Você está na página 1de 20

CAPÍTULO 1

Do “tornar-se pessoa” ao “tornar-se


transpessoal”
Histórico, precursores e o nascimento de um paradigma

1.1 Ligeiramente trans: breve histórico da Psicologia


Transpessoal

O parentesco observado entre a teoria humanista e a Psicologia Transpessoal10 deve-se ao fato de que os pais da
terceira força são os mesmos que geraram a quarta força, como poderemos perceber acompanhando a seguir um
breve registro temporal do desenvolvimento da Psicologia Transpessoal11.
A definição da “Terceira Força” foi apresentada pelo Dr. Abraham Maslow no verão de 1957, incluída na introdução
do primeiro número do “Journal of Hunanistic Psychology” (SUTICH apud WEIL, 1978, p. 24) e encontra-se abaixo
expressa:
A Revista de Psicologia Humanística ocupa-se com a publicação de pesquisas teóricas e aplicadas,
contribuições originais, ensaios, artigos e estudos sobre valores, autonomia, ser, ‘‘self’’, criatividade,
identidade, crescimento, saúde psicológica, organismo, autorrealização, necessidades básicas de satisfação
e conceitos relacionados.

Neste período surgiu a “Ortopsicologia” como primeiro título para aquilo que atualmente se conhece como
orientação humanística na psicologia.
Em 1959, durante a longa fase de lançamento do “Journal of Ortho-Psychology”, criou-se uma confusão entre
“Ortopsicologia” e “Ortopsiquiatria”, sendo o primeiro termo substituído, em respeito à já estabelecida revista de
psiquiatria, por “Self-Psychology”.
Em março de 1960, o Conselho de Curadores da Brandeis University confirmou o seu patrocínio à revista. No entanto,
para Sutich, estava implícito que só experimentalmente se chamaria “Journal of Self-Psychology”. O autor atribuiu a
provisoriedade do nome ao preconceito existente entre a comunidade científica em relação a termos como Self.
A Associação de Psicologia Humanística (APH) organizou-se nos Estados Unidos em 1961 e em 1963 ganhou como
patrocinadores e responsáveis os membros do Conselho de Editores da Revista de Psicologia Humanística Psicologia
Humanística (RPH). Em agosto deste mesmo ano realizou-se o encontro de fundação da Associação (APH), em Filadélfia,
Pensilvânia.
Durante o seu terceiro encontro anual, em agosto de 1965 em Chicago, votou-se uma proposta para transformar a
Associação em uma organização independente e isenta de taxas federais. Sendo assim, após alguns meses, a Associação
10 Ver Boainain Jr. (1998).
11 Maiores detalhes ver Ferreira (2006).
de Psicologia Humanística, como novo veículo para a “Terceira Força”, realizava seu encontro anual na posição de
organização independente, tendo como novo administrador John Levy e editor associado da RPH, Miles A. Vich.
Em 1965 esta organização define-se como:
[...] identificada com uma ampla concepção do método científico [...] Empenhada fundamentalmente na psicologia como uma
ciência... Interessada em tópicos que ocupam pouco espaço nos sistemas existentes, tais como amor, criatividade, espontaneidade,
jogo, calor humano, transcendência do ego, autonomia, responsabilidade, autenticidade, significado, experiência transcendental,
coragem. (WEIL, 1978, p.25)

No início de 1966 vários membros do Conselho de Editores da RPH foram convidados a participar de um seminário
intitulado “Teologia Humanística” com o Padre McNamara, chefe do Inter-Faith Spiritual Life Institute, de Sena, Arizona,
que se realizou em Hot Springs, Big Sur, Califórnia, e foi copatrocinado pelo Esalen Institute, no qual o Dr. Maslow,
que realizava um seminário em Big Sur, foi persuadido a participar como palestrante. Nos meses seguintes, foi sendo
detectada uma força emergente em Psicologia que estava sendo confundida com a Humanística.
Ainda naquele ano, surgiu no Canadá uma revista consagrada ao estudo da consciência cósmica, sob a direção do
psiquiatra Raymond Prince.
Em janeiro de 1967, o termo “trans-humanístico”, criado por Sir Julian Huxley em 1957, tornou-se “palavra-chave
para essa nova força” (WEIL, 1978, p.26). O “Trans” acrescido à palavra humanístico revelava a necessidade da ampliação
de estudos sobre uma gama de fenômenos desenvolvidos pela força anterior. Tabone (1995, p. 97) explica este momento
da seguinte forma:
Como consequência dessa aceitação e da importância atribuída à dimensão espiritual da vida humana, vários psicólogos humanistas
passaram a se interessar por uma série de estudos até então negligenciados pela Psicologia Humanista, tais como: o êxtase, as
experiências místicas, a transcendência, a consciência cósmica, a teoria e a prática de meditação e a sinergia interindividual e
interespécies.

Esta autora indica que se amplia, então, o movimento de reconhecimento da existência de um nível “trans”,
considerado até então como uma dimensão a ser pesquisada no cenário que configurava a pessoa humana numa nova
visão. Ao nível “trans” também passou a ser atribuída uma série de experiências, entendidas como aspectos intrínsecos da
natureza humana, segundo as quais todo indivíduo tem o direito de escolher ou de modificar o seu “caminho” para atingir
os objetivos transpessoais.
No dia 14 de setembro de 1967, em uma conferência na First Unitarian Church em São Francisco, o Dr. Abraham
Maslow fez a primeira apresentação pública da “Quarta Força” no campo da Psicologia. Três dias mais tarde, em um
seminário no Esalen Institute, Big Sur, Califórnia, o Dr. Maslow anunciou o lançamento, num futuro próximo, do “Journal
of Transhumanistic”.
Em dezembro de 1967, com a ajuda dada pelo Dr. Abraham H. Maslow e por Miles A. Vich, foram completadas a
definição e a declaração de objetivos da Psicologia Trans-humanística.
No início de 1968, durante uma discussão em que tomaram parte o Dr. Abraham H. Maslow, o Dr. Viktor Frankl, o
Dr. Stanislav Grof e o Dr. James Fadiman, sobre o título da revista que expressaria as ideias da nova força, houve uma
insatisfação com o termo “trans-humanístico”, sendo então substituído por “Transpessoal”.
Sutich (apud WEIL, 1978, p. 29) destaca esta substituição da seguinte forma:
Entretanto, as diferenças eram tão significativas que levaram inevitavelmente à conclusão de que uma área nova e de
características próprias da pesquisa psicológica estava se manifestando. Era uma área de pesquisa “pessoal”, mas que ia além dos
limites usuais da investigação científica. Além disso, a nova área diferia de maneira significativa do trans-humanismo (Huxley,
1957) pelo fato de enfatizar principalmente o indivíduo experienciador mais do que a raça humana como um todo. Por isso foi
bastante natural que... a nova área recebesse o título de “Psicologia Transpessoal”.

Grof (1988, p. XII), na abertura de sua obra magistral “Além do cérebro: nascimento, morte e transcendência em
psicoterapia”, descreve-nos, assim, este momento:
[...] conheci um pequeno grupo de profissionais, nos últimos anos da década de 60, que incluía Abraham Maslow, Anthony
Sutich e James Fadiman, que compartilhavam minha crença de que o tempo estava maduro para lançar um novo movimento em
psicologia, que enfocasse o estudo da consciência e o reconhecimento dos significados das dimensões espirituais da psique. Após
vários encontros para determinar a clarificação desses novos conceitos, decidimos chamar essa nova orientação de “Psicologia
Transpessoal”. Logo em seguida foi lançado o Journal of Transpersonal Psychology e a Associação de Psicologia Transpessoal.

Com referência a este momento de mudança, Tabone destaca que o termo “transpessoal”, conforme descrito por
Sutich (1969, apud WEIL, 1978): “além do pessoal” ou “além da personalidade”, desloca o foco de atenção dado até então
pelas psicologias anteriores à personalidade; sendo, portanto, uma marca diferenciadora e definidora da Psicologia
Transpessoal. Citando Vaughan, Tabone (1995, p. 98) refere-se assim ao fato acima descrito:
A Psicologia Transpessoal atribui menor importância à personalidade; esta é vista apenas como um dos aspectos do ser, com o qual
o indivíduo pode, mas não deve, identificar-se.
Em 1969 surgiu nos Estados Unidos a primeira Associação de Psicologia Transpessoal (Association for Transpersonal
Psychology), que publica uma revista de Psicologia Transpessoal cujo objetivo é a publicação dos trabalhos de pesquisa
dos estudiosos da Quarta Força.
Entre os primeiros editores da referida revista, destacaram-se Anthony Sutich, Michael Murphy e James Fadiman.
Teve como membros participantes: Charlotte Buhler, Abraham Maslow, Allan Watts, Arthur Koestler e Viktor Frankl.
Sutich (apud Weil, 1978, p. 30-31) ressalta a declaração de objetivos, como se segue:
[...] deve ser entendida como sujeita a interpretações opcionais individuais ou de grupos, tanto parcial quanto totalmente, com
relação à aceitação de seus conteúdos como essencialmente naturalistas, teístas, sobrenaturalistas, ou qualquer outra classificação
que se lhes dê.

De fato, isto realça o caráter democrático e o compromisso com a pesquisa científica desenvolvida por este órgão de
divulgação.
Com a formação da Associação de Psicologia Transpessoal e a publicação de sua revista, nasceu uma primeira
definição de Psicologia Transpessoal, assim expressa:
Psicologia Transpessoal (ou “Quarta Força”) é o título dado a uma força emergente no campo da psicologia, representada por
um grupo de psicólogos e profissionais de outras áreas, de ambos os sexos, que estão interessados naquelas capacidades e
potencialidades ÚLTIMAS que não possuem um lugar sistemático na teoria positivista ou behaviorista (“Primeira Força), na teoria
psicanalítica clássica (“Segunda Força”), ou na psicologia humanística (“Terceira Força”). (SUTICH, apud WEIL, 1978, p.29)

No que diz respeito ao seu campo de estudo, esta nova força em psicologia distingue-se de forma clara, como abaixo
pode ser conferido:
[...] ocupa-se especificamente do estudo científico empírico e da aplicação das descobertas importantes dos seguintes assuntos:
metanecessidades, no âmbito individual e da espécie; valores últimos; consciência unitiva; experiência de pico; valores B; êxtase;
experiência mística; respeito; ser; autorrealização; essência; felicidade; milagres; significado último; transcendência do ‘‘self’’;
espírito; singularidade; consciência cósmica; sinergia individual e da espécie; máximo encontro interpessoal; sacralização da vida
cotidiana; fenômenos transcendentais; alegria e diversão cósmica; consciência sensorial máxima; responsividade e expressão; e dos
conceitos e experiências e atividades relacionadas”. (SUTICH, apud WEIL, 1978, p. 30).

No ano de 1969, a American Association for Humanistic Psychology era uma organização independente e próspera,
mantendo suas pesquisas na área de “auto-realização”, enquanto o movimento orientado pela Psicologia Transpessoal
avançava em busca da “autotranscendência”.
Anthony Sutich, em 1971, organiza a Associação Americana de Psicologia Transpessoal.
Stanislav Grof funda a Associação Internacional Transpessoal (ITA) em 1978. Esta associação desenvolveu grandes
congressos sobre a transpessoal, sendo o primeiro em Danvers (Boston - USA) em 1979, até o seu apoio na realização do IX
Congresso Transpessoal Internacional: Florescer da Consciência, em parceria com a ALUBRAT em 2015.

1.2 Psicologia Transpessoal no Brasil: da ação dos pioneiros


à inserção acadêmica

As tradicionais escolas euro-americanas ainda são dominantes no exercício da psicologia pátria. No entanto,
autores como Augras (1983), Góis (1993) e Campos (1997) destacam que a diversidade cultural de um povo não pode
ser negligenciada quando se propõe a produção de um saber. Neste sentido, como pode uma psicologia inserida em um
contexto cultural de pluralidade, como é o Brasil, descartar os aspectos espirituais ou do sagrado de seu povo?
Teorias que buscam explicar a realidade psicológica brasileira devem estar atreladas às variáveis socioculturais.
Neste cenário, a Psicologia Transpessoal busca resgatar o vínculo entre as tradições populares e o saber acadêmico,
possibilitando uma ampliação das leituras apresentadas para estes fenômenos ao mesmo tempo que oferece um amplo
cenário de experiências quânticas no campo holográfico.
Na esteira desse entendimento, o Brasil constitui-se um dos países que, nas palavras de Matos (1992), tem “um
background especificamente transpessoal”, logo é de se esperar a riqueza de suas produções nesta área, bem como seu
interesse por este “approach científico holístico para a vida”. No entanto, o medo e o preconceito ainda se tem feito
presentes, criando obstáculos neste ramo de pesquisa, o que dificulta a expansão dessa forma de conhecimento.
Na história da psicologia brasileira, dois nomes destacam-se como os “pais” da Psicologia Transpessoal. O primeiro é
o de Pierre Weil, que, além de ter sido pioneiro na introdução da teoria transpessoal no campo acadêmico, percorreu nas
décadas de 80 e 90 várias regiões do país divulgando e anunciando o surgimento dessa nova escola no mundo acadêmico;
até a sua morte atuou com contribuição teórica inestimável, bem como montou centros formadores espalhados por todo
Brasil e uma universidade12 em Brasília. O segundo é Léo Matos, que influenciou intensamente a formação das primeiras
gerações de psicoterapeutas transpessoais, além de ter aberto, com seus cursos na Índia, um canal de comunicação com as
psicologias orientais.
O marco de introdução da Psicologia Transpessoal no Brasil foi o IV Congresso Internacional de Psicologia
Transpessoal, que ocorreu em Belo Horizonte em 1978. Sob a chancela de Léo Matos e Pierre Weil, este encontro
congregou os principais representantes nacionais e internacionais desta abordagem, e foi de onde surgiu a ideia da
criação da Associação Internacional de Transpessoal (ITA).
Assim, a Psicologia Transpessoal no Brasil nasce sob a orientação destes dois eminentes psicólogos transpessoais. Eles
foram parceiros por muito tempo, mas acabaram rompendo relações e formando escolas próprias dentro do movimento
transpessoal, reponsáveis pela formação de um grande número de terapeutas. Como grandes gigantes, contribuiram para
a consolidação da visão transpessoal, contudo suas sombras criaram divisões no meio transpessoal, que em última análise
revela o jogo de sombra e persona ainda em processo de integração. Nos últimos anos, as novas gerações de terapeutas
transpessoais estão resgatando força destes pioneiros, ao mesmo tempo que identificam, acolhem e transformam suas
dificuldades, caminhando para uma maior ampliação da transpessoalidade.
O Dr. Léo Matos funda a Associação Brasileira de Psicologia Transpessoal (ABPT) em 1985, que “é uma associação
científica, sem fins lucrativos, com o objetivo de promover cursos, conferências, workshops, pesquisas, congressos
e treinamento na área transpessoal”13. Esta associação vem oferecendo desde 1994 o “Curso Intensivo de Psicologia
Transpessoal e Psicologia Budista” na cidade de Dharamsala, “pequena vila situada ao norte da Índia, nas montanhas do
Himalaia, onde está situada a residência de Sua Santidade o Dalai Lama”. Os cursos de Psicologia Transpessoal, quer sejam
realizados no Brasil ou na Índia, são responsáveis pela formação de uma ampla gama de psicólogos transpessoais.
Marcia Tabone realiza em 1986 a primeira defesa de dissertação no Brasil com a temática da Psicologia Transpessoal
na Universidade PUC-SP; posteriormente esta dissertação foi transformada em livro e publicada pela Cultrix. Este foi um
marco histórico na inserção da Psicologia Transpessoal no espaço acadêmico brasileiro.
No dia 14 de abril de 1988, na presença do Presidente do Conselho da UNESCO, Sr. Israel Vargas, inaugura-se a
Universidade Holística Internacional de Brasília (UNIPAZ), tendo a frente o trabalho pioneiro de Pierre Weil, que
desde 1958, “exerceu a função de professor de Psicologia Social, de Psicologia Industrial e Psicologia Transpessoal na
Universidade Federal de Belo Horizonte/MG”14. Pierre Weil é uma das referências centrais da psicologia transpessoal no
Brasil, seja através da sua extensa publicação de livros, assim como da formação de terapeutas transpessoais e criação da
UNIPAZ.
A Escola Dinâmica Energética do Psiquismo é uma escola iminentemente transpessoal e foi fundada em 1991 por
Theda Basso e Aidda Pustilnik. Elas iniciaram suas atividades com turmas de formação em São Paulo e Salvador, abarcando
ainda turmas em Brasília, Fortaleza, Maceió, Belo Horizonte e Buenos Aires.
O Grof Transpersonal Training (GTT) é um treinamento internacional desenvolvido por Stanislav Grof e Christina
Grof. No Brasil, este treinamento vem sendo oferecido desde 1995, sendo que a partir de 2009 os terapeutas Dora e Álvaro
Jardim se tornaram coproprietários do programa de certificação do GTT no Brasil.
No Brasil, a coordenação do GTT foi estruturada e liderada, inicialmente, a partir de 1995, por Doucy Douek, psicóloga e terapeuta
transpessoal, que conduziu o treinamento e formou a primeira turma de facilitadores em setembro de 1997, em São Paulo. Em
fevereiro de 1999, Álvaro Jardim e Carmen Maciel atenderam o convite de Stan Grof e Tav Sparks e passaram a liderar em conjunto
o GTT no Brasil, coordenando o módulo “O Jogo Cósmico: Fronteiras da Consciência Humana”, ministrados por Stan Grof e Tav
Sparks. Os novos coordenadores trouxeram ainda Tav Sparks e Jill Moore ao Brasil, em julho e agosto de 1999, para ministrarem
mais dois módulos “A Prática da Respiração Holotrópica - Parte A (Bodywork)” e “A Prática da Respiração Holotrópica - Parte B
(Música)” e Stan Grof e Tav Sparks para ministrar “A Arquitetura da Psicopatologia”, de 22 a 27 de Setembro de 2000. A partir de
2001, em comum acordo, Álvaro Jardim e Carmen Maciel resolveram não mais coordenar o GTT no Brasil. Em maio de 2007, Tav
Sparks convidou Álvaro Jardim para participar como facilitador do GTT em Taos Sky Valley e lá foram acertados os termos para que
Álvaro Jardim viesse a ser o diretor e proprietário do programa do GTT no Brasil15.

No dia 21 de outubro de 1995 nasce, da parceria entre Vera Saldanha, Pierre Weil e Mário Simões, a Associação Luso-
Brasileira de Psicologia Transpessoal (ALUBRAT), cujo objetivo era:
[...] congregar profissionais da área da saúde, educação, ciências, cultura e artes que compartilham a orientação Transpessoal
utilizando métodos específicos e observações em suas áreas de interesse. Os associados se movimentam em direção ao
reconhecimento da unidade fundamental subjacente aos seres e objetos separados, procurando utilizar esta nova compreensão
12 Universidade Internacional Holística da Paz.
13 http://www.abptranspessoal.com/historia. Acesso em nov. de 2014.
14 http://pierreweil.pro.br. Acesso em jan. de 2015.
15 http://aljardim.com.br/pt/gtt_brasil/index.php. Acesso em jun. 2015.
nos seus respectivos campos. A ALUBRAT apoia os esforços para unir a separação existente no presente entre várias disciplinas e
formular uma imagem compreensiva e integrada da natureza humana16.

Ao longo dos anos, a ALUBRAT tornou-se uma das principais instituições de formação e divulgação da Psicologia
Transpessoal, realizando cursos de Psicologia Transpessoal em vários estados brasileiros, além de organizar diversos
congressos nacionais e internacionais. Merece destaque as contribuições de Vera Saldanha que criou a Abordagem
Integrativa Transpessoal como metodologia de formação no campo transpessoal.
Na Bahia, Mario Rodriguez Risso cria o GRUPO OMEGA em abril de 1997. Em artigo publicado pela Revista Omega, ele
indica os principais representantes do movimento transpessoal da Bahia:
[...] além de Aídda e Theda, Eunice Rodrigues e o seu trabalho em Biosíntese; Lika Queiroz com o seu trabalho de fusão da Gestalt
com o Transpessoal; Gisele Alakija e o seu trabalho de Astrologia Kármica; Miklos Burger e Ana Liése Leal que no “Instituto
Transpessoal” aplicam essas técnicas. Connie Dittmar e o seu trabalho de “Dolphinbreath”. Ruth Brasil que junto com Daise Wolf
têm um dos currículos mais completos em Terapia Regressiva; e Eunice Tabacof que está fazendo a ponte entre a Psicanálise e
a Psicologia Transpessoal. Carlos Alberto Leandro com seu trabalho sistêmico com dependentes químicos e seus familiares. Os
doutores em Medicina, Carlos São Paulo, do Instituto Jungiano, e André Luís Peixinho, do Instituto Holon, que ministram cursos de
Transpessoal através da Fundação Para Desenvolvimento das Ciências, e todos os membros do Conselho do Pathwork da Bahia são
os que, sem dúvida, precisam ser mencionadas para ficar só nesses, entre inúmeros outros.17

O Dr. Gerardo Campana lança em Maceió, no ano de 1999, o curso de especialização em psicologia e psicoterapia
transpessoal. Este curso abriu espaço para que em 2003 fosse criado o “Núcleo de Expansão da Consciência – Lúmen”.
Neste espaço, seus parceiros de trabalho, Lucia Campana e Wellington Batista, realizam grupos, meditação, vivências e
atendimentos individuais de orientação transpessoal.
No ano de 1999, a Drª Maria de Fátima Abrahao Tavares introduz a disciplina Psicologia Transpessoal no currículo do
curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Posteriormente inicia estágio supervisionado dentro
da abordagem transpessoal, sendo uma pioneira neste processo.
Em dezembro de 2003, a cidade de Recife congregou representantes do CE, RN, AL e PB para criação da Rede
Nordestina de Psicoterapeutas e Terapeutas Transpessoais. Os representantes propuseram:
[...] fórum regional a ser realizado em Natal – RN em 15 e 17 de maio de 2004 (tema provisório: tecendo o fio da rede), cujo momento
se configurava como oportuno para as representações estaduais levarem propostas a serem discutidas no sentido da construção
de um desenho comum. A principal deliberação em Natal, foi a promoção de um Encontro amplo, para promover o movimento a
nível de Região Nordeste. Assim, o I Encontro Nordestino Ciência e Espiritualidade ocorreu em Fortaleza, de 22 a 24 de outubro de
2004 com o tema “Psique e Transpessoalidade”. Durante o mesmo, ocorreu a II Reuniâo da RETRANS, onde, discussões relativas ao
caráter administrativo e estrutural da RETRANS foram realizadas e, entre outras coisas, foi decidido pela confecção de um livro
em que todos os palestrantes do Encontro escreveriam sobre o tema que proferiram. Foi deliberada uma nova reunião da Rede,
em Recife [...] Realizada nos dias 09 e 10 de abril de 2005, na sede do Hotel Amoaras, durante a Jornada Nordestina de Psicologia
Transpessoal, a II Reunião da RETRANS reestruturou organicamente o movimento [...]18.

A Drª Norma Alves de Oliveira inicia sua primeira turma de especialização em Psicologia e Psicoterapia Transpessoal
em março de 2004, resultante de uma parceria entre a “PHOENIIX- Centro de Desenvolvimento Transpessoal” e
Universidade Federal de Sergipe, parceria viabilizada através do Núcleo de Estudos da Mente e Espiritualidade.
A Associação Norte-Rio Grandense de Psicologia e Psicoterapia Transpessoal, abreviadamente ANPPT, é uma
sociedade civil de caráter científico, filosófico, cultural e educacional sem fins lucrativos criada em dezembro de 2011
pelos expoentes da Psicologia Transpessoal do Rio Grande do Norte: Julio Francisco Dantas de Rezende, Débora Cristina
Diógenes Andrade, Marlos Alves Bezerra, Sarita Cesana, Maria de Fátima Tavares, Cícera Waleska e Silva Menezes, Danielle
Maia Alves, Fátima Verônica Fernandes Filgueira, Ledalicia Barreto Moniz Sodre Pereira, Ana Cássia Barbosa Nogueira.
Destes psicólogos destacamos Débora Cristina Diógenes Andrade e Marlos Alves Bezerra, que ministram curso de
especialização em psicologia e psicoterapia transpessoal em parceria com universidades locais, assim como mantêm
congressos anuais regulares sobre a temática transpessoal desde 2006.
Na busca de fortalecer a relação com a academia, no período de 26 a 28 de Maio de 2011, os professores Aurino
Ferreira da UFPE e Marlos Bezerra da UFRN propuseram o I Colóquio Brasileiro de Pesquisa em Psicologia Transpessoal
na cidade de Natal/RN. O evento aconteceu na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em parceria com a
UFPE, UNIFOR e Universidade de Lyon II. Durante o Colóquio as diversas instituições representadas criaram a Associação
Brasileira de Pesquisa e Ensino em Psicologia Transpessoal (ABRAPET)19. E escrevem a “Carta de Natal”, apresentada
abaixo:
Oficializada em 1968, por Abraham Maslow quando presidente da Associação de Psicologia Norte-Americana (APA), a Psicologia
Transpessoal é uma abordagem epistemológica e de cuidado que procura criar uma visão dialógica com as demais visões
16 http://www.alubrat.org.br/site/pasta_307_0__historico-18-anos-alubrat-.html. Acesso em nov. 2014.
17 http://www.grupoomega.org/site/revista/2-edicao/entrevista-com-mario-rodriguez-risso-psicologia-transpessoal. Acesso em jul. de 2015.
18 http://www.orion.med.br/index.php/retrans/historia. Acesso em jul. de 2015.
19 http://www.abrapet.org/. Acesso jan. de 2015.
epistemológicas que classicamente compõem essa ciência, a saber: a Psicologia Comportamental e sua variantes, a Psicanálise e
suas variantes, as Psicologias de Enfoque Humanista, a Psicologia Cognitiva e a Positiva. A abordagem transpessoal reúne estudiosos
que, desafiando o paradigma vigente, ousam ampliar esse diálogo para além das escolas clássicas, como as já mencionadas,
estabelecendo diálogo também com outras perspectivas psicológicas contidas em outras culturas e tradições espirituais. Desta
forma, parte de um fundamento ontológico da existência de uma espiritualidade complexa que contempla uma visão abrangente
da integralidade do homem com o meio, do respeito fundamental ao relacionamento humano e da existência de uma energia
superior, compreendida de diferentes formas por essas tradições, como Deus, Divino, Sagrado, Energia Superior, entre outros.
Isso se justifica, pois o conhecimento transpessoal é necessariamente transdisciplinar e transcultural, entendendo o prefixo trans
como um elemento que indica aquilo que está ‘nas’, ‘entre’, e ‘além’ das culturas, pessoas e disciplinas. Presente no curriculo
de graduação e pós-graduação de universidades federais brasileiras, a transpessoal vem desde os anos setenta contribuindo na
formação de gerações de psicólogos. E ciente da importância do papel deste olhar epistemológico e da necessidade de garantir
padrões de cuidado, a fim de garantir a excelência de sua reflexão no ambiente acadêmico, bem como dos serviços a serem
prestados à comunidade, os participantes do I Colóquio Brasileiro de Pesquisa em Psicologia Transpessoal e VI Semana de Psicologia
Transpessoal, realizado na cidade de Natal – RN, marcadamente as entidades aqui representadas por seus participantes resolvem
propor a fundação da Associação Brasileira de Pesquisa e Ensino em Psicologia Transpessoal (ABRAPET), cujo escopo maior é o de
congregar entidades de estudiosos no campo da Psicologia Transpessoal, propondo:

1. Critérios para o estabelecimento de pesquisas em transpessoalidade que envolvam temas como: espiritualidade, ócio, resiliência,
desenvolvimento humano, coping religioso, alegria, morte e transcendência, entre outras.

2. Critérios para o estabelecimento de curriculos mínimos, definindo a construção de competências, em cursos de especialização e
capacitação em psicologia transpessoal.

3. Criação de Grupo de Trabalho (GT) específico na Associação Nacional de Pesquisadores em Psicologia (ANPEPP).

4. Promover a divulgação dos trabalhos científicos em Psicologia Transpessoal produzidos no país, através da realização de
congressos, seminários e reuniões.

A Associação se propõe ao diálogo sistemático e permanente com o sistema Conselhos, com as entidades nacionais da psicologia
entre outras, visando a problematização das questões sociais na qual a Psicologia Transpessoal pode se inserir e contribuir
efetivamente.

Natal, 27 de Maio de 2011

Assinam esta carta os seguintes pesquisadores e profissionais da saúde: Aurino Lima Ferreira (UFPE), Claudio Roberto Freire
de Azevedo, escritor e médico (CE), Débora Cristina Diógenes (Associação Norte-Riograndense de Psicologia e Psicoterapia
Transpessoal – ANPPT), Gerardo Campana Neto, Psiquiatra (AL), José Clerton Martins (UNIFOR), Jucionou Coelho Silva (UECE), Luiz
Eduardo Valiengo Berni (CRP-SP), Maria de Fátima Abrahão Tavares (UFRN), Marlos Alves Bezerra (UFRN), Nilza Maria Molina
Mendes (presidente CRP-17), Vera Saldanha (Associação Luso Brasileira de Psicologia Transpessoal – ALUBRAT)20.

Em maio de 2013 esta associação realizou seu encontro anual no 8º Congresso Norte e Nordeste de Psicologia
(CONPSI), importante evento da psicologia brasileira. Neste evento foram apresentados diversos trabalhos e mesa-
redonda sobre Psicologia Transpessoal.
Ainda em 2011, O Comitê de Psicologia Transpessoal na Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul, durante um
ano, criou seu Plano de Ação, Regimento Interno e organizou sua estrutura. No dia 30/04/2012, apresentou sua proposta
à SPRGS, do qual participaram sócios, diretoria, comunidade e palestrantes convidados. No dia 01/05/2012, em reunião
da Diretoria, foi promulgada a criação do Comitê de Psicologia Transpessoal, sendo sua primeira coordenadora a sócia
Psicóloga Cleide Maria da Silva e sua vice-coordenadora Simone Moraes Almeida. Neste encontro, foi a primeira vez que a
Psicologia Transpessoal foi inserida em uma sociedade oficial da Psicologia no Brasil.
A formação de um Comitê na Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul (SPRGS) foi motivada pela busca de
ampliar o conhecimento em Psicologia, divulgando-o tanto para estudantes de Psicologia como para profissionais da área
e para a comunidade em geral. Ele objetiva aprimorar o conhecimento técnico-científico, criando um espaço de maior
flexibilidade teórica, proporcionando o pensar com liberdade, o poder de questionar, construir e criar, esclarecendo e
divulgando a Psicologia Transpessoal juntamente com as suas diferentes vertentes e promovendo o seu desenvolvimento.
Sintetizamos acima alguns momentos significativos do movimento transpessoal no Brasil, contudo não esgotamos
a contribuição de diversos profissionais que vêm construindo a movimento transpessoal no Brasil. Esperamos que os
profissionais transpessoais compartilhem suas experiências no intuito de termos este cenário mais delineado.
Em pesquisa realizada durante o doutorado, Ferreira (2007) indicou que a entrada da Psicologia Transpessoal no
Brasil deu-se por três vias principais: a) Ação individual ou via dos pioneiros, b) Movimento Popular e comunidades
terapêuticas ou via alternativa e c) Oficial ou via acadêmica. Vamos descrever brevemente estas via a seguir.
20 http://www.orion.med.br/index.php/cbpsitrans/1409-carta-de-natal. Acesso Jan. de 2015.
1.2.1 Ação Individual ou Via dos Pioneiros

Na primeira via, tivemos psicólogos com formação acadêmica tradicional e que mantinham suas atividades dentro
deste enfoque, mas que em suas vidas privadas tiveram experiências de estados ampliados de consciência ou mantinham
algum contato com tradições espirituais que usavam o transe como caminho de cura. Esta via era geralmente ambivalente
e dicotômica, pois os padrões de crenças, visões de homem e mundo da psicologia oficial excluíam qualquer possibilidade
de inclusão do sagrado, de forma que a repressão e a negação eram os mecanismos mais comuns para lidar com estes
fenômenos.
Em nossa experiência como formadores, encontramos alunos e professores que na academia mantinham o discurso
de oposição da “psicologia oficial” frente aos estados ampliados de consciência, mas que eram vistos em transe nos
terreiros ou centros espíritas; enquanto outros, por assumirem mais abertamente suas visões de mundo, sofriam pressões,
aberta ou subliminarmente, por parte dos colegas acadêmicos.
Contudo, pioneiros emergiram e começaram a introduzir lentamente os estudos dos estados ampliados de
consciência em seus trabalhos, bem como tentaram equilibrar suas visões de mundo com os modelos de psicologia já
presentes e reconhecidos em nossa cultura. Vale salientar aqui o contato com as teorias de Jung como tentativa de
preservarem suas identidades profissionais ou de manterem a comunicação aberta com a academia.
Esta via era marcada por um movimento individual e não sistematizado, em que a marca do sigilo profissional
também encobria valores, crenças e principalmente os princípios subjacentes à atividade profissional. Não havia clareza
quanto à necessidade de coletivar as experiências vivenciadas no ambiente privado, pois estas colocavam em risco
o paradigma dominante, criando uma tensão com os pares de profissão e colocando em risco a autoimagem destes
psicólogos.
Neste caminho também tivemos os desbravadores “loucos de sabedoria”, aqueles que aberta e deliberadamente
se opunham aos modelos dominantes, resistindo bravamente às tentativas de enquadramento institucional e lutando
para implantarem seus pensamentos inovadores. Esta categoria de profissionais era marcada pelo pensamento da
contracultura e permeava suas intervenções.

1.2.2. Movimento Popular e Comunidades Terapêuticas ou Via Alternativa

Na segunda via, tivemos a influência dos trabalhos em grupo junto aos movimentos populares e às comunidades
terapêuticas. Aqui houve marcadamente uma influência do encontro com o humanismo rogeriano e os movimentos de
contracultura emergentes da década de 60.
Psicólogos ligados aos movimentos populares — seja através do engajamento político-ideológico (psicologia e
pedagogia do oprimido), seja por vínculos religiosos (teologia da libertação, movimento espiritualista reencarnacionista)
— buscavam disponibilizar, informalmente, recursos terapêuticos para favorecer o desenvolvimento dos grupos e com
isso criar um ambiente facilitador que estabelecesse um vínculo democrático entre os saberes da psicologia e os das
classes populares.
O ambiente comunitário, de abertura e expansão, possibilitava uma mescla de discussão político-ideológica com
as práticas religiosas próprias das comunidades. Era possível em um encontro discutir problemas de segurança pública
e violência, vivenciar dinâmicas de grupo que geravam confiança e ao final orar e cantar pedindo proteção a Deus ou
aos Orixás. Não havia tão intensamente a dicotomia da primeira via, pois no meio popular a divisão entre o sagrado e
o profano ainda não tinha se embasado e as experiências do sagrado não sofriam exclusão, sendo vistas como práticas
naturais pelos psicólogos engajados nestes movimentos.
O acompanhamento dos movimentos populares e das lutas contra as discriminações possibilitavam aos psicólogos
um engajamento ativo na vida comunitária, e isto conduzia ao contato com as práticas de cura popular, vistas como um
acervo de riqueza ancestral multicentenária, e não como práticas “primitivas decorrentes do pensamento mágico”. A
tentativa de explicitar os processos de dominação e a luta de classes presentes nos modelos de psicologia importados
estavam expressas na valorização do saber popular.
Outro grande grupo, nesta via, era formado por psicólogos que tiveram oportunidade de contactar in loco com
as comunidades orientais ou que estavam bastante influenciados pela vida em organização coletiva mais presentes na
América do Norte e na Europa. O estilo de vida oriental, com os seus modelos de integração mente e corpo, que incluíam
práticas de yoga, meditação, respiração conduzida, visualizações na busca por liberação de padrões negativos de
comportamento, possibilitavam aos psicólogos uma primeira tentativa de integração de sua visão de mundo, de forma que
muitos se engajaram nestes movimentos.
As comunidades terapêuticas permitiam a expressão e exploração num ambiente acolhedor dos potenciais humanos
e das vivências dos metavalores propostos por Maslow. Destas experiências surgiu um imenso número de técnicas de
expansão da consciência. Contudo, o caráter informal permanecia inerente. Havia uma preocupação maior em possibilitar
crescimento aos grupos e aos indivíduos do que em compartilhar estas experiências nos meios acadêmicos, geralmente
vistos como limitados e limitantes ou como aparelhos de controle do estado e da sociedade, portanto repressores dos
processos de expansão da consciência.
Podemos indicar a Quarta Conferência Transpessoal Internacional, realizada em Belo Horizonte em 1978 e organizada
por Pierre Weil e Leo Matos (GROF et. al, 2008), como o marco da transição no Brasil da segunda para terceira via de
inserção da transpessoal na academia.

1.2.3 Via Oficial ou Acadêmica

A maturidade de uma teoria, como aponta Wilber (1996), vem do intercâmbio com outras formas de paradigmas, de
modo que a entrada na academia, espaço de circulação paradigmático por excelência, tornou-se uma necessidade para
legitimação da Psicologia Transpessoal, até porque os passos desse desenvolvimento ocorrem mesmo à revelia, ainda que
sob os “atentos olhos” da referência cartesiana de percepção do ser no mundo. Pioneiros da psicologia brasileira, como
Pierre Weil, lançaram as primeiras tentativas de inclusão da transpessoal na academia, dando nascimento à terceira via.
Pierre Weil além de ter sido um teórico proeminente da Psicologia Transpessoal, introduziu essa cadeira na
Universidade Federal de Minas Gerais, sendo ao longo de sua vida um grande incentivador do diálogo com a academia.
Esta via vem sendo percorrida por um imenso número de psicólogos transpessoais que buscam neste intercâmbio o
reconhecimento sócio-político-ideológico necessário para um diálogo não marginal com as outras abordagens, ao mesmo
tempo que abrem espaço para pesquisa e formação dentro desta abordagem.
A maturidade teórica adquirida pela transpessoal, nas últimas décadas, tem possibilitado o embasamento necessário
para o contato com as diferenças de paradigmas, enquanto as pesquisas na área dos estados ampliados de consciência têm
crescido aceleradamente e ganho respaldo, inclusive dos monitoramentos cada vez mais sofisticados do cérebro, e isto
tem favorecido um olhar de aceitação por parte do pensamento universitário.
Neste cenário, precisamos destacar o trabalho de Fátima Tavares, que colaborou ativamente para introdução da
Psicologia Transpessoal no campo acadêmico.
O contato com o arcabouço teórico veiculado nas escolas do Ocidente, principalmente, nos conduz diretamente ao
fantasma da institucionalização e de seus mecanismos de controle. Contudo, a impermanência, um dos conceitos centrais
da teoria transpessoal, coloca-se como um mecanismo autorregulador de dissolução, ou seja, a expansão e a consolidação
institucional necessária a esta fase de implantação da Psicologia Transpessoal terão que se dissolver, dando continuidade
a novos processos de abertura e surgimento de novas formas de ser-no-mundo.

1.3 A a/cientificidade da Psicologia Transpessoal:


alternativa, emergente ou resistente?

O escanchar do termo a/cientificidade no título desta seção marca uma visão que tentaremos demonstrar ao longo
desta argumentação: é difícil a inclusão das “psicologias”, entre elas a Psicologia Transpessoal, dentro de um contexto
de ciência tradicional (“ciência normal”), em que os paradigmas se regem por regras que dificultam a legitimidade de
seus objetos/fenômenos de pesquisa — historicamente caracterizados pela presença de vieses humanos e sociais, não
sendo possível o afastamento entre sujeito e objeto do conhecimento, meta desejável quando da obediência do método
científico tradicional — dentro do campo de pesquisa padrão, cabendo, por isso, buscar-se, como critérios definidores de
cientificidade, a discutibilidade e a lógica da argumentação, aliada a uma “audiência especializada”, que compartilhem dos
resultados das pesquisas.
Na Psicologia Transpessoal estes critérios de cientificidade são acrescidos da percepção que os resultados da
produção científica:
[...] não são descrições do “modo como as coisas de fato são” ou “de fato funcionam” ou de algum estado de coisas “verdadeiro”.
Os resultados não são “fatos” em um sentido definitivo. Na realidade, eles representam construções significativas que atores
específicos ou vários grupos de atores formam para “atribuir sentido”. [...] as construções por meio das quais as pessoas atribuem
sentido às suas situações e condições são em grande medida moldadas pelos valores dos construtores. [...] a metodologia que se
considera isenta de valores terá pouca utilidade [...]. [...] essas construções estão intrinsicamente vinculadas a contextos físicos,
psicológicos, sociais e culturais específicos nos quais elas são formadas e aos quais elas se referem. [...] pelo fato de serem produto
do pensamento humano que as construções consensuais estão sujeitas a erros humanos, nenhuma delas pode ser considerada
“verdadeira” em sentido absoluto, nem mesmo uma aproximação da “verdade”. (GUBA; LINCOLN, 2011, p. 14).

A compreensão de ciência na Psicologia Transpessoal indica que esta pode ser utilizada para promoção de
crescimento através de processos de empoderamento, assim como pode “privar de direitos” os grupos envolvidos no
processo de pesquisa. Um dos critérios centrais de cientificidade para transpessoal diz respeito ao seu aspecto totalmente
participante, de maneira que os resultados devem ser construídos por todos os envolvidos, de maneira a não priorizar
apenas um dos polos do processo de pesquisa.
Nesta busca de cientificidade, o pesquisador transpessoal assume a função de negociar a diversidade de valores dos
envolvidos e:
[...] deverá desempenhar uma função bem mais abrangente do que simplesmente a função de técnico que coleta informações
[...]. [...] é responsabilidade do avaliador interagir com esses seres humanos de uma maneira que respeite sua dignidade, sua
integridade e sua privacidade. [...] Entretanto, o pleno significado (desta) frase [...] não se restringe nem um pouco a esses amparos
convencionais. Esse significado eleva-se ao nível do envolvimento totalmente participativo, em que os grupos de interesse e outras
pessoas que venham a participar da avaliação são acolhidos como parceiros equitativos em todos os aspectos do projeto [...]. (GUBA;
LINCOLN, 2011, p. 16-17)

Antes de aprofundarmos a discussão acerca da cientificidade da Psicologia Transpessoal, meta da presente seção,
é importante situar-se de que ciência se está falando. Neste sentido, temos por base as análises sociohistóricas de Kunh
(1978, 1979), que situa as fases da ciência dentro de uma dimensão de “ciência normal” e “ciência extraordinária”.
Segundo Kunh, a “ciência normal” envolveria o trabalho cotidiano e estável da pesquisa realizada por uma
comunidade, onde haveria certo consenso em torno do que seria relevante pesquisar e dos métodos adequados para isto
(o “paradigma”). A “ciência extraordinária” diria respeito aos momentos de quebra da estabilidade da pesquisa “normal”,
quando o conjunto de crenças ao redor do qual o grupo estaria unido passaria a ser colocado em dúvida, e teorias
concorrentes, incompatíveis com a teoria/paradigma em vigor, seriam criadas e consideradas como possíveis caminhos
para a superação da crise.
A ciência normal estaria intrinsicamente relacionada à vigência de um “paradigma”, definido por Kunh (1978, p. 13)
do seguinte modo:
Considero “paradigmas” as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e
soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.

A ciência normal seria, portanto, marcada pela existência de paradigmas, que, por sua vez, alimentariam a pesquisa
através do fornecimento de “quebra-cabeça” ou de “charadas” a serem respondidas pelos cientistas. Um quebra-cabeça
seria um conjunto de problemas empírico-conceituais derivados e limitados pelo paradigma em vigor. Kunh (1979, p.9)
descreve assim a situação:
Quando está às voltas com um problema de pesquisa normal, o cientista deve postular a teoria corrente como regra do seu jogo.
Seu objetivo é resolver uma charada, de preferência uma charada em que outros falharam, e a teoria corrente é indispensável para
defini-la e assegurar que, em havendo talento suficiente, a charada poderá ser resolvida.
Agora que já temos as preliminares acerca da noção de ciência, buscaremos situar a posição da Psicologia
Transpessoal frente à mesma.
A Psicologia Transpessoal é fruto da trajetória de consolidação de dois paradigmas — o holografismo não dual da
física quântica e os modelos integrais — neste sentido ela própria se funde ao paradigma holográfico, transcendendo
com a física quântica na construção de uma visão de mundo de mais qualidade e integralidade, assim como considera o
fenômeno humano de maneira integral e multidimensional.
Ela tem fornecido explicações que se mostram paradigmáticas no sentido de que têm uma existência articulada à
pesquisa, à investigação e ao trato sistematizado de questões básicas da natureza humana, traduzindo-as na roupagem
científica. Assim como as outras “psicologias”, sua área de pesquisa se propõe a oferecer sólidos pressupostos para os
pesquisadores, que não precisam (re)construir o seu conhecimento do zero; pois nela encontram recursos que os orienta
acerca da compreensão do mundo, quais os fenômenos relevantes para uma investigação, onde residiriam suas causas e
como identificá-las na natureza e no Universo (Ver WEIL, 1978b, 1989, 1990a,1991b; GROF, 1988, 2000; BERTOLUCCI, 1991;
MATOS, 1992; TABONE, 1995; VAUGHAN, WALSH, 1995, 1997; SALDANHA, 1997; WILBER, 2001c, 2002).
Como nas abordagens comportamentalistas, cognitivistas, humanísticas ou de inspiração psicanalítica, a Psicologia
Transpessoal formou comunidades que se constituíram como tal, não apenas a partir de um acordo sobre seu objeto
de estudo e dos modos de produção e validação de seu conhecimento, mas também sobre um modelo explicativo do
que entendem ser a manifestação do fenômeno psicológico que abriga em seu bojo a amplitude hipotética geradora
de caminhos investigatórios que avançam na composição de seu panorama científico ao mesmo tempo que, nele
incluído consolida seu arcabouço teórico, mapeando assim esse tão recente viés do saber, expresso tanto no âmbito de
confirmações generalizadas quanto na forma de suscitar indagações possíveis de respostas que apontam matérias ainda
alvo de estudos e questionamentos.
Os embates da emergência de novas concepções de ser e saber no campo psicológico conduziu a um intenso debate
nos anos 90 acerca das práticas alternativas, levando o sistema de conselhos a adotar medidas radicais para delimitar o
que seria uma prática psicológica, a partir de uma adesão a um modelo de ciência reducionista e universalista (ROZADOS,
2010).
No debate acerca das práticas alternativas e suas relações com a psicologia oficial, Galvão (2000) indica que o CFP
solicitou a um grupo de psicólogos, entre eles Luís Cláudio Figueiredo e Marília Grisi, para realizar uma avaliação e
emissão de parecer acerca destas práticas. A avaliação deste grupo indica a complexidade do fenômeno e defende a
impossibilidade de apresentar um padrão universal que guie a diversidade e multiplicidade dos saberes psicológicos. Na
visão de Figueiredo (1993, p. 90):
Não há entre as diversas correntes consenso acerca de questões básicas; suas compreensões prévias, seus pressupostos do que
sejam os objetos da psicologia, do que seja o “psicológico” e de como produzir sobre ele um conhecimento válido são muito
diversos; de fato, não há entre nós muito acordo acerca do que poderiam ser os “critérios de cientificidade” com base nos quais
deveríamos avaliar nossos conhecimentos e nós mesmos e esta é realmente um a questão decisiva da validação de nossas crenças e
justificação de nossas práticas.

E frente à tentativa de homogeneizar as psicologias a partir de um modelo único pautado no discurso cientificista,
questiona-se:
[...] trata-se de uma psicologia com diferentes versões ou tratam-se efetivamente de múltiplas psicologias? Em diferentes
oportunidades tenho defendido esta segunda alternativa. (FIGUEIREDO, 1993, p. 90)

Ele desmonta a tentativa de autolegitimação de uma identidade profissional quando afirma que:
Infelizmente, muitos de nós não têm conseguido resistir a esta tentação e enveredam por formas primitivas de construção de
identidade, com o as que se baseiam em processos de exclusão do mal. E assim que vemos muita gente, a partir de conhecimentos e
reflexões elementares, promovendo ou patrocinando a exclusão do que ‘não é científico’ e/ou do que ‘não é psicológico’. O que há
de errado com esta estratégia ficaria muito rapidamente exposto se pedíssemos que nos esclarecessem acerca do que entendem por
“cientificidade” e por “psicológico”. (FIGUEIREDO, 1993, p.92)

No parecer encomendado pelo Conselho Federal de Psicologia, Grisi e Figueiredo (1993, s/p), quando analisam o
surgimento das novas tendências em psicologia, destacam em relação à abordagem transpessoal:
Em contraposição à posição psicanalítica clássica que inicia o estudo da existência na concepção e a encerra com a morte, voltam-se
à existência considerando-a em uma extensão que antecede a concepção e prossegue após a morte, ou considerando uma sequência
de nascimentos e mortes. O percurso desses psicólogos tem como início a adesão a alguma teoria psicológica legitimada, a busca
de ultrapassar os parâmetros que as enquadram, a consequente modificação, exclusão ou inclusão de conceitos, e a busca de
articulação dos novos constructos em um corpo teórico coerente, com o desenvolvimento de práticas específicas. Buscam pontes
entre seus pressupostos e práticas assim como interfaces com os conhecimentos existentes, marcando as diferenças.

Conforme essas iniciativas vão se configurando passam a ser expostas aos demais e chegam a ganhar um nome próprio, como
aconteceu com a Psicologia Transpessoal e Psicossíntese. Tais posições buscam agregar profissionais, ganhar espaço institucional
e desenvolver-se como escolas psicológicas, já intitulando-se “a 4a força em Psicologia”. Alguns autores que trabalham desse
modo, hoje, têm projeção internacional e várias dessas abordagens institucionalizaram-se oferecendo centros de formação e de
atendimento psicológico. (mímeo, grifo nosso)

Das palavras destes autores depreende-se que a Psicologia Transpessoal apresenta um “corpo teórico coerente com o
desenvolvimento de práticas específicas”, que cumprem uma função de alimentar o processo de investigação. E em torno
delas constituiu-se uma extensa comunidade científica, com centros de formação e de atendimento psicológico que se
unem na exploração das potencialidades de um mesmo paradigma, editam revistas especializadas e realizam congressos
periódicos, colocando sob controle dos pares as pretensões a conhecimento, assim como discutem entre si os modos de
construção de conhecimento pautados na ética do cuidado.
Este reconhecimento da Psicologia Transpessoal como uma linha teórica seguida por psicólogos no exercício de sua
prática já tinha sido realizada por estes autores em seu “Guia Psi”, um pequeno livro publicado em 1990 e que:
[...] tem como principal objetivo levar ao leigo, com pouco ou nenhum contato direto com a psicologia e com os psicólogos, este
gênero de informações básicas. Trata-se, a bem dizer, de montar uma espécie de mapa do universo psi nas suas linhas gerais,
possibilitando ao leitor orientar-se com mais segurança e explorar melhor os recursos que a psicologia clínica brasileira tem a lhe
oferecer. (GRISI; FIGUEIREDO, 1990, p. 8)

No capítulo referente à Psicologia Transpessoal indicam que:


[...] a orientação transpessoal reconhece a importância das dimensões cósmicas do homem e aceita a possibilidade de
desenvolvimento do potencial humano e evolução da consciência além dos estados usuais. Nesta abordagem o foco central é a
consciência, embora o psicoterapeuta trabalhe todos os níveis de desenvolvimento, experiência e preocupações do cliente. (GRISI;
FIGUEIREDO, 1990, p. 152)

Apresentando algumas diferenças metodológicas em relação a outras escolas psicológicas, devido à própria
diversidade dos aparatos teóricos, a Psicologia Transpessoal não abandona o requisito de se mostrar sustentável diante da
experiência e do raciocínio articulados, fatores considerados primordiais na caracterização de cientificidade apresentada
por Tourinho e Neto (mimeo, p.102).
Numa análise que parte de uma discussão da ciência, bastante diversa da apresentada por Kunh, em que reconhece as
dificuldades em demarcar a questão da cientificidade nas ciências sociais, Tourinho e Neto indicam que:
O critério de cientificidade — em meio a esta polêmica interminável — que nos parece mais aceitável é o da discutibilidade,
entendido como característica formal e política ao mesmo tempo. Somente pode ser científico o que for discutível. (TOURINHO;
NETO, p. 96-97)

A Psicologia Transpessoal, como saber cientifico, justifica-se argumentativamente e legitima-se por mecanismos
autorreguladores (pesquisa empírico-teórico, autocrítica, revisão de pressupostos, apresentação dos resultados à
“audiência especializada”, etc.), prevenindo-se “contra a imposição de um discurso pela renúncia à avaliação crítica
por parte de quem o acata e/ou através do apelo à autoridade de quem o profere” (TOURINHO; NETO, mimeo, p. 97),
satisfazendo, assim, o critério de cientificidade proposto por Demo.
Quando se busca demonstrar a cientificidade da Psicologia Transpessoal, assim como de qualquer ciência pouco
conhecida, depara-se frequentemente com o ”fantasma da alternatividade”. Passaram por esta etapa as “escolas
legitimadas” atualmente no mundo psi, como é o caso da Psicanálise, que, se analisarmos pela ótica da “ciência normal”,
seria também enquadrada dentro das “alternativas”21. Destarte é importante pontuar em que sentido está se utilizando
esta palavra, para não se incorrer no risco de se oferecer atributos valorativos (moralizantes ou maniqueístas) ao invés de
manifestar interesse em marcar formas distintas de construir e regular o saber.
Neste sentido, Amorim (apud TOURINHO; NETO, mimeo, p.1) define prática alternativa como:
[...] uma denominação genérica para um conjunto bastante heterogêneo de atividades, incluindo desde técnicas adivinhatórias e de
descrição de personalidade até técnicas de medicina alternativa baseadas em pressupostos místicos e religiosos. Essas técnicas, via
de regra, originam-se a partir de concepções tradicionais de homem e de mundo e baseiam-se em conhecimentos pré-científicos ou
embasados no senso comum. Sua utilização é habitualmente interpretada como uma busca de recursos mágicos para a solução de
problemas cotidianos.

Nas palavras de Amorim, a “alternatividade” destaca-se de uma prática dita psicológica e é caracterizada pelo
conteúdo místico, religioso ou supersticioso de suas explicações, sendo seu indicador mais evidente o fato de que:
[...] não se constituem em volta desses discursos comunidades voltadas para a pesquisa, o que resulta do fato de não prescreverem
quebra-cabeças a serem solucionados” (TOURINHO; NETO, s/d, p. 102-103)

Na sua grande maioria, as práticas alternativas se inserem no discurso da “nova era22”, que, segundo Tavares (2003), é
21 A posição da psicanálise frente à “ciência normal” pode ser encontrada no excelente livro “A-cientificidade da psicanálise” de Joël Dor (1993).
22 Citando Soares, Tourinho e Neto (mimeo, p. 103-104) apontam que para os discursos alternativos: [...] as vias prioritárias são os ensinamentos revelados e as experiências místicas,
nos casos mais expressamente religiosos, e a sensibilização receptiva da intuição.
“datada historicamente, cuja ascensão, no contexto urbano brasileiro, pode ser observado a partir dos anos 80”.
Diferentemente destas práticas, a Psicologia Transpessoal apresenta todos os requisitos de cientificidade requeridos
pela comunidade que reúne as ciências psicológicas, pois compõe e decompõe “quebra-cabeças” a serem solucionados,
na base da discutibilidade, propondo soluções a partir de pesquisas, nas quais as metodologias são extremamente
explicitadas23.
A crítica que se poderia fazer é a de que os “quebra-cabeças” apresentados pela Psicologia Transpessoal desafiam as
possibilidades de discutibilidade em relação às outras “psicologias24”, pois se tratam de temas que, buscando ampliar os
referenciais de tempo e espaço, acabam esbarrando na “dimensão espiritual humana”, que estaria supostamente a cargo
dos filósofos, místicos ou mais especificamente dos religiosos, por isso seu discurso poderia ser considerado “alternativo”.
Em outra perspectiva, estes temas estão para além das outras psicologias, tão somente porque requerem outro
paradigma. Nesse sentido, a Psicologia Transpessoal não surgiu para negar outras abordagens. Antes surgiu no sentido de
transcender os parâmetros estabelecidos pelas ciências exatas, confirmando-se num universo de maior atuação.
Analisando a história do movimento transpessoal, Ferreira (2007) indica que esta abordagem surgiu como uma
alternativa aos modelos psicológicos anteriores, de forma que classificá-la como “alternativa” no sentido da “nova era”
seria um erro histórico, já que o seu nascimento está inserido no contexto de lutas de forças para situar visões de homem
e mundo que rompem com os modelos dualistas e resgatam a dimensão da espiritualidade presente no cuidar de si.
Indicamos que quando do desencadeamento das discussões acerca das práticas alternativas, a Psicologia Transpessoal
já tinha inserção nas universidades federais de Minas Gerais, através de Pierre Weil, e na UFRN, com o trabalho de estágio
e disciplina curricular coordenada pela Drª Fátima Tavares.
Compreendendo-se a ciência como campo argumentativo e não como detentora da verdade absoluta, pode-
se questionar se a delimitação do foco de pesquisa está sujeita aos padrões dominantes em determinado período da
construção da ciência, sendo, portanto, sujeita a alterações e expansão, como é o caso do procedimento investigatório
na área de Psicologia Transpessoal, que teve seu fenômeno de pesquisa analisado ao longo da história das “psicologias”,
recebendo da Psicanálise um estatuto metapsicológico (Freud, 1976, SE., XXI, pp. 64-65; ESB.,XXI, p. 81-82) ao lado de
conceitos consagrados nas tópicas freudianas.
Dentro da psicologia existencial, assim como em outras escolas, há uma tradição no estudo do “sagrado”, podendo
ser encontrada na Análise Existencial (como a de Ludwing Binswanger), assim como em outros autores que construíram
teorias de reconhecimento internacional, referências a esta dimensão25.
Como se pode perceber, não é o objeto de pesquisa que define a cientificidade de uma ciência. Nas palavras de
Tourinho e Neto (mímeo, p.87), o que define as psicologias como científicas “[...] é o modo como se dá em seu âmbito o
processo de produção e validação do conhecimento.”
Neste sentido, ampliando as pesquisas das escolas anteriores a partir de uma extensa produção científica, nacional
e internacional que, com uma ou outra variação, englobam e ampliam os preceitos de uma lógica empírico-racional na
construção de seus aparatos teóricos (ainda reconhecendo os limites dessa lógica), os quais subsistem após as avaliações e
permitem a demarcação de seu escopo, a Psicologia Transpessoal mostra a possibilidade da discutibilidade de seu objeto/
fenômeno de pesquisa. Acrescido a isto se destaca o fato, conforme foi dito em parágrafos anteriores, de que seu objeto/
fenômeno de estudo já se apresentará como foco de interesse de algumas áreas do saber psi, sendo possível, portanto, a
sua investigação, haja vista a extensa bibliografia nacional e internacional produzida por sua comunidade científica.
Em decorrência das intensas críticas desencadeadas pela maneira autoritária como foi realizado o movimento de
“alerta a população” sobre as terapias alternativas, o que no meio psi ficou conhecido pejorativamente como “A caça
às bruxas”, além das reflexões sobre o ideal de cientificismo dos discursos contra o alternativo (FIGUEIREDO, 1995), o
Conselho de Federal de Psicologia substitui o termo alternativo por emergente, passando a Psicologia Transpessoal a ser
categorizada erroneamente como uma abordagem emergente no imaginário dos conselheiros. Dizemos erroneamente
devido ao fato de que historicamente o surgimento da Psicologia Transpessoal é anterior ao movimento das terapias
alternativas da “nova era”, como já apontamos a partir do estudo de Tavares (2003), assim como não temos os critérios
explícitos nos documentos do CFP que justifique seu posicionamento.
Quando solicitados a apresentar informações sobre por que a Psicologia Transpessoal foi incluída no rol das
abordagens emergentes, o sistema de conselhos não oferece os documentos que fundamentam tal classificação,
apenas apontam as resoluções normativas do CFP 010/97 e 011/97 que tratam das abordagens emergentes. Como estes
documentos não citam nenhuma abordagem, não temos respondidos os questionamentos, de maneira que até o presente
momento não conseguimos mapear os documentos que fundamentam tal decisão. Assim, ao movimento transpessoal não
se atribui o rótulo de alternativa ou emergente, posicionando-se de maneira crítica frente aos mecanismos regulatórios
autoritários das instituições que regulam a psicologia.
23 Ver livros da Coleção de Psicologia Transpessoal, publicada pela Ed. Vozes, sob a coordenação de Pierre Weil.
24 A Psicologia Positiva (SNYDER; LOPEZ, 2009) tem nos últimos anos discutido as temáticas básicas da Psicologia Transpessoal.
25 Ver Maslow (1964); Viktor Frankl (1971); Jung (1979); Rogers (1983); William James, (1991); Assagioli (1992), etc.
Em seu trabalho de doutorado, Koppensteiner (2009) articula o discurso transpessoal com o “cuidado de si” de Michel
Foucault, indicando as intervenções transpessoais como caminhos de dobra sobre si no intuito de operar transformações
subjetivas. Neste sentido, Ferreira (2011) destaca o caráter de resistência, no sentido foucaultiano, presente na Psicologia
Transpessoal, pois, em tempos nos quais os discursos normalizador e medicalizante dominam o cenário psicológico,
resgatar o “transpessoal” como dimensão formativa e constitutiva humana é opor-se frontalmente às regras do jogo de
dominação, que desde o início da modernidade tentam obliterar toda forma de transcendência26.
Considerando que a Psicologia Transpessoal possui uma estrutura produtora de paradigmas, como também todo
um aparato teórico-metodológico extensamente pesquisado e colocado à disposição das “audiências especializadas”,
bem como uma extensa comunidade de pesquisadores que via argumentação promovem a construção de seu saber,
o “fantasma da alternatividade” é visto no meio transpessoal apenas como uma fase no processo de negociação
sociopolítico e ético, por que passa todo saber. No entanto, postula e demonstra, via seu já extenso corpo teórico, ter
ultrapassado esta etapa, de forma que discutir a sua “alternatividade” só tem sentido quando for em relação à “ciência
normal”, da qual apresenta critérios de cientificidade diferentes.
Os avanços da física quântica nos tem posto o desafio de estarmos em um mundo sem a solidez e a substancialidade
que nos sustentavam, de forma que, diferentemente de Richard Rorty (1988), em nossa tentativa de enfrentar a questão
desta falta de fundação e do niilismo que a acompanha, não somos inspirados pelo ideal de simplesmente “continuar a
conversação do ocidente”. Ao contrário, o projeto transpessoal, inspirado muito nas inovações da fenomenologia e dos
discursos não duais, propõe o ideal do cuidado, ciente como indica Francisco Varela, que o mundo surge com o nosso
caminhar.
Em síntese, pensar a Psicologia Transpessoal como “emergente”, termo que Maslow usou nos anos sessenta
para situar aquele momento, seria desconsiderar seu percurso histórico no campo das disciplinas psicológicas. Assim
alinhamos o discurso transpessoal no viés das práticas discursivas e não discursivas de resistência, ou seja, o situamos no
campo de abertura, problematização, fronteiras e margens do fenômeno humano.

1.4 O transpessoal nos domínios das forças do saber


psicológico

Se retornarmos brevemente à história do movimento das abordagens em psicologia, perceberemos como a dimensão
transpessoal foi foco da atenção dos pesquisadores das quatro principais forças do movimento “psi”, nem que fosse
operando por contraponto. Utilizaremos a ideia de “forças” de Maslow (1962) para situar as abordagens e suas reflexões
sobre a transpessoalidade, pois percebemos que este autor captou o choque entre paradigmas e a dimensão política deste
conceito.
Assim, a noção de força coloca ênfase na especificidade de cada abordagem, sem contudo cindi-las ou torná-las
incapazes de estabelecer laços dialógicos capazes de favorecer o crescimento humano.

1.4.1 Primeira Força – Behaviorismo

A primeira grande força do movimento psicológico foi o Behaviorismo, que se organizou nos EUA a partir do início
do século XX e conjugou várias tradições filosóficas e científicas que se opunham a qualquer ideia de subjetividade ou
interioridade.
Nesta força merece destaque o “Behaviorismo Metodológico” de Watson, que, se apoiando no positivismo e no
pragmatismo, atacou a introspecção e tudo no humano que sugerisse uma “vida interior”, pondo o comportamento do
organismo como um todo como objeto de estudo (FIGUEIREDO, 1991, p. 82).
Outra grande influência neste movimento foi o “Behaviorismo Radical” de Skinner, que dominou durante muitos
26 Para maiores esclarecimentos, ver o texto de Jurandir F. Costa (2007) no qual trabalha o conceito de transcendência.
anos o cenário do mundo psicológico, por atender ao ideal de ciência positivista e mecanicista da época. O trabalho
de Skinner foi considerado um avanço em relação ao behaviorismo de Watson, por não negar a existência dos estados
internos, contudo permanece fiel ao ideal de que o comportamento observável deve ser o objeto de estudo da psicologia,
não sendo dado nenhum interesse a significados ou símbolos, mas às variáveis que afetam o comportamento.
Poderíamos dividir o behaviorismo em três grandes movimentos:
A) O primeiro foi a Psicologia Comportamental clássica, representada pela Análise Experimental do Comportamento
de B. F. Skinner, que se focava exclusivamente no condicionamento e alteração de comportamentos indesejáveis;
B) O segundo movimento foi encampado pela Psicologia Cognitivo-Comportamental, sendo destaque a Psicologia
Cognitiva de Aaron Beck, considerado o pai desta abordagem, que mantém o foco em alterar comportamentos
indesejáveis, mas dá maior enfoque para mudar pensamentos prejudiciais, ao contrário do movimento anterior, que
considerava que pensamentos e emoções não afetavam os comportamentos externos;
C) O terceiro movimento é representado pela Terapia de Compromisso pela Aceitação (ACT) de Steven Hayes,
um psicólogo da Universidade de Nevada em Reno, que ampliou o leque de técnicas já desenvolvidas nos movimentos
anteriores, sendo destaque o uso da meditação da plena atenção do Budismo (Mindfulness) como prática terapêutica.
No trabalho de Steven Haynes temos uma aproximação da primeira força com a transpessoalidade através do uso
da meditação. Na década de setenta, Pierre Weil (1978b), em seu livro “Mística e ciência”, já antevia esta aproximação,
quando sugeriu que estudos na área do “behaviorismo” poderiam trazer grandes contribuições para o desenvolvimento
da Psicologia Transpessoal, pois a partir do estudo do controle de funções orgânicas involuntárias, tais como circulação
sanguínea e ondas eletroencefalográficas, realizado em iogues ou meditantes treinados, poderíamos ter acesso a uma
melhor compreensão de fenômenos estudados na transpessoal.
Em artigo publicado na revista Psicologia Ciência e Profissão, Gauer et al (1997, p. 22) destacam que a relação entre
meditação e psicoterapia foi pesquisada,
[...] concluindo-se que psicanalistas consideram a prática da meditação como contraproducente para o processo terapêutico,
enquanto psicoterapeutas transpessoais acreditam no contrário (Bogart, 1991). A Psicologia Transpessoal faz uso de técnicas
convencionais em conjunto com práticas conscientizadoras orientais, a fim de lidar com o chamado “nível transpessoal” (Tabone,
1992). Elementos comuns entre psicanálise, psicologias humanista e transpessoal, e zen-budismo foram investigados (Rhee, 1990). O
autor constatou que as propostas dessas abordagens seriam as mesmas, sob diferentes nomenclatura.

O trabalho pioneiro de Fracine Shapiro (2007, p.43) com EMDR27 faz uso regular da meditação e segundo sua autora
“[...] é, com certeza, coerente com as conjeturas de Maslow [...]”. David Grand, um dos principais representantes do EMDR,
em palestra em 2008 sobre “A essência do EMDR”, destaca o seu aspecto transpessoal.
No meio transpessoal, os trabalhos pioneiros de Charles Tart (1972, 2000) foram uma das primeiras tentativas bem-
sucedidas de estudo dos estados alterados de consciência usando o arsenal metodológico comportamental, sendo seu
trabalho referência nos estudos nesta área.

1.4.2 Segunda Força – Psicanálise e Derivadas

O mundo da Salpêtrière, na França, rendia-se ao rei das histéricas, Jean-Martin Charcot, que com suas
impressionantes demonstrações hipnóticas (meio clínicas, meio circenses) liberava, por sugestão, os pacientes de
seus sintomas. Este “rei” atraiu para a corte parisiense outro grande pesquisador, Freud, que juntamente com Breuer,
desenvolveu o “método catártico”, a partir de exaustivo estudo sobre histeria. Freud veio a aperfeiçoá-lo, nascendo daí “a
livre associação”.
O método da “livre associação” permitiu a Freud a construção de sua metapsicologia, com suas tópicas (1a Tópica:
consciente, pré-consciente, inconsciente; 2a Tópica: id, ego e superego), oferecendo assim uma teoria acerca do
inconsciente e sua dinâmica, bem como do papel da sexualidade na etiologia das neuroses.
Apesar de ter o dualismo como marca fundante (spaltung) e não ter dado a atenção devida ao fenômeno de
consciência cósmica, denominado na época de “sentimento oceânico”28, a psicanálise resguardou para si um estatuto
metapsicológico.
Rodrigué (1995) destaca a relação entre Freud, “o animal humano” e seu “amigo oceânico”, Romain Rolland —
ideólogo, pacifista, ganhador do Prêmio Nobel da Paz e autor de “Ghandi” —, como uma das possíveis causas para “o
27 Dessensibilização e Reprocessamento Através de Movimentos Oculares
28 Consciência cósmica ou mais modernamente consciência transpessoal.
sentimento oceânico” ter ganho um espaço na teoria freudiana.
Depois de ler “O futuro de uma ilusão”, Romain Rolland censura Freud por não ter colocado na base do sentimento religioso
aquilo que ele denomina “sentimento oceânico”, termo tomado de empréstimo dos místicos hindus. Esse sentimento é, para ele,
“completamente independente de todo dogma, de todo credo, de toda igreja constituída, de todo livro santo, de toda esperança de
sobrevida pessoal etc. Trata-se da sensação simples e direta do Eterno [...]”. Freud não se sente à vontade nessa frente. Ele escreverá
em “O mal-estar na cultura”: “As opiniões expressas por um amigo muito admirado [...] causaram-me muita dificuldades. Não
consigo descobrir em mim esse sentimento ‘oceânico’. Não é fácil lidar cientificamente com sentimentos” [...]. Podemos considerar
o primeiro capítulo de “o mal-estar” uma carta aberta a seu amigo francês. Se ele não experimentou o sentimento oceânico, “pode,
pelo menos, outorgar-lhe, um estatuto metapsicológico”. Trata-se do retorno ao estado de fusão do ego primitivo do bebê a uma
simbiose primordial com a mãe.” (RODRIGUÉ, 1995, vol.3, p. 162)

Destacaremos a seguir alguns dos pioneiros do estudo do psiquismo e seus interesses por alguns tópicos que estão na
meta de pesquisa da Psicologia Transpessoal. Daremos um destaque especial a Carl Jung por ser considerado um de seus
precursores.

SIGMUND FREUD

Quando buscamos, no Professor de Bergasse, referências acerca de fenômenos que se aproximem da espiritualidade,
deparamo-nos com dois momentos: o primeiro é do “Jovem Freud”, com seus pensamentos voltados para a ciência e a
medicina, e o segundo o do “Velho Freud”, mais maduro, interessado em problemas culturais e humanos amplamente
concebidos, e em assuntos relativos à alma.
Bettelheim (1982, p.86), escreveu que Freud por várias vezes falou sobre a alma, mas estas referências foram retiradas
da tradução inglesa, que se centralizou no “jovem Freud”. Para Freud a alma se referia à psique como um todo, apesar de
em muitos momentos ter usado estes termos indistintamente, como se vê a seguir:
Psique é uma palavra grega, e a tradução para ela é “alma”. O tratamento psíquico significa, pois, “o tratamento da alma”. Uma
pessoa poderia, assim, pensar que o sentido disso é: tratamento dos fenômenos mórbidos da vida da alma. Mas tal não é o sentido
desse termo. O tratamento psicológico pretende ter um significado muito maior; a saber, o tratamento que tem origem na alma, o
tratamento dos distúrbios psíquicos ou corporais - em graus que influenciam sobretudo e , de modo imediato, a alma do homem.

Além de seu interesse por temas como “alma”, pode-se ressaltar estudos de Freud (1963) sobre telepatia e
parapsicologia, bem como seu vínculo com a Sociedade de Estudos Psíquicos, instituição de pesquisa de temas
parapsicológicos e “ocultos”, sendo relevante pontuar o conflito com Romain Rolland acerca do “sentimento oceânico”.
Epstein, M., apud Scotton, B.W.; Chinen, A.B. e Battista, J.R. (1996), identifica três grandes contribuições do
pensamento freudiano para a Psicologia Transpessoal:
a) a descrição do sentimento oceânico como a apoteose da experiência religiosa. Apesar da interpretação limitada deste fenômeno
como uma regressão à união fusional com a mãe ter influenciado uma imensa gama de pesquisas reducionistas, Freud oferece-lhe
um estatuto metapsicológico, o que, segundo Rodrigué (1995, vol.03, p.162), não é pouco para alguém que não havia experimentado
este fenômeno;

b) suas experiências com manejo da atenção, primeiramente com a hipnose, depois com a associação livre e, por fim, com a atenção
flutuante. A atenção flutuante se aproxima a estados descritos a partir dos treinamentos em meditação propostos pela transpessoal;

c) a noção de além do princípio do prazer e a tentativa de rompimento do sofrimento neurótico a partir da sublimação.

O desencontro de Freud com fenômenos que fugiam ao paradigma dominante à sua época foi expresso no seu lapso
de memória, assim apontado por Rodrigué (1995 vol 02, p.162, grifo nosso):
Numa manhã de dezembro de 1910, Freud partiu, vamos supor, sigilosamente, para se encontrar com Jung e Bleuler
em Munique. Motivo da expedição? Visitar Frau Arnold, uma renomada astróloga. Mas a visita não teve lugar porque
Freud — conta-nos Jones — não conseguiu lembrar o nome da astróloga. (grifo nosso)
O lapso freudiano marca um tempo, uma forma de pensar, expressando a ambivalência vivida no meio científico
em relação a fenômenos que ainda não podiam ser explicados. Ao mesmo tempo traz a marca antecipadora de todo
visionário, ou grande gênio, pois antecipa os interesses de pesquisadores futuros, indicando uma imensa gama de
possibilidades de investigação.
SANDOR FERENCZI

A psicanálise durante um longo período ocupou um lugar de destaque nas pesquisas voltadas ao psiquismo humano,
por isso buscamos entre antigos “mestres” referências a uma dimensão além do pessoal. Nesta busca deparamo-nos com
Ferenczi, “o vizir da psicanálise, o Heráclito da psiquiatria húngura, o interlocutor de Freud em Siracusa”, nas palavras de
Rodrigué (1995, vol 2, p. XXXI).
Nascido em Budapeste, em 1873, o oitavo de uma família de onze filhos, sua genialidade não passou despercebida para
Freud, de quem se tornou discípulo fiel, talvez um dos poucos das primeiras gerações de grandes analistas a não romper
com o professor.
Suas contribuições à teoria psicanalítica são inúmeras; aqui registramos o Ferenczi “Astrólogo da Corte dos
Psicanalistas”. (RODRIGUÉ, 1995, p.162, vol.2)
Segundo Rodrigué (1995), Ferenczi publicou em 1898, na revista Gyógiászat, editada por Miksa Schacter, grande
figura paterna de sua vida, o ensaio intitulado “Espiritismo”, no qual o autor narra um episódio que merece destaque, haja
vista envolver um dos focos de pesquisa da Psicologia Transpessoal, que são os estados alterados de consciência. Vejamo-
lo:
Certo dia, ele participou de uma reunião mediúnica organizada por um velho amigo espírita. Na sessão, Ferenczi perguntou: “Em
quem estou pensando neste momento?”. A médium respondeu: “A pessoa na qual você está pensando acaba de levantar-se da cama
para logo pedir um copo de água e cair morta”. Ferenczi, na hora, lembrou que tinha marcado uma consulta médica. Foi às pressas à
casa do paciente onde pôde constatar a veracidade do que a médium dissera. (RODRIGUÉ, 1995, Vol 2, p.160)

No que diz respeito à telepatia, transferência de pensamento na linguagem freudiana, Ferenczi procurou em Berlim
a médium e clarividente famosa, Sra. Seidler. De posse de uma carta de Freud, “entusiasma-se com revelações da médium
sobre a pessoa do professor”. Ferenczi em carta revela ao professor:
Admitindo que ela possui capacidades realmente fora do comum, talvez elas se devam a uma espécie de “leitura de pensamento”,
isto é, leitura de meus pensamentos. A autoanálise profunda que realizei depois da sessão, levou-me à dita hipótese. A maioria das
declarações a respeito do senhor corresponde a processos mentais que eu realmente tive, mas também a processos mentais que
posso ter recalcado... Além da teoria da “indução psíquica”, podemos contemplar a possibilidade de uma hiperestesia extática. O
discípulo, contudo, mostra-se cauteloso: Quero assegurar-lhe que não há perigo de que eu sucumba ao ocultismo, devido a esta
experiência, ainda obscura. (RODRIGUÉ, 1995, vol.2, p.162)

Embora seja pouco provável que, conforme pontua Rodrigué, “o tema do oculto e das ciências parapsicológicas, em
geral, ocupasse pouco espaço nos encontros das quartas-feiras do grupo freudiano, o assunto operava como contraponto.
Nessa procura pelo “espiritual”, Ferenczi estava à frente de Jung”, embora se mostrasse mais reticente.

OTTO RANK

Ainda no meio psicanalítico, temos o “O Trauma de Nascimento” de Otto Rank, surgido no ano de 1923, entre as
marcas do câncer de Freud. O escrito rankiano despertou no meio analítico, inicialmente, uma reação de franca e quase
total aceitação. Afirma-se que Freud teria comentado com Ferenczi:
Não sei se 66% ou 33% do livro é verdadeiro, mas, em qualquer caso, é o mais importante progresso desde a descoberta da
psicanálise. O que não é pouco na boca de Freud. (RODRIGUÉ, 1995, p.88. vol.3)

Além de considerar o nascimento como um dos eventos importantes na vida do indivíduo em “A Interpretação dos
Sonhos”29 (segunda edição), Freud assinalou que “o ato de nascimento é a primeira experiência de ansiedade e, assim,
passa a ser a fonte e o protótipo do entendimento da ansiedade” — o trauma de nascimento despertou uma verdadeira
guerra no meio psicanalitico, bem como abriu margens para que pesquisadores transpessoais desenvolvessem uma teoria
mais ampla a partir deste fato, como é o caso das matrizes perinatais de Grof (1988, 2000).
Freud enviou uma circular aos membros do Comitê com o objetivo de aplacar os ânimos acirrados. A citação de
trechos desta circular depõe acerca da maturidade do “velho Freud”, atingido pelo câncer, como se pode conferir em
citação de Rodrigué (1995, vol.3, p. 89-91) a seguir transcrita:
[...] incomparavelmente mais interessante. O trauma do nascimento de Rank. Não hesito em dizer que considero essa obra
altamente significativa, que ela me deu muito o que pensar e que ainda não cheguei a ter um juízo significativo sobre ela. Há muito
estamos familiarizados com fantasias relativas ao útero e reconhecemos sua importância, mas, devido ao realce que Rank lhes deu,
elas alcançaram uma significação muito maior e revelam de imediato o fundo biológico do Complexo de Édipo. Repito em minha
própria linguagem: o trauma de nascimento deve estar associado a alguma pulsão que visa à felicidade, compreendendo-se aí que

29 Nota de rodapé da 2a Edição


o conceito de felicidade é usado, sobretudo, em sentido erótico. Rank, então, vai além da psciopatologia e mostra como os homens
alteram o mundo externo a serviço desse instinto, ao passo que os neuróticos poupam-se desses problemas ao tomar o caminho
mais curto de fantasiar o retorno ao útero. Se à concepção de Rank acrescentarmos a de Ferenczi — a de que o homem pode ser
representado por seus genitais — então pela primeira vez temos uma derivação do instinto sexual normal em que se encaixa nossa
concepção do mundo. Naturalmente, bem mais poderia ser dito sobre isso e espero que os pensamentos despertados por Rank
tornem-se objeto de muitas discussões frutíferas. Deparamo-nos aqui não com uma revolta, uma revolução, uma contradição de
nosso conhecimento assegurado, mas com um interessante acréscimo que nós e outros analistas temos de reconhecer.

As reações a esta circular foram exacerbadas, Ernest Jones afirma que Freud foi “por demais tolerante”. O clima
estava alterado, e Freud nesta altura da vida reflete: “Meus discípulos são mais ortodoxos do que eu” (RODRIGUÉ, 1995,
vol.3, p. 91). Poder-se-ia arriscar a hipótese de que ele estivesse prestes a continuar seu relacionamento com Rank, mas o
movimento psicanalítico talvez pela inércia inerente às instituições não lhe permitiu outra escolha senão o caminho da
separação.
Assim, “O Trauma do Nascimento”, que distanciou discípulo e mestre, levou Freud a revisar sua teoria, referindo-se
a posição de Rank, “que originariamente era a minha — de que o afeto da angústia é consequência do ato do nascimento
e uma repetição da experiência original, forçou-me, uma vez mais, a revisar o problema da angústia”. (RODRIGUÉ, 1995,
vol.3, p.102)
Ora, isso significa que Freud admite o mérito de Rank quanto à travessia traumática do feto pelo canal estreito
da bacia, referindo-se ao evento como protótipo de angústia primeva para o indivíduo à medida que se constitui em
inevitável situação de ameaça à vida e ao mesmo tempo um caminho único a ser percorrido. Para além dessa situação
inicial de perigo, frente a outras fontes geradoras de traumas, somando um total de quatro situações de perda a serem
iniciadas pela chamada “perda do nirvana intrauterino”, temos na sequência (ameaça de): perda da simbiose materna,
perda do pênis e perda do amor do superego.
Desse modo, as contribuições de Rank acerca do trauma de nascimento o colocam entre os precursores da Psicologia
Transpessoal, talvez um dos primeiros a indicar uma amplitude da consciência para além dos limites impostos pela teoria
psicanalítica dominante. Sua teoria indica-nos a possibilidade de mergulharmos em níveis mais profundos da psique.
Grof (1988) destaca o intenso trabalho de Rank, construindo a partir do mesmo um arcabouço teórico para dar conta
das experiências que envolvem a gravidez e o nascimento. Este autor elabora a teoria das matrizes perinatais e, em
homenagem a Rank, denomina de nível rankiano do processo terapêutico a fase da terapia na qual emergem conteúdos
perinatais de forma mais condensada.

CARL JUNG

Carl Gustav Jung, descendente do mítico Sigmund Jung, alquimista de Mainz30, nasceu em 26 de julho de 1875 em
Kesswil, pequeno povoado à beira do lago Constanza, no cantão de Thurgovia. O interesse por fenômenos que estavam
fora do âmbito de estudo da psiquiatria de sua época, bem como suas ricas contribuições ao desenvolvimento de uma
psicologia do sagrado, põem este autor como um dos precursores da Psicologia Transpessoal.
A família de Jung parece ter estimulado amplamente seu mundo imaginário. Durante a sua infância, experiências
transpessoais podem ser assinaladas, como por exemplo: sendo solicitado a produzir um ensaio, Jung ficou bastante
sobrecitado (estado alterado de consciência). Neste estado produziu um excelente ensaio e foi acusado de plágio pelo
professor. Sem conseguir convencê-lo e sofrendo por alguns dias, Jung escreveu acerca do contato com um “ser invisível”
que o teria ajudado a fazer o texto.
Na escola Médica de Zurich, Jung escreveu sua tese sobre transe e estados dissociativos, a partir das experiências com
sua prima e médium Helene Preiswerk. Depois de sua graduação trabalhou com Eugen Bleuler, um dos maiores mestres
da psiquiatria, no Hospital de Burgholzh em Zurique, o que lhe deu uma vasta experiência com psicóticos e colocou-o em
contato com o campo do simbolismo, tendo-se, por exemplo, um dos seus casos em que um paciente falou de um sol fálico,
figura posteriormente encontrada por Jung na cultura egípcia.
O encontro de Freud e Jung propiciou ao primeiro um suporte acerca da visão psicanalítica do inconsciente. No
entanto as divergências entre ambos não tardariam em aparecer. Em Viena, Freud e Jung discutiram sobre fenômenos
parapsicológicos quando ocorreu um barulho na estante de livros do escritório de Freud. Jung disse que tal fenômeno
refletia um dos tópicos que estavam discutindo e predisse um novo barulho. Freud discordou desta possibilidade, mas um
segundo barulho ocorreu. Freud depois escreveu para Jung dizendo que após sua partida os barulhos continuaram, porém
os considerava sem importância. (Memórias, Sonhos e Reflexões)
Uma das possíveis causas para o rompimento entre Freud e Jung deveu-se ao fato de este último insistir em destacar
30 “Ancestral de Carl Gustav, ativo na primeira metade do século XVII, conhecedor de Paracelso.”
temas espirituais em seu foco de pesquisa.
Pode-se considerar as contribuições de Jung para Psicologia Transpessoal em quatro pontos:
1. a noção que desenvolvimento psicológico poderia incluir o crescimento de altos níveis de consciência e continuar ao longo da
vida;

2. o conceito de transcendência é útil para cada indivíduo;

3. a prontidão para explorar visões de outras culturas multicentenárias, bem como de levantar insights dentro da cultura ocidental,
mostraram-se relevantes para o trabalho clínico atual;

4. o reconhecimento de que cura e crescimento frequentemente resultam de experiências simbólicas ou de estados alterados de
consciência, os quais não podem ser reduzidos à racionalização.

Estas contribuições se expressam nos estudos junguianos acerca dos arquétipos e mitos, inconsciente coletivo,
sonhos, tipos psicológicos, abordagem simbólica, sincronicidade, e dimensões espirituais da psique, que serviram de base
para a fundamentação da Psicologia Transpessoal no Ocidente.
Jung também pode ser visto como um dos primeiros teóricos a estudar, numa perspectiva psicológica, fenômenos
como transes mediúnicos ou não, yoga, espiritualidade dos nativos americanos, xamanismo africano, o I Ching, alquimia e
gnosticismo.
As publicações que mais destacam o aspecto transpessoal na obra de Jung são: Sete Sermões para um Morto; Uma
Resposta a Jó; Memórias, Sonhos e Reflexões (JUNG, 2002). É possível perceber a ousadia de Jung frente ao meio acadêmico
a partir de sua declaração a BBC, quando questionado acerca da existência de Deus: “Eu não penso que ele existe, eu sei
que ele existe”.

1.4.3 Terceira Força – Humanismo e Existencialismo

Weil (1978b, p. 14-15) chama a atenção para o fato de que a terapia e a psicologia existencial têm focalizado já há
muito tempo a importância da dimensão fenomenológica do “aqui e agora” para emergência do “encontro existencial”
e das suas relações com os valores superiores da humanidade, tais como a beleza, a verdade e o amor. Para autores como
Laing e Maslow, a consciência cósmica constitui o meio e o objetivo final da terapia. Neste terreno também há problemas
a levantar e a solucionar.
Existe uma necessidade pulsional de se chegar à consciência cósmica? Os valores ligados a ela são “instintóides”?

Como chegar à consciência cósmica sem riscos de descompensação? Por que a experiência cósmica tem o valor terapêutico que se
lhe tem atribuído?

Quais as relações entre a realidade da experiência cósmica e a realidade da vida quotidiana?

Os trabalhos pioneiros de Maslow (apud Walsh e Vaughan, 1995) marcaram o início promissor das pesquisas
nesta área, sendo possível encontrar nas obras finais de Carl Rogers (1983) indícios de sua abertura para os estudos
transpessoais. Em “Tornar-se Transpessoal”, Boainain Jr. (1998) destaca que Carl Rogers, na década final de sua vida,
teria passado por um processo de transformação transpessoal e, ultrapassando os modelos tradicionais da psicologia
humanista, teria oferecido fundamentos para criação de uma “Abordagem Transpessoal Rogeriana”. Este livro resgata o
momento de passagem do humanismo para o transpessoal.

CARL ROGERS

Considerado um dos principais representantes da Terceira Força em Psicologia, Rogers foi um dos primeiros autores
que forneceu informações acerca das possibilidades de ampliação do campo de pesquisa na área psicológica.
Tornando relevante a possibilidade de abertura para novas ideias, Rogers (1983, p. 26) valoriza aquelas que dizem
respeito ao espaço interno — o chamado reino dos poderes psicológicos e das habilidades psíquicas da pessoa humana.
Nesse sentido assim se expressa:
Estou aberto a fenômenos ainda mais misteriosos — à premonição, à telepatia, à clarividência, às auras humanas, às fotografias
kirlianas, e até mesmo às experiências que se dão fora do corpo. Estes fenômenos podem não corresponder às leis científicas
conhecidas, mas talvez estejamos no caminho da descoberta de uma nova ordem, regida por outros tipos de leis. Sinto que estou
aprendendo muito com uma nova área de conhecimentos, e considero esta experiência agradável e empolgante.

Esta abertura de Rogers marca uma passagem importante dentro do movimento psicológico, pois mostra o interesse
dos psicólogos humanistas por uma nova dimensão em psicologia, que mais tarde passou a denominar-se Psicologia
Transpessoal, e apontava novos rumos para a pesquisa.
Importante ressaltar que, em “Reflexões sobre a Morte”, Rogers (1983, p. 29) nos ensina um dos pontos considerados
centrais da Psicologia Transpessoal: a morte.
A minha crença de que a morte é o fim foi modificada, no entanto, por coisas que aprendi na década passada. Fiquei impressionado
com os relatos de Raymond Moody (1975) sobre as experiências com pessoas que estiveram próximas da morte a ponto de serem
declaradas mortas, mas que voltaram à vida. Impressionam-me alguns relatos sobre reencarnação, embora eu considere uma
bênção muito duvidosa. Interesso-me pelos trabalhos de Elisabeth Kübler-Ross e por suas conclusões sobre a vida após a morte.

Em atualização a estas afirmações, o autor escreve: “Vivendo o Processo de Morrrer”. Nele busca reorganizar suas
considerações sobre o processo da morte, afirmando a nova visão quando destaca: “contrastam frontalmente com
algumas passagens deste capítulo, escrito há apenas dois anos atrás” (ROGERS, 1983, p.31).
A experiência de falecimento de sua esposa traça um bonito percurso na reorganização do conceito de morte e marca
a transformação operada em sua mente flexível e disponível ao novo.
Modificaram completamente minha concepção do processo da morte. Agora considero possível que cada um de nós seja uma
essência espiritual contínua, que se mantém através dos tempos e que ocasionalmente se encarna num corpo humano.” (ROGERS,
1983, p. 31)

Em “Estados Alterados de Consciência”, Rogers (1983) destaca os trabalhos de Grof e Grof (1977) e Lilly, que apontam
a capacidade das pessoas ultrapassarem o nível comum de consciência, conforme transcrito a seguir:
Seus estudos parecem revelar que, em estados alterados de consciência, as pessoas entram em contato com o fluxo da evolução e
apreendem seu significado. Este contato é vivenciado como um movimento que os aproxima de uma experiência transcendente
de unidade. É como se o eu se dissolvesse numa região de valores superiores, especialmente de beleza, harmonia e amor. A pessoa
sente-se como se ela e o cosmos fossem um só. A realização obstinada de pesquisas parece que vem confirmando as experiências de
união dos místicos com o universo. (ROGERS, 1983, p.47)

Diante desse cenário, percebe-se que Rogers revela o contato com as produções científicas da então nascente área
de Psicologia Transpessoal, citando os trabalhos de Grof, um de seus expoentes, responsável por valorosa construção
cartográfica da consciência nesta área.
Com o desenvolvimento de pesquisas que incluíam a dimensão espiritual da vida humana, vários psicólogos
humanistas passaram a se interessar por uma série de estudos até então negligenciados pela Psicologia Humanista.

Você também pode gostar