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- BEM VINDOS À
REDE MUNDIAL DE
'LA SEGUNDA
FUNDACION'
- SEJA BEM-VINDO! - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
- SAUDAÇÃO
- NOTÍCIAS DE "LA
SEGUNDA Capítulo I
FUNDACION BRASIL"
- ISTO É LA SEGUNDA A ASPIRAÇÃO HUMANA
FUNDACIÓN
- JUSTA HOMENAGEM
: “ROLF GELEWISKI -
Ela marcha em direção à meta daqueles que vão mais adiante, é a primeira na
UMA ALMA EM AÇÃO”
eterna sucessão de alvoradas por chegar; Usha se expande manifestando tudo o
- A VIDA DIVINA (SRI
AUROBINDO) -- que vive, despertando alguém que morreu … Qual é seu alcance, quando
Capítulo I a X harmoniza as alvoradas que já brilharam com as que agora devem refulgir?
- A VIDA DIVINA (SRI Deseja as antigas manhãs e as enche de luz; projetando para diante sua
AUROBINDO) -- iluminação, entra em comunicação com o resto do que está por vir.
Capitulo XI a XX
- A VIDA DIVINA (SRI Kutsa Angirasa – Rig Veda [1]
AUROBINDO) --
Capitulo del XXI al São triplos aqueles supremos nascimentos desta força divina que está no mundo;
XXVIII são verdadeiros, são desejáveis; se desloca no Infinito e brilha puro, luminoso e
- LIVROS GRÁTIS pleno… O que é imortal nos mortais, e dotado da verdade, é um deus,
- O MENSAGEIRO DO estabelecido interiormente como uma energia, que opera em nossos poderes
INCOMUNICÁVEL divinos… Torna-te espiritualmente elevada, oh Força, atravessa todos os véus,
- O ESPÍRITO manifesta em nós as coisas de deus.
REVOLUCIONÁRIO
- CHAMADO AOS Vamadeva – Rig Veda [2]
JOVENS OCIDENTAIS
- O HOMEM NOVO
A primitiva preocupação do homem em seus pensamentos despertos, e o que parece
- A FÉ DO
sua inevitável e última inquietude - pois ela sobrevive aos mais prolongados períodos
GUERREIRO ARIANO de ceticismo e retorna após cada banimento— é também a maior preocupação que
- A DESCOBERTA seu pensamento pode conceber. Manifesta-se no prenúncio da Divindade, no impulso
SUPREMA em direção à perfeição, na busca da pura Verdade e deleite não misto, no sentido de
- A EVOLUÇÃO MUITO uma secreta imortalidade. As antigas auroras do conhecimento humano nos legaram
ALÉM DO HOMEM o testemunho desta constante aspiração; hoje em dia vemos uma humanidade -
- SOCIOLOGIA DA saciada mas não satisfeita pela análise vitoriosa das exterioridades da Natureza -
NOVA HUMANIDADE preparando-se para retornar a seus primitivos anelos. A fórmula primitiva da
- INVITATION (Sri Sabedoria promete ser a última: Deus, Luz, Liberdade, Imortalidade.
Aurobindo)
- UM ENCONTRO QUE
TRANSFORMARIA O
MUNDO Estes ideais persistentes da espécie são, ao mesmo tempo, a contradição de sua
- A SUPRAMENTE E A experiência normal e a afirmação de experiências superiores e mais profundas que
VIDA DIVINA resultam anormais para a humanidade e só hão de obter-se, em sua inteireza
- CARTA A BARIN1 organizada, mediante um esforço revolucionário ou um progresso evolutivo geral.
- A VIAGEM DA ALMA Conhecer, possuir e constituir o divino ser em uma consciência animal e egoística [3],
- AS ONZE ATITUDES converter nossa sombria ou crepuscular mentalidade física na plena iluminação
BASICAS DO supramental, construir paz e felicidade auto-existentes ali onde só há tensão por
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
SADHANA conseguir satisfações transitórias, perante o assédio da dor física e sofrimento
- ENTREVISTA A SRI emocional, estabelecer uma liberdade infinita em um mundo que se apresenta como
AMAL KIRAN um grupo de necessidades mecânicas, descobrir e compreender a vida imortal num
- REFUNDAÇÃO corpo sujeito à morte e a constantes mutações; tudo isto se nos oferece como a
- O CAMINHO manifestação de Deus na matéria e meta da Natureza em sua evolução terrestre. Para
- UMA ÚNICA CALMA o intelecto material comum, que crê que sua presente organização da consciência é o
E TREMENDA
EXISTÊNCIA
limite de suas possibilidades, a contradição direta dos ideais irrealizados com o fato
realizado é um argumento final contra sua validade. Mas se tomamos uma visão mais
reflexiva do trabalhar-do-mundo, essa contradição direta parece muito mais uma
parte do profundíssimo método da Natureza e o selo de sua mais completa aprovação.
Pois todos os problemas da existência são, em essência, problemas de harmonia.
Surgem da percepção de uma discórdia não-resolvida e da intuição de um não-
descoberto acordo ou unidade. Repousar contente com uma discórdia não resolvida é
possível para a parte prática e mais animal do homem, mas é impossível para sua
mente plenamente desperta, e geralmente inclusive suas partes práticas só evitam a
necessidade geral de harmonizar contrários evitando o problema ou aceitando um
compromisso tosco, utilitário e não-iluminado. Pois essencialmente, toda a Natureza
busca uma harmonia, vida e matéria em sua própria esfera, igualmente que a mente
na organização de suas percepções. Quanto maior é a desordem aparente dos
materiais oferecidos ou a aparente diferença essencial - até uma oposição
irreconciliável - dos elementos que serão utilizados, mais forte é o estímulo, e este leva
a uma ordem mais sutil e pujante do que aquela que seria o resultado de um esforço
menor. O acordo ou combinação da Vida ativa com o material com que se forja a
forma - no qual o estado de atividade por si mesma parece ser a inércia - é um
problema de opostos que a Natureza resolveu, e procura sempre resolver melhor com
maiores complexidades; pois a solução perfeita seria a imortalidade material do
corpo animal plenamente organizado que serve de sustento à mente. O acordo ou
combinação de uma mente consciente e da vontade consciente como uma forma e
uma vida não-abertamente conscientes de si mesmas e capazes, quando muito, de
uma vontade mecânica ou subconsciente, é outro problema de opostos em que a
Natureza produziu resultados assombrosos e que aponta sempre para maravilhas
superiores; e seu último milagre seria uma consciência animal que já não marche em
busca da Verdade e a Luz senão que as possua, com a onipotência que resultará da
possessão de um conhecimento direto e aperfeiçoado. Então, não apenas é racional
em si mesmo o impulso ascendente do homem direção à conformidade de opostos
ainda mais elevados, como é também a única finalização lógica de uma regra e de um
esforço que parecem ser o método fundamental da Natureza e o próprio sentido de
seus esforços universais.
Falamos da evolução da Vida na Matéria, da evolução da Mente na Matéria; mas
evolução é uma palavra que apenas assinala o fenômeno, sem explicá-lo. Pois
aparentemente não há razão para a Vida evoluir a partir dos elementos materiais ou
a Mente a partir da forma vivente, a menos que aceitemos a solução Vedântica de que
a Vida já está envolta pela Matéria e a Mente pela Vida, porque, em essência, a
Matéria é uma forma velada na Vida, e a Vida é uma forma velada da Consciência.
Parece que, então, há escassa objeção a um passo mais adiante na séria e à aceitação
da idéia de que a própria consciência mental é apenas uma forma e um véu de
estados superiores de Consciência que estão além da Mente. Nesse caso, o indomável
impulso do homem em direção a Deus, a Luz, a Bem-Aventurança, a Liberdade e a
Imortalidade, se apresenta em seu lugar correto na cadeia, do mesmo modo que o
impulso imperativo pelo qual a Natureza busca evoluir além da Mente parece tão
natural, verdadeiro e justo quanto o impulso em direção a Mente que a Natureza
implantou em certas formas de Vida. Tal como lá, aqui o impulso existe - com uma
série sempre ascendente no poder de seu querer-ser; tal como lá, aqui ele evolui
gradualmente e obriga à evolução plena dos órgãos e faculdades necessários. Assim
como o impulso em direção à Mente parte das mais sensíveis reações da Vida no
metal e na planta, subindo até a plena organização no homem, de igual maneira no
próprio homem existe a mesma série ascendente, a preparação, se não algo mais, de
uma vida superior e divina. O animal é um laboratório vivo no qual a Natureza
elaborou o homem. O próprio homem pode ser um laboratório pensante e vivo no
qual, com sua cooperação consciente, a Natureza elaborará o super-homem, o deus.
Ou melhor diremos que manifestará a Deus? Pois se a evolução é a progressiva
manifestação, na Natureza, do que dormiu ou trabalhou nela desde dentro, envolto po
ela, também é, igualmente, a realização aberta do que ela é secretamente. Então não
podemos atribuir lentidão a uma dada etapa de sua evolução nem temos o direito de
condenar qualquer intenção que ela ponha em relevo ou qualquer esforço que realiza
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
[3] A palavra inglesa é “egoistic” que poderia ser traduzida por “egoística” se estivesse admitida
pela R.A.E., e reservar o termo “egoísta” para sua correspondente inglesa “egoist”, mas os
termos aceitados na língua espanhola, como “egocêntrica” ou “egotista”, não são melhores, o
termo optado para o espanhol: “egoísta”, e há que se ter em conta esta nota, pois o termo
aparece frequentemente.
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Capítulo II
AS DUAS NEGAÇÕES
1
A negação materialista
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
verdade que tropeça por causa de suas limitações; muitas vezes é a Verdade que usa
um disfarce para chegar, sem ser percebida, ao seu objetivo. Estaria bem se o erro
pudesse ser sempre, como foi no grande período que estamos deixando para trás, o
fiel servidor, severo, consciencioso, honrado, brilhante dentro de seus limites, uma
meia-verdade e não uma irrefletida e presunçosa aberração.
Certo gênero de Agnosticismo é a verdade final de todo o conhecimento. Pois quando
chegamos ao final de qualquer caminho, o universo aparece como apenas um símbolo
ou a aparência de uma realidade incognoscível que se traduz aqui em diferentes
sistemas de valores, valores físicos, valores vitais e sensoriais, valores intelectuais,
ideais e espirituais. Quanto mais Aquilo se torna real para nós, mais parece estar
sempre além do pensamento definidor e além da expressão formuladora. “A Mente
não chega até aqui, nem a linguagem” [3]. E no entanto, como é possível exagerar,
com os Ilusionistas, a irrealidade da aparência, também é possível exagerar a
incognoscibilidade do Incognoscível. Quando falamos dele como Incognoscível,
queremos dizer, na realidade, que ele escapa ao alcance de nosso pensamento e de
nosso discurso, instrumentos que procedem sempre pela diferenciação e expressam
em forma de definição; mas, se não é cognoscível pelo pensamento, Ele é alcançável
por um supremo esforço de consciência. Existe, inclusive, um gênero de conhecimento
que é uno com a Identidade e através do qual, num certo sentido, Ele pode ser
conhecido. Certamente, esse Conhecimento não pode ser reproduzido exitosamente
em termos de pensamento e linguagem, mas, quando o alcançamos, o resultado é uma
reavaliação d’Aquilo com os símbolos de nossa consciência cósmica, não só com um,
mas com todas as cadeias de símbolos, o que culmina numa revolução de nosso ser
interno e, através do interno, de nossa vida externa. Além disso, há também um
gênero de conhecimento através do qual Aquilo se revela com todos os nomes e
formas da existência fenomênica, que, para a inteligência ordinária, apenas O oculta.
É esse processo superior mas não supremo do Conhecimento que podemos alcançar
passando dos limites da fórmula materialista e escrutando Vida, Mente e Supramente
nos fenômenos que são característicos delas, e não meramente naqueles movimentos
subordinados pelos quais eles se ligam à Matéria.
O Desconhecido não é o Incognoscível [4]; ele não necessita permanecer desconhecido
para nós, a menos que optemos pela ignorância ou persistamos em nossas limitações
primeiras. Pois, a todas as coisas que não são incognoscíveis todas as coisas no
universo, correspondem, nesse universo, faculdades pelas quais se pode tomar
conhecimento delas,e no homem, o microcosmo, essas faculdades são sempre
existentes e, num certo estágio, capazes de desenvolvimento. Podemos optar por não
desenvolvê-las; onde estão parcialmente desenvolvidas, podemos desencorajá-las e
impor nelas uma espécie de atrofia. Mas, fundamentalmente, todo conhecimento
possível é um conhecimento acessível à humanidade. E como no homem há o impulso
inalienável da Natureza em prol da auto-realização, nenhuma luta do intelecto para
limitar a ação de nossas capacidades, numa determinada área, pode prevalecer para
sempre. Quando tivermos experimentado a Matéria e percebido suas secretas
possibilidades, o verdadeiro conhecimento – para o qual foi conveniente aquela
temporária limitação de faculdades – vai gritar-nos, como os Guardiões Védicos:
"Para diante agora,avance também em outros campos [5]."
Se o Materialismo moderno fosse simplesmente uma ignorante aceitação da vida
material, o avanço seria infinitamente adiado. Mas como sua verdadeira alma é a
busca do Conhecimento, será incapaz de pedir parada; no momento em que alcançar
as barreiras entre sensação e conhecimento, e o raciocínio a partir de sensação –
conhecimento, seu próprio ímpeto o levará além, e a rapidez e a segurança com que
abraçou o universo visível é apenas um avanço de energia e êxito que esperamos que
se repita na conquista do que vem adiante, uma vez que foi dado o passo para cruzar
a barreira. Já vemos esse avanço em seus obscuros começos.
Não só em sua concepção final, mas na grande linha de seu resultado geral, o
Conhecimento, em qualquer caminho que tome, tende a se tornar uno. Nada é mais
notável e sugestivo que a extensão até a qual a Ciência moderna confirma, no campo
da Matéria, as concepções e até as fórmulas de linguagem a que se chegou por um
método muito diferente, no Vedanta – o Vedanta original, não o das escolas de
filosofia metafísica, e sim o dos Upanishads. E estes, por outro lado, muitas vezes só
revelam seu completo significado, seus conteúdos mais ricos, quando são vistos à nova
luz emitida pelas descobertas da moderna Ciência – por exemplo, aquela expressão
Vedântica que descreve as coisas no Cosmos como uma semente disposta pela Energia
universal em múltiplas formas [6]. Especialmente significativo é o esforço da Ciência
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
Notas:
(*) Vanishing-point significa ponto de fuga, se retiramos o traço fica “vanishing point” – ponto de
desaparecimento. Se o autor aplicou-se em colocar o traço, é porque, evidentemente, queria ressaltar a diferença,
e não quer dizer, como sucede em alguma tradução, que o Tempo e o Espaço desaparecem (primeiro dos
asteriscos).Preferimos deixar a tradução literal, já que essa expressão pode sugerir diversas interpretações. Ponto
de fuga, para o desenho técnico, na projeção cônica, é o ponto sobre o horizonte, para o qual se dirigem todas as
linhas horizontais, quebrando o seu paralelismo, para dar a sensação de profundidade, e, ao mesmo tempo, é o
ponto-de-vista do observador; seria, ao mesmo tempo, o zero e o infinito. A contração do campo espaço-temporal
parece indicar uma qualidade do mesmo, como a possibilidade de acelerar a evolução humana, acelerando a
chegada do futuro.
“Seu símbolo, o círculo, representa ao mesmo tempo nada e tudo; é o símbolo do infinito ilimitado; e um círculo
pode ser definido como uma única linha não-dividida e não-terminada, ou como um número infinito de linhas
infinitamente curtas. Os finais se encontram, não há nenhuma diferença essencial entre o infinitamente grande e o
infinitesimal. O ponto zero é o ponto de fuga, o laya ou estado neutro. Em matemática, esta é a posição neutra
entre a série de números negativos e positivos. É também o estado neutro da matéria entre dois planos; quando a
matéria física é reduzida a zero ou ao estado laya, ela está pronta a manifestar-se sobre o plano seguinte, mais alto,
ou vice-versa. O mesmo se aplica à consciência e a seus planos.
Damos importância a esta nota porque, nos últimos parágrafos deste capítulo, a expressão “vanishing-point”, que
só aparece três vezes em toda “A Vida divina”,precisamente aparece as citadas vezes na página anterior a esta
nota, sem voltar a ser citada em toda a obra, havendo sido sublinhada pelo tradutor, não aparecendo esse
sublinhado no original.
[1] III.1, 2.
[4] Isso difere do conhecido; também está acima do desconhecido - Kena Upanishad. I.3.
[7] Um dos nomes de Vishnu, que, como o Deus no homem, vive constantemente associado em
unidade dual com Nara, o ser humano.
[10] Svárajya y Sámrájya, o duplo objetivo proposto a si mesmo pelo Yoga positivo dos
antigos.
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Capítulo III
AS DUAS NEGAÇÕES
2
A renúncia do asceta
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Pois do outro lado da consciência cósmica existe uma consciência ainda mais
transcendente, acessível para nós - transcendente não só para o Ego como também
para o próprio Cosmos - contra a qual o universo parece sobressair-se como uma
pequenina pintura contra um incomensurável fundo. Ela (essa consciência) suporta a
atividade universal - ou talvez apenas a tolera; Isso (ela) abraça a Vida em Sua
vastidão - ou então a rejeita, em Sua Infinitude.
Que justificação, lógica ou experimental, pode ser dada para apoiar um extremo que
não encontra uma lógica convincente e uma experiência igualmente válida no outro
extremo? O mundo da Matéria é afirmado pela experiência dos sentidos físicos, que,
por serem eles mesmos incapazes de perceber algo imaterial ou não-organizado como
a Matéria bruta, iriam persuadir-nos de que o suprassensível é irreal. Este erro
rústico ou vulgar de nossos órgãos corporais não ganha valor por ser promovido ao
campo do raciocínio filosófico. Sua pretensão, obviamente, é infundada. Mesmo no
mundo da Matéria, há existências das quais os sentidos físicos são incapazes de tomar
conhecimento. Mas a negação do suprassensível, considerando-o necessariamente
uma ilusão ou uma alucinação, depende da constante associação sensorial do real com
o materialmente perceptível, o que é também uma alucinação. Presumindo todo o
tempo o que ele procura estabelecer, cai no vício do argumento em círculos e não tem
valor como raciocínio imparcial.
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
Mas os mundos não são se não molduras para nossa experiência e sentidos, apenas
instrumentos de experiência e conveniências. A Consciência é o grande fato
subjacente, a testemunha universal para a qual o mundo é um campo de ação, e os
sentidos, instrumentos. Para essa testemunha, os mundos e seus objetos apelam por
sua realidade, pois tanto o único mundo como os muitos mundos, não temos outra
evidência de que existam, tanto o físico como o suprafísico. Argumentou-se que isso
não é uma relação peculiar entre a constituição da humanidade e sua perspectiva de
um mundo objetivo, e sim a verdadeira natureza da existência; toda existência
fenomênica consiste em uma consciência observadora mais, e a Ação não pode
proceder sem a Testemunha, porque o Universo só existe na ou para a consciência
que observa, e não tem realidade independente. Foi argumentado, em resposta, que o
universo material desfruta de uma auto-existência eterna; ele estava aqui antes que a
vida e a mente fizessem sua aparição: ele irá sobreviver depois que elas tiverem
desaparecido e já não estejam perturbando - com suas dispustas efêmeras e
pensamentos limitados - o ritmo eterno e inconsciente dos sóis. A diferença, tão
metafísica em aparência, é porém de suprema importância prática, pois ela
determina a visão que o homem tem da vida, o objetivo ao qual se dirigirão seus
esforços e o campo no qual ele circunscreverá suas energias. Pois aí surge a questão
da realidade da existência cósmica e, ainda mais importante, a questão do valor da
vida humana.
E no entanto, a questão não pode ser resolvida pelo argumento lógico com base nas
informações de nossa existência física ordinária; pois nessas informações há um hiato
de experiência que torna qualquer argumento inconclusivo. Não temos, normalmente
nem a experiência definitiva de uma mente cósmica ou supramente não-ligada à vida
do corpo individual, nem, por outro lado, nenhum limite firme de experiência que nos
justificaria, supondo que nosso Eu subjetivo realmente depende da moldura física e
não pode nem sobreviver a ela nem alargar-se além do corpo individual. Só por uma
extensão do campo de nossa consciência ou com um inesperado aumento de nossos
instrumentos de conhecimento a antiga querela poderá ser decidida.
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
Real, então, para o homem que teve contato com ela ou vive nela, é essa consciência
cósmica, de uma realidade maior que a física; real em si mesma, real em seus efeitos e
obras. E como ela é dessa forma real para o mundo, que é a sua própria expressão
total, dessa mesma forma o mundo é real para ela; mas não como uma existência
independente. Pois, nessa experiência superior e sem obstáculos, percebemos que ser
e consciência não são diferentes um do outro, e sim todo ser é uma consciência
suprema, toda consciência é autoexistente, eterna em si mesma, real em suas obras e
nem um sonho nem uma evolução. O mundo é real precisamente porque ele existe
somente em consciência; pois é uma Energia Consciente uma com o Ser que o cria. É
a existência da forma material por seu próprio direito, diferente da energia auto-
iluminada que assume a forma que seria uma contradição em relação à verdade das
coisas, uma fantasmagoria, um pesadelo, uma falsidade impossível.
Mas este Ser Consciente que é a verdade da infinita Supramente, é mais que o
Universo e vive independentemente em Sua inexpressiva infinitude, bem como nas
harmonias cósmicas. O mundo vive através Dele; Ele não vive através do mundo. E,
assim como podemos entrar na consciência cósmica e ser uno com a existência
cósmica, também podemos entrar na consciência que transcende ao mundo e
tornarmo-nos superiores a toda a existência cósmica. Então ressurge a questão que
nos ocorreu em princípio, se essa transcendência é também, necessariamente, uma
renúncia. Que relação tem este universo com o Além?
Pois, nos portões do transcendente acha-se aquele Espírito simples e perfeito descrito
nos Upanishads, luminoso, puro, sustentando o mundo mas inativo nele, sem fibras de
energia, sem imperfeição de dualidade, sem marcas de divisão, único, idêntico, livre
de toda a aparência de divisão ou de multiplicidade - o puro Eu dos Adwaitins [3], o
inativo Brahman, o transcendente Silêncio. E a Mente, quando passa por estes
portões repentinamente, sem transições intermediárias, recebe um senso de
irrealidade do mundo e da única realidade do Silêncio, que é uma das mais poderosas
e convincentes experiências das quais é capaz a mente humana. Aqui, na percepção
desse puro Eu ou do Não-Ser por trás dele, temos o ponto de partida para a segunda
negação ― paralela, no outro pólo, ao materialista, porém mais completa, mais
definitiva, mais perigosa em seus efeitos sobre os indivíduos ou coletividades que
ouvem seu poderoso chamado para o deserto — a renúncia do asceta.
É essa a revolta do Espírito contra a Matéria que, por dois mil anos — desde o
Budismo perturbou o equilíbrio do velho mundo ariano — dominou crescentemente a
mente indiana. Não que o senso da ilusão cósmica seja o total do pensamento indiano;
há outras afirmações filosóficas, outras aspirações religiosas. Tampouco um ajuste
entre os dois termos foi tentado mesmo pelas filosofias mais radicais. Mas todos
viveram na sombra da grande Renúncia e do término da vida, pois essa é a atitude do
asceta. A concepção da vida foi impregnada com a teoria budista da cadeia do karma
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
Para uma era isenta de simpatia para com o espírito ascético — e através de todo o
resto do mundo, a hora do Anacoreta (religioso que vive em solidão) parece ter
passado ou está passando ―é fácil atribuir esta grande tendência à falta de energia
vital numa antiga raça esgotada em razão de seu fardo, sua vasta contribuição ao
avanço comum; exausta por sua multifacetada contribuição ao conjunto do esforço
humano e ao humano conhecimento. Mas vimos que isto corresponde a uma verdade
na existência, um estado de realização consciente que se encontra no verdadeiro ápice
de nossas possibilidades. Na prática, também o espírito ascético é um elemento
indispensável da perfeição humana, e não se pode evitar até mesmo a sua afirmação
isolada até que a espécie tenha, por outro lado, liberado seu intelecto e seus hábitos
vitais da sujeição a um sempre insistente animalismo.
[1] Versos 2, 7.
[2] Súksma indriya, órgãos sutis, existentes no corpo sutil (súksma deha) e o meio da
visão e experiência sutis (súksma drsti).
[6] Extinção, não necessariamente de todo o ser, senão do ser tal qual o conhecemos;
extinção do ego, do desejo, e da ação e mentalidade egoísta.
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Capítulo IV
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
A REALIDADE ONIPRESENTE
Então, posto que admitimos tanto o clamor do Espírito puro manifestando em nós
sua absoluta liberdade, como o clamor da Matéria universal por ser o molde e a
condição de nossa manifestação, devemos encontrar uma verdade que possa
reconciliar inteiramente estes antagonistas e proceda a ambos sua porção merecida
na Vida e sua merecida justificação no Pensamento, sem privar-lhes de nenhum de
seus direitos, sem negar a soberana verdade da qual mesmo seus erros, mesmo a
exclusividade de seus exageros extraem uma força tão constante. Pois, onde quer que
haja uma afirmação extrema que faça tão poderoso apelo à mente humana, podemos
estar certos de que estamos em presença não de um mero erro, superstição ou
alucinação, mas de um fato soberano, disfarçado, que exige nossa fidelidade e se
vingará se for negado ou excluído. Aqui reside a dificuldade de uma solução
satisfatória e a fonte dessa carência de finalidade que persegue todos os
compromissos entre Espírito e Matéria. Um compromisso é um negócio, uma
transação de interesses entre dois poderes em conflito; não é uma verdadeira
reconciliação. A verdadeira reconciliação procede sempre pela compreensão mútua
que conduz a uma espécie de íntima unidade. Por isso, é através da máxima
unificação possível entre Espírito e Matéria que melhor chegaremos a sua
reconciliável verdade, e assim, a uma base mais forte para uma prática
reconciliatória entre a vida interior do indivíduo e sua existência externa.
Na luz desta concepção, podemos perceber a possibilidade de uma vida divina para o
homem no mundo, que irá de imediato justificar a Ciência, revelando um sentido e
uma meta inteligível para a evolução cósmica e terrestre, e irá realizar, pela
transfiguração da alma humana em divina, o grande sonho ideal de todas as religiões
elevadas.
E o que dizer desse silencioso Eu, inativo, puro, autoexistente, autossatisfeito, que se
apresente a nós como a permanente justificação do asceta? Aqui também a harmonia,
e não a oposição irreconciliável, deve ser a verdade iluminadora. O silencioso e ativo
Brahman não são entidades diferentes, opostas e irreconciliáveis, uma negando, a
outra afirmando a ilusão cósmica; eles são dois aspectos do mesmo Brahman, o
positivo e o negativo, e cada um é necessário ao outro. É fora do Silêncio que a
Palavra que cria os mundos sempre atua; pois a Palavra expressa aquilo que está
semiescondido no Silêncio. É a eterna passividade que torna possível a perfeita
liberdade e a onipotência de uma eterna atividade divina em inúmeros sistemas
cósmicos. Pois as derivações dessa atividade obtêm suas energias e seu ilimitável
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
Mas novamente verificamos que estamos sendo iludidos por palavras, enganados
pelas vigorosas oposições de nossa mentalidade limitada, com sua tendência a confiar
em distinções verbais, como se elas representassem perfeitamente verdades básicas, e
na interpretação de nossas experiências supramentais nos termos dessas intolerantes
distinções. Não-Ser é apenas uma palavra. Quando examinamos o fato que ela
representa, já não estamos mais seguros de que a não-existência absoluta tenha
qualquer chance, assim como o infinito Eu, significar, com esse Nada, algo além do
último termo ao qual podemos reduzir nossa mais pura concepção e nossa mais
abstrata ou sutil experiência de ser real como o conhecemos enquanto neste universo.
Esse Nada, então, é alguma coisa além da concepção positiva. Erigimos uma ficção do
nada com o intuito de ultrapassar, pelo método da exclusão total, tudo o que podemos
conhecer e que conscientemente somos. Na realidade, quando examinamos de perto
ao Nihil de certas filosofias, começamos a perceber que ele é um zero que é Tudo ou
um indefinível Infinito que aparece, à mente, como um vazio, pois a mente só capta
construções finitas, mas ele, de fato, a única Existência verdadeira [3] .
E quando dizemos que do Não-Ser surgiu o Ser, percebemos que estamos falando em
termos de Tempo, sobre algo que está além do Tempo. Pois o que era aquela
portentosa data na história do eterno Nada em que o Ser nasceu dele, ou quando virá
essa data igualmente formidável em que um irreal tudo irá recair no eterno vazio?
Sat e Asat, se ambos têm de ser afirmados, devem conceber-se como obtidos
simultaneamente. Eles permitem um ao outro, mesmo se recusam misturar-se.
Ambos, já que devemos falar em termos de Tempo, são eternos. E quem irá persuadir
o Ser eterno de que ele não existe e que só o eterno Não-Ser eterno?
O puro Ser é a afirmação, pelo Incognoscível, de Si mesmo como base livre de toda
existência cósmica. Damos o nome de Não-Ser a uma afirmação contrária de Sua
liberdade em relação a toda existência cósmica - liberdade, quer dizer, em relação a
todos os termos positivos da existência real nos quais a consciência pode formular-se
no universo, inclusive o mais abstrato e o mais transcendente. Não os nega como real
expressão de Si mesmo, mas nega Sua limitação mediante todo ou qualquer tipo de
expressão. O Não-Ser permite o Ser, bem como o Silêncio permite a Atividade.
Através dessa negação e afirmação simultâneas, que não são mutuamente destrutivas,
mas sim complementares como todos os contrários, uma à outra como todos os
contrários, a simultânea compreensão do auto-Ser como uma realidade e do
Incognoscível, que está além, como a mesma Realidade, torna-se possível para alma
humana desperta. Assim é que foi possível para Buda atingir o estado do Nirvana e
atuar poderosamente no mundo, impessoal em sua consciência interna, em sua ação a
mais poderosa personalidade que sabemos ter vivido e produzido resultados sobre a
Terra.
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Quando ponderamos sobre essas coisas, começamos a perceber quão débeis, em sua
violência auto-afirmativa, e quão confusa, em sua enganosa diferenciação, são as
palavras que usamos. Começamos também a perceber, que as limitações que
impomos ao Brahman surgem de uma estreiteza de experiência da mente individual,
que se concentra em um só aspecto do Incognoscível e age diretamente no sentido de
negar ou denegrir todo o resto. Também tendemos a traduzir demasiado rigidamente
o que concebemos ou sabemos do Absoluto, nos termos de nossa própria e particular
relatividade. Afirmamos o Único e Idêntico discriminando apaixonadamente e
fazendo valer o egoísmo de nossas próprias opiniões e experiências parciais contra as
opiniões e experiências parciais de outros. É mais prudente esperar, aprender, crescer,
e, já que somos obrigados, em atenção à nossa auto-perfeição, a falar destas coisas
que a fala humana não pode expressar, buscar a mais ampla, a mais universal
afirmação possível, e estabelecer com ela a máxima e mais compreensiva harmonia.
Se dessa forma aceitamos uma base positiva para nossa harmonia - e em que outra
harmonia poderia ser fundada?— As diversas formulações conceituais do
Incognoscível, cada uma representando uma verdade além do conceito, devem ser
compreendidas, na medida do possível, em sua relação mútua e em seu efeito sobre a
vida, não em separado, não exclusivamente, não formuladas para destruir ou
minimizar indevidamente todas as outras afirmações. O Monismo real, o verdadeiro
Adwaita, é aquele que admite todas as coisas como o uno Brahman e não procura
dividir Sua existência em duas entidades incompatíveis, uma eterna Verdade e uma
eterna Falsidade, Brahman e Não-Brahman, Eu e Não-Eu, um Eu real e um irreal
porém perpétua Maya. Se, é verdade que o Eu isolado existe, também deve ser
verdade que tudo é o Eu. E se esse Eu, Deus ou Brahman não é um estado de
desamparo, um poder amarrado, uma personalidade limitada, sendo o Todo
autoconsciente, deve haver alguma boa e inerente razão para a manifestação, e para
descobri-la devemos prosseguir na hipótese de alguma potência, alguma sabedoria,
alguma verdade do ser em tudo que se manifesta. A discórdia e o aparente mal do
mundo devem ser admitidos em sua esfera, mas não aceitos como nossos
conquistadores. O mais profundo instinto da humanidade busca sempre, e
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Pois não podemos supor que a Entidade isolada é compelida por algo fora dela ou
outro que não Ela, porque tal coisa inexiste. Tampouco podemos supor que Ela se
submete contra a vontade a algo parcial, dentro de si, que é hostil a seu Ser inteiro,
negado por Ela e demasiado forte para Ela; pois isto só serviria para criar, em outra
linguagem, a mesma contradição de um Todo e algo diferente do Todo. Mesmo se
afirmamos que o universo só existe porque o Eu em sua absoluta imparcialidade,
tolera todas as coisas sem distinção, encarando com indiferença todas as realidades e
todas as possibilidades, há, no entanto, alguma coisa que quer a manifestação e a
mantém, e por isso só pode ser o Todo. Brahman é indivisível em todas as coisas, e, o
que quer que tenha sido desejado no mundo, foi desejado definitivamente por
Brahman. É apenas nossa consciência relativa, que, alarmada ou frustrada pelos
fenômenos do mal, da ignorância e da dor no cosmos, procura livrar o Brahman da
responsabilidade por Si e por suas obras criando algum princípio oposto, Maya ou
Mara, o mal consciente ou auto-existente princípio do mal. Só existe um Senhor e Eu;
os muitos são apenas Suas representações e derivações.
[1] II, 6.
[2] No começo tudo era o Não-Ser. Foi então que o Ser nasceu. Taittiriya Upanishad,
II, 7.
[3] Outro Upanishad rejeita o nascimento do Ser a partir do Não-Ser como uma
impossibilidade; o Ser, diz ele, só pode nascer do Ser. Mas se tomamos o Não-Ser no
sentido, não de um inexistente Nihil mas de um x que supera a nossa idéia de
experiência da existência, - sentido este aplicável ao Brahman absoluto do Adwaita
bem como ao vazio ou zero dos Budistas—a impossibilidade desaparece, pois Aquilo
pode muito bem ser a fonte do ser, seja por uma conceitual ou formativa Maya, seja
como uma manifestação ou criação a partir de si mesmo.
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Capítulo V
O DESTINO DO INDIVÍDUO
Mas esta unidade é, por natureza, indefinível. Quando procuramos enxergá-la com a
mente, somos compelidos a proceder através de uma infinita série de conceitos e
experiências. E, no entanto, no final, vemo-nos obrigados a negar nossos mais amplos
conceitos, nossas experiências mais abrangentes, para afirmar que a Realidade
excede todas as definições. Chegamos à fórmula dos Sábios védicos, net neti: "Ela
não é isto, Ela não é aquilo", não há experiência pela qual possamos delimitá-la, não
há conceito pelo qual, Ela possa ser definida.
Tão fortemente era essa verdade percebida nos antigos tempos, que os Videntes
Vedânticos, mesmo após chegar à idéia coroadora, a convincente experiência de
Satchitananda que seria a mais elevada experiência positiva da Realidade, para nossa
consciência, erigiram em suas especulações, ou atingiram em suas percepções, um
Asat, um Não-Ser além, que não é a existência definitiva, a pura consciência, a
infinita bem-aventurança da qual todas as nossas experiências são a expressão ou a
deformação. Se for uma existência, uma consciência, uma bem-aventurança, então
está além da mais alta e mais pura forma positiva dessas coisas que aqui podemos
possuir, e é por isso outra coisa, diferente daquilo que aqui conhecemos por esses
nomes. O budismo, considerado pelos teólogos, um tanto arbitrariamente, uma
doutrina não-Védica porque rejeita a autoridade das Escrituras, retorna, porém, esta
concepção essencialmente vedântica. Apenas a doutrina sintética e positiva dos
Upanishads contemplava Sat e Asat (Ser e Não-Ser) não como opostos destruidores
um do outro, mas como a última antinomia através da qual admiramos o
Incognoscível. E nas transações de nossa consciência positiva, até mesmo a Unidade
tem de levar em conta com a Multiplicidade, pois os Muitos também são Brahman. É
através de Vidiya, o conhecimento da Unidade, que conhecemos a Deus; sem ele
Avidya, a consciência relativa e múltipla, é uma noite de escuridão e uma desordem
de Ignorância. Porém, se excluímos o espaço dessa Ignorância, se nos livramos de
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Avidya como se ela fosse algo inexistente e irreal, então o próprio Conhecimento se
torna uma espécie de obscuridade e uma fonte de imperfeição. Tornamo-nos como
homens ofuscados pela luz de tal forma, que não podemos ver o espaço que essa luz
ilumina.
Tal é a doutrina, calma, sábia e clara, dos nossos mais antigos mestres. Eles tinham a
paciência e a força para encontrar e para saber; tinham também a clareza e
humildade para admitir a limitação do nosso conhecimento. Percebiam as fronteiras
que ele tem de passar para ir além de si mesmo. Ele era uma impaciência posterior de
coração e mente, atração veemente por uma bem-aventurança definitiva ou pelo alto
império da pura experiência e uma inteligência aguda, que buscava o Uno para negar
os Muitos, e porque tinha recebido o sopro das alturas, desprezado ou renegado pelo
segredo das profundezas. Mas o olho firme da sabedoria antiga percebeu que, para
conhecer realmente Deus, deve-se conhecê-lo em todo lugar igualmente e sem
distinção, considerando e valorizando, porém não dominado pelas oposições através
das quais Ele brilha.
Poremos de lado, então, as sutis distinções de uma lógica parcial que afirma que,
porque o Uno é a realidade, os Muitos são uma ilusão, e porque o Absoluto é Sat, a
existência una, o relativo é Asat e não-existente. Se nos Muitos perseguimos
insistentemente o Uno, é para retornar com a benção e a revelação do Uno
confirmando-se nos Muitos.
Além da renúncia à vida física, há outro exagero do impulso ascético que esse ideal,
de uma manifestação integral, corrige. A complexidade da Vida é a relação entre três
formas gerais de consciência: a individual, a universal e a transcendente ou supra-
cósmica. Na distribuição ordinária das atividades vitais, o indivíduo se vê como um
ser separado incluído no universo, e ambos, como dependentes daquilo que
transcende tanto o universo como o indivíduo. É a essa Transcendência que damos
usualmente o nome de Deus, que, assim, torna-se, para nossa concepção, não tanto
supracósmico como extracósmico. A minimização como a degradação tanto do
indivíduo como do Universo são a consequência natural dessa separação: a cessação
tanto do cosmos como do indivíduo pela obtenção da Transcendência seria então a
suprema conclusão lógica.
A visão natural da unidade do Brahman evita essas consequências. Assim como não
precisamos abandonar a vida corporal para alcançar o mental e o espiritual, também
podemos chegar a um ponto-de-vista em que a preservação das atividades individuais
não é mais incompatível com a nossa compreensão da consciência cósmica ou a
obtenção, por nós do transcendental ou supracósmico. Pois o Mundo-Transcendente
abarca o Universo, é uno com ele e não o exclui, assim como o Universo abarca o
indivíduo, é uno com ele e não o exclui. O indivíduo é o centro de toda a consciência
universal; o Universo é uma forma e definição que é ocupado pela inteira imanência
do Informe e Indefinível.
Esta é sempre a verdadeira relação, velada a nós por nossa ignorância ou nossa
consciência errada das coisas. Quando alcançamos o conhecimento ou a consciência
certa, nada essencial na eterna relação é mudado, mas apenas a visão interna e a
visão externa a partir do centro individual são profundamente modificadas, e,
consequentemente, também o espírito e o efeito de sua atividade. O indivíduo ainda é
necessário para a ação do Transcendente no universo, e essa ação nele não cessa de
ser possível por sua iluminação. Ao contrário, como a manifestação consciente do
Transcendente no indivíduo é o meio pelo qual o coletivo, o universal também se
tornará consciente de si mesmo, a continuação da ação do indivíduo iluminado no
mundo é uma necessidade imperativa do jogo-do-mundo. Se a sua inexorável
remoção através do próprio ato de iluminação for a lei, então o mundo está
condenado a permanecer eternamente o cenário de uma irredimida escuridão, de
morte e sofrimento. E tal mundo só poderá ser um implacável ordálio ou uma ilusão
mecânica.
É assim que a filosofia ascética tende a concebê-lo. Mas a salvação individual pode
não ter real sentido se a existência no cosmos é ela mesma uma ilusão. Na visão
Monística, a alma individual é una com o Supremo e a sensação de desligamento é
uma ignorância, a fuga da sensação de desligamento e a identidade com o Supremo é
a sua salvação. Mas quem, tira proveito dessa fuga? Não o Eu supremo, pois este é
considerado sempre e inalienavelmente livre, calmo, silencioso e puro. Não o mundo,
pois esse permanece constantemente na escravidão e não é libertado pela fuga de
nenhuma alma individual da Ilusão universal. É a própria alma individual que
realiza seu bem supremo escapando à tristeza e à divisão na paz e a bem-
aventurança. Parece haver, então, algum tipo de realidade da alma individual,
distinta do mundo e do Supremo, até mesmo no caso da liberdade e da iluminação.
Mas para o Ilusionista, a alma individual é uma ilusão e é inexistente, exceto no
inexplicável mistério de Maya. Então, chegamos à idéia da fuga de uma ilusória,
inexistente alma, de uma ilusória, inexistente escravidão, num ilusório, inexistente
mundo, como o supremo bem que essa alma inexistente tem de alcançar! Pois essa é a
última palavra do Conhecimento. “Não há grilhão, não há ninguém libertado,
ninguém tentando ser livre”. Vidya se transforma numa parte do Fenomêno tal qual
Avidya; Maya encontra-nos mesmo em nossa fuga e ri da lógica triunfante que parece
cortar o nó de seu mistério.
Essas coisas, dizem, não podem ser explicadas; são o milagre primeiro e insolúvel.
São, para nós, um fato consumado e têm de ser aceitas. Temos de escapar de uma
confusão através de outra confusão. A alma individual só pode cortar o nó egoico por
um ato de supremo egoísmo, um apego exclusivo à salvação individual que equivale a
uma afirmação absoluta de sua existência separada em Maya. Somos levados a ver as
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
outras almas como se fossem invenções da nossa mente, e como se sua salvação não
tivesse importância, e a nossa alma, unicamente, como inteiramente real, e a sua
salvação, a única coisa que importa. Eu vejo minha fuga pessoal da escravidão como
algo real enquanto as outras almas, que são igualmente eu mesmo, permanecem
atrás, na escravidão!
Porém nós podemos atingir o mais elevado sem sermos eliminados da extensão
cósmica. Brahman preserva sempre Seus dois termos, o de liberdade dentro e o de
formação fora, o de expressão e o de libertação da expressão. Nós também, sendo
Aquilo, podemos atingir a mesma divina autopossessão. A harmonia das duas
tendências é a condição de toda a vida que pretende ser realmente divina. A liberdade
buscada pela exclusão da coisa excedida leva ao caminho da negação, da recusa
daquilo que Deus aceitou. A atividade buscada pela absorção no ato e na energia leva
a uma afirmação inferior e à negação do mais Elevado. O que Deus combina e
sintetiza, por que o homem insiste em separar-se? Ser perfeito como Ele é perfeito é a
condição para a Sua realização integral.
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
Capitulo VI
O HOMEM NO UNIVERSO
Swëtaswatara Upanishad[1]
Esse Emergir luminoso é o amanhecer que veneraram os ante passados arianos. Sua
cumprida perfeição é o mais alto escalão de Vishnu penetrando-o-mundo, ao que
aqueles contemplaram como se fosse um olho cuja visão se estendesse nos puríssimos
céus da Mente. Pois existe ainda como todo-reveladora e todo-guiadora Verdade das
coisas, que vela sobre o mundo e atrai ao homem mortal, -(primeiro sem o
conhecimento de sua mente consciente, mediante a marcha geral da Natureza, mas ao
final conscientemente através de um despertar e um auto-engrandecimento
progressivos)-, para sua ascensão divina. A ascensão à Vida divina é a viagem
humana, o Trabalho dos trabalhos, o Sacrifício aceitável. Só isto é a tarefa real do
homem no mundo e a justificação de sua existência, sem a qual seria unicamente um
inseto arrastando-se entre outros insetos efêmeros sobre uma superfície insignificante
de barro e água que se formou em meio das aterradoras imensidades do universo
físico.
Esta Verdade das coisas que há de emergir das fenomênicas contradições do mundo,
está chamada a ser uma Bem-Aventurança infinita e Existência auto-consciente, a
mesma por toda parte, em todas as coisas, em todos os tempos e mais além do Tempo,
sabedora de sua presença detrás de todos estes fenômenos, por cujas mais intensas
vibrações de atividade ou por cuja grande totalidade, jamais pode expressar-se por
completo, e de nenhum modo resultar limitada pelas mesmas; pois é auto-existente e
para o despertar de seu ser não depende de suas manifestações. Estas a representam
mas não a esgotam; a assinalam, mas não a revelam. Só é revelada a si mesma dentro
de suas formas. A existência consciente involu ída na forma chega, na medida que
evolui, a conhecer-se por intuição, por auto-visão, por auto-experiência. Conhecendo-
se, chega a ser ela mesma no mundo; se conhece a si mesma através do processo de
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
chegar a ser ela mesma. Dona, dessa maneira, de si mesma interiormente, concede
também a suas formas e modos o consciente deleite de Satchitananda. Este
afloramento da infinita Bem-Aventurança- Existência-Consciência na mente, na vida
e no corpo, —pois existe independente deles eternamente—, é a transfiguração
ansiada e a utilidade da existência individual. Através do indi víduo se manifesta em
suas relações assim como por si mesma existe em identidade.
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
Por outra parte, é por meio do Universo que o indivíduo está impelido a realizar-se.
Aquele é não só seu fundamento, seu meio, seu campo, o material da Obra divina,
senão que, -dado que a concentração da Vida universal que o indivíduo é, tem lugar
dentro de uns limites e não se parece à intensa unidade do Brahman livre de toda
concepção de limite e prazo-, necessariamente deve uni versalizar-se e
impersonalizar-se a fim de manifestar o Todo divino que é sua realidade. Inclusive
reclama-lhe que preserve, -ainda quando se estenda mais na universalidade da
consciência-, um misterioso algo transcendente do qual seu sentido da personalidade
lhe dá uma representação obscura e egoísta. Por outra parte, ele há equivocado sua
meta, o problema que se apresentou-lhe não foi resolvido, a obra divina para a qual
aceitou nascer não há sido feita.
O Universo vem ao indivíduo como Vida, -(um dinamismo cujo segredo total há de
dominar e uma massa de resultados em colisão, um torvelinho de energias potenciais
das que há de liberar alguma ordem suprema e alguma harmonia ainda não
realizada)-. Este é, depois de tudo, o real sentido do progresso do homem. Não é
simplesmente, uma repetição, em termos levemente diferentes, do que já cumpriu a
Natureza física. Nem o ideal da vida humana pode ser simplesmente o animal
repetido em uma escala superior de mentali dade. Do contrário, qualquer sistema ou
ordem que assegurasse um tolerável bem-estar e uma moderada satisfação mental
houvesse estancado nosso progresso. O animal se satisfaz com pouco forçosamente; os
deuses se contentam com seus esplendores. Mas o homem não pode descansar
permanentemente até que alcance algum bem supremo. É o maior dos seres viventes
porque é o mais descontente, porque é ele que mais sente a pressão das limitações. Só
ele; talvez, é capaz de ser tomado pelo divino frenesi de um ideal remoto.
Desperto a um, mais profundo auto-conhecimento que o de sua primeira idéia mental
de si mesmo, o Homem começa a conceber alguma fórmula e a perceber alguma
aparência da coisa que há de afirmar. Mas se lhe apresenta como se equilibrasse-se
entre duas negações de si mesma. Se, mais além de seus atuais dotes, percebe ou é
tocado pelo poder, a luz, a bem-aventurança da infinita existência auto-consciente e
traduz seu pensamento ou sua experiência em termos convenientes a sua
mentalidade, -(Infinito, Onisciência, Onipotência, Imortalidade, Liberdade, Amor,
Beatitude, Deus)-, todavia este sol de sua visão parece brilhar entre uma dupla Noite,
-(obscuridade abaixo e uma maior obscuridade mais além)-. Pois quando luta por
conhecer isso completamente, parece ingressar em algo que nenhum destes termos
nem a soma deles pode representá-lo em sua totalidade. Sua mente, finalmente nega a
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Deus por um Além, ou ao menos parece descobrir a Deus que transcende a Si mesmo,
negando-se a sua própria concepção. Aqui também, no mundo, nele mesmo, e a seu
redor, é encontrado sempre pelos opostos de sua afirmação. A morte está sempre com
ele, a limitação investe seu ser e sua experiência, o erro, a inconsciência, a debilidade,
a inércia, a pena, a dor, o mal, são constantes opressores de seu esforço. Aqui também
é conduzido a negar a Deus, ou ao menos o Divino parece negar-se ou ocultar-se em
alguma aparência ou resultado que difere de sua realidade verdadeira e eterna.
E os termos desta negação não são, como essa outra e mais remota negação,
inconcebíveis e, portanto, naturalmente miste riosos, incognoscíveis em sua mente,
senão que parecem ser cognoscíveis, conhecidos, definidos, -e ainda misteriosos-. Não
sabe que são, por que existem, como chegaram a ser. Vê seus processos tal como o
afetam e se lhe apresentam; não pode sondar sua realidade essencial.
Talvez sejam insondáveis, talvez sejam também realmente incog noscíveis em sua
essência? Ou, pode ser, que não tenham realidade essencial, -sejam uma ilusão, Asat,
Não-Ser-. A Negação superior se apresenta-nos às vezes como Nihil, Não-Existência;
esta negação inferior pode ser também, em sua essência, Nihil, não-existência. Mas
assim como já temos rechaçado esta evasão da dificuldade com respeito à negação
superior, de igual maneira a descartamos para este Asat inferior. Negar por completo
sua realidade ou buscar uma fuga dela como mera ilusão desastrosa, é fazer a um
lado o problema e esquivar nosso trabalho. Para a Vida, estas coisas que parecem
negar a Deus, ser os opostos de Satchitananda, são reais, inclusive se são considerados
como temporais. Elas e seus opostos, bem, conhecimento, alegria, prazer, vida, sobre,
força, poder, crescimento, são o material mesmo de suas obras.
Pois fora destas falsas relações e com sua ajuda há de encontrar-se a verdade. Pela
Ignorância temos de cruzar sobre a morte. Assim, também o Veda fala criticamente
de energias que são como mulheres más no impulso, errantes no caminho, danando a
seu Senhor, que com tudo, ainda que falsas e infelizes, constroem ao fim “esta vasta
Verdade”, a Verdade que é a Bem-aventurança. Seria, então, -(não quando ele tenha
alojado o mal em sua Natureza fora dele mesmo por um ato de cirurgia moral, ou
tenha apartado a vida por um retiro detestável, senão quando ele tenha convertido a
Morte em uma vida mais perfeita, tenha elevado as pequenas coisas da limitação
humana para dentro das grandes coisas da imensidade divina, tenha transformado o
sofrimento em beatitude, convertido o mal em sua própria bondade, traduzido o erro
e a falsidade em sua verdade secreta)-, que o sacrifício será cumprido, a viagem feita
e o Céu e a Terra igualadas dêem-se a mano na alegria do Supremo.
Mas estes contrários como podem passar um ao outro? Mediante que alquimia este
pomo da mortalidade é convertido nesse ouro do Ser divino? É que são contrários em
sua essência? É que não são manifestações de uma só Realidade, idêntica em
substância? Então certamente uma transmutação divina chega a ser concebível.
Temos visto que o Não-Ser mais além bem pode ser uma exis tência inconcebível e
talvez uma inefável Bem-aventurança. Ao menos o Nirvana do Budismo que
formulou um mais luminoso esfor ço do homem por alcançar e descansar nesta
suprema Não-Existên cia, se representa na psicologia dos liberados todavia sobre a
terra como uma impronunciável paz e alegria; seu efeito prático é a extin ção de todo
sofrimento através da desaparição de toda idéia ou sensação egoístas e o mais
próximo que podemos acercar-nos a uma concep ção positiva disso, existe uma
inespressável Beatitude (se pode aplicar-se nome ou denominação alguma a uma paz
tão vazia de conteúdo) na que, inclusive a noção de auto-existência, parece ser
deglutida e desaparecer. Trata-se de um Satchitananda ao que já não nos atrevemos a
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
aplicar sequer os termos supremos de Sat, de Chit nem de Ananda. Pois todos os
termos são anulados e toda experiência cognitiva é superada.
Por outra parte, temos nos aventurado sugerir que, dado que tudo é uma só
Realidade, esta negação inferior também, esta outra con tradição ou não-existência
de Satchitananda não é outra coisa que Satchitananda mesmo. É capaz de ser
concebido pelo intelecto, percebido na visão, inclusive recebido através das sensações
tão verazmente como o que precisamente parece negar, e assim ocorreria sempre a
nossa experiência consciente se as coisas não fossem falsificadas por algum grande
erro fundamental, alguma possessiva e compulsiva Igno rância, Maya ou Avidya.
Neste sentido haveria que buscar uma solução, talvez não uma satisfatória solução
metafísica para a mente lógica, —pois estamos no campo do incognoscível, do
inefável, e esforçando nossa vista mais além—, senão uma suficiente base de
experiência para a prática da vida divina.
Para fazer isto devemos animar-nos a ir debaixo das claras superfícies das coisas nas
que a mente ama habitar, tentar o vasto o obscuro, penetrar as insondáveis
profundidades da consciência e identificar-nos com estados de ser que não são os
próprios. A lin guagem humana é uma pobre ajuda nessa busca, mas ao menos
podemos encontrar nele alguns símbolos e figuras, retornar com algumas sugestões
apenas expressáveis que ajudarão a iluminar a alma e projetar sobre a mente algum
reflexo do inefável desígnio.
[1] [1] I, 6.
[2] [2] “Médium”, pode traduzir-se por “meio”, mas o autor utiliza “means” para
referir-se a algo que é utilizado como meio para outra coisa. E “middle” para algo
que está em meio.
--------------------------------------------------------------------O---------------------------------------------------------------Capitulo VII
O EGO E AS DUALIDADES
Swetaswatara Upanishad[1]
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
Certamente, os valores práticos que nos brindam nossos sentidos e nosso dualístico
sentido-mente podem manter-se em seu campo e aceitar-se como modelo da vida-
experiência ordinária até que esteja pronta uma harmonia maior na que possam
ingressar e transfor mar-se sem perder el domínio das realidades que representam.
Aumentar as faculdades-sensórias sem ter em conta o conhecimento que brindariam
os antigos valores sensoriais a sua correta interpretação desde o novo ponto de vista,
poderia conduzir à sérias desordens e incapacidades e não adequar-se à vida prática
nem ao uso ordenado e disciplinado da razão. Igualmente, um alargamento de nossa
consciência mental, fora da experiência das dualidades próprias do ego, dentro de
uma não-regulada unidade com alguma forma de consciência total, poderia
facilmente produzir confusão e incapacidade para a vida ativa da humanidade na
ordem estabelecida das relatividades do mundo. Esta, sem dúvida, é a raiz do
mandato imposto no Gita ao homem que tem o conhecimento, não para perturbar a
vida-base nem o pensamento-base dos ignorantes; pois, impulsionados por seu
exemplo, mas incapazes de compreender o princípio de sua ação, perderiam seu
próprio sistema de valores sem chegar a um fundamento superior.
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Essa vida e poder novos do humano integral, devem necessariamente repousar sobre
uma realização das grandes verdades que traduza dentro de nosso modo de conceber
as coisas a natureza da existência divina. Isto deve suceder através de uma renúncia
do ego a seu falso ponto de permanência e a suas falsas certezas, através de seu
ingresso em uma relação e harmonia corretas com as totalidades das que forma parte
e com as transcendências das que é um descenso, e através de sua perfeita auto-
abertura a uma verdade e a uma lei que excedem suas próprias convenções, uma
verdade que será sua realização e uma lei que será sua liberação. Sua meta deve ser a
abolição daqueles valores que são criações da visão egoísta das coisas; seu cume deve
ser a transcendência da limitação, da ignorância, da morte, do sofrimento e do mal.
A transcendência, a abolição não são possíveis aqui na terra e em nossa vida humana
se os termos dessa vida estão necessariamente ligados a nossa atual valorização
egoísta. Se a vida é em sua natureza, um fenômeno individual e não a representação
de uma existência universal e o hálito de uma poderosa Vida-Espírito; se as
dualidades que são a resposta do indivíduo a seus contatos não são meramente uma
resposta senão a essência e condição de todo o vivente; se a limitação é a inalienável
natureza da substância com a que estão formados nossa mente e corpo; se a
desintegração na morte é a primeira e última condição de toda vida, seu fim e seu
princípio; se o prazer e a dor são a inseparável matéria dual de toda sensação; se a
alegria e o pesar são a luz e sombra necessárias de toda emoção; se a verdade e o erro
são os dois pólos entre os quais todo conhecimiento deve espargir eternamente, então
a transcendência é só acessível mediante o abandono da vida humana em um Nirvana
além de toda existência ou mediante a conquista de outro mundo, um céu constituído
de modo muito diferente ao deste universo material.
Não é muito fácil para a cotidiana mente do homem, sempre apegada a suas
associações passadas e presentes, conceber uma existência todavia humana, mas que
radicalmente tenha modificado aquelas circunstâncias que previamente
considerávamos imóveis. Com respeito a nossa possível evolução superior estamos em
grande medida na posição do Macaco original da teoria darwiniana. Haveria sido
impossível a esse Macaco, -que levava sua arbórea vida instintiva nos bosques pri
mitivos-, conceber que um dia haveria sobre a terra um animal que utilizaria uma
nova faculdade chamada Razão sobre os materiais de sua existência interna e
externa, que dominaria mediante esse poder seus instintos e hábitos, transformaria as
circunstâncias de sua vida física, construiria casas de pedra, manipularia as forças da
Natureza, navegaria os mares, voaria pelos ares, desenvolveria códigos de conduta,
evoluiria métodos conscientes para seu desenvolvimento mental e espiritual. E se essa
concepção houvesse sido possível para a mente simiesca, todavia houvesse-lhe sido
difícil imaginar que por qualquer progresso da Natureza ou prolongado esforço da
Vontade e a tendência, ele mesmo poderia evoluir até esse animal. O homem, devido a
que adquiriu razão e mais ainda porque satisfez seu poder imaginativo e intuitivo, é
capaz de conceber uma existência superior à sua própria e inclusive ver sua elevação
pessoal mais além de seu estado atual dentro dessa existência. Sua idéia do estado
supremo é um absoluto de tudo quanto é positivo, para seus próprios conceitos e
desejável, para sua própria aspiração instintiva, o Conhecimento sem sua negativa
sombra de erro; a Bem-aventurança sem sua negação de experimentar sofrimento; o
Poder sem sua constante negação pela incapacidade; a pureza e a plenitude do ser
sem o sentido oposto do defeito e a limitação. É assim como concebe seus deuses;
assim é como construiu seus céus. Mas não é assim como sua razão concebe uma
terra possível e uma humanidade possível. Seu sonho de Deus e Céu é em realidade
um sonho de sua própria perfeição; mas descobre igual dificuldade em aceitar sua
realização prática aqui em ordem a seu fim último, tal como o Macaco ancestral se
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lhe demandasse que acreditasse em si mesmo como o Homem futuro. Sua imaginação,
suas aspirações religiosas podem sustentar esse fim diante ele; mas quando sua razão
se faz valer, rejeitando a imaginação e a intuição transcendente, qualifica isso como
uma brilhante superstição contraria aos fatos sólidos do universo material. Isso se
converte então unicamente em sua inspirada visão do impossível. Tudo quanto é
possível é um condicionado, limitado e precário conhecimento, felicidade, poder e
bondade.
De fato, perseguimos como ideal, tão longe como podemos, a eliminação de todos
estes fenômenos negativos ou adversos. Buscamos constantemente minimizar a causa
do erro, da dor e do sofrimento. A ciência, a medida que aumenta seu conhecimento,
sonha com regular o nascimiento e com prolongar indefinidamente a vida, ou mais
ainda, com alcançar a inteira conquista da muerte. Mas devido a que visamos só as
causas externas e secundárias, só podemos pensar em suprimi-las até uma distância e
não em eliminar as raízes reais disso contra o que lutamos. E dessa maneira estamos
limitados porque trabalhamos até percepções secun dárias e não até o conhecimento-
raiz, porque conhecemos os processos das coisas mas não sua essência. Assim
chegamos a uma mais poderosa manipu lação das circunstâncias, e não ao controle
essencial. Pois se pudéramos apreender a natureza essencial e a causa essencial do
erro, do sofrimento e da morte, poderíamos esperar chegar a um domínio sobre eles
que não seria relativo senão completo. Poderíamos esperar inclusive, eliminá-los por
completo e justificar o instinto dominante de nossa natureza mediante a conquista
desse bem, bem-aventurança, conhecimento e imortalidade absolutos que nossas
intuições percebem como o último e verdadeiro estado do ser humano.
Capítulo VIII
Katha Upanishad[1]
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Mas qual é, então, o trabalho deste Satchitananda no mundo e mediante que processo
das coisas são as relações entre aquele e o ego que o figura, primeiro formadas, e
depois levadas a sua consumação? Pois dessas relações e do processo que sigam
depende a filosofia e prática totais de uma vida divina para o homem.
A razão humana tem uma dupla ação, mista ou dependente e pura ou soberana. A
razão aceita uma ação mista quando se limita ao círculo de nossa experiência sensível,
admite sua lei como verdade final e se preocupa somente do estudo do fenômeno, vale
dizer, das aparências das coisas em suas relações, processos e utilidades. Esta ação
racional é incapaz de conhecer o que é, só conhece o que aparenta ser, carece de
medida com a que poder sondar as profundidades do ser, só pode explorar o campo
do acontecer. A razão por outra parte, afirma sua ação pura, quando aceita nossas
experiências sensíveis como ponto de partida mas recusa estar limi tada por elas; olha
detrás das mesmas, julga, trabalha com sua própria lei e luta por alcançar conceitos
gerais e inalteráveis que se aderem, não às aparências das coisas, senão ao que está
detrás de suas aparências. Pode alcançar seu resultado mediante apreciação direta
passando de imediato da aparência ao que está detrás dela e nesse caso, o conceito ao
que se elevou pode parecer resultado da experiência sensória e dependente dela ainda
que em realidade se trate de uma percepção da razão atuando com sua própria lei.
Mas as percepções da razão pura podem também —e esta é sua mais característica
ação— usar a experiência da que partem como mera recusa e deixá-la muito atrás
antes de chegar a seu resultado, tão distante que o resultado pode parecer o contrário
direto do que nossa experiência sensória deseja ditar-nos. Este movimento é legítimo
e indispensável, devido, não só a que nossa experiência normal unicamente cobre uma
pequena parte do fato universal, senão a que também, dentro dos limites de seu
próprio campo, usa instrumentos que são defeituosos e nos dão falsos pesos e
medidas. Nossa experiência normal deve ser superada, mantida a distância, e sua
insistência negada a menos se temos de alcançar mais adequadas concepções da
verdade das coisas. Corrigir os erros do Sentido-mente mediante o uso da razão é um
dos mais valiosos poderes desenvolvidos pelo homem e a causa principal de sua
superioridade entre os seres terrestres.
Em certo sentido, toda nossa experiência é psicológica, dado que inclusive o que
recebemos mediante os sentidos carece de significado e valor para nós até que é
traduzido nos termos do sentido-mente, o Manas da terminologia filosófica hindu.
Manas, dizem nossos filósofos, é o sexto sentido. Mas nós inclusive podemos dizer que
é o único sentido e que os outros, vista, ouvido, tato, olfato, gosto são meramente
especializações do sentido-mente, o qual, ainda que normalmente usa os órgãos-
sensórios como base de sua experiência, ainda os supera e é capaz de uma experiência
direta ajustada a sua própria ação inerente. O sentido-mente, como resultado da
experiência psicológica, - igualmente que as cognições da razão-, é capaz no homem
de uma dupla ação, mista ou dependente e pura ou soberana. Sua ação mista tem
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lugar comumente quando a mente busca chegar a ser consciente do mundo externo,
do objeto; a ação pura, quando busca chegar ao conhecimento de si mesmo, do
sujeito. Na primeira atividade, é dependente dos sentidos, e forma suas percepções de
acordo com suas evidências; na última, atua em si mesma e é consciente das coisas
diretamente por uma sorte de identidade com elas. Dessa maneira somos conscientes
de nossas emoções; somos conscientes da ira, -como agudamente se disse-, porque
chegamos a ser a ira. Assim somos conscientes de nossa própria existência, e aqui, a
natureza da experiência como conhecimento por identidade, se torna aparente. Em
realidade, toda experiência é, em sua natureza secreta, conhecimento por identidade;
mas seu verdadeiro caráter nos é ocultado pois temos nos separado do resto do
mundo por exclusão, por distinção de nós mesmos como sujeito e todo o demais como
objeto, e nos vemos compelidos a desenvolver processos e órgãos pelos que novamente
possamos entrar em comunicação com tudo quanto temos excluído. Temos de
substituir o conhecimento direto através da identidade consciente por um
conhecimento indireto que parece ser causado por contato físico e simpatia mental.
Esta limitação é uma criação fundamental do ego e uma mostra da maneira em que
há procedido em tudo, partindo de uma falsidade original e cobrindo a correta
verdade das coisas com falsidades contingentes que para nós chegam a ser as
verdades práticas da relação com o mundo exterior.
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entorno material. Todas estas extensões da faculdade, -ainda que recebidas com
vacilação e incredulidade pela mente física, porque são anormais para o esquema
habitual de nossa vida e experiência ordinárias, difíceis de colocar em ação, ainda
mais difíceis de sistematizar, assim como de ser capaz de fazer delas um conjunto
ordenado e útil de instrumentos-, devem contudo admitir-se dado que são o invariável
resultado de qualquer intento de ampliar o campo de nossa consciência
superficialmente ativa, seja já mediante algum tipo de não-ensinado esforço e casual
efeito desordenado ou seja mediante uma prática científica e bem regulada.
Mas sempre a experiência mental e os conceitos da razão foi sustentado por esta, para
ser, inclusive no mais alto, um reflexo das identificações mentais e não a suprema
identidade auto-exis tente. Temos de ir mais além da mente e a razão. A razão ativa
de nossa consciência em vigília é só uma mediadora entre o Todo subconsciente do
que provimos em nossa evolução ascendente e o Todo supraconsciente até o que
estamos impulsionados por essa evolução. O subconsciente e o supraconsciente são
dois diferentes formulações do mesmo Todo. A palavra mestra do subconsciente é
Vida, a palavra mestra do supraconsciente é Luz. O subconsciente, o conhecimento
ou consciência está envolvido na ação, pois a ação é a essência da Vida. No
supraconsciente a ação reingressa na Luz e envolvido no conhecimento pois este está
contido em uma consciência suprema. O conhecimento intuitivo é aquele que é
comum a ambos, e a base do conhecimento intuitivo é a identidade consciente ou
efetiva entre aquilo que conhece e aquilo que é conhecido; é aquele estado da auto-
existência comum no que conhecedor e conhecido são um através do conhecimento.
Mas no subconsciente a intuição se manifesta na ação, na efetividade, e o
conhecimento ou identidade consciente está inteiramente ou mais ou menos oculto na
ação. No supraconsciente, pelo contrário, -sendo a Luz a lei e o princípio-, a intuição
se manifesta em sua verdadeira natureza como conhecimento emergindo da
identidade consciente, e a efetividade da ação é, melhor dizendo, o acompanhamento
ou necessária consequência e já não uma máscara como o fato primário. Entre estes
dois estados a razão e a mente atuam como intermediárias que capacitam o ser para
liberar o conhecimento fora de seu aprisionamento dentro do ato e prepará-lo para
reassumir sua essencial primazia. Quando o auto-conhecimento da mente se aplica,
tanto ao continente como ao contido, ao próprio-eu e ao outro-eu, exalta-se na
luminosa identidade auto-manifesta, a razão também se converte na forma do
intuitivo[3] conhecimento auto-luminoso. Este é o supremo estado possível de nosso
conhecimento quando a mente se realiza no supramental.
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
posterior e a velha luz tenha que emergir na nova luz como a aurora sucede à aurora,
ainda é com o velho tesouro como nosso capital inicial ou contanto do mesmo como
podemos recuperar, que mais vantajosamente continuaremos acumulando os
benefícios maiores em nosso novo comércio com o sempre-imutável e sempre-mutável
Infinito.
Pois a Intuição, pela natureza mesma de sua ação no homem, trabalhando como o faz
desde detrás do véu, ativa principalmente em suas partes menos iluminadas, menos
articuladas, e servida diante do véu, na exígua luz que é nossa consciência em vigília,
só por instrumentos que são incapazes de assimilar plenamente suas mensagens, é
incapaz de brindar-nos a verdade naquela forma ordenada e articulada que nos sa
natureza exige. Antes que possa efetuar algum tipo de integração do conhecimento
direto em nós, teria que organizar-se em nosso ser superficial e tomar possessão ali da
parte diretiva. Mas em nosso ser superficial não está a Intuição, está a Razão, a qual
está organizada e nos ajuda a ordenar nossas percepções, pensamentos e ações.
Portanto a idade do conhecimento intuitivo representado pelo mais jovem
pensamento Vedântico dos Upanishads, teve de ceder seu lugar à idade do
conhecimento racional; a Escritura inspirada cedeu lugar à filosofia metafísica, tal
como depois a filosofia metafísica cedeu seu lugar à Ciência experimental. O
pensamento intuitivo, que é um mensageiro do supraconsciente e pelo tanto nossa
suprema faculdade, foi suplantado pela pura razão que é uma forma de suplente e
pertence às alturas médias de nosso ser; a pura razão, por sua vez, foi suplantada,
durante um tempo, pela ação mista da razão que vive em nossas dobras e suaves
elevações e não pode em sua visão exceder o horizonte da experiência que a mente
física e os sentidos, -ou aqueles auxílios que possamos inventar para eles-, possam
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E contudo, a razão humana exige seu próprio método de satisfação. Portanto, quando
começou a idade da especulação racionalista, os filósofos da Índia, respeitosos da
herança do passado, adotaram uma dupla atitude até a Verdade que buscavam.
Reconheceram no Sruti, os primevos resultados da Intuição, ou como preferiram
chamá-lo, da inspirada Revelação, uma autoridade superior à Razão. Mas ao mesmo
tempo partiram desde a Razão e comprovaram os resultados que esta lhes deu,
sustentando como válidas só aquelas conclusões que eram apoiadas pela suprema
autoridade. Desse modo evitaram, até certo ponto, o acossador pecado da metafísica,
a tendência a batalhar entre nuvens devido a que se trata com palavras como se
fossem fatos imperativos em lugar de símbolos que sempre serão cuidadosamente
examinados e devolvidos constantemente ao sentido do que representam. Suas
especulações tenderam ao princípio a acercar ao centro à mais elevada e profunda
experiência, e procederam com o consentimento unido das duas grandes autoridades,
Razão e Intuição. Não obstante, a tendência natural da Razão de fazer valer sua
própria supremacia triunfou, em efeito, sobre a teoria de sua subordinação. Daí o
surgimento de conflitantes escolas, cada qual fundada na teoria do Veda, utilizando
seus textos como arma contra as demais. Pois o supremo Conhecimento intuitivo vê
as coisas em sua totalidade, em sua grandeza e detalhes só lados da totalidade
indivisível; sua tendência se orienta até a imediata síntese e a unidade do
conhecimento. A Razão, pelo contrário, procede mediante análise e divisão, e
acumula seus feitos para formar um todo; mas nesse conteúdo assim formado existem
opostos, anomalias, lógicas incompatíveis, e a tendência natural da Razão consiste em
afirmar alguns e negar outros que estejam em conflito com suas escolhidas conclusões
de modo que possa formar um sistema impecavelmente lógico. A unidade do primeiro
conhecimento intuitivo se quebrou dessa maneira e o engenho dos lógicos sempre foi
capaz de descobrir artifícios, métodos de interpretação, modelos de valor variável,
pelos que os textos inconvenientes da Escritura puderam ser anulados na prática,
adquirindo uma inteira liberdade para sua especulação metafísica.
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Capítulo IX
O PURO EXISTENTE
Chhandogya Upanishad[1]
Quando retiramos nosso olhar fixo de suas preocupações egoístas com limitados e
breves interesses, e contemplamos o mundo com desapaixonados e curiosos olhos que
só buscam a Verdade, nosso primeiro resultado é a percepção de uma ilimitada
energia de existência infinita, de infinito movimento[2] , de infinita atividade
difundindo-se no Espaço sem limites, no Tempo eterno; uma existência que supera
infinitamente nosso ego ou qualquer ego de qualquer colectividade de egos, em cujo
equilíbrio os grandiosos produtos de eones não são senão o pó de um momento e em
cuja incalculável soma as inumeráveis miríades só contam como um insignificante
enxame. Instintivamente atuamos, sentimos e tecemos nossos pensamentos vitais
como se este estupendo movimento do mundo trabalhasse à nossa volta, como se
fossemos o centro, e para nosso beneficio, para nossa ajuda ou para nosso dano, ou
como se a justificação de nossos laços egoístas, emoções, idéias, modelos, foram seu
próprio negócio quando em realidade, são nossa própria preocupação principal.
Quando começamos a ver, percebemos que existe para si mesma, não para nós, que
tem seus próprios objetivos gigantescos, sua própria idéia complexa e ilimitada, seu
próprio vasto desejo ou deleite, que busca realizar, suas próprias normas imensas e
formidáveis, e olha nossa insignificância com uma sorte de indulgente e irônico
sorriso. Com tudo não passemos ao outro extremo e formemos uma idéia demasiado
positiva de nossa insignificância. Isso também seria um ato de ignorância e fechar
nossos olhos aos grandes feitos do universo.
Pois este ilimitado Movimento não nos considera sem importância para ele. A Ciência
nos revela quão minucioso é o cuidado, quão sagaz é o mecanismo, quão intensa é a
absorção com que se entrega tanto à mais ínfima de suas obras como à máxima. Esta
poderosa energia é uma mãe igual e imparcial, saman Brahma, no grande termo do
Gita, e sua intensidade e força de movimento é a mesma na formação e elevação de
um sistema de sóis que na organização da vida de um formigueiro. É a ilusão do
tamanho, da quantidade, a que induz-nos a considerar a um como grande, ao outro
como pequeno. Se pelo contrário tomamos em consideração não a massa da
quantidade senão a força da qualidade, diremos que a formiga é maior que o sistema
solar que habita e que o homem é maior que toda a Natureza inanimada reunida.
Mas isto outra vez é a ilusão da qualidade. Quando olhamos detrás e examinamos só
a intensidade do movimento, do qual a qualidade e a quantidade são aspectos,
compreendemos que este Brahman mora igualmente em todas as existências.
Igualmente participando de tudo em seu ser, e nos sentimos tentados a dizer, por igual
distribuído a todos em sua energia. Mas isto também é uma ilusão de quantidade. O
Brahman mora em todos, indivisível, mas como se estivesse dividido e distribuído. Se
olhamos outra vez com uma observadora percepção não dominada por conceitos
intelectuais, senão informada pela intuição e que culmine no conhecimento por
identidade, veremos que nossa consciência mental é diferente da consciência desta
Energia infinita, a qual é indivisível e dá, não uma parte igual de si mesma, senão seu
ser íntegro em um só e mesmo tempo ao sistema solar e ao formigueiro. Para o
Brahman não há todo e partes, senão que cada coisa é tudo em si e se beneficia pelo
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
Portanto, o primeiro cálculo que temos de agregar é esse, entre este Movimento
infinito, esta energia da existência que é o mundo e nós mesmos. Atualmente levamos
uma conta falsa. Somos infinitamente importantes para o Todo, mas para nós o Todo
é insignificante; só nós somos importantes para nós mesmos. Este é o signo da
ignorância original que é a raiz do ego, que só pode pensar em si mesmo como centro,
como se ele fosse o Todo, e do que não é ele mesmo só aceita aquilo que mentalmente
está disposto a admitir, aquilo ao que se vê forçado a reconhecer pelas mudanças
extremas do entorno. Inclusive quando começa a filosofar, não afirma que o mundo
só existe em e por sua consciência? Seu próprio estado de consciência ou seus modelos
mentais são para ele a prova da realidade; tudo o que esteja fora de sua órbita ou
ponto de vista se torna falso ou inexistente. Esta auto-suficiência mental do homem
cria um sistema de falso cômputo que nos impede extrair o valor correto e pleno da
vida. Existe um sentido no que estas pretensões da mente e o ego humanos repousam
sobre uma verdade mas esta verdade só emerge quando a mente aprendeu sua
ignorância e o ego se submeteu ao Todo e perdido nele sua separada auto-afirmação.
Reconhecer que nós, -ou melhor, os resultados e aparências que chamamos nós
mesmos-, somos só um movimento parcial deste Movimento infinito e que é esse
infinito o que temos de conhecer, ser conscientemente e realizar fielmente, é o começo
da vida verdadeira. Reconhecer que em nossos verdadeiros seres somos um com o
movimento total e não menores nem subordinados é o outro lado da conta, e sua
expressão na maneira de nosso ser, pensamento, emoção e ação é necessária para a
culminação de um verdadeiro ou divino viver.
Para retirar da conta temos de conhecer o que é este Todo, esta energia infinita e
onipotente. E aqui chegamos a uma nova complicação. Pois nos afirma-o a pura
razão e parece também que o Vedanta, que, assim como somos subordinados e um
aspecto deste Movimento, de igual maneira o movimento é subordinado e um aspecto
de algo distinto a si mesmo, de uma grande atemporalidade, de Estabilidade
inespacial, sthanu, que é imutável, inestinguível e inesgotável, que não atua ainda que
contenha toda esta ação, não energia, senão pura existência. Aqueles que só vêem este
mundo-energia podem certamente declarar que tal coisa não existe; nossa idéia de
uma eterna estabilidade, uma pura existência imutável é uma ficcão de nossas
concepções intelectuales que partem desde uma falsa idéia do estável, pois não há que
seja estável; tudo é movimento e nossa concepção do estável é só um artifício de nossa
consciência mental pela que asseguremos um ponto de apoio para tratar
praticamente com o movimento. É fácil demonstrar que isto é certo no movimento
mesmo. Nada há ali que seja estável. Tudo o que parece ser estacionário é só um bloco
de movimento, uma formulação de energia que trabalha, afetando de tal modo nossa
consciência que parece estar quieta, do mesmo modo como o planeta parece-nos estar
quieto; algo assim como um trem no qual viajamos que parece estar parado em meio
de uma paisagem fugaz. Mas é igualmente verdade que subjacente a este movimento,
sustentando-o, não há nada que seja imóvel e imutável? É verdade que a existência só
consiste na ação da energia? Ou melhor, que a energia é um resultado da Existência?
Vemos ao mesmo tempo que se essa Existência é como a Energia, deve ser infinita.
Nem a razão, nem a experiência, nem a intuição, nem a imaginação, nos atestam a
possibilidade de um termo final. Todo fim e princípio pressupõe algo além do fim ou
do princípio. Um fim absoluto, um princípio absoluto, é não só uma contradição de
termos, senão uma contradição da essência das coisas, uma violência, uma ficção. O
infinito se impõe sobre as aparências do finito por sua inestinguível auto-existência.
Mas isto é infinito com respeito a Tempo e Espaço, uma duração eterna, uma
extensão interminável. A Razão pura vai mais além e, olhando o Tempo e o Espaço
sob sua incólume e austera Luz própria, assinala que estas duas são categorias de
nossa consciência, condições sob as quais organizamos nossa percepção do fenômeno.
Quando olhamos a existência em si mesma, o Tempo e o Espaço desaparecem. Se
existe alguma extensão, não é espacial senão psicológica; e então é fácil ver que esta
extensão e esta duração só são símbolos que representam à mente algo não traduzível
em termos intelectuais, uma eternidade que parece-nos o mesmo sempre-novo
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13/01/2022 18:26 - A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capítulo I a X
Mas esta é uma observação certa? Não pode ser que o Tempo e o Espaço desse modo
desapareçam meramente porque a existência que estamos contemplando é uma ficção
do intelecto, um fantástico Nihil criado pela linguagem, que nós trabalhamos por
erigir em realidade conceitual? Contemplamos outra vez essa Existência-em-si-
mesma e dizemos: Não. Há algo detrás do fenômeno não só infinito senão indefinível.
Podemos dizer que no Absoluto não há nenhum fenômeno, nenhum da totalidade dos
fenômenos. Inclusive se reduzimos todos os fenômenos a um só fenômeno
fundamental, universal e irreduzível do movimento ou da energia, obtemos
unicamente um fenômeno indefinível, não o Absoluto. A concepção mesma de
movimento leva consigo a potencialidade de repouso e se dilata como atividade de
alguma existência; a idéia mesma da energia em ação leva consigo a idéia da energia
abastecendo-se da ação; e uma absoluta energia que não está em ação é existência
simples e puramente Absoluta. Temos só estas duas alternativas: uma pura existência
indefinível ou uma indefinível energia em ação e, se só a última é verdade, sem
nenhuma causa ou base estável, então a energia é um resultado e um fenômeno
gerados pela ação, o movimento que só é. Então não temos Existência, ou temos o
Nihil dos budistas com a existência como só um atributo de um fenômeno eterno, da
Ação, do Karma, do Movimento. Isto, -(afirma a pura razão: deixa insatisfeitas
minhas percepções, contradiz minha visão fundamental, e portanto não pode ser).
Pois nos leva a um último escalão pondo um abrupto final de uma ascensão que deixa
toda a escada sem apoio, suspendida no Vazio.
Mas tudo isto, pode dizer-se, é só válido na medida que aceitemos os conceitos da
razão pura e permaneçamos sujeitos a ela. Mas os conceitos da razão não têm força
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Então o puro existente é um fato e não um mero con ceito; é a realidade fundamental.
Mas, apressemo-nos a acrescentar, o movimento, a energia, o devir, são também m
fato, também uma realidade. A intuição suprema e sua correspondente experiência
podem corrigir esta outra realidade, podem ir mais além, podem suspendê-la mas não
aboli-la. Portanto, temos dois fatos fundamentais da existência pura e do mundo-
existência, um fato do Ser, um fato do Devir. É fácil negar um ou outro; reconhecer os
fatos da consciência e averiguar sua relação é a sabedoria verdadeira e proveitosa.
Mas como não podemos descrever nem pensar no Absoluto em si mesmo, além da
estabilidade e do movimento, além da unidade e da multiplicidade, não é assunto
nosso— devemos aceitar o fato duplo, admitir a ambos, a Shiva e a Kali[4] , e
procurar saber o que é este imedível Movimento no Tempo e o Espaço, com respeito a
essa pura Existência, atemporal e inespacial, única e estável, à que são inaplicáveis a
medida e a ausência-de-medida. Temos visto o que a Razão pura, a intuição e a
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experiência têm que dizer acerca da Existência pura, acerca de Sat; o que têm a dizer
acerca da Força, acerca do Movimento, acerca de Shakti?
[1] VI, 2, 1.
[4] Shiva e Kali na tradição hindu são esposos, o autor considera aqui sua relação,
similar à de Purusha e Prakriti, Shiva seria o passivo absoluto um e estável e Kali sua
ativa e móvel energia operante; o autor dá um passo mais e cita seguidamente o
termo superior Sat-Shakti.
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Capitulo X
A FORÇA CONSCIENTE
Swetaswatara Upanishad[1]
Katha Upanishad[2]
po demos ter formas de força que preservam seu caráter próprio e ação peculiar, mas
não formas estáveis da Matéria. Um quarto estado caracterizado pela difusão e por
um primeiro entorno de atrações e repulsões permanentes, denominado
pintorescamente água ou estado líquido, e um quinto estado de coesão, chamado terra
ou estado sólido, completam os elementos necessários.
Todas as formas da Matéria que conhecemos, todas as coisas físicas até as mais
sutis, estão conformadas mediante a combinação destes cinco elementos. Deles
também depende toda nossa experiência sensível; pois por recepção da vibração vem
o sentido do olfato; por contato com coisas num mundo de vibrações da Força, o
sentido do tato; pela ação da luz nas formas idealizadas, delineadas, sustentadas pela
força da luz e o fogo e o calor, o sentido da vista; pelo quarto elemento, o sentido do
gosto; pelo quinto, o sentido do olfato. Tudo é essencialmente resposta aos contatos
vibratórios entre força e força. Deste modo os antigos pensadores construíram uma
ponte sobre o abismo entre a Força pura e suas modificações finais, e satisfizeram a
dificuldade que impede à ordinária mente humana compreender como todas estas
formas que são, para seus sentidos tão reais, sólidas e duráveis, podem ser em
verdade somente fenômenos temporários, e uma coisa como a energia pura, -
inexistente, intangível e quase incrível para os sentidos-, pode ser a única realidade
cósmica permanente.
O problema da consciência não está resolvido com esta teoria, pois não explica
como o contato de vibrações da Força há de fazer surgir as sensações conscientes. Os
Sankhyas ou pensadores analíticos colocaram, portanto, detrás destes cinco
elementos, dois princípios que chamaram Mahat e Ahankara, princípios que são
realmente imateriales; pois o primeiro não é senão o vasto princípio cósmico da Força
e el outro o princípio divisional do Ego-formação. Não obstante, estes dois princípios
igualmente que o princípio da inteligência, se tornam ativos na consciência não em
virtude da Força mesma, senão em virtude de uma inativa Consciente-Alma ou
almas, nas que suas atividades se refletem e, mediante o reflexo, assumem a matiz da
consciência.
Tal é a explicação das coisas oferecida pela escola de filosofia da Índia que mais se
aproxima às modernas idéias materialistas e que levou a idéia de uma mecânica ou
inconsciente Força na Natureza tão longe como foi possível para a seriamente
reflexiva mente indiana. Quaisquer que sejam seus defeitos, sua principal idéia foi tão
indiscutível que veio a ser geralmente aceitada. No entanto, o fenômeno da
consciência pode explicar-se, - seja já a Natureza um impulso inerte ou um princípio
consciente-, certamente como Força; o princípio das coisas é um formativo
movimento de energias, todas as formas nascem do encontro e mútua adaptação entre
forças sem forma, toda sensação e ação é uma resposta de algo em forma de Força
aos contatos de outras formas de Força. Este é o mundo tal como o experimentamos e
desde esta experiência devemos sempre partir.
A análise física da Matéria por parte da Ciência moderna chegou à mesma conclusão
geral, ainda que perdurem umas poucas dúvidas últimas. A intuição e a experiência
confirmam esta concordância de Ciência e Filosofia. A razão pura acha nela a
satisfação de suas próprias concepções essenciais. Pois inclusive na visão do mundo
como essencialmente um ato da consciência, um ato está implícito, e no ato o
movimento de Força, o desdobramento de Energia. Isto também, -quando
examinamos desde dentro nossa própria experiência-, prova ser a naturaleza funda
mental do mundo. Todas nossas atividades são o jogo da tripla força das antigas
filosofias, conhecimento-fuerza, desejo -força, ação-força, e todas elas provam ser
realmente três co rrentes de um só Poder original e idêntico, Adya Shakti. Inclusive
nossos estados de repouso são somente um estado de igualdade ou de equilíbrio do
despertar de seu movimento.
A resposta mais aceita pela antiga mente da Índia foi a de que a Força é inerente à
Existência. Shiva e Kali, Brahman e Shakti são um e não dois separáveis. A Força
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Mas dado que dessa maneira a Força é inerente à existência e que constitui a
natureza da Força ter esta dupla ou alternativa potencialidade de repouso e
movimento, vale dizer, de auto-concentração em Força e de auto-difusão em Força,
não surge a questão a respeito de como do movimento, sua possibilidade, impulso
iniciador ou causa impulsora. Pois então podemos conceber facilmente que esta
potencialidade deve traduzir-se como um ritmo alternativo de repouso e movimento
sucedendo-se um ao outro no Tempo ou como uma eterna auto-concentração da
Força na existência imutável com um superficial despertar de movimento, cambio e
formação como a ascensão e queda das ondas na superfície do oceano. E este
despertar superficial pode ser coexistente com a auto-concentração e em si mesmo
também eterno, -falamos necessariamente com imagens inadequadas-, ou pode
começar e terminar no Tempo e resumir-se por uma sorte de ritmo constante; então
não é eterno na continuidade senão eterno na recorrência.
É preciso então examinar interiormente a relação entre Força e Consciência. Mas que
queremos dizer com o último termo? Comumente significamos com ele nossa óbvia
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idéia primária de uma consciência mental em vigília tal como se a possuísse o ser
humano durante a maior parte de sua existência corporal, quando não está dormido,
aturdido ou de algum outro modo privado de seus físicos e superficiais métodos de
sensação. Neste sentido está suficientemente claro que a consciência é a exceção e não
a regra na ordem do universo material. Nós mesmos não sempre a possuímos. Mas
esta vulgar e superficial idéia da natureza da consciência, ainda que todavia
impregna nossos pensamentos e associações ordiná rios, deve agora desaparecer
definitivamente do pensar filosófico. Pois sabemos que em nós há algo que é
consciente quando dormimos, quando estamos aturdidos ou drogados ou
desvanecidos, em todos os estados aparentemente inconscientes de nosso ser físico.
Não só isso, senão que agora podemos estar seguros que os antigos pensadores
estavam certos quando declaravam que, inclusive em nosso estado de vigília, o que
chamamos então nossa consciência é só uma reduzida seleção de nosso inteiro ser
consciente. É uma superfície, mas não a totalidade de nossa mentalidade. Detrás dela,
mais vasta que ela, há uma mente subliminal ou subconsciente que é a maior parte de
nós mesmos, e contêm cumes e profundidades que nenhum, homem há medido nem
sondado todavia. Este conhecimento nos brinda um ponto de partida para a
verdadeira ciência da Força e suas obras; nos livra definidamente de estar
circunscritos pelo material e da ilusão do óbvio.
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Mas não há razão para supor que a gama da vida e a consciência fala e se detém
no que nos parece puramente mate rial. O desenvolvimento da investigação e do
pensamento recente parece apontar a uma sorte de obscuro princípio de vida e talvez
uma sorte de consciência inerte ou suspendida no metal e na terra e em outras formas
“ina nimadas”, ou ao menos a matéria prima do que em nós chega a ser consciência
pode estar ali. Ainda quando só na planta podemos obscuramente reconhecer e
conceber a coisa que chamei consciência vital, a consciência da Matéria, da forma
inerte, resulta certamente difícil para nós entendê-lo ou imaginá-lo, e o que achamos
difícil de entender ou imaginar consideramo-nos com dereito a negá-lo. Não obstante,
quando um há seguido a tanta profundidade à consciência, resulta inacreditável que
possa existir este súbito abismo na Natureza. O pensamento tem dereito a supor uma
unidade onde essa unidade está confessada por todas as outras classes de fenômenos e
em uma só classe unicamente, não negada, senão meramente mais oculta que as
demais. E se supomos que a unidade se acha interrompida, então alcançamos à
existência da consciência em todas as formas da Força que trabalha no mundo. Ainda
que não houvesse consciente ou supraconsciente Purusha morando em todas as
formas, contudo existe naquelas formas uma força consciente do ser da qual inclusive
suas outras partes aberta ou inertemente participam.
Mas que dereito temos a dar, é claro, que a consciência seja a descrição justa para
esta Força? Pois a consciência implica algum tipo de inteligência, intencionalidade,
auto-conhecimento, inclusive ainda que não tomem as formas habituais para nossa
mentalidade. Inclusive desde este ponto de vista tudo apoia muito mais que contradiz
a idéia de uma universal Força consciente. Vemos, por exemplo, no animal, operações
de uma intencionalidade per feita e de um conhecimento exato, cientificamente minu
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cioso, que estão muito além das capacidades da mentalidade animal e que o homem
mesmo só pode adquirir mediante uma prolongada educação e ainda então as usa
com muito menor rapidez e segurança. Estamos facultados a ver neste fato geral a
prova de uma Força consciente que trabalha no animal e no inseto que é mais
inteligente, mais intencionada, mais conhecedora de seu propósito, suas finalidades,
seus meios e suas condições, que a suprema mentalidade manifestada em qualquer
forma individual sobre a terra. E nas operações da Natureza inanimada achamos a
mesma característica plena de uma suprema inteligência oculta, “oculta nas
modalidades de suas próprias obras”.
O único argumento contra uma fonte consciente e inteligente para esta intencionada
obra, este trabalho da inteligência, da seleção, da adaptação e a busca, é esse grande
elemento das operações da Natureza ao que damos o nome de desperdício. Mas
obviamente esta é uma objeção baseada nas limitações de nosso humano intelecto que
busca impor sua particular racio nalidade, bastante boa para os limitados fins
humanos, nas operações gerais do Mundo-Força. Vemos só parte do propósito da
Natureza e tudo o que não serve a essa parte o chamamos desperdício. Inclusive nossa
própria ação humana está cheia de um aparente desperdício, tão evidente desde o
ponto de vista individual que contudo, podemos estar seguros, serve bastante bem
para o grande e final propósito das coisas. Essa parte de sua intenção que podemos
detectar, a Natureza consegue fazê-la seguramente bastante apesar de seu aparente
desperdício, talvez realmente em virtude desse aparente desperdício. Bem podemos
confiar nela no resto que ainda não detectamos.
[1] I, 3.
[2] V, 8.
[3] É agora corrente a curiosa especulação de que a Vida ingressou na terra não
proveniente de outro mundo, senão de outro planeta. Para o pensa dor isso nada
explicaria. A questão essencial é como a Vida entra na Matéria e não como entra na
matéria desde um particular planeta.
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