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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

Individualismo e Contemporaneidade :considerações sobre o íntimo, o privado e o publico

Docente responsável: Prof.ª Dra. Maria Helena Oliva Augusto

Aluno: José Luiz dos Santos Pereira Filho

Nº USP: 3666325

16/01/2012

O intuito deste texto é de elaborar um pequeno levantamento do estado da questão sobre o

indivíduo entre os medievalistas nas ultimas décadas, apontando para o espaço de discussão entre

dois autores vistos no curso e o como estes podem contribuir com estas discussões. Não se trata de

defender ou datar o surgimento do indivíduo na Idade Media e sim analisar alguns conceitos e

teorias de Max Horkheimer e Michael Foucault sobre processos de individualização e compará-los

com estudos de medievalistas sobre este tema.

O indivíduo e a Idade Media

A questão do individualismo ocidental é relativamente recente nas pesquisas sobre idade

media. Somente a partir dos anos 70, salvo alguns trabalhos pontuais, foi que o interesse por esse

tema começou a motivar pesquisas de forma um pouco mais regular entre os medievalistas. Alfons

Dopsch, foi um dos primeiros medievalistas a sugerir, em 1929, um “individualismo econômico”,

datando a origem da tradição individualista ocidental entre os antigos germanos. Walter Ullmann,

em seu livro publicado em 1966, The individual and society in the middle ages, desenvolveu três
teses sobre a questão do indivíduo, apontando os anos 1150-1250 como anos chaves para a

emergência do cidadão: a tese abstrata, onde o ponto central está na eclesiologia medieval, a tese

pratica, dando conta dos relações feudais de governo, e a tese humanista, que argumenta como a

filosofia e a teologia de influência aristotélica ajudaram na emergência do indivíduo e do cidadão.

Outro medievalista, pouco anterior aos anos 1970, mas que contribuiu bastante para a questão do

indivíduo foi o padre Marie-Dominique Chenu, o qual aponta em 1969, para um “despertar da

consciência” na Idade Media. Historiadores do direito também haviam trabalhado com a tese de

uma ênfase do individual com o ressurgimento do direito romano no século XI.

O trabalho que levou a questão do indivíduo para o campo dos medievalistas foi a obra, já

considerada clássica, de Colin Morris, The Discovery of the Individual 1050-1200 publicado em

1972. O trabalho de Morris foi influenciado pelas obras de Haskis, The Renaissance of the Twelfth

Century (1927), e de outros pesquisadores como Walter Ullmann, no exame dos aspectos do

individualismo na vida política, Peter Dronke, no desenvolvimento da individualidade na literatura

medieval, e Richard William Southern, na natureza pessoal da religiosidade nos pensadores e

escritores eclesiásticos do século XII e XIII. Sua atenção se voltou para o século XI e XII,

percebendo que os processos de formação do “individuo” consistiam em uma serie de modificações

de elementos que estavam presentes na antiguidade, e que haviam sido relidos pelo cristianismo e

assimilados ao pensamento Medieval. Morris conclui, ao final de seu livro:

A descoberta do indivíduo foi um dos mais importantes desenvolvimentos culturais nos

anos entre 1050 e 1200. Não estava restrito somente a um grupo de pensadores. Seus

principais traços podem ser encontrados em diversos círculos: a preocupação com o auto

descobrimento; um interesse entre o grupo social e o papel individual na sociedade; a busca

por uma avaliação pessoal das intenções internas em vez de seus atos externos.1

Um segundo trabalho de síntese sobre o assunto foi a obra de Aron J. Gourevitch La naissance

de l'individu dans l'Europe Médiévale de 1997. Gourevitch, em seu primeiro capítulo, além de fazer

1
MORRIS, Colin. The Discovery of the Individual 1050-1200. pg 158.
um balanço historiográfico sobre o tema, também nos indica duas correntes de pesquisa. A primeira

se concentra sobre a questão da individualidade; a segunda, sobre a pessoa.

Sobre a busca de uma individualidade, estes autores procuram descobrir as características nas

obras dos escritores medievais e renascentistas que manifestem uma auto-reflexão. O problema,

segundo Gourevitch, seria que estes estudos estão fundados em:

...sistema de valores; os atores dessa corrente se deixam, voluntariamente ou não, guiar pela

idéia da individualidade tal como ela se afirmou na Europa ao longo dos Tempos

Modernos. Então, eles sublinham, na antropologia medieval, os aspectos que a atam ao

futuro. Uma de suas preocupações principais é de determinar o momento onde o homem

medieval parece capaz de ‘descobrir’ nele mesmo a individualidade. (...)seria mais correto

falar não de ‘individualidade’ mas de ‘mecanismos’ sociais, culturais e semióticos da

individualização, o que Lucien Febvre denomina ‘uma utensilagem mental.2

A segunda corrente de pesquisas estuda o problema concentrando-se na pessoa (personne). A

individualidade se constitui nos quadros de condições histórico-culturais determinados: em algumas

sociedades, ela toma consciência dela mesma e se manifesta como tal, chegando a dominar o

principio do grupo ou do clã. Se a pessoa é uma qualidade inalienável do ser humano que vive em

sociedade, ela se reveste de traços específicos dependendo dos sistemas histórico-culturais.

A pessoa é o indivíduo humano inserido dentro das condições socio-historicas concretas;

independente do seu grau de originalidade, a pessoa é inevitavelmente ligada à cultura de

seu tempo, impregnado da visão de mundo, da representação do universo e dos sistemas de

valores da sociedade e do grupo social ao qual ela pertence.3

Gourevitch nos aponta para a necessidade de uma mais rigorosa conceitualização e também para

a necessidade de mantermos certa austeridade em relação ao período, evitando a “importação” de

valores modernos para documentos medievais. O uso do conceito de pessoa permite não

imputarmos valores estrangeiros àquela sociedade.

2
GOMES, J. A Idade Média e um (im)possível individuo. pg 23.
3
GOUREVITCH, Aron J. La naissance de l'individu dans l'europe médiévale. Pg 23.
Uma série de trabalhos sobre o assunto foram produzidos nestas últimas duas décadas. Tanto

Gourevitch quanto Iogna-Prat explicam esse recente interesse no tema pelo fato de a sociedade

ocidental capitalista, após a queda do comunismo, estar vivendo uma redefinição de identidade.

Pode-se acrescentar também a ligação entre esta “era do individuo” que vivenciamos4, e o

desenvolvimento do neoliberalismo.

Historiadores como Jean-Claude Schmitt, C.W. Bynum, J.E. Benton, M. Clanchy e outros

trabalham ou já trabalharam este tema de diferentes formas, o que colaborou em muito para o

alargamento deste campo de pesquisa.

A mais recente síntese sobre o assunto é o livro dirigido por Dominique Iogna-Prat e Miriam

Bedos-Rezak, L'Individu au Moyen Âge. Trata-se de um conjunto de trabalhos de diversos

historiadores no esforço de mostrar alguns dos campos possíveis de pesquisa, seus limites,

especificidades e possibilidades.

É particularmente interessante o primeiro capítulo, escrito por Iogna-Prat, o qual faz um

levantamento historiográfico de conceitos e nos apresenta três principais direções nos trabalhos

sobre o tema e dois caminhos metodológicos.

Sobre os caminhos metodológicos, o primeiro é historicista evolucionista, o segundo é chamado

de culturalista.

No primeiro caso que figura, se estima que o individualismo é fruto de uma evolução mais

ou menos longa, que a história deve explicar; a segunda posição faz das diversas culturas da

história uma infinidade de mundos separados cujos os sistemas de valores resistem a toda

tentativa de comparação.5

Iogna-Prat afirma que mesmo que a maioria dos historiadores de épocas antigas (Antiguidade e

Idade Media), sejam seguidores da corrente culturalista, os historiadores que contribuíram com a

obra por ele codirigida caminham pela via evolucionista.

As pesquisas presentes no livro de Iogna-Prat seguem três caminhos: O estudo das questões do

4
IOGNA-PRAT, D. et BEDOS-REZAK, B. M. (orgs). L'Individu au Moyen Âge. Pg 7.
5
Ibid. p. 9.
Individuo pela filosofia medieval; a renovação do gênero da biografia e os modos e usos da

expressão de si.

Os trabalhos realizados por historiadores e por especialistas da literatura medieval possibilitaram

uma evolução nos estudos, hoje mais especializados, da filosofia medieval, tanto na área da

conceitualização e das palavras utilizada (evolução léxico-conceitual de palavras como

“identidade”, “indivíduo”, “pessoa” e “sujeito”), como no que se refere ao nominalismo e à querela

dos universais.

O gênero biográfico é considerado um importante eixo de reflexão sobre o indivíduo, e é

entendido como indispensável para complementar as análises das estruturas sociais e de

comportamento coletivo. Não se trata mais de biografias de grandes homens interessadas em

produzir herois para as nações, mas sim de observar a relação do personagem com a sociedade que

vive.

Iogna-Prat sublinha que a contribuição essencial que os medievalistas dão à história do

individualismo ocidental está na prática do “falar de si”. Sob esse título bastante amplo está o

interesse pela renovação do gênero autobiográfico no século XII, realizada por figuras como

Abelardo, Guibert de Nogent e outros, que tomaram como modelo mais ou menos fiel a Confissões,

de Agostinho, porém já com um novo sentido devido ao novo contexto teológico moral, que

interioriza o pecado e promove um “despertar da consciência” nas obras do período. Promovidas

pela confissão privada, estas obras estão ligadas mais a uma tentativa de entrar em conformidade

com a sociedade por meio de uma nova teologia e eclesiologia, do que a uma expressão original de

si.6

...convém ser cuidadoso com o que nos carregamos de nossa cultura quando queremos

singularizar a expressão “falar de si”. A Idade Média não conheceu nossas aspirações a

personalidade original.7

Outra questão fundamental, que o autor nos mostra para a problemática do individuo na Idade
6
IOGNA-PRAT, D. et BEDOS-REZAK, B. M. (orgs). L'Individu au Moyen Âge. Pg. 21.
7
IOGNA-PRAT, D. et BEDOS-REZAK, B. M. (orgs). L'Individu au Moyen Âge. Pg. 22.
Média, é a diferenciação entre eixos de trabalho – os que falam de individuação e de

individualização. Os trabalhos que utilizam o conceito de individuação estudam os diversos indícios

que permitem significar ao mesmo tempo a singularidade do agente empírico, e também o uso

diferenciado e sobretudo combinado dos signos de identidade, não tendo, estes últimos, razão de ser

fora das referências do grupo a que pertencem. Sobre a individualização – quer dizer, segundo todas

as formas possíveis de auto-reflexão e de acordo com a escrita sobre si – a questão do sujeito do

discurso gira mais em torno da adequação de um modelo, que sobre a afirmação original de um

impossível “eu”, forma que a Idade Media latina não sabia nomear de forma substancial.8

O processo de emergência do indivíduo em Horkheimer e a passagem da

razão objetiva para a subjetiva.

Segundo Horkheimer, o indivíduo não é um ser eterno. Indivíduo aqui entendido não como

um membro particular da espécie humana, mas como uma entidade histórica que compreende

conscientemente sua própria individualidade e identidade. Esta individualidade pressupõe o

sacrifício voluntario da satisfação imediata em nome da segurança, da manutenção material e

espiritual da sua própria existência.

Para o autor, o conceito de individualidade começa sua história na Grécia antiga com o herói

grego. Entre a autopreservação e o auto sacrifício traços de individualidade começam a emergir,

porem não completamente, pois na luta entre tradição, tribo, polis e indivíduo, o último sempre é

derrotado9. Devemos lembrar também que o herói grego é essencialmente o representante de uma

determinada cidade, ele em si é um modelo para os membros de determinada polis, aquele em que

se reflete a identidade ideal da cidade, que por vezes quebra com as antigas tradições e paradigmas

para fundar outros.

Foi a cidade que possibilitou as condições econômicas e sociais para a existência do


8
IOGNA-PRAT, D. et BEDOS-REZAK, B. M. (orgs). L'Individu au Moyen Âge. p. 23.
9
HORKHEIMER,M. Eclipse da razão. p. 135.
indivíduo, porem foi somente na polis grega que este ganhou uma sistemática elaboração filosófica

que levasse em consideração sua existência e seu lugar na sociedade, projetando assim um

equilíbrio entre liberdade individual e controle coletivo. Na filosofia de Platão, este equilíbrio se

dava tanto no campo prático como no campo teorico definiu para cada estamento da sociedade

funções e direitos, correlacionando a estrutura da sociedade com a natureza dos seus membros10. No

plano teórico, foi construída uma estrutura hierárquica universal que assegurava a participação de

cada indivíduo nos arquétipos ideais. Platão legitima a liberdade individual na medida em que o

homem constróe a si próprio, porem somente desenvolvendo as suas potencialidade inatas. Não é

possível, para este sistema, que o homem se desenvolva indefinidamente; ele o faz por vontade

própria mas somente na medida de seu potencial, de seu destino, dado por uma ordem, força, razão

ou entidade fora e estranha ao próprio homem. Segundo Horkheimer, “inerente ao sistema de Platão

é a idéia de uma razão objetiva ao invés de subjetiva e formalizada”11.

Os conceitos de razão objetiva e subjetiva para Horkheimer são fundamentais e inseparáveis

de sua teoria sobre a história do indivíduo.

Em primeiro lugar, é importante lembrar que a relação entre estes conceitos não é de oposição,

e sim de predominância, ambas as razões aparecem em determinada sociedade em determinado

tempo, com a predominância de uma sobre a outra. Historicamente na sociedade ocidental houve

esta inversão, da predominância da razão objetiva para a da razão subjetiva.

Em nossa sociedade ocidental a razão objetiva se estruturou na Grécia antiga e pode denotar

tanto a existência de “... uma estrutura inerente à realidade que por si mesma exige um modo

específico de comportamento em cada caso, seja uma atitude prática ou seja teórica”12, como o

esforço e a capacidade de refletir tal ordem.

Os sistemas filosóficos de razão objetiva implicam a convicção de que se pode descobrir

uma estrutura fundamental ou totalmente abrangente do ser e de que disso pode derivar

uma concepção do destino humano.13

10
HORKHEIMER,M. Eclipse da razão., p 17.
11
Ibid, pg 138.
12
Ibid, pg 137.
13
Ibid, p 17.
Em Sócrates vemos pela primeira vez a razão concebida como compreensão universal,

devendo assim determinar as relações humanas, seus sistemas de crença e sua interação com a

natureza, mas foi na filosofia de Platão que os atributos socráticos da intuição e da consciência,

novas forças de natureza divina dentro do sujeito começaram a propor mudanças nas próprias

estruturas mitológicas, as transformando em idéias e permitindo ao sujeito individual perceber a

ordem eterna das coisas pela razão, através da filosofia, e com isso seguir uma linha de ação na

ordem temporal.

O conceito de uma racionalidade extra humana não exclui uma racionalidade subjetiva. A

racionalidade subjetiva aparece como expressão limitada e parcial da racionalidade universal.

Quando a razão é vista como uma faculdade subjetiva da mente, somente o sujeito pode

verdadeiramente ter razão, ela não existe fora da mente do homem enquanto ser empírico, “em

ultima instancia, a razão subjetiva se revela como a capacidade de calcular possibilidades e desse

modo coordenar os meios corretos com um fim determinado.14

No século XVII os aspectos objetivos da razão ainda predominavam, porem a medida em que

a razão e a religião, cada vez mais, separavam-se, os aspectos formais e subjetivos começaram a

ganhar força como manifesto durante o período iluminista. Desde a renascença, segundo

Horkheimer, filósofos se esforçam para formular “(...) uma doutrina tão ampla como a teologia, e

que valesse por si própria, em vez de aceitar de uma autoridade espiritual os seus valores e

objetivos supremos”15. A filosofia racionalista pretendia se apoderar da razão ao fornecer

explicações e modelos explicativos para essa ordem externa ao ser humano, assim revelando a

verdadeira natureza das coisas e os modelos de comportamentos condizentes a esta natureza.

Mesmo conservando Deus, estes autores eliminaram a graça, essencial no modelo agostiniano para

a compreensão verdadeira do mundo e colocaram em seu lugar a razão, assim competindo

diretamente com a religião nos campos da ética, metafísica e política. Ao mesmo tempo empiristas

14
HORKHEIMER,M. Eclipse da razão. p. 11.
15
Ibid, p. 20.
como Locke, desenvolviam sistemas que não entravam em embate direto com a religião, porem

retiravam dela qualquer possibilidade de compreensão de uma razão objetiva, pois a negavam

completamente.

Com a ética cristã agora secularizada, o conceito de verdade objetiva não era mais garantido

por qualquer dogma exterior ao próprio pensamento, mesmo que a suposição de idéias inatas e de

instituições evidentes por si ainda norteassem as atividades sociais e individuais das pessoas.

Mas a unidade fundamental de todas as crenças humanas, enraizada numa ontologia

cristã comum, foi gradativamente dissipada, e as tendências relativistas que tinham

sido explicitas nos pioneiros da ideologia burguesa tais como Montaigne, e que

foram depois temporariamente impelidas para o segundo plano pelos metafísicos

racionalistas, se afirmaram vitoriosamente em todas as atividades culturais.16

O golpe final na razão objetiva foi dado pelos iluministas que ao atacarem a religião em nome

da razão, o que realmente derrubaram foi a metafísica e o próprio conceito de razão objetiva.

Para Horkheimer a passagem da razão objetiva para a razão subjetiva, na sociedade ocidental

foi um progresso histórico necessário. As relações entre os processos de formação histórica do

indivíduo e a passagem da predominância da razão objetiva para a razão subjetiva estão ligados à

passagem de uma sociedade que, de forma geral, baseia suas teorias políticas, ideais éticos e

instituições na imutabilidade de uma verdade extra humana e em uma hierarquia espelhada em

estruturas ideais ou divinas, para uma sociedade onde a ética, a teoria política e as instituições são

dirigidas pela razão, na medida em que os homens que as conduzem ou as praticam adéquam os

meios aos fins esperados.

Na filosofia medieval, a personalidade aparece como um microcosmo que corresponde a uma

hierarquia social e natural imutável17.

A insistência sobre a ordem imutável do universo, que implica uma visão estática da

História, impede a esperança de uma emancipação progressiva do sujeito de uma

16
HORKHEIMER,M. Eclipse da razão. p. 21.
17
HORKHEIMER,M. Eclipse da razão. pg 138.
eterna infância tanto na comunidade quanto na natureza. 18

Porem, foi também na Idade Media que houve o amadurecimento do cristianismo e com isso

um imenso reforço nas aspirações à individualidade. Devido a idéia de que o mundo terreno é

somente um trecho na longa peregrinação das almas e de que estas são iguais em valor, pois foram

criadas por Deus a sua imagem e semelhança, houve uma valorização nunca antes experimentada de

elementos e características interiores. Com a associação proposta pelo cristianismo entre o domínio

e o abandono dos impulsos naturais e com o amor universal para a salvação da alma, a idéia de

autopreservação se transforma em principio metafísico e “...pela própria desvalorização do ego

empírico, o indivíduo adquire uma nova profundidade e complexidade”19. Esta negação da vontade

da autopreencher em favor da alma eterna afirmou o valor infinito de cada homem; negando-se a si

mesmo pela imitação de Cristo, o individuo adquire simultaneamente uma nova dimensão e um

novo ideal pelo qual modelar sua vida sobre a Terra. Quando a Igreja estabelece seus domínios

sobre a vida interior, uma esfera nunca invadida pelas instituições sociais da Antiguidade clássica,

ela cria e alimenta um espaço que não poderá limitar ao logo do tempo.

Tal como a mente nada é sendo um elemento da natureza desde que persiste em sua

oposição à natureza, do mesmo modo o indivíduo não é nada senão um espécie

biológico desde que é apenas a encarnação de um ego definido pela coordenação das

funções a serviço da autopreservação. O homem emergiu como indivíduo no

momento em que a sociedade começou a perder a coesão e ele tornou-se consciente

da diferença entre sua vida e a da coletividade aparentemente eterna. A morte

adquiriu um aspecto duro e implacável, e a vida do indivíduo tornou-se um valor

absoluto insubstituível20.

O conceito de indivíduo para Horkheimer, sua constituição e a articulação com os conceitos

de razão objetiva e subjetiva, pode servir para nos aproximar de algumas idéias e hipóteses lançadas

por alguns medievalistas, auxiliando a melhor entender, discutir e criticar algumas de suas posições.

Este dialogo também é útil para melhor explorar a constituição do indivíduo na obra de
18
HORKHEIMER,M. Eclipse da razão. p. 138
19
ibid. p. 141
20
Ibid, idem.
Horkheimer, sua formação enquanto processo histórico qual presupõe maiores detalhamentos e

criticas com base em novas pesquisas neste campo.

Podemos perceber algumas das idéias de Horkheimer nas pesquisas sobre o indivíduo na

Idade Media quando estas apontam para a complexificarão dos sistemas de ordenação social e

hierarquização da sociedade na sociedade medieval.

Embora a idéia de uma sociedade medieval com papéis sociais rigorosamente estabelecidos

esteja sendo revista por historiadores como Dominique Iogna-Prat, segundo o qual, “a sociedade

medieval sempre foi de um holismo bem moderado e suas estruturas de controle relativamente

plásticas”21, é possível localizar, nas próprias palavras de Abelardo, referências sobre uma vocação,

inspirada por Deus.

No entanto, como parecia que o Senhor me havia concedido, para o ensino das Escrituras,

um talento não inferior ao que me dera para a ciência profana, a minha escola começou a

crescer bastante com as duas disciplinas, enquanto as outras muito declinavam.

Consequentemente, provoquei, contra mim, o ódio e a inveja dos outros mestres. Estes,

rebaixando-me em tudo que podiam, objetavam, em minha ausência, sobretudo duas coisas,

ou seja, que era muito contrário aos propósitos do monge deter-se no estudo dos livros

profanos, e que eu havia ousado assumir o magistério da ciência divina sem um mestre.

Assim, incitaram os bispos, arcebispos e abades e todas as autoridades religiosas que podia,

para que me fosse proibido o exercício do magistério.22

Pode-se perceber, nesta passagem da Historiae Calamitatum, uma contradição entre a vontade

divina que, segundo o próprio Abelardo, lhe deu um dom, um talento, um atributo individual, e o

ordenamento e a categorização funcional do mundo que, por sua vez – segundo aqueles que

produziram e difundiram estes modelos de ordenação – tinham origem também na vontade divina.

A História das minhas calamidades (Historiae calamitatum, 1131-1132), carta que Pedro

Abelardo escreve a um amigo anônimo, é considerada como um dos primeiros textos

21
Dominique IOGNA-PLAT, Ordem(ns), p. 313. in: J. LEGOFF ; J-C. SCHIMITT. Dicionário Temático do Ocidente
Medieval.
22
PEDRO ABELARDO, Primeira carta ou a historia das minhas calamidades, p. 105.
autobiográficos23. Esta carta que justifica os atos de Abelardo, através de suas intenções, mostra sua

obediência à ordem divina e à forma pela qual foi punido quando não seguiu esta ordem. Segundo

Michael Clanchy, esta carta deve seu sentido à obra Ética ou conhece-te a ti mesmo, onde Abelardo

sustenta que a ação em si mesma é indiferente, sendo que a intenção consiste em pecado ou não, e,

portanto somente Deus e o próprio sujeito da ação/intenção podem saber verdadeiramente o que é

pecado, o que é contravenção 24.

Segundo Dominique Iogna-Prat, o estudo da sociedade de ordem(ns) medieval(vais) permite

esclarecer as modalidades de passagem de uma sociedade onde preponderam relações do tipo

holísticas para uma onde as relações dominantes serão do tipo individualista. Este tema foi

estudado pelo antropólogo Louis Dumont em sua obra, O individualismo uma perspectiva

antropológica da ideologia moderna, à qual, de acordo com Iogna-Prat, os medievalistas não

podem mais permanecer indiferentes25.

Dumont propõe que o indivíduo-em-relação-com-Deus cristão (antigo ou medieval) deve ser

visto como um indivíduo-fora-do-mundo. O sujeito empírico moderno seria um indivíduo-no-

mundo, pois existe a possibilidade de “ser não social” em pensamento, e continuar de fato vivendo

em sociedade. Já o indivíduo-fora-do-mundo só existe quando renuncia e abandona o mundo ou a

sociedade em que vive. O renunciante pode viver tanto como eremita solitário, quanto juntar-se em

grupos de colegas renunciantes sobre a autoridade de um mestre-renunciante26. O autor propõe que,

no cristianismo, “a emancipação do individuo por uma transcendência pessoal, e a união de

indivíduo-fora-do-mundo numa comunidade que caminha na terra mas tem seu coração no céu” 27

permitem que Dumont explique, aqui de forma esquematizada, a passagem de uma sociedade de

predominância holística para uma de predominância individualista.

Com a relativização da ordem mundana, ou seja, que subordinados a uma ordem superior e

23
Em relação ao termo autobiográfico, não podemos entendê-lo da mesma forma que se entende hoje – esta carta de
Abelardo não foi escrita para reivindicar uma singularidade pessoal, possibilidade esta anacrônica (segundo Jean-
Claude Schimitt em La conversion d'hermann le juif: autobiographie, histoire et fiction. pg 63 a 70).
24
CLANCHY, M. Abélard, pg. 168.
25
IOGNA-PRAT, M. Ordem(ns), p. 317.
26
DUMONT, L. O individualismo. p.38.
27
DUMONT, L. O individualismo, p. 44.
transcendente, cria-se uma dicotomia ordenada, onde o mundano e o sagrado estão ordenados pelos

mesmos critérios e submetidos a uma hierarquia absoluta. Por estarem submetidos a este todo

ordenado e hierarquizado, os indivíduos-fora-do-mundo reconhecem e obedecem aos poderes

mundanos, de natureza laica, quando estes estão em acordo com esta ordem divina. Dumont usa

como exemplo o ensinamento paulino “dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”,

onde a simetria aparente mostra que é por causa da vontade de Deus que se deve honrar César.

Segundo o autor, ainda podemos ver na história este valor supremo exercer pressão sobre o

elemento mundano antitético e por etapas; estes elementos serão impregnados por elementos

extramundanos até que a heterogeneidade desapareça completamente.

Todo o campo estará então unificado, o holismo terá desaparecido da representação,

a vida no mundo será concebida como suscetível de harmonizar-se totalmente com o

ser supremo, o indivíduo-fora-do-mundo se converterá no moderno indivíduo-no-

mundo28.

Michel Foucault: uma proposta metodológica

Segundo Foucault, o poder é essencialmente repressivo, ele reprime a natureza, os indivíduos,

os instintos, uma classe29. O poder em si próprio é ativação e desdobramento de uma relação de

força, portanto deve-se analisá-lo em termos de combate e guerra, uma guerra prolongada, e não

sòmente em termos de cessão, contrato, alienação ou em termos funcionais de reprodução das

relações de produção. Sua prática seria a repressão, acontecendo como uma perpétua relação de

forças no interior de uma pseudo-paz ordenada.

Em toda a sociedade existiriam relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e

constituem o corpo social, não sendo possível dissociá-las, estabelece-las ou te-las sem uma

produção, uma circulação e um funcionamento do discurso.

Um principio geral, apontado por Foucault, diz respeito às relações entre o direito e o poder.
28
DUMONT, L. O individualismo, p. 45.
29
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder, p. 175.
Parece-me que nas sociedades ocidentais, desde a Idade Media, a elaboração do

pensamento jurídico se faz essencialmente em torno do poder real. É a pedido do poder real,

em seu proveito e para servir-lhe de instrumento ou justificação que o edifício jurídico de

nossas sociedades foi elaborado.30

A instituição do poder real, assim como a institucionalização da igreja, foi, em grande parte,

obra de juristas apadrinhados por estes senhores para construir e justificar seus poderes. Com a

reativação do direito romano no século XII começou a construção do grande edifício jurídico que

fixara a legitimidade do poder, centrado na questão da soberania. Isto implica, segundo Foucault,

em afirmar que nas sociedades ocidentais o discurso e a técnica do direito tiveram a função de

amenizar a dominação dentro do poder construindo para isso um discurso que tornava legítimos os

direitos da soberania e impunham a obrigação legal da obediência.

O projeto geral da obra de Foucault, nos anos que antecederam a publicação do livro A

microfísica do poder, foi o de analisar e fazer emergir aspectos da dominação no intimo do discurso

do direito, tentando mostrar que, de forma geral, o direito é um instrumento de dominação, um

procedimento de sujeição. Propõem-se também a analisar como o direito põe em prática e veicula

relações que não são relações de soberania e sim de dominação:

Por dominação eu entendo não o fato de uma dominação global de um sobre os outros, ou

de um grupo sobre outros, mas as múltiplas formas de dominação que podem se exercer na

sociedade. Portanto, não o rei em sua posição central, mas os súditos em suas relações

recíprocas: não a soberania em seu edifício único, mas as múltiplas sujeições que existem e

funcionam no interior do corpo social.31

Portanto o problema seria evitar a questão da soberania e da obediência dos indivíduos que lhe

são submetidos e fazer aparecer em seu lugar o problema da dominação e da sujeição. Para isso

Foucault alerta para cinco precauções metodológicas que devem orientar este tipo de pesquisa.

Deve-se procurar e orientar a pesquisa para a dominação, os seus operadores materiais, os usos e as

conexões da sujeição pelos sistemas, os seus dispositivos estratégico e as formas de sujeição,

30
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder, 180.
31
Ibid, p.181.
Trata-se de captar o poder em suas extremidades, nas suas formas e instituições mais regionais

e locais, quando este ultrapassa as regras do direito, e penetramem instituições, assim ganhado

corpo nas técnicas e nos instrumentos de intervenção material. Logo após esta primeira

aproximação, a segunda orientação seria a de procurar captar a instancia material da sujeição

enquanto constituição dos sujeitos, indagando como as coisas funcionam no nível dos processos de

sujeição contínuos e ininterruptos dos corpos, gestos e comportamentos.

A terceira precaução leva em consideração uma análise ascendente do poder, onde os

elementos a serem destacados são os minúsculos mecanismos de poder, sua história, técnicas e

táticas, e o como estes ainda são investidos, colonizados, deslocados por mecanismos cada vez mais

gerais e por formas de dominação global. Foucault, ao se referir a estes mecanismos, deixa claro

que não se trata de um movimento descendente por parte do mecanismo global e, sim, de anexações

e expansões dos mecanismos de menor alcance. Em resumo é preciso examinar historicamente,

partindo de baixo, como os mecanismos de controle puderam funcionar.

A quarta precaução trata de levar em consideração que as grandes máquinas de poder podem

ter sido acompanhadas de produções ideológicas. Para exercer-se, o poder é obrigado a formar,

organizar e circular aparelhos de saber, instrumentos reais de formação e de acumulação do saber

como técnicas de registros, métodos de investigação, procedimentos de inquérito que não são

construções ideológicas.

A ultima precaução metodológica destacada seria de:

não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciça e homogênea de um indivíduo

sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras; mas ter bem

presente que o poder – desde que não seja considerado de muito longe – não é algo que se

possa dividir entre aqueles que o possuem e o detêm exclusivamente e aqueles que não o

possuem e lhe são submetidos.32

O poder, como Foucault entende, funciona em rede, onde os indivíduos não atuam como alvos

e sim como pontos de transmissão e retransmissão. Sua concepção de indivíduo aparece claramente

nesta precaução. O indivíduo não é concebido como um núcleo elementar ou uma matéria múltipla
32
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder, 183
e inerte que o poder golpearia até o estraçalhar. Um dos primeiros efeitos do poder é justamente

fazer com que corpos, gestos, discursos e desejos sejam identificados e se constituam enquanto

indivíduos. Somente há indivíduo na medida que um corpo exerce e transmite poder, estas formas

de transmissão e exercício do poder variam de acordo com a sociedade em que o indivíduo está

emerso. Existem situações onde não é possível se falar de indivíduos, ou só se pode de forma muito

limitada, é o caso do estado de dominação – conceito que difere do de dominação – onde:

um indivíduo ou grupo social chega a bloquear um campo de relações de poder, a torná-las

imóveis e fixas e a impedir qualquer reversibilidade de movimento – por instrumentos que

tanto podem ser econômicos quanto políticos e militares -, estamos diante do que pode

chamar de um estado de dominação. É lógico que, em tal estado, as práticas de liberdade

não existem, existem apenas unilateralmente ou são extremamente restritas e limitadas33.

A grande contribuição que Michel Foucault deixou para os medievalistas, de forma geral e

especificamente na questão do indivíduo, foi o método de investigação. Estas precauções

metodológicas propostas foram incorporadas por diversos autores o que levou a uma mudança nos

objetos de estudos dos medievalistas.

Grande parte das pesquisas em história medieval que investigam os processos de surgimento

do indivíduo, atentam, em maior ou menor grau, para aspectos das relações de poder entre

indivíduos ou grupos para com outros indivíduos ou grupos, focalizando as relações locais e

regionais, casos limites e indivíduos marginalizados.

Aaron Gourevitch, ao escrever o verbete indivíduo para o dicionário temático do ocidente

medieval, relatou o caso de Opicínio Canistris, um clérigo que viveu na primeira metade do século

XIV, e sua autobiografia em forma de quatro “auto-retratos”. Gourevitch escolheu este clérigo por

aparentemente apresentar algum distúrbio psíquico, oferecendo a possibilidade de melhor

compreender o sujeito medieval.

“ O historiador interessa-se pouco pelas neuroses e psicoses. Se havia a perturbação, sua

tarefa é estabelecer um elo entre ela e a cultura da época considerada. O que lhe importa

33
FOUCAULT, M. Ética, sexualidade, politica. pg 266.
saber, é justamente de que maneira aquele homem era louco.”

Jean-Claude Schmitt também teve como objeto de estudo um marginalizado em seu trabalho

sobre a autobiografia na Idade Media. Sua obra, La conversion d´Hermann le juif: autobiographie,

histoire et fiction, analisa um relato escrito supostamente por um judeu do século XII, originário de

Cologne, que se converteu ao cristianismo. Um dos supostos problemas dessa obra está na questão

da autoria, chegou-se a um consenso em relação à datação do documento, mas não em relação a

quem o escreveu, um judeu convertido ou clérigos cristãos . Ao analisar o texto produzido e não

quem o produziu, Schimitt concentra-se nas relações de poder presentes nestes discursos, o que

possibilitou a exploração da questão autobiográfica-subjetiva, as relações entre imagem onírica e

imagem cultural e a passagem da conversão coletiva para a conversão individual.

Ao levar em consideração elementos desta metodologia, os historiadores, especificamente os

medievalistas, abrem a possibilidade de um diálogo com os conceitos formulados por Foucault. O

diálogo entre medievalistas e autores com Horkheimer, Foucault e outros apresentados no curso

enriquece e permite o aprofundamento da questão do indivíduo, fornecendo, por um lado, estudos

sobre uma sociedade diferente da atual mas que carrega em si elementos para a síntese que vai gerar

o mundo moderno, por outro, quadros conceituais e análises que possibilitam o desenvolvimento e

o amadurecimento deste objeto ás vezes difícil de rastrear.


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