que a ética assume no chamado Novo Mundo. Como se sabe, tal situação
excepcional perdeu gradativamente sua excepcionalidade, tornando-se normativa
no mundo moderno. Mas antes que ganhasse aceitação geral e se tornasse uma
dimensão constitutiva da nova episteme reinante, a excepcionalidade se
manifestava na forma como os colonizadores se comportavam em relação aos
povos indígenas e às comunidades negras escravizadas. O comportamento que
dominava tais relações coincidia mais com as ações dos europeus em guerra, do
que com a ética que regulava sua convivência com outros europeus cristãos em
situações normais de convivência.

Quando os conquistadores chegaram às Américas, não aplicaram o código


ético que regulava seu comportamento em seus reinados.29 Suas ações eram
reguladas pela ética, ou melhor, pela não ética da guerra. Não se pode esquecer
que, embora os cristãos do primeiro século criticassem a escravidão no Império
Romano, os cristãos posteriores justificaram a escravização de inimigos na
guerra.30 No mundo antigo e na Idade Média, a escravidão era legítima,
principalmente no que diz respeito aos perdedores na guerra.
O que aconteceu nas Américas não foi apenas a aplicação dessa ética, mas uma
transformação e naturalização da não ética da guerra, levada a ponto de produzir
uma realidade definida pela condenação. O colonialismo moderno pode ser
entendido como condenação ou vida no inferno, caracterizado pela naturalização
da escravidão, agora justificada em relação à constituição biológica e ontológica
dos sujeitos e povos, e não apenas por suas crenças.31 Que o ser humano pode
tornar-se escravo quando

28 Sobre os debates em Valladolid, ver Lewis Hanke (1974).


29 Ver Tzvetan Todorov (1992, pp. 144-145).
30 Sobre a concepção de escravidão do cristianismo primitivo e sua relação com o Império Romano,
ver Richard A. Horsley (ed.) (1997).
31 Tomo a noção de condenação de Frantz Fanon (2001a).

137
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são derrotados na guerra traduz, nas Américas, a suspeita de que os povos


conquistados, e depois os povos não europeus em geral, são constitutivamente
inferiores e, portanto, devem assumir a posição de escravos e servos. Sepúlveda
toma ideias de Aristóteles para justificar sua posição, mas estava mais do que
traduzindo em novas categorias ideias que já faziam parte do senso comum do
colonizador. Então a ideia se solidificaria com relação à escravidão dos africanos,
até se estabilizar ainda hoje sob a trágica realidade das diversas formas de
racismo.
Sugiro aqui que, no que diz respeito à concepção de sujeitos, o racismo
moderno, e por extensão a colonialidade, pode ser entendido como a radicalização
e a naturalização da não ética da guerra. Essa não ética incluía práticas de
eliminação e escravização de certos sujeitos – em particular, mas não
exclusivamente, indígenas e negros – como parte do empreendimento colonizador.
A expressão hiperbólica da colonialidade inclui o genocídio, que representa o
próprio paroxismo do ego conquistar/ cogito Tun mundo no qual existe sozinho. A
guerra, no entanto, não é apenas matar e escravizar o inimigo. Isso inclui um
tratamento particular da sexualidade feminina: o estupro. A colonialidade é uma
ordem de coisas que coloca as pessoas de cor sob a vigilância assassina e
estupradora de um ego vigilante. O objeto privilegiado do estupro é a mulher. Mas
homens de cor também são vistos com esses óculos. Elas são feminizadas e
tornam-se sujeitos fundamentalmente penetráveis para o ego conquistado.32
Apresentarei as várias dimensões do assassinato e do estupro corporal com mais
detalhes quando elaborar o aspecto existencial da análise da colonialidade do ser.
O que me interessa deixar claro aqui, por ora, é que a racialização opera por meio
de um manejo peculiar do gênero e do sexo, e que o ego conquistador é
constitutivamente também um ego fálico.33 Enrique Dussel, que propõe a ideia
sobre o fálico O caráter do ego conquiro/ cogito também os conecta com a
realidade da guerra:

E assim, no início da modernidade, quando Descartes mais tarde descobriu e corroborou


irreversivelmente na Europa um assustador dualismo antropológico, os conquistadores
espanhóis chegaram à América. A concepção fálica do mundo europeu-medieval vem agora
somar-se à submissão a que foram levados os índios derrotados. Os oombressp Tsays
Bartolomé de las CasasT são reduzidos, oprimindo-os com a servidão mais dura, horrível e
dura; mas isto com aqueles que permaneceram vivos, porque muitos morreram; porém,
comumente não deixam suas vidas nas guerras, apenas os rapazes e moças . O
conquistador, ego

32 A esse respeito, ver o capítulo sobre dEl Negro e psicopatologia em Frantz Fanon (1973); ver
também dSex, Race, and Matrices of Desire in an Antiblack Worlde, em Lewis R. Gordon
(1997b, pp. 73-88).
33 A esse respeito, Dussel escreve: dO sujeito europeu que começa por ser um conquistador oyo e
culmina na vontade de poderp é um sujeito masculino. O ego cogito é o ego de um homem
(Dussel, 1977, p. 50). Dussel também comenta, neste texto, as formas como o sujeito colonizado
masculino repete, por vezes, as mesmas ações em relação à mulher colonizada.

138
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fálico armado com cavalos, cachorros, espadas de ferro, mata ou domina o índio, e dorme
com a índia: as índias ficam coabitando com os donos das casas ou fazendas ou fábricas,
ou com mestiços ou mulatos ou negros, sem alma pessoas .
(Dussel, 1977, p. 99)

Joshua Goldstein complementa essa análise descrevendo a conquista como uma extensão
do estupro e exploração de mulheres em tempos de guerra.34 Ele argumenta que para entender
a conquista é necessário examinar: 1) a sexualidade masculina como causa da agressão; 2) a
feminização dos inimigos como dominação simbólica; e 3) dependência da exploração do trabalho
feminino. Meu argumento aqui é que esses três elementos se combinam poderosamente, e são
naturalizados em relação à ideia de inferioridade intrínseca dos sujeitos de cor, na ideia de raça
que começa a emergir e se espalhar globalmente após a conquista e colonização de as Americas.
O ceticismo misantrópico define seus objetos como entidades sexuais racializadas. Uma vez
derrotados na guerra, eles são vistos como servos perpétuos ou escravos, seus corpos se
tornando parte de uma economia de abuso sexual, exploração e controle. A ética do chiro ego
deixa de ser apenas um código especial de comportamento, legítimo em tempos de guerra, e aos
poucos se torna a América e o mundo inteiro, em virtude do ceticismo misantrópico, da ideia de
raça e da colonialidade. de poder, numa conduta que reÿ ete o modo como as coisas são (uma
lógica de naturalização das diferenças socialmente hierárquicas, que atingirá o seu ápice no uso
das ciências naturais para validar o racismo no século XIX). A concepção moderna do mundo
está altamente relacionada à ideia do mundo em condições de conquista e guerra. A modernidade
caracteriza-se por uma ambiguidade entre um certo ímpeto humanista secular e a traição radical
de certas dimensões desse mesmo ímpeto, devido à sua relação com a ética da guerra e à sua
naturalização através da ideia de raça. A ideia de raça legitima a não ética do guerreiro, muito
depois do fim da guerra, o que indica que a modernidade é, entre outras coisas, um perpétuo
processo de conquista, através da ética que lhe é característica.

Nietzsche acertou em cheio quando diagnosticou o mal da modernidade em relação a uma


ética da servidão e da escravidão, mas em seu eurocentrismo não pôde observar o modo como
isso afetava, particularmente, os sujeitos racializados e colonizados na modernidade. Sua
obsessão pelo cristianismo e desatenção à colonialidade o mantiveram apenas dentro das
coordenadas eurocêntricas de pensamento. Consequentemente, ele localizou o mal na raiz da
cultura européia, em vez de vê-lo na ação e interação entre a Europa e sua periferia, que continua,
por vários meios, a não ética da guerra. É por isso que é infrutífero e contraproducente glorificar
os ideais guerreiros e apresentá-los como alternativas à ética da euroservidão.

34 Ver Joshua S. Goldstein (2001, p. 332).

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ervilha, assim como Nietzsche fez. Lo que Nietzsche no observó (como tampoco
Heidegger, quien le siguió de cerca) es que la malaise del europeo no puede
entenderse sin relación con la condena del no europeo racializado, que a su vez no
puede entenderse por completo sin referencia a la naturalización de Guerra. Na
modernidade, não será mais a agressão ou a oposição dos inimigos, mas os drazae,
que justificam que, não mais o temporário, mas a servidão perpétua, a escravidão e a
violação corporal dos sujeitos racializados. Ao mesmo tempo, acontecerá que qualquer
perseguição ou ameaça, na forma de guerras de descolonização, fluxos migratórios
acelerados ou ataques terroristas,e entre outras perseguições à ordem geopolítica e
social engendrada pela modernidade europeia (e continuada hoje pelo projeto
Americanos dos Estados Unidos), mobiliza, expande e põe em operação o imaginário
racial moderno para neutralizar ou aniquilar as ameaças percebidas. Assim, o racismo
é ÿ flexível, por vezes, e até se criam excepções à lógica da cor, nunca esquecendo,
porém, os papéis cruciais da dindígenase e dos dnegros/ase na formação da ideia
sobre a não homogeneidade da espécie humana , o que os faz ver como ameaças
perpétuas à ordem social e geopolítica moderna. O racismo trata-se, então,
fundamentalmente da manutenção de uma ordem regida por uma naturalização da
não ética da guerra, da conquista e da colonização. A façanha racista da modernidade
representa uma ruptura com a tradição medieval europeia e seus códigos de conduta.
Com a exploração de África, em meados do século XV, o fim da reconquista, em
finais do século XV, e a descoberta e conquista das Américas, em finais dos séculos
XV e XVI, a modernidade emergente torna-se um paradigma de guerra.35

Sobre a obra de Dussel, Gordon, Quijano e Wynter, articulei, nesta seção, o que
vejo como três contribuições para o modo de entender a colonialidade e a categoria
de raça: 1) entender a ideia de raça e a certeza sobre o próprio como expressão de
um ceticismo misantrópico mais fundamental; 2) relacionar esse ceticismo, a ideia de
raça e colonialidade com a naturalização da não ética da guerra; e 3) explicar o
vínculo intrínseco entre raça e gênero na modernidade, em relação a essa não ética
e sua naturalização. A experiência vivida de sujeitos racializados é profundamente
marcada pelo encontro constante com o ceticismo misantrópico e suas expressões na
violência, violação corporal e morte. Sua linguagem também é, dessa forma, altamente
influenciada pela experiência do mundo como campo de batalha, no qual aparecem a
priori e permanentemente derrotados. Agora que temos uma ideia sobre as condições
básicas de vida no lado colonial do mundo moderno ou no lado mais escuro da linha
de cor, podemos tentar encontrar uma articulação ÿ filosófica mais precisa dessas
experiências, lançando assim as bases. para o discurso sobre a colonialidade do

35 Essa ideia é a base do livro de Nelson Maldonado-Torres, Against War: Views from the
O avesso da Modernidade (sd).

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ser. No entanto, depois de ter examinado o significado da ideia de colonialidade,


ainda precisamos explorar, sucintamente, a ideia de ser; o que devemos fazer em
nosso próximo passo.

O QUE É O SER?

Como deixei claro no início, a ontologia fundamental de Heidegger é uma referência


importante para as elaborações sobre o Ser que farei aqui. A sua obra, em
particular a sua opus magnus de 1927, Ser e Tempo, não é o ponto de partida
para pensar a colonialidade do ser, mas é, pelo menos na tradição fenomenológica
e nas suas expressões heréticas, um ponto de vista incontornável. Não creio que
a concepção de ontologia de Heidegger, nem a primazia que ele dá à questão do
ser, forneçam necessariamente os melhores fundamentos para entender a
colonialidade ou a descolonização, mas suas análises do ser-no-mundo servem de
ponto de partida para compreender elementos-chave do pensamento existencial,
uma tradição que tem oferecido importantes reflexões sobre a experiência vivida
por sujeitos colonizados e racializados.36 Retomar Heidegger como referência
pode fornecer novas pistas sobre como articular um discurso sobre os aspectos
coloniais da constituição de sentido do mundo e da experiência vivida.

A ontologia de Heidegger é caracterizada pela ideia de que o ser não é um ente


ou uma coisa, mas o ser dos entes.37 Heidegger (1996, pp. 32-37) refere-se à
distinção entre ser e entes como a diferença ontológica. Para Heidegger, a filosofia
ocidental ÿ caracteriza-se pelo esquecimento do ser e pela incapacidade de
articular e sustentar a diferença ontológica. A metafísica ocidental traiu a
compreensão do ser ao concebê-lo em termos de divindade. Heidegger chama
essa tendência de donto-teologiae, oposta à sua própria ontologia fundamental.38

Além de defender a importância crucial da diferença ontológica, Heidegger


argumenta que a resposta à questão sobre o ser requer um novo ponto de partida
radical. Deus não pode mais ocupar o fundamento da ontologia. Entidades como
tais também não ajudam muito, já que seu significado é parcialmente independente
delas e elas mesmas não podem compreendê-lo. Com efeito, só há um ser para o
qual a questão do ser é significativa: o ser humano. Como Heidegger pretende
iniciar a filosofia de uma forma totalmente nova e diferente, ele não usa o conceito
de Homem ou qualquer outro conceito conhecido para se referir aos seres
humanos. Esses conceitos parecem estar ancorados na metafísica e na
epistemologia ocidentais, que

36 Veja as obras de Lewis R. Gordon, o existencialista negro mais proeminente da atualidade (1995
e 2000a); e Lewis R. Gordon (ed.) (1997). Suas explorações fenomenológicas do significado
do negro no mundo moderno são fundamentais para entender minha crítica e subversão das
categorias de Heidegger elaboradas aqui.
37 Esta descrição é baseada em Martin Heidegger (1996).
38 Para a crítica de Heidegger à teologia, ver Martin Heidegger (1996, p. 74).

141
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isso viciaria seus esforços para superá-los. Heidegger usa outro conceito para se
referir aos seres humanos como seres para os quais seu próprio ser está em
questão: Dasein. Dasein significa literalmente estar-aí. Dasein é simplesmente o
ser que está lá. Para ele, a ontologia fundamental precisa elucidar o sentido de
estar aí e, por meio disso, articular ideias sobre o próprio ser.

A descrição mais básica que Heidegger oferece do Dasein é que ele existe, o
que significa que o Dasein é projetado no futuro.39 Mas o Dasein também é
lançado lá. O Dasein existe em um contexto definido pela história, onde existem
leis e concepções estabelecidas sobre a interação social, a subjetividade e o
mundo, entre muitas outras coisas . Ora, enquanto o Dasein parece referir-se a
um ser humano individual, Heidegger descobre que ele se encontra na modalidade
de uma figura coletiva anônima ÿ que ele chama de unoe. dO unoe ( das Man)
poderia ser comparado ao que Nietzsche chamou de rebanho ou massa de
pessoas. relaciona-se autenticamente consigo mesmo, projetando suas próprias
possibilidades e não aquelas definidas de antemão por aquele. A resposta de
Heidegger é que a autenticidade só pode ser alcançada por meio do próprio poder-
ser e resolução, que só pode surgir em um encontro com a possibilidade que é
inescapavelmente sua, ou seja, a morte. Somos todos insubstituíveis na morte:
ninguém pode morrer da morte de outro. Ou seja, a morte, para Hei degger, é um
fator individualizador singular. A antecipação da morte e a ansiedade que a
acompanha permitem que o sujeito se desconecte da duna e determine suas
próprias possibilidades, bem como defina seu próprio projeto de ex-sistência.41

Embora a antecipação da morte forneça o caminho para alcançar a


autenticidade, em um nível individual, Heidegger acreditava que um Führer ou
líder era crucial para possibilitar a autenticidade coletiva. A resolução no nível
coletivo só poderia surgir em virtude de um líder. Conseqüentemente, Heidegger
passou a elogiar o papel de Hitler na Alemanha e tornou-se um participante
entusiástico da administração nazista. A guerra forneceu uma maneira de conectar
as duas ideias: as guerras do povo (Volk) em nome do líder forneceram o contexto
para um confronto com a morte, que por sua vez promoveu a autenticidade
individual. A possibilidade de morrer pela pátria em uma guerra tornou-se, assim,
um meio que facilitou a autenticidade tanto coletiva quanto individual.42 Não há
dúvida de que esse modo de ver a guerra e a morte

39 Sobre o caráter existencial do Dasein, ver Martin Heidegger (1996, pp. 34-37).
40 Ver as reflexões nietzschianas sobre o moral da multidão em Friedrich
Nietzsche (1989).
41 Reÿ reÿ eções sobre ser-para-a-morte e autenticidade aparecem em Martin Heidegger
(1996, pp. 257-286).
42 Sobre a relação entre guerra e autenticidade, ver, entre outros, J. Glenn Gray (1959)
e Domenico Losurdo (2001).

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parece refletir o ponto de vista do vencedor na guerra e não do perdedor.


Deve-se admitir, porém, que mesmo os vencidos poderiam alcançar a
autenticidade por meio da guerra. Qualquer um poderia fazer isso. Basta apenas
que a morte seja antecipada. Mas ainda falta aqui uma consideração importante:
se é plausível o relato anterior da colonialidade em relação à não ética da guerra,
então é preciso admitir que o encontro com a morte, longe de ser um acontecimento
extraordinário para os sujeitos racializados e colonizados, pelo contrário, faz parte
de sua existência diária. O colonizado não é um Dasein qualquer , e o encontro
com a possibilidade da morte não tem o mesmo impacto ou resultados que para
alguém alienado ou despersonalizado em virtude de dunoe. Sujeitos racializados
são constituídos de formas diferentes daquelas que formam sujeitos, outros e
povos. A antecipação da morte não é tanto um fator individualizante quanto um
traço constitutivo de sua realidade.
Para eles é a morte, não a própria, que os marca. O encontro com a morte sempre
chega tarde demais, pois a morte está sempre ao seu lado como uma ameaça
constante. Por isso, descolonização, desracialização e desgeneralização, em ÿ n,
descolonialidade, emergem não tanto de um encontro com a própria morte, mas
de um desejo de fugir da morte. de uma pessoa, mas ainda mais de outras), como
um traço constitutivo de sua experiência vivida. Em suma, enquanto os derrotados
na guerra podem adquirir autenticidade, assim como os vitoriosos, para súditos
que nem sequer constituem um dpuebloe, ou que não foram devidamente
constituídos como súditos, a relação é outra.

O que Heidegger esqueceu é que na modernidade o ser tem um lado colonial,


e que isso tem sérias consequências. O aspecto colonial do ser, ou seja, a
tendência a submeter tudo à luz do entendimento e do significado, atinge um
ponto patológico extremo, na guerra e na sua naturalização, através da ideia de
raça na modernidade. O lado colonial do ser sustenta a linha da cor. Heidegger,
no entanto, perde de vista a condição particular dos sujeitos do lado mais escuro
da linha da cor, e o significado de sua experiência vivida para a teorização do ser
e para a compreensão das patologias da modernidade. Ironicamente, Heidegger
(1996, p. 75) reconhece a existência do que ele chama de Dasein primitivo , mas
falha em conectá-lo com o Dasein colonizado . Em vez disso, ele toma o homem
europeu como modelo de Dasein e esquece as relações de poder que operam na
própria definição de ser primitivo. Heidegger esqueceu que se o conceito de
Homem é problemático, não é apenas porque é um conceito metafísico, mas
também porque deixa de lado a ideia de que na modernidade não se encontra um
modelo singular do humano. O que se encontra, ao contrário, são relações de
poder que criam um mundo de senhores e escravos perpétuos. Ele precisava
parar de tomar a Europa e o homem europeu como modelos, a fim de desvendar
as complexas dinâmicas do Dasein no mundo moderno tanto na Europa e em sua
periferia quanto nos espaços internos.

143
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a ela, onde também se encontram os Dasein colonizados , que chamaremos aqui


de condenados ou malditos. Com isso entramos em pleno território da colonialidade
do ser.

O QUE É A COLONIALIDADE DO SER?

O conceito de colonialidade do ser é melhor compreendido à luz da discussão do


ego conquiro e do ceticismo misantrópico maniqueísta na primeira seção deste
artigo. Argumentei ali que o conquistador do ego e o ceticismo misantrópico
maniqueísta não eram questionados pela dúvida metódica cartesiana. Descartes
poderia imaginar um gênio do mal que engana a consciência sobre suas várias
certezas, mas não poderia perceber a interferência do ego conquistador na mente
do europeu, nem em seus próprios pressupostos, que não poderiam ignorar a
concepção que se tinha sobre o falta de humanidade nos sujeitos colonizados.

Como isso se relaciona com a ontologia e o ser? A resposta crítica de Heidegger


à virada subjetivista e epistemológica da ÿ filosofia moderna, realizada por
Descartes, consiste em evidenciar um suposto esquecimento do pensamento
cartesiano. Heidegger sugere que Descartes, e basicamente todo o pensamento
moderno depois dele, concentrou-se quase exclusivamente em problemas
enraizados no ego cogito. A máxima cartesiana, Cogito ergo sum, ou penso, logo
existo, introduzia, porém, o que Heidegger considerava uma noção mais
fundamental do que o próprio cogito : o conceito de ser. dEU PENSO, logo existo,
adquiriu significado, para Heidegger, na medida em que por sua vez significava
dEU PENSO, logo SOU. A questão do ser aparece na segunda parte da
formulação cartesiana: o 43EUEssa
SOU.parte da formulação é a que fundamenta a
interrogação heideggeriana do ser. Pois bem, à luz do que foi dito sobre o ego
conquistador e a dúvida misantrópica que não é questionada em sua formulação,
é possível apontar um elemento que é ignorado, tanto na filosofia de Descartes ÿ
quanto na de Heidegger. Se o ego cogito foi formulado e adquiriu relevância prática
com base no ego conquiro, isso significa que penso, logo existo, tem pelo menos
duas dimensões insuspeitadas. Sob dyo, acho que poderíamos ler dotros no pien
sane, e dentro de dsoye podemos localizar a ÿ justificativa filosófica para a ideia
de que dotros não soam ou são desprovidos de existência. Descobrimos assim
uma complexidade não reconhecida da formulação cartesiana: de dyo penso,
logo existo, somos conduzidos à noção mais complexa, mas ao mesmo tempo
mais precisa, histórica e ÿ filosoficamenteÿ camente: d eu penso (outros não penso
ou não penso adequadamente), logo existo (outros não são, carecem de ser, não
deveriam existir ou são dispensáveis)e.

A formulação cartesiana privilegia a epistemologia, que simultaneamente oculta


não só a questão do ser (o dsoye), mas também a

43 Ver Martin Heidegger (1996, pp. 46-48 e 70-71).

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solidão do conhecimento (outros não pensam). O privilégio do conhecimento na modernidade e


a negação das faculdades cognitivas em sujeitos racializados oferecem a base para a negação
ontológica. No contexto de um paradigma que privilegia o conhecimento, a desqualificação
epistêmica torna-se um instrumento privilegiado de negação ou subalteração ontológica. dOutros
não pensam, então não soam. Não pensar torna-se sinal de não estar na modernidade. As
raízes disso podem ser encontradas nas concepções européias da escrita não alfabetizada de
povos indígenas nas Américas. Mas pode-se dizer que tais concepções já eram alimentadas de
antemão pela desconfiança sobre a não-humanidade dos sujeitos em questão. Como apontei
em outro lugar, essa suspeita pode ter sido baseada na ideia original de que os índios não
tinham religião. O ceticismo misantrópico colonial/racial precede a evidência sobre a não-
humanidade do colonizado/racializado. A expressão negativa e colonial da ligação entre pensar
e ser na formulação cartesiana representa, talvez, o momento culminante da transformação do
meu ceticismo santrópico em certeza racional, para além do senso comum. A partir de Descartes,
a dúvida sobre a humanidade do outro torna-se uma certeza, que se fundamenta na suposta
falta de razão ou pensamento do colonizado/racializado. Descartes fornece a modernidade com
os dualismos mente/corpo e mente/matéria, que servem de base para: 1) transformar a
natureza e o corpo em objetos de conhecimento e controle; 2) conceber a busca do conhecimento
como uma tarefa ascética que busca distanciar-se do subjetivo/corporal; e 3) elevar o ceticismo
misantrópico e as evidências racistas, justificadas por um certo senso comum, ao patamar de ÿ
filosofia primeira e fundamento mesmo da ciência. Essas três dimensões da modernidade
estão inter-relacionadas e operam a favor da continuidade da operação da não ética da guerra
no mundo moderno.

Heidegger falhou em examinar o lado mais sombrio da formulação cartesiana. Sua virada
ontológica ignorou o fundamento da colonialidade do saber e do ser no pensamento moderno.
Tanto a epistemologia cartesiana quanto a ontologia de Heidegger pressupõem, portanto, em
seus fundamentos, a colonialidade do saber e a colonialidade do ser. No que foi pressuposto
mas não explicitado na formulação cartesiana, encontramos o vínculo fundamental entre a
colonialidade do saber e a colonialidade do ser. A ausência de racionalidade está ligada na
modernidade com a ideia de ausência de dsere em sujeitos racializados. O ceticismo
misantrópico e o racismo trabalham juntos com a exclusão ontológica. É assim que entendemos
melhor a ideia de Fanon de que em um mundo antinegro o negro não tem resistência ontológica
aos olhos do branco.44 Fanon também escreve que quando o negro vai à razão com os brancos,
a razão escapa pela porta e a irracionalidade impõe os termos da conversa.45

44 Ver Frantz Fanon (1973, pp. 90-91).


45 Ver Frantz Fanon (1973, pp. 95-96).

145
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A falta de resistência ontológica está relacionada à ausência de razoabilidade e


vice-versa.
Para Fanon, o preto não é um ser, mas também não é simplesmente nada.
Este tem uma constituição diferente. O enigma do negro surge, para ele, como o
ponto de partida radical para pensar a colonialidade do ser. Enquanto a reflexão
heideggeriana sobre o ser requer um foco nas dimensões existenciais do Dasein,
a elaboração da colonialidade do ser exige um esclarecimento da experiência
vivida do negro e do colonizado.
Passamos, assim, do território das meditações de Descartes ao território das
meditações fanonianas.46 O negro, o povo de cor e o colonizado tornam-se os
pontos de partida radicais para qualquer reflexão sobre a colonialidade do ser.
Vou usar, para me referir a eles, um conceito que Fanon usou antes: o dos
condenados (damnés) da terra. O condenado está para a colonialidade do ser o
que o Dasein está para a ontologia fundamental, mas, talvez se possa dizer, um
pouco ao contrário. O condenado (damné) é para o Dasein (ser-aí) europeu um
ser que não está. Esses conceitos não são independentes um do outro. Por isso,
a ausência de reÿexão sobre a colonialidade leva a que se façam ideias sobre o
Dasein à custa do esquecimento dos condenados e da colonialidade do ser.
Proponho aqui que, se houve um problema fundamental na civilização ocidental
moderna, não foi tanto, como acreditava Heidegger, o esquecimento do ser, mas
o suposto desconhecimento e desinteresse pela colonialidade, em todos os seus
aspectos, e nos esforços pelos colonizados para romper com os limites impostos
pela cruel realidade da condenação e naturalização da guerra na modernidade.

Como já indicado acima, uma das distinções mais básicas que Heidegger
elabora é a da diferença ontológica, que é a diferença entre ser e entes. A
elucidação da colonialidade do ser requer reflexão sobre essa diferença e sobre
duas outras formas de diferenças fundamentais: a diferença transontológica e a
diferença subontológica. As meditações fanonianas seriam guiadas por três
categorias fundamentais:

a) Diferença transontológica: a diferença entre o ser e o que está além do ser.

b) Diferença ontológica: a diferença entre ser e entidades. c)


Diferença subontológica ou diferença ontológica colonial: a diferença entre o
ser e o que está abaixo do ser, ou o que é marcado como dispensável e não
apenas utilizável; a relação de um Dasein com um suboutro não é a mesma que
a relação com outro Dasein ou com uma ferramenta.

Devemos a Emmanuel Levinas categorias ÿ filosóficas fundamentais para


compreender o significado da diferença transontológica. A diferença subontológica

46 As Meditações Fanonianas referem-se ao horizonte descolonial de repensar a ideia de primeira ÿ filosofia, assim como
Descartes fez em suas Meditações. É também o título de um trabalho
em processo.

146
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ca foi elaborado, ainda que implicitamente, por Fanon. A colonialidade do ser faz
referência aos dois T anteriores, pois o que está além é o que está colocado em
uma posição T inferior, mas vou me concentrar aqui no segundo.

A diferença ontológica permite pensar o ser com clareza, evitando confundi-lo


com entidades ou com Deus. Da mesma forma, a diferença subontológica ou
diferença ontológica colonial permite uma clara diferenciação entre a subjetividade
humana e a condição de sujeitos sem resistência ontológica. A diferença
subontológica está relacionada com o que Walter Mignolo chamou de diferença
colonial. Mas enquanto sua noção de diferença colonial é fundamentalmente
epistêmica, a diferença subontológica se refere mais centralmente ao ser. Então,
poderíamos distinguir uma diferença epistêmica colonial que nos permite
observar com distinção o funcionamento da colonialidade do conhecimento, e
uma diferença ontológica colonial que revela a presença da colonialidade do ser.
Ou, pode-se dizer que há dois aspectos da diferença colonial (epistêmica e
ontológica) e que ambos estão relacionados ao poder (exploração, dominação e
controle). Em resumo, a diferença subontológica ou diferença ontológica colonial
refere-se à colonialidade do ser, da mesma forma que a diferença epistêmica
colonial refere-se à colonialidade do conhecimento. A diferença colonial, de um
modo geral, é, então, produto da colonialidade do poder, do saber e do ser. A
diferença ontológica colonial é, mais especificamente, produto da colonialidade
do ser.

Ora, que tipo de questões devem orientar a investigação sobre a colonialidade


do ser? Enquanto Heidegger baseia sua ontologia fundamental na análise
existencial do Dasein, a dissertação sobre a colonialidade do ser requer uma
análise das modalidades existenciais dos condenados (damné). Para Heidegger,
o Dasein inexiste, o que significa que ele é projetado no futuro. E o Dasein pode
projetar suas próprias possibilidades autenticamente quando antecipa sua própria
morte. Esta posição contrasta com a descrição de Fanon da experiência vivida
do condenado. Para Fanon:

Em primeiro lugar, encontramos o fato de que para o colonizado, que nesse aspecto se
assemelha aos homens dos países subdesenvolvidos ou deserdados em todas as partes
da terra, percebe a vida, não como um ÿ florescimento ou desenvolvimento de sua
produtividade. uma luta permanente contra uma morte onipresente (mort atmosphérique).
Essa morte sempre ameaçadora se materializa em fome generalizada, desemprego, alta
taxa de mortalidade, complexo de inferioridade e ausência de esperança para o futuro.
Todas essas formas de corroer a existência do colonizado fazem com que sua vida pareça
uma morte incompleta.47

47 Tradução de Frantz Fanon (2001, p. 115); a ênfase estava no original. Veja também,
Frantz Fanon (1988, pp. 13-14).

147
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Enquanto o Dasein se perde em del unoe e atinge a autenticidade ao antecipar sua própria
morte, o maldito (damné) enfrenta a realidade de sua ÿ nitude e o desejo de seu desaparecimento
como uma aventura cotidiana. É por isso que Fanon escreve, em Black Skin, White Masks, que
o negro não teve a oportunidade de descer ao inferno.48 O evento extraordinário de enfrentar a
mortalidade torna-se um incidente comum.

A existência infernal no mundo colonial carrega consigo os aspectos raciais e


de gênero característicos da naturalização da não ética da guerra na modernidade.
De fato, conforme articulo a noção aqui, a colonialidade do ser se refere à
normalização de eventos extraordinários que ocorrem na guerra. Enquanto na
guerra há estupro físico e morte, no inferno do mundo colonial a morte e o
estupro ocorrem como realidades e ameaças diárias. A mortalidade e o estupro
corporal estão inscritos nas imagens dos corpos coloniais. Sem autoridade
verdadeira, os homens colonizados são permanentemente feminilizados. Ao
mesmo tempo, os homens de cor representam uma ameaça constante, e qualquer
tipo de autoridade, qualquer traço visível do falo é multiplicado em uma histeria
simbólica que não conhece limites.49 As descrições míticas do órgão sexual
masculino do homem negro são uma expressão disso. . O homem negro é
retratado como uma besta sexual agressiva que deseja estuprar mulheres,
principalmente as brancas. A mulher negra, por sua vez, é vista como um objeto
sexual sempre pronto de antemão para o olhar estuprador do homem branco, e
como fundamentalmente promíscua. A mulher negra é vista como um ser
altamente erótico, cuja função primordial é satisfazer o desejo sexual e a
reprodução. Qualquer extensão do falo no homem e na mulher negra representa
uma ameaça. Mas em sua forma mais familiar e típica, o homem negro representa
o ato de estupro Tdser violadae, enquanto a mulher negra é vista como a vítima
mais representativa do ato de estupro Tdser violadae.

A mulher de cor merece ser estuprada e sofrer as consequências. penalizado por estupro,
mesmo sem ter cometido o crime. Ambos dviolare e dser violados estão relacionados

48 Ver Frantz Fanon (1973, p. 8). Veja também um comentário lúcido sobre isso em Lewis
R. Gordon (2005, p. 4).
49 Essa análise retoma ideias sobre dinâmica sexual e racial elaboradas por Lewis R.
Gordon (1997b, pp. 73-88). Gordon escreve: dPois, em um mundo antinegro, um pênis negro,
qualquer que seja seu tamanho, representa uma ameaça. Dada nossa discussão sobre o preto
significando o feminino, a natureza subjacente da ameaça deve ser óbvia: o pênis negro é temido
pela mesma razão que uma mulher com pênis é temida. Ela representa uma forma de vingança.
[Em um mundo antinegro, o pênis negro representa uma ameaça, não importa seu tamanho.
Dada nossa discussão sobre como o preto significa o feminino, a natureza da ameaça deve ser
óbvia: o pênis negro é temido pela mesma razão que uma mulher com pênis é temida. Ela
representa uma forma de vingança] (p. 83).

148
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com o negro, como se fizessem parte da essência do negro, visto como uma população
dispensável. Corpos negros são vistos como excessivamente violentos e eróticos, bem como
recipientes legítimos de violência excessiva, erótica ou não. Estar morto e ser estuprado/
estuprado fazem parte de sua essência Tendida de forma fenomenológica. A descendência do
negro, em um mundo colonial antinegro, insere-se em um contexto mais amplo, no qual a não
ética da guerra torna-se, aos poucos, parte constitutiva de um suposto mundo normal. Em suas
conotações raciais e coloniais, o negro é uma invenção, bem como uma projeção do corpo
social orientado pela não ética da guerra. O corpo social assassino e estuprador projeta as
características que o definem para alguns suboutros, a fim de poder justificar o mesmo
comportamento contra eles como resposta. As mesmas ideias que inspiram atos desumanos de
guerra, particularmente escravidão, assassinato e estupro, são legitimadas na modernidade por
meio da ideia de raça, e tais atos são gradualmente vistos como normais, em grande parte
graças à suposta obviedade e à natureza não problemática do negro. escravidão e anti-racismo
negro. Negros, indígenas e outros sujeitos de cor são os que preferencialmente sofrem os atos
viciosos do sistema. Em síntese, este sistema de representações simbólicas, as condições
materiais que em parte o produzem e continuam a legitimá-lo, e as dinâmicas existenciais que
dele fazem parte T que por sua vez são constitutivas e derivadas de tal contexto T, fazem parte
de um processo que naturaliza a não ética da guerra. A diferença subontológica é o resultado
dessa naturalização. É legitimado e formalizado pela ideia de raça. Em tal mundo, a ontologia
desmorona em um maniqueísmo, como Fanon sugeriu anteriormente.50

Fanon ofereceu a primeira fenomenologia de um mundo colonial maniqueísta, propriamente


entendido como uma realidade maniqueísta e não apenas ontológica.51 Em sua análise, Fanon
investigou não apenas a relação entre brancos e negros, mas também entre negros e negros e
negras. Muito poderia ser acrescentado à sua discussão, mas esse não é meu propósito aqui.
O que eu quero é fornecer uma maneira de entender a ruptura inovadora da análise de Fanon à
luz da diferença subontológica e a ideia da naturalização da não ética da guerra. Isso me parece
importante porque, entre outras coisas, podemos ver que, quando Fanon declarou uma guerra
contra o colonialismo, ele politizou expressamente as relações sociais que já se baseavam na
guerra. Fanon não lutou apenas contra o racismo antinegro na Martinica ou contra o colonialismo
francês na Argélia; contrariava também a força e a legitimidade de um sistema histórico (a
modernidade europeia que, como vimos, tem consequências ontológicas), que usava o racismo
e o colonialismo para naturalizar a não ética da guerra. Fanon estava fazendo

50 Ver Frantz Fanon (2001a).


51 Refiro-me a Black Skin, White Masks (1973).

149
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uma guerra contra a guerra, orientada por damore, entendida aqui como o desejo de restaurar a
ética, eliminar a diferença subontológica e dar um lugar humano às diferenças ontológicas e
transontológicas.52
Para Fanon, a diferença subontológica ou diferença ontológica colonial marca profundamente
a vida cotidiana no mundo colonial. Se a questão ontológica mais básica é por que existem coisas
e não nada?e, a questão que emerge no contexto colonial, e que motiva a reflexão sobre a
colonialidade do ser, é por que continuar? dwhy go on?e (por que continuar ?) é uma questão
fundamental na ÿ filosofia existencial da diáspora africana. É uma pergunta que ilumina a condição
dos condenados da terra.53 dPor que continuar?e A pergunta só é precedida por uma expressão
que revela em primeira instância a presença da colonialidade do ser: o grito/grito.54 O grito /cry:
não é uma palavra, mas uma interjeição, é uma chamada de atenção para a própria existência.

O grito/grito é uma expressão pré-teórica da pergunta por que continuar?É o grito/grito que anima
o nascimento da teoria e o pensamento crítico do condenado. O grito/choro aponta para sua
condição existencial. O condenado ou maldito não é um ser ali, mas um não-ser, ou melhor, como
Ralph Ellison (1999) tão eloquentemente elaborou, uma entidade invisível.

O que é invisível sobre a pessoa de cor é sua própria humanidade. E é na negação dela que o
grito/grito tenta chamar a atenção.
A invisibilidade e a desumanização são as primeiras expressões da colonialidade do ser. A
colonialidade do ser indica aqueles aspectos que produzem uma exceção à ordem do ser: é como
se esta fosse produto do excesso do ser que, em sua busca por continuar sendo e evitar a
interrupção do que está além do ser, produz aquilo que o manterá sendo, o ser não humano e um
mundo inumano. A colonialidade do ser não se refere, então, apenas à redução do particular à
generalidade do conceito ou a um horizonte específico de sentido, mas à violação do sentido da
alteridade humana, até o ponto em que o alter-ego é transformado em um sub-alter. Tal realidade,
que ocorre regularmente em situações de guerra, é transformada em assunto corriqueiro através
da ideia de raça, que desempenha um papel crucial na naturalização da não ética da guerra
através de práticas de colonialismo e escravatura. A colonialidade do ser não é, então, um
momento inevitável ou uma consequência natural da dinâmica de criação de sentido. Embora
esteja sempre presente como uma possibilidade, ela se mostra claramente quando a preservação
do ser (em qualquer de suas determinações: ontologias nacionais e identitárias etc.) O

52 A ideia de Damore aparece em várias partes de Black Skin, White Masks (1973), parte
especialmente na conclusão.

53 Ver Lewis R. Gordon (2000a, pp. 13-15).


54 Para uma análise do significado de dgrito/llantoe, ver Nelson Maldonado-Torres (2001, pp.
46-60). John Holloway (2002) oferece uma análise alternativa.

150
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A colonialidade do ser aparece em projetos históricos e ideias de civilização, que


incluem como parte intrínseca das mesmas façanhas coloniais de vários tipos,
inspiradas ou legitimadas pela ideia de raça e pelo meu ceticismo santrópico que a
funda. A colonialidade do ser está, então, relacionada à produção da linha de cor em
suas diferentes expressões e dimensões.
Concretiza-se na produção de sujeitos liminares, que marcam o próprio limite do ser,
ou seja, o ponto em que o ser distorce o sentido e a evidência, a ponto de e para
produzir um mundo onde se estabelece a produção de sentido. . A colonialidade do
ser produz a diferença ontológica colonial, que revela uma série de características
existenciais fundamentais e imaginários simbólicos. Já descrevi alguns deles. Uma
discussão mais ampla requer outro lugar. Aqui me interessa mais mostrar a pertinência
das categorias que apresentei até agora para o projeto de descolonização, que é,
afinal, a dimensão positiva que inspira esta análise. Vou começar com o ponto de
partida radical: o damné.

DESCOLONIZAÇÃO E DES-GERA-AÇÃO DO SER55

Qual é o significado próprio do termo damné? O damné é o sujeito que emerge no


mundo, marcado pela colonialidade do ser. O damné, como deixou claro Fanon, não
tem resistência ontológica aos olhos do grupo dominante. O damné é, paradoxalmente,
invisível e excessivamente visível ao mesmo tempo. Existe no modo de não-ser-aí;
que aponta para a proximidade da morte ou de sua companhia. O damné é um sujeito
concreto, mas é também um conceito transcendental. Émile Benveniste mostrou que
o termo damné está etimologicamente relacionado ao conceito donner, que significa
ca ddare. O damné é , literalmente, o sujeito que não pode dar porque lhe foi tirado o
que tem . que ele não pode dar, já que o que ele tem lhe foi tirado.

Essa visão da subjetividade como fundamentalmente generosa e receptiva foi


articulada e defendida com mais rigor por Emmanuel Levinas.
O ÿ filósofo judeu lituano-francês concebe a doação como um ato metafísico que
possibilita a comunicação entre o sujeito e o Outro, bem como a emergência de um
mundo comum. Sem dar ao Outro não haveria subjetividade propriamente dita, assim
como sem receber do Outro não haveria racionalidade nem conceitos. A subjetividade,
a razão e o próprio ser devem sua existência a um momento transontológico. O
transontológico não é, então, simplesmente uma realidade paralela ao ontológico, mas
serve como seu fundamento.

55 Devo a ideia de ddesgenerare, como degenerado, a Laura Pérez.


56 Ver Émile Benveniste (1997, pp. 34 e 40).

151
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Para Levinas (1998), o ontológico, a dimensão do ser, deve sua existência e obtém seu sentido
da necessidade de justiça na ordem transontológica; a necessidade de justiça que introduz
moderação e sincronia na ordem diacrônica da experiência ética primordial entre a subjetividade
nascente e a alteridade. A introdução da justiça contém o excesso da exigência ética do Outro, e
o divide igualmente entre todos os outros, inclusive o próprio doador, que em virtude da justiça
pela primeira vez aparece como outro entre os outros. A justiça, então, cria, a partir da relação
vertical entre subjetividade e alteridade, relações horizontais entre si e os outros, o que transforma
a subjetividade no alter ego da justiça. A transformação do sujeito em alter ego é acompanhada
pela emergência do mundo da medida, onde o mundo adquire significado concreto e a relação
transontológica só existe como traço. O ontológico nasce, então, às custas do transontológico. O
nível ontológico carrega as marcas do acontecimento formador da subjetividade, por meio da
relação transontológica com a alteridade, e sua transformação e potencial traição pela justiça.
Assim, pode-se dizer, a partir de Lévinas, que se a emergência do ser se baseia na transformação
da subjetividade em alter ego, a colonialidade do ser surge com a traição radical da subjetividade
em damné, condenado ou subalter .

Se a justiça é responsável pela primeira transformação, a colonialidade do ser é responsável pela


segunda.
Levinas abordou a ideia da colonialidade do ser afirmando que a ontologia é uma ÿ filosofia
do poder. Com isso estabeleceu um vínculo entre ser e poder, que se expressa diretamente na
relação entre a colonialidade do ser e a colonialidade do poder. Mas Levinas deixou a
colonialidade de lado. Para ele, a ontologia é um discurso que, ao ser tomado como fundamento
ou princípio último, acaba por priorizar um Ser anônimo, acima da relação entre subjetividade e
alteridade e da própria relação social. Em outras palavras, a ontologia e a autenticidade do Dasein
assumem mais importância do que o significado do momento transontológico e da responsabilidade
radical. Quando a ontologia se torna fundamental, a relação entre o eu e o outro torna-se
secundária em relação à subjetividade, e abre-se o caminho para que a morte apareça como
elemento central da autenticidade. Levinas defende justamente o contrário: é o esquecimento da
relação fundamental entre o sujeito e a alteridade que caracteriza o retorno da ontologia como
fundamental, o que pode levar, não necessariamente à falta de autenticidade, mas à renúncia à
justiça e à responsabilidade radical que vai além disso. Isso ocorre porque o ser deve sua
emergência a uma espécie de traição da relação transontológica (de doação e receptividade do
sujeito ao Outro) e, portanto, tende a fazer com que essa relação seja esquecida . É por isso que
o ser tende a se apresentar como fundamento da realidade quando não o é. Uma vez que o ser
nasce, ele tende a se preservar e se apresentar como fundamento autônomo. Mas o imperativo
da preservação e da autonomia só se consegue à custa da memória.

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constante do significado da relação transontológica e das relações humanas que estão mais
claramente ligadas ao mesmo Te. g., a relação social e a comunicação entre os sujeitos (a própria
religião pode ser vista à luz do traço do transontológico e não como ontoteologia). O plano do ser,
quando tomado como fundamento último, propõe a eliminação dos vestígios daquilo que o funda
e o perturba, a relação transontológica. Isso é conseguido por visões ÿ filosóficasÿ c que tentam
reduzir a relação entre o eu e o Outro ao conhecimento ou ao ser, bem como por modos de
pensar, políticas concretas e projetos históricos que subordinam ou limitam o significado de
doação, generosidade, hospitalidade e justiça à autonomia, direitos de propriedade. Isso significa
que os ideais de liberdade e igualdade são conquistados em detrimento da fraternidade, ou
melhor, da alteridade , neologismo que tenta captar a prioridade da relação de responsabilidade
entre mim e os outros. O liberalismo está, portanto, envolvido no esquecimento do fundamento
ético da subjetividade e do significado ético da realidade humana. Mas ainda mais problemático
do que o liberalismo é o nacionalismo fascista e o nazismo que Heidegger abraçou e aos quais
sua filosofia ÿ emprestou alguma credibilidade. Levinas concebe o nazismo e o anti-semitismo
como tentativas de abandonar radicalmente a dimensão transontológica e o próprio significado do
humano. O nazismo representou para ele não apenas uma ameaça às nações européias e suas
minorias étnicas, mas também um episódio crucial na história do ser.

Nela, as categorias raciais assumiram explicitamente o lugar de categorias aparentemente


neutras, como os liberais, na definição da ordem social.
Gênero, casta, raça e sexualidade são talvez as quatro formas de diferenciação humana que
mais frequentemente serviram como meios para transgredir a primazia da relação entre o eu e o
outro e para obliterar os traços da dimensão transontológica no mundo civilizado concreto. mundo.
Na modernidade, a diferenciação racial altera o funcionamento de outras formas de diferenciação
humana. A divisão racial na geopolítica do planeta altera todas as relações de dominação
existentes. A ideia de raça, ou melhor, o ceticismo misantrópico maniqueísta colonial, não é
independente das categorias de gênero e sexualidade, já que a feminização e um certo tipo de
erotismo são parte fundamental dela. Argumentei aqui que o entrelaçamento de raça, gênero e
sexualidade pode ser explicado, mesmo que apenas em parte, por sua relação com a não ética
da guerra e sua naturalização no mundo moderno/colonial. Conjugam-se na definição e atuação
do ideal de subjetividade representado no ego conquiro. A emergência do ego conquistador e sua
contraparte, o sub-alter, altera as coordenadas metafísicas da realidade humana. Um mundo
definido por sujeitos que são concebidos como criaturas divinas ou alter egos de diferentes
escalões, passa a ser formado por relações sociais que elevam um grupo ao patamar de divindade
e submetem outros ao inferno da escravidão racial, do estupro e do colonialismo perpétuo. O
colonialismo serve, então, de prelúdio ao liberalismo, mesmo antes do surgimento do nazismo. É
o

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o ego venceu, e não Hitler, que primeiro ameaçou a ordem humana a partir da perspectiva
destrutiva da ideia ou noção de raça.
Levinas não entra nesses tipos de considerações. Ele se concentra na análise da dimensão
transontológica da realidade humana e no resgate e reconstrução filosófica ÿ filosófica do legado
conceitual e ético judaico, que supostamente oferece uma alternativa ao privilégio do
conhecimento e do estar por parte do tradição grega. No entanto, Levinas forneceu considerações
importantes para entender o significado e a relevância de damné e a colonialidade do ser. Levinas
ajuda a deixar claro que o aparecimento do damné tem relevância não apenas social, mas
ontológica. Indica a emergência de um mundo estruturado a partir do não reconhecimento da
maioria da humanidade como sujeitos doadores, o que legitima dinâmicas de posse, ao invés de
troca generosa. Essa realidade e essa dinâmica são possíveis devido à ideia de raça e ao
ceticismo misantrópico maniqueísta colonial que faz parte da modernidade engendrada pelo ego
conquistador. Nesta realidade geopolítica e social, a suposta inferioridade torna-se dispensável, o
que significa que a constante proximidade da morte, e não apenas a pobreza, define a situação
dos condenados. O danado não está apenas condenado a não ser livre, mas a morrer antes do
tempo. Essa condição define a experiência vivida do damné.

No início dissemos que a colonialidade do ser é um conceito que tenta captar a forma como a
escritura colonial se apresenta na ordem da linguagem e na experiência vivida dos sujeitos. Agora
podemos oferecer uma descrição mais precisa disso. A colonialidade do ser é expressão das
dinâmicas que tentam criar uma ruptura radical entre a ordem do discurso e o dizer da
subjetividade generosa, por isso representa o ponto máximo dessa tentativa. Ela se expressa na
transformação da ordem do discurso em um dizer ou discurso coerente estabelecido, ancorado
na ideia de uma diferenciação natural entre os sujeitos, ou seja, na ideia de raça. A colonialidade
do ser também se refere a dinâmicas existenciais que emergem em contextos definidos ou
fortemente marcados pelo dizer moderno/colonial e racial. É aí que os sentimentos de superioridade
e inferioridade, a escravidão racial, a indiferença ao diferente, o genocídio e a morte se manifestam
como realidades comuns. O fato de o ser ter um aspecto colonial significa que uma nova
dinâmica emergiu com a modernidade, em que a reivindicação de autonomia do ser se torna a
obliteração radical dos traços do transontológico, em um projeto que tenta transformar o mundo
humano em uma estrutura maniqueísta entre senhores e escravos.

O ego conquiro ou homem imperial e o damné ou condenado são o resultado dessa façanha. A
colonização e a racialização são as formas concretas e conceituais pelas quais essas ideias e
modos de ser são iniciados. Não podem ser interpretados como eventos contingentes, com
significado apenas social, nem como momentos necessários de uma lógica inelutável, vinda dos
gregos, mas sim como expressões de seres.

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humanos que apostam no estar em sua dinâmica ambígua de proximidade e distanciamento


(sempre malsucedida) do transontológico. Escolhas individuais, dinâmica social, epistemologia,
ontologia e metafísica ética estão ligadas ou relacionadas entre si neste projeto. O fogo que os
une e os lança em uma trajetória negativa é a não ética da guerra.

A guerra é o oposto da relação anárquica de responsabilidade absoluta pelo Outro, que dá


origem à subjetividade humana. A guerra de conquista e dominação não é apenas uma guerra
contra um povo qualquer, mas também uma guerra contra aquele Outro que clama por
responsabilidade. Por sua vez, a obliteração do transontológico, pela indiferença aos outros seres
humanos e pela violência, cria o terreno ideal para a guerra.

Na modernidade ocidental, esses elementos Twar, violência/estupro e indiferençaT são


perfeitamente conjugados através da ideia de raça. Daí o sentido preciso da colonialidade do ser:
a traição radical do transontológico na formação de um mundo onde a ética da guerra é naturalizada
pela ideia de raça.

O damné é o produto desse processo. E é por isso que sua agência precisa ser definida por
uma constante oposição ao paradigma da guerra. Nesse sentido, a atividade dos damné é pautada
por uma ética da não-guerra, que muitas vezes se transforma na ética da guerra para que não
haja mais guerras, como articulam hoje os zapatistas. Da não ética da guerra de conquista
passamos, assim, à práxis da descolonização, inspirada por outra ética, a ética da doação, da
generosidade e da responsabilidade humana. É o que Fanon deixa claro, quando suspende
teleologicamente a política de identidade e mesmo a demanda por reparações para reivindicar a
formação do mundo de dTúe.

Superioridade? Inferioridade? Por que simplesmente não tentar o teste de tocar o outro,
sentir o outro, revelar o outro a mim mesmo? Minha liberdade não me foi dada para
construir o mundo de Você? (Fanon, 1973, p. 192)

A mensagem de Fanon é clara: a aspiração fundamental da descolonização consiste em


restaurar a ordem humana a condições em que os sujeitos possam dar e receber livremente, de
acordo com o princípio da receptividade generosa.57 O fundamento desse princípio encontra-se
na concepção do corpo humano como porta da consciência, ou então, como mecanismo possível
de abertura e recepção da alteridade. Fanon grita: dOh, meu corpo, faça de mim, sempre, um
homem que questiona!e (1973, p.

192). O corpo permite o encontro, a comunicação e a relação íntima com os outros, mas torna-se
também, pela sua própria exposição, um objeto privilegiado de desumanização, através da
racialização, da diferenciação sexual e de género. O ideal de acolhimento generoso fornece
outras coordenadas para compreender a corporalidade e a relação com os outros, que

57 Sobre o conceito de generosidade receptiva, ver Romand Coles (1997).

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supõe uma ruptura com a dinâmica racial, bem como com as concepções de
gênero e sexualidade que inibem a convivência generosa entre os sujeitos.
Nesse sentido, uma resposta consistente à colonialidade envolve tanto a
descolonização quanto a ação degeneradora (ou ação que rompe com as relações
de gênero coloniais dominantes) como projetos. A relevância dessas formas de
ação e pensamento não é apenas social e política, mas também metafísica. Eles
buscam restaurar a ordem humana, fazendo desaparecer a lógica da subalteridade
e dando mais importância aos traços da diferença transontológica na sociedade.
O fim último da descolonização e da degeneração como projetos envolve a
subversão radical do paradigma da guerra, tal como opera no mundo moderno.

A descolonização e a degeneração não se referem a formas de autenticidade


ancoradas em antecipações da morte. Em vez disso, eles obtêm sua inspiração
e significado da visão do corpo como uma abertura radical para outro corpo e do
escândalo da morte desse outro corpo. A descolonização e a degeneração como
projetos nascem quando os sujeitos ultrapassam os padrões da justiça e se
dispõem a substituir seus próprios corpos pelos do corpo desumanizado, mesmo
à custa de sua própria morte.58 Isso é o que chamo de damor des-coloniale,
conceito introduzido pela teórica chicana Chela Sandoval (2000). Da forma como
utilizo aqui, damor des-coloniale refere-se à suspensão teleológica da identidade
no processo de descolonização. Isso inspira uma justiça, também descolonial,
onde se abre espaço para a opção preferencial pelo damné, para além de noções
abstratas de igualdade que acabam por des-historicar as relações sociais.

O amor e a justiça descoloniais buscam restaurar o mundo paradoxal do dar e


receber, por meio de uma política de receptividade generosa, inspirada nos
imperativos da descolonização e da degeneração da ação;59 são formas de
desfazer o imaginário e o social e mundo geopolítico, construído a partir da
naturalização da não ética da guerra. Trata-se, pois, de uma ética da
descolonização ou da libertação, que orienta uma política radical de oposição à
colonialidade em todas as suas formas.

CODA: GIRADA DECOLONIAL , CIÊNCIAS DECOLONIAIS E TRANSMODERNIDADE

A ontologia fundamental de Heidegger coloca uma virada ontológica nas


premissas do pensamento ocidental, que ele propõe como um retorno às origens
do pensamento grego ÿ filosófico ÿ. Somente assim o pensamento além da
metafísica ocidental pode ser renovado. Na conta fornecida aqui, o problema

58 A descolonização e a ação degeneradora caracterizam formas de pensamento e ação que são


centrais para o que Mignolo chamou de geopolítica e corpopolítica do conhecimento.
São modos de pensar que exemplificam a virada descolonial. Ver Walter Mignolo (sd).

59 Ver Romand Coles (1997).

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entre o pensamento ocidental moderno, não se trata tanto de uma metafísica


milenar, mas de sua relação com um projeto histórico específico, que coloca uma
nova forma de subjetividade e relação inter-humana no planeta. O principal
problema da ÿ filosofia ocidental moderna reside, então, na forma seletiva de seu
ceticismo radical: no fato de que ela nunca questionou séria ou sistematicamente
a colonialidade. A ÿ filosofia moderna pressupunha, antes, as conquistas e projetos
do ego conquiro como parte fundamental do que significa ser moderno. Por mais
que o pensamento ÿ filosófico ÿ, de Descartes, afirmasse ser um pensamento
sem pressupostos, raramente questionava as evidências do ego conquiro. Isso
explica, em parte, o gradual aprofundamento da lógica do racismo e do
colonialismo no Ocidente, do século XVI ao século XX.

A era da Europa começa e termina com dois genocídios: o das populações


nativas das Américas e o holocausto judeu. Enquanto isso, a perspectiva racial
gerada no período da conquista ganhou força com a escravidão negra e ganhou
ÿ fluidez com sua classiÿ cação de toda a população do planeta. O ceticismo
misantrópico maniqueísta colonial aos poucos deixa de ser apenas uma suspeita
e se torna uma certeza que dá origem a uma ciência. O racismo incipiente no
Renascimento torna-se ciência durante o Iluminismo. Este projeto atinge seu limite
quando a selvageria colonizadora europeia gera efeitos visíveis e brutais na
própria Europa. Este é o significado que pensadores do Terceiro Mundo, como
Aimé Césaire, veem nas duas guerras mundiais do século XX:

Primeiro, era preciso estudar como a colonização funciona para descivilizar o colonizador,
para embrutecê-lo, no sentido exato da palavra, para degradá-lo, para despertá-lo para seus
instintos ocultos, para a ganância, para a violência, para o ódio racial, para relativismo
moral. , e demonstrar que toda vez no Vietnã eles cortam uma cabeça ou arrancam um olho
e na França isso é aceito, eles estupram uma menina e na França é aceito, eles sacrificam
um malgaxe e na França é aceito, aguarda-se uma conquista da civilização, com peso morto,
faz-se uma regressão universal, instala-se a gangrena, alastra-se um foco de infecção, e no
fim de todos esses tratados violados, de todas essas mentiras propagadas, de todas essas
expedições punitivas toleradas, de todas essas prisioneiros amarrados e interrogados, de
todos esses patriotas torturados, no fim desse orgulho racial inflamado, no fim dessa
jactância ostentada, está o veneno inoculado nas veias da Europa, e o progresso lento mas
seguro da selvageria da continente. (Césaire, 2006, p. 7)

Césaire chama a atenção aqui para um aspecto fundamental das implicações


da naturalização da não-ética da guerra: a naturalização da guerra engendra mais
guerra e põe em risco até mesmo aqueles que se acostumaram a perpetrá-la pela
violência. A naturalização da guerra torna a vítima um sujeito racializado e o
perpetrador um selvagem.
O diagnóstico e estudo aprofundado desta realidade contraditória, em que o
colonizador se torna vítima direta das suas próprias ações, exige um estudo
atento ou, o que é o mesmo, novas ciências. Para Césaire essas ciências estão
ancoradas, não no ceticismo misantrópico

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do ego conquiro europeu , mas no ceticismo do colonizado em relação ao projeto


histórico, às ciências e às perspectivas ÿ filosóficas ÿ do colonizador. Trata-se da
descolonização do cepticismo e da emergência de um novo tipo de atitude
perante a façanha colonial: não uma atitude de assimilação ou ressentimento,
mas uma atitude de descolonização ou atitude descolonial. A atitude descolonial
(face à atitude imperial) propõe uma ruptura com a atitude colonial natural e a
dialética do reconhecimento imperial, que pressupõe que todo sujeito deve obter
o reconhecimento do homem branco para adquirir um sentido pleno de sua
humanidade. . Na atitude descolonial, o sujeito na posição de escravo não busca
simplesmente reconhecimento, mas oferece algo. E aquele a quem ele oferece
não é o damoe, mas outro escravo.
O movimento ético de escravo em escravo apresenta um paradoxo, pois envolve
a suspensão radical da dialética dominante do reconhecimento e dos interesses
imediatos dos sujeitos em questão. Assim, poderíamos dizer que a dialética do
reconhecimento de senhor e servo, ou senhor e escravo, encontra sua oposição
mais radical no paradoxo de doação e reconhecimento entre escravos que
caracteriza a atitude decolonial. Ela remonta às práticas epistêmicas quilombolas
que continuam vigentes até hoje.60
Para Césaire, as ciências descoloniais, que também poderiam ser chamadas
de ciências cesairianas (vis-à-vis as ciências cartesianas), devem partir de uma
pergunta: o que é a colonização em princípio? exigida e imposta: não sou mulher?
(Sojourner Truth) Qual é a sensação de ser um problema? (Du Bois), por que
continuar? (Gordon), e quem sou eu realmente? (Fanon). Essas questões servem
de base para a formulação de um novo humanismo e de novas ciências. A
proposta de Césaire é clara. Se as ciências são deÿ denidas como formas de
saber, que procuram eliminar a mentira e oferecer respostas claras às questões
mais urgentes da humanidade, então ele propõe que comecemos por interrogar
a mentira sobre o sentido e o alcance da colonização . De fato, como argumentei
em outro lugar, Césaire oferece uma resposta ao projeto cartesiano de busca do
conhecimento claro, e ele responde criticamente a esse projeto, em uma veia
cartesiana. Césaire dá a entender que antes de começar a pensar os problemas,
a partir do ego cogito, seria necessário examinar criticamente outro tipo de
subjetividade que já operava no mundo moderno: o ego conquiro.

Foi a conquista e as diferentes formas de autoengano que a Europa fabricou para


continuar e sustentá-la, que deveria ter ocupado o lugar central da reflexão do ÿ
filósofo europeu. Bartolomé de Las Casas é o melhor representante europeu de
um pensador que se questionou sobre a

60 Um grupo de ativistas negros, em Salvador, Brasil, se autodenomina, precisamente, Atitude


Quilombola. O conceito também foi adotado por Edizon León, que o aplica às práticas
epistêmicas de comunidades quilombolas no Equador e nos Andes. Tanto ele quanto Catherine
Walsh estudaram o pensamento Maroon por vários anos.

158
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a colonização como centro de seu pensamento. Infelizmente, a modernidade européia foi mais
cartesiana do que lascasiana, mas é claro, em todo caso, que a Europa tem modelos de
pensamento descolonizador, mesmo com todos os seus limites, dentro de seu próprio seio. A
questão é se a Europa seria capaz, não só de voltar a levar Las Casas a sério, mas também de
tomar Césaire como chave fundamental para uma nova forma de pensar.

Em contraste com as ciências cartesianas ou lascasianas, as ciências descoloniais ou cesarianas


envolveriam uma radicalização de certos aspectos em Las Casas e Descartes, bem como uma
sistematização do ceticismo descolonial e das diferentes formas de conhecimento descolonizador
das comunidades. racializado, nos mais de quinhentos anos de façanha moderna/colonial.

O que as ciências cesarianas propõem é nada menos que um novo giro no pensamento ÿ
filosóficoÿc predominante; mas uma virada como nenhuma outra: uma virada descolonial.

A viragem descolonial implica fundamentalmente, primeiro, uma mudança de atitude no


sujeito prático e de conhecimento, e depois, a transformação da ideia para o projeto de
descolonização.61 A viragem descolonial, no primeiro sentido , e a ideia de descolonização são
provavelmente tão antigas quanto a própria colonização moderna. Estas encontram as suas
raízes na resposta visceral dos conquistados perante a extrema violência da conquista, que
invalida os saberes, os modos de ser e até a própria humanidade dos conquistados. Os
princípios da viragem descolonial e a ideia de descolonização assentam no grito de medo do
colonizado perante a transformação da guerra e da morte em elementos ordinários do seu
mundo de vida, que vem a transformar-se, em parte, no mundo da morte, ou no mundo da vida
apesar da morte. A ideia de descolonização também expressa dúvida ou ceticismo em relação
ao projeto colonial. A dúvida do colonial é parte fundamental da descolonização. É isso que
Césaire toma como ponto de partida em seu Discurso sobre o colonialismo, para responder
criticamente ao uso do ceticismo na tradição cartesiana. Mas mesmo antes de Descartes, já
havia sujeitos que produziam conhecimento com uma atitude diferente da moderna/colonial, e
que davam expressão ao exercício da virada descolonial. Pense aqui, não tanto em Bartolomé
de Las Casas, mas em Waman Poma de Ayala.62 Seria preciso considerar também as
comunidades quilombolas, como já mencionei antes, e eventos subsequentes tão cruciais quanto
a Revolução Haitiana, entre outros. Estas são as práticas e intervenções políticas e
epistemológicas que o projeto de descolonização toma como fonte primária e inspiração. Nesse
sentido, você tem que entender a reviravolta

61 Para uma caracterização mais abrangente da virada descolonial, ver Nelson Maldonado Torres,
Against War: Views from the Underside of Modernity (sd).
62 Sobre Waman Poma e seu contexto, ver as fascinantes obras de Rolena Adorno (1989) e Walter
Mignolo (2003b). Mignolo elaborou algumas ideias sobre a virada descolonial em Waman
Poma, na conferência Mapping the Decolonial Turn: Post/Trans Continental Interventions in
Theory, Philosophy, and Critiquee (2005).

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decolonial como fundamentalmente diferente de outras viradas que se referem a tensões ou


ambiguidades dentro do próprio pensamento moderno, como a virada linguística ou a virada
pragmática. Isso não quer dizer que a virada descolonial também explore as ambiguidades do
pensamento europeu moderno em favor de uma prática de descolonização. Existem muitos tipos
de intervenções críticas por parte do colonizado/racializado. O que significa é que a orientação
fundamental deste tipo de intervenções, e a correspondente atitude , se refere ao medo e ao grito
de viver e doar subjetividade face à modernidade/colonialidade, ou seja, à própria atitude da
colonialidade. , e não o racionalismo, o positivismo ou a atitude lúdica que muitas vezes é
considerada particularmente pós-moderna. Isso não significa que não haja coincidências com
ideias modernas ou pós-modernas, ou mesmo que sejam retomadas conscientemente. O que ele
quer dizer é que o pensamento decolonial pode ter elementos modernos ou pós-modernos, mas
estes não são os únicos, nem são os mais centrais ou constantes. Por outro lado, também é
preciso reconhecer que algumas ideias da modernidade e da pós-modernidade podem remeter a
contribuições do pensamento colonial, o que significa que nelas existem elementos para explorá-
las em uma direção descolonizadora. Mas para o fazer verdadeiramente eficazmente, há que
reconhecer as influências, observar as diferenças entre as diferentes ambiguidades e fontes
desses pensamentos, estabelecer prioridades e questioná-las a partir das dimensões do
colonialismo que nelas se inserem, e assumir o projeto de descolonização como seus; o que
pressupõe uma alteração fundamental das fontes e coordenadas do pensamento, e uma
suspensão do privilégio concedido pelos discursos modernos e pós-modernos. A própria morte
do sujeito moderno e pós-moderno como homem imperial está em questão.

Voltando ao significado da virada descolonial, ela representa, em primeiro lugar, uma mudança
de perspectiva e atitude encontrada nas práticas e formas de conhecimento dos sujeitos
colonizados, desde os primórdios da colonização e, em segundo lugar, em segundo lugar, um
projeto de transformação sistemática e global dos pressupostos e implicações da modernidade,
assumida por diversos sujeitos em diálogo. É com relação a esse projeto que as obras de Du
Bois, Césaire, Fanon, Dussel, Anzaldúa, assim como os estudos étnicos e os estudos de gênero,
encontram um de seus significados fundamentais. O ponto que estou sugerindo aqui, e que
defendi mais extensivamente em outro lugar, é que o Discurso sobre o colonialismo de Césaire
pode ser visto como uma resposta ao Discurso sobre o método de Descartes , de uma perspectiva
descolonial.63 O Discurso sobre o colonialismo tenta relançar perguntas sobre o método, mas
não das evidências do dyo conquistador, mas das dúvidas do dyo conquistado, condenado ou
sub-outro. Assim, Césaire propõe que a questão central para de repente

63 Esta é a tese central do meu ensaio, dAimé Césaire e a crise do homem europeu, que faz parte
da edição crítica de Aimé Césaire, Discourse on Colonialism (2006).

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O fundamento das ciências europeias e do projeto de civilização não é outro


senão dO que é a colonização em princípio? , a quem Césaire chama de Hitler.

Césaire considera Hitler, não apenas como uma figura histórica, mas como o
próprio começo ou fundamento do ceticismo misantrópico do ego conquiro
europeu . Para Césaire, Hitler representa, afinal, o demônio que a dúvida
cartesiana hiperbólica não conseguiu exorcizar.
O Discurso sobre o Colonialismo propõe a transformação da ideia de
descolonização em um projeto de descolonização; o que torna explícita a virada
descolonial. A virada descolonial e a descolonização como um projeto não
envolvem apenas o término das relações formais de colonização, mas uma
oposição radical ao legado e à produção contínua de colonialidade de poder,
conhecimento e ser. Trata-se de ÿ acabar com o paradigma moderno da guerra;
o que significa um confronto direto com as hierarquias de raça, gênero e
sexualidade, que foram criadas ou fortalecidas pela modernidade europeia, no
processo de conquista e escravização de inúmeros povos do planeta. A virada
descolonial é também uma virada humanista, que aspira, em parte, completar o
que a Europa poderia ter feito, mas que o ego conquistador tornou impossível: o
reconhecimento de todos os humanos como membros reais da mesma espécie,
acima de tudo. ceticismo. Trata-se, dito de outra forma, de ir além da dialética do
reconhecimento imperial e estabelecer o paradoxo da doação. Nisso consistiria
um novo humanismo.

O paradoxo da doação não é exclusivo de nenhuma cultura ou civilização,


então a virada descolonial nos leva, como nenhuma outra virada, fora da Europa,
a ÿ figuras como Césaire e outros intelectuais da periferia da Europa, cujas
aventuras intelectuais eles tentam para nos tirar do inferno colonial. As ciências
decoloniais são formas de conhecimento que pretendem tanto esclarecer a
natureza e as implicações da colonização e a naturalização da não ética da guerra
na modernidade, quanto fornecer ou encontrar soluções para ela. A ÿ filosofia da
descolonização inclui a reflexão sobre os fundamentos epistemológicos e
ontológicos dessas ciências. Enquanto a filosofia e as ciências cartesianas ÿ
procuram dar solidez e coerência ao projeto de modernidade, a filosofia e as
ciências cesairianas ÿ procuram fazê-lo no que diz respeito ao projeto de
descolonização. Essa ÿ filosofia e essas ciências fazem parte, hoje, ou estão
muito relacionadas com o que se costuma chamar de estudos étnicos e estudos
de gênero. Esses estudos encontram sua função e significado dentro do projeto
de descolonização e, assim entendidos, tornam-se ÿ figuras-chave para a
transformação das ciências humanas e sociais no século XXI.64

64 Essa ideia também é fundamental em Johnnella E. Butler (2001, pp. 18-41). Sylvia Wynter propõe
uma ideia semelhante, em um impressionante andaime conceitual, em vários de seus escritos.
Ver, entre outros (1989, pp. 637-647; e 1990, pp. 432-469).

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A descolonização como projeto é uma tarefa epistêmica e também expressamente política.


No plano político, a viragem descolonial exige uma observação cuidada das ações dos
condenados, em vias de se tornarem agentes políticos. O condenado, ou damné, diferente do
povo da nação, do proletariado e mesmo da chamada multidão, enfrenta como inimigo não
apenas os excessos do Estado-nação moderno, do capitalismo ou do Império, mas mais
exatamente o paradigma da guerra ou da própria modernidade/colonialidade. É a colonialidade
do poder, a colonialidade do saber e do ser que constantemente tenta impor-se a eles, levando
à sua invisibilidade ou à sua visibilidade distorcida. O projeto de descolonização é definido pelo
escândalo diante da morte e da naturalização da guerra, e pela busca da convivência humana.
Encontra a sua inspiração última no amor descolonial (Sandoval), visto como expressão política
do desejo metafísico ou desejo do Outro de que fala LevinasT, e o seu principal instrumento de
descolonização da justiça e da política. Os condenados têm, assim, o potencial de transformar o
mundo moderno/colonial em um mundo do transmoderno colonizado: um mundo onde a guerra
não é mais a norma, mas sim a verdadeira exceção.65 O conceito de transmodernidade é, em
certo sentido, a expressão do paradoxo da doação já mencionado. Para ser coerente com o
paradoxo que o inspira, o discurso da descolonização e da degeneração-ação teria de ser
entendido à luz dele. Eles não podem assumir a forma de um novo universal imperial. A própria
descolonização e o discurso em torno dela teriam
que assumir a forma de um dragaloe ou convite ao diálogo. O reconhecimento da diversidade
epistêmica leva a conceber os conceitos de descolonização como convites ao diálogo, e não
como imposições de uma classe esclarecida. Tais conceitos são expressões da disponibilidade
dos sujeitos que os produzem ou utilizam para dialogar e produzir mudanças. A descolonização,
dessa forma, aspira romper com a lógica monológica da modernidade. Ao contrário, busca
promover a transmodernidade: um conceito que também deve ser entendido como um convite
ao diálogo e não como um novo universal abstrato imperial.

A transmodernidade é um convite a pensar a modernidade/colonialidade de forma crítica, a partir


de posições e de acordo com as múltiplas experiências de sujeitos que sofrem de diferentes
formas a colonialidade do poder, do saber e do ser. A transmodernidade envolve, portanto, uma
ética dialógica radical e um cosmopolitismo descolonial crítico.66 O objetivo dessa ética e desse
cosmopolitismo é promover a comunicação entre os condenados, ao mesmo tempo em que
destrói as hierarquias entre os sujeitos considerados humanos e os suboutros. No que diz
respeito ao discurso sobre a colonialidade do ser, o esforço consiste em acabar com a diferença
subontológica e restaurar a

65 Transmodernidade é um conceito de Enrique Dussel (1992) e (1999).


66 Sobre cosmopolitismo crítico, ver Walter Mignolo (2000b, pp. 721-748) e José David
Saldivar (1991).

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sentido e pertinência da diferença transontológica. Só assim poderá emergir o


mundo de dTúe de que falava Fanon.

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