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CURSO À DISTÂNCIA
3º Módulo:
O MOVIMENTO TRANSPESSOAL
NA PSICOLOGIA
O MOVIMENTO TRANSPESSOAL
NA PSICOLOGIA
Timothy Leary
Mani Alvarez
Neste módulo vamos dar sequência ao estudo dos fundamentos teóricos da Psicologia
Transpessoal, repensando suas origens, como ela surgiu, se desenvolveu e se organizou nos Estados
Unidos, transformando-se num movimento interdisciplinar que cresceu e chegou até nós, no Brasil.
Vamos ver, primeiramente, um de seus precursores mais radicais e famosos.
a) O herege de Harvard
O “herege” de Harvard, como era chamado, acreditava ter encontrado a chave para a inteligência
superior, e sonhava com centros de treinamento da consciência nas Universidades, para que todos
pudessem ter acesso aos portais de percepção das múltiplas dimensões da realidade.
Porém, o sistema pensava diferente e o Pai da
Contracultura foi considerado um corruptor de jovens
por questionar tudo e todos – como Sócrates o fizera há
mais de dois mil anos. Em agosto de 1996, fez sua última
viagem nesta vida; sempre indo além, superando seus
próprios limites e forçando o olhar para fora dos moldes e
dos enquadres. Ele programou sua morte como havia
programado suas pesquisas, com audácia e ousadia.
Vitimado por um câncer, ele pediu que sua cabeça fosse
cortada após a sua morte, e colocada num recipiente
adequado para ser congelada e deixada para estudos do
cérebro no futuro.
Desde então, muitas coisas mudaram. Timothy Leary foi, contudo, o precursor das modernas
teorias sobre estados modificados da mente e da Consciência Transpessoal. “ Seu ego e suas
brincadeiras com os nomes desaparecerão. E você ficará cara a cara com a luz pura”...
Apesar de toda a sua irreverência, Timothy Leary é considerado um dos mais importantes
precursores da Transpessoal. Tornou-se diretor do Centro de Pesquisas da Personalidade, em
Harvard, a partir de 1960. Mas, sentia-se confuso em relação à sua profissão. Durante 10 anos ele e
sua equipe avaliaram os níveis de sucesso do tratamento com psicoterapia e decepcionaram-se com
os resultados obtidos: independentemente do método usado, apenas 30% melhoravam, 30%
permaneciam no mesmo estado e o restante desistia. Parecia que a psicoterapia era uma profissão
impossível.
Nesse estado de espírito, ele conseguiu uma bolsa de estudos e foi para Florença, na Itália.
Lá começou a trabalhar num livro que apresentava uma alternativa para a psicoterapia. Ele
propunha uma nova forma de tratamento (que chamou de „psicologia existencial‟) onde não fosse
imposto o modelo médico ao paciente, mas que ele fosse tratado a partir de sua existência cotidiana,
em situações reais de sua vida, uma espécie de trabalho de campo. Propunha também uma certa
abertura e receptividade do profissional durante o processo psicoterapêutico, de forma que este se
deixasse afetar e se transformar também. A esta modalidade de trabalho ele chamou de „psicologia
transacional‟, onde houvesse lugar para uma troca simbólica de lugares durante o tratamento.
Durante sua estadia em Florença, ele esteve com um velho colega de faculdade, Francis
Barron, que lhe falou sobre uma experiência que havia tido com uns tais “cogumelos mágicos” no
México, e do estranho sentimento de transcendência e mística que sentiu. Leary o advertiu para
tomar cuidado e a coisa ficou por aí.
Mas, nesse ínterim, Francis Barron foi contratado pela Universidade de Harvard para
implantar estratégias inovadoras no departamento de Psicologia. Durante 30 anos, Francis Barron
havia trabalhado no Instituto de Pesquisas da Personalidade, fundado e mantido pela OSS (Orgão
do Serviço Secreto), que deu origem posteriormente à CIA (Agencia Central de Inteligência), nos
Estados Unidos. E a partir da última guerra, a CIA começou a investir pesado nos efeitos de drogas
para uso bélico e de espionagem. Diversas Universidades famosas colaboraram com seus projetos e
foram beneficiadas com verbas milionárias para pesquisas com quaisquer ervas, raízes ou folhas
que tivessem princípios psicoativos.
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Esses fatos são importantes, porque demonstram o quanto esta política do governo foi
responsável pela criação de uma cultura de drogas nos anos 60. Ao inundar os centros de pesquisa
com vultosas verbas e doses de LSD, o próprio governo americano acabou incentivando o seu uso.
Inclusive, para intensificar suas pesquisas, eles criaram um programa chamado de Fundo para a
Ecologia Humana, onde investiram 25 milhões de dólares para estudar meios químicos de lavagem
cerebral. Tinham por objetivo estudar as modificações da consciência através de estímulos químicos
para finalidades bélicas, como espionagem, tortura, chantagem, etc. O LSD também estava sendo
usado em pesquisas químicas para a guerra, por psiquiatras que tentavam induzir estados psicóticos
em pacientes que serviam como cobaias, para uso em prisioneiros de guerra. Relatos sobre essas
experiências foram publicados depois, e eram estarrecedores (Flashbacks, „surfando no caos‟,
Timothy Leary, Ed. Beca).
Por esse época, o laboratório Sandoz começou a fabricar a psilocibina, uma droga sintética
extraída do cogumelo mexicano. Começou a circular livremente também nesse mesmo tempo o
LSD, a ayauasca e a mescalina. Havia uma política que aconselhava que o uso de drogas ficasse
restrito ao ambiente acadêmico para fins de pesquisa. Havia um certo receio sobre as consequências
de uma abertura das drogas à população em geral.
Timothy Leary discordava disso e achava que a droga deveria ser socializada, porque
acreditava que ela era o elixir da sabedoria, e que todos deveriam se beneficiar da mudança da
mente que ela propiciava. Isso lhe custou muitos problemas com a polícia nos anos seguintes.
Por essa época fervilhavam congressos, pesquisas e estudos sobre o uso de drogas para
expansão da consciência. A contribuição de Timothy Leary sempre foi a de ressaltar a importância
do cenário e da ambientação para uma experiência boa. Muitos outros pesquisadores ressaltaram
seus efeitos terapêuticos, o aumento da criatividade, alguns chegavam a afirmar que a origem das
religiões e dos sistemas filosóficos se devia à experiência com as drogas alucinógenas, etc.
“... sem essas precauções, o êxtase pode tornar-se um pesadelo. Prazer se transforma
em sofrimento, alegria em dor. Uma angustia terrível toma conta da pessoa a partir
de seu coração e irrompe com peso gigantesco. Outras vezes, a vítima sente um frio
congelante que a faz parecer um pedaço de mármore até os quadris...”
Quando esses cuidados eram tomados, a experiência podia ser extremamente gratificante.
William James (1842-1920), fundador do Departamento de Psicologia de Harvard, disse: “comigo,
e com todas as pessoas de quem ouvi falar, a parte mais importante da experiência é a de um
sentimento extremamente excitante de uma iluminação metafísica intensa.”
Em 1962, Tim havia feito pela primeira vez uso do ácido lisérgico, o LSD. Foi uma experiência
tão atordoante, tão plena de significados e consequências, que ele nunca mais a esqueceu. Era como
se novos circuitos do cérebro tivessem sido abertos. A experiência com LSD comprovava as novas
teorias científicas que vinham sendo descobertas, como a teoria holográfica do cérebro, do Prêmio
Nobel Karl Pribam, e da mecânica quàntica de Max Plank, de que somos todos parte da unidade
primordial.
Essas comunidades chocavam o status quo por sua liberdade sem restrições. Foram os
precursores dos hippies e dos beatniks. Pregavam a PAZ e o AMOR em tempos da guerra contra o
Vietnã e de extrema pressão econômica internacional. Embora fossem inofensivos, passaram a ser
perseguidos e hostilizados, e por isto foram viver no campo, longe das cidades.
e) As descobertas de Leary
Timothy Leary fez algumas descobertas importantes sobre os efeitos das drogas na mente
humana, que abriram caminho para a Transpessoal mais tarde. Ele compreendeu que se tratava de
um novo tipo de conhecimento não-teórico, adquirido via experiência, e que era praticamente
impossível transmitir isso para alguém que não tivesse feito a experiência. Resumindo sua teoria
acerca dos estados de consciência:
1. Ele descobriu um efeito que chamou de “efeito flashback”, ou seja, que uma vez acionados
os circuitos do cérebro que criavam as visões psicodélicas (psicodélico significa mente
liberada), era possível acioná-los novamente com alguns estímulos, mas sem o uso de
drogas.
2. O efeito positivo das drogas alucinógenas (ele distinguia os alucinógenos de outras drogas,
como as anfetaminas, o álcool e antidepressivos) dependia fortemente do ambiente e da
intenção do usuário. Ele relata que nunca presenciou uma viagem ruím, salvo quando as
circunstâncias externas provocaram o medo e o pânico. Por isso insistia num contexto de
segurança, de acompanhamento monitorado e de extrema tranquilidade ao redor.
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4. Ele descobriu também que existem fatores que facilitam ou dificultam a experiência. Por
exemplo, quanto mais velha a pessoa, quanto mais poderosa, ou rica, ou influente, mais são
os seus medos. Ou seja, quanto mais se tem a perder, menos vontade e disposição para a
entrega, para ir além das estruturas conhecidas da realidade. Ele catalogou esses fatores
como: raça, religião, classe social e status, e, por último, também o sexo. Ele descobriu que
as mulheres são muito mais ousadas e receptivas às mudanças de estados de consciência do
que os homens.
Esta descoberta do “re-imprinting” surgiu num trabalho que realizou com detentos da
penitenciária de Massachussets. Em 1961 ele havia sido convidado para fazer experimentos com os
presos, num programa de reabilitação de criminosos. O índice de reincidência no crime ali estava
por volta de 70%. Foram selecionados 6 presos, dentre esses, 2 assaltantes, 2 assassinos e 2
traficantes.
Ao iniciar a experiência, Timothy explicou aos prisioneiros do que se tratava; avisou que ia
tomar a droga junto com eles, e que o objetivo da experiência era saber se a droga iria afetar a vida
prática deles. Todos aceitaram e assim começou a experiência.
No começo, o próprioTimothy se sentiu muito mal. O ambiente ali na penitenciária não era
propício. Começou a sentir-se envolvido por um medo irracional de um dos detentos. A certa altura
perguntou se eles estavam bem e todos responderam que sim, menos o tal detento. Ele disse que
não, e devolveu a pergunta à queima roupa: e você? Sem poder esconder, Timothy respondeu que
estava se sentindo péssimo! Então o detento perguntou porque ele estava péssimo. Como nesse
estado não dá para mentir, ele respondeu cara a cara com o detento: porque você é um assassino e
eu estou com medo de você. Foi então que o detento começou a rir e disse que ele também estava
péssimo porque estava com um medão dele, do Timothy, porque achava que estava diante de um
cientista louco e não sabia o que ele ia fazer com a mente dele.
Depois dessa confissão, os dois caíram na gargalhada, e a partir daí entraram numa conexão
harmoniosa e tranquila. Os outros detentos viajavam livremente: cara... eu estou agora no céu e
estou olhando para esse planetinha de merda lá do alto... enquanto que um outro dizia: eu estou
ótimo! Tenho um milhão de anos de idade, e sinto que existe mais um milhão de coisas para eu
conhecer...
tipo de relacionamento na prisão. Além disso, a percepção de outras realidades ajudou a fazê-los
reconhecer que haviam outras possibilidades de viver além daquela que conheciam, de crime e
deliquência. O resultado foi que a taxa de reincidência caiu de 70% para 10%. No final de 62, os
detentos começaram a receber liberdade condicional em massa por bom comportamento. Uma
média de 90% dos libertados permanecia fora dos muros da prisão.
Foi nesse exato momento que o diretor da prisão mandou encerrar a experiência. Ele havia
recebido uma polpuda verba para ampliação do presídio e queria construir uma super-prisão, com
capacidade para o dobro de pessoas presas. Os argumentos de Timothy sobre a queda de
reincindência dos presos não adiantaram nada diante da verba. O programa foi fechado. Mas, o mais
interessante foi que um grupo de ex-detentos libertos se organizou por conta própria, e com a ajuda
de alguns colegas do Timothy continuaram o programa de auto-ajuda por mais 15 anos – fora das
grades.
f) A política da droga
Foi a política da droga que forçou Timoth Leary a se demitir da Universidade de Harvard.
Sua intenção era criar centros de pesquisas pelos Estados Unidos, treinar condutores de sessões,
abrir a participação a médicos, juízes, advogados, artistas, escritores, religiosos e psicólogos. Nessa
época ele usava a mescalina, o LSD e a psilocibina. Os jornais noticiavam o fato com
sensacionalismo: professor de Harvard anuncia plano de criar uma cadeia nacional para centros
de drogas nos Estados Unidos! Surgiu até um termo: os neuronatas.
Era um programa audacioso e ameaçador, mas Tim não se intimidou: criou a Fundação
Internacional para a Liberdade Interior, no México, porque nenhum outro país permitiu sua
instalação. Em 1963, foi divulgada a notícia de que ele havia sido expulso de Harvard. Na verdade,
ele já havia se demitido antes por vontade própria. Foi uma tentativa de denegrí-lo ainda mais. Os
jornais falavam de “orgia de drogas” em Harvard, e isto prejudicou a instalação da Fundação
também no México.
Depois de muita perseguição, de ter sido preso várias vezes, e também por ter sido a droga
proibida no território americano, Tim parte para ativação do cérebro sem o uso de drogas. Ele
organizou em 1965 um grande espetáculo de sons, luzes e imagens através de instrumentos óticos,
frascos de gelatina colorida, cristais de diferentes tamanhos e fez tudo isso ser projetado na platéia,
provocando um jorro intermitente de luzes que simulavam o efeito das drogas no cérebro. A meta-
luz se multiplicava em telas e refletia-se na platéia, atingindo áreas cerebrais nunca antes ativadas e
levando o público ao delírio.
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A intenção era que, sendo despertados esses circuitos numa experiência que reunia educação
e entretenimento, os jovens pudessem se transformar criativamente, e pudessem ser afetados pelo
sonho de uma cultura de paz.
Mas, a política oficial da droga tinha outros planos e fez Timothy Leary passar por 40
cadeias diferentes em 4 continentes, num período de 15 anos. Apesar disso ele teve uma produção
fantástica, com mais de 6 livros, centenas de artigos para revistas especializadas sobre neurologia,
sociobiologia, neuropolítica, teoria Gaia, rejuvenescimento, neuroprogramação, etc. Em seu livro
Política do êxtase (não traduzido) ele fala sobre a questão política da droga, e em Flashback, o
único publicado em português, ele conta toda sua história e, como um pano de fundo, de sua luta
pela expansão da consciência transpessoal.
Morreu em 1996, e seu último pedido também não podia deixar de ser irreverente: pediu que
filmassem sua morte, cortassem sua cabeça e a congelassem, para guardar para a posteridade. Não o
sabemos, mas talvez ele quisesse deixar uma prova para o futuro do efeito das drogas sobre o
cérebro.
g) Qual foi a importância das experiências com drogas feitas pelo Timoth Leary?
Sua contribuição para o estudo da consciência foi decisivo. Até então não havia nada na
literatura científica, mapas, guias ou estudos que fornecesse referências sobre estados modificados
da consciência. Tudo era patologizado, e o que saísse do estado de vigília e do sono era considerado
psicose, alucinação, esquizofrenia.
Dentre os pesquisadores de Harvard, por exemplo, o prof. assitente Richard Alpert, PhD,
tornou-se o famoso Baba Ram Dass, iniciando-se com mestres indianos. Ralph Metzner, PhD,
tornou-se uma das maiores autoridades em xamanismo dos Estados Unidos. Gunter Weill, PhD,
tornou-se um mestre tântrico; o poeta Allen Ginsberg tornou-se líder de uma associação budista no
Colorado. Estes foram só alguns mais próximos de Timothy Leary. Tudo isso fez com que diversas
pessoas afirmassem que a contracultura dos anos 60 abriu mais mentes e elevou mais consciências
a dimensões espirituais do que muitas organizações religiosas em todos os tempos.
h) As viagens da consciência
A época em que Leary viveu era o boom da informática e da cibernética. Ele acreditava que
as drogas alimentavam e abriam os circuitos cerebrais da mente, que ele via como um software
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prodigioso e muito pouco utilizado. Para ele, as experiências psicodélicas tinham o efeito de
provocar re-imprintings, re-impressões de novos programas mentais.
As mais recentes pesquisas se dão conta de que não podemos mais pensar a consciência
como compreensibilidade, racionalidade. Depois de Timothy Leary, a consciência é uma vertigem
multidimensional de percepções daquilo que chamaríamos de Vida em movimento. Nada está
estanque, nada está definido, mas tudo é um fluxo que nem a intencionalidade pode demarcar,
controlar ou conduzir. Isto que vivemos nesse momento da história humana dá bem a medida do
imenso reservatório de poder que a consciência pode imprimir à forma e à matéria.
“Era uma vez um castelo no qual havia um cálice de ouro contendo o dom da eterna sabedoria,
aguardando o primeiro que fosse suficientemente corajoso e sábio para conseguí-lo. Durante
séculos, os cavaleiros mais corajosos e os príncipes mais inteligentes vieram de todas as partes, das
mais longínquas partes do mundo, para tentar conseguir o grandioso prêmio. Mas nenhum obteve
êxito. A única maneira de se aproximar do castelo era através de uma lagoa pantanosa com quase
dois quilômetros de pedras pontiagudas. O castelo, com suas magníficas torres, brilhava e irradiava
uma forte luz para que todos pudessem vê-lo.
Encontrar o castelo não era problema algum. No entanto, assim que se pisava numa pedra, ela
afundava imediatamente na lama. Todos os candidatos se afogavam.
Um dia, chegaram à beira da lagoa uma princesa acompanhada de seu príncipe. Eles tinham ouvido
falar do trágico fim de todos os outros que haviam tentado, mas mesmo assim, desejavam tanto
chegar ao castelo que concordaram em atravessar a lagoa juntos. Então, começaram a correr,
saltando de pedra em pedra com tamanha velocidade, que antes de afundarem já estavam com o pé
em outra pedra. E assim foram correndo e pulando até alcançarem o castelo da iluminação”.
Ao terminar de contar a história, eu perguntei ao Sri Krishna Prem:
__ O que está querendo dizer é que devemos nos manter em movimento? Viver saltando de um
ponto a outro, sem parar?
O Yogue respondeu:
__ Há 4 mil anos não havia o conceito de mudança. As pessoas nasciam e morriam no mesmo
lugar. Tudo era imóvel como as pedras no pântano. Não havia como alcançar o castelo da
iluminação, a não ser pela morte e por isso criaram o conceito de transmigração das almas. Mas
hoje, a sabedoria do nosso tempo é o movimento e a mudança. A evolução é a chave para a
iluminação. A consciência é uma ave que precisa das duas asas para voar: matéria e espírito, corpo
e alma, feminino e masculino.
Citado por Timothy Leary, em Flashbacks
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Tudo isso questionava a visão de mundo tradicional e exigia uma revisão de antigos valores
e conceitos da comunidade científica. Sobretudo no Esalem Institute (Califórnia), reuniam-se
professores de várias disciplinas debatendo suas descobertas, discutindo as inadequações do modelo
cartesiano e a necessidade de se criar um nome que pudesse significar o novo paradigma de
consciência que estava emergindo então. Debatiam, principalmente, sobre aquilo que chamavam de
as meta-necessidades do ser humano, ou seja, o anseio pela espiritualidade e os valores humanos
nas relações sociais.
Segundo esta teoria, a negação de nossa dimensão espiritual impede a manifestação dos
valores positivos necessários e produz pessoas de mentes restritas, reprimidas e inseguras quanto às
suas possibilidades. Essa dimensão superior não está na consciência de vigília, mas sim, no
inconsciente. Resgatar a dimensão superior do inconsciente e promover sua expressão deveria ser,
segundo Maslow, uma das tarefas essenciais da psicologia nas suas distintas áreas de atuação
(Maslow 1968).
Maslow acreditava que todas as barreiras da comunicação, mesmo em grande escala, tinham
sido geradas por falta de comunicação dentro do próprio indivíduo. Quando não propiciamos uma
interlocução entre os aspectos mais sombrios e os mais elevados do inconsciente, criam-se inúmeras
barreiras para o desenvolvimento saudável, que se propagam de forma intensa e se manifestam no
coletivo, provocando confrontos e conflitos em uma escala bem mais acentuada (Maslow: 1990).
Esse processo na estrutura social é identificado por Maslow como “normopatia”. Negar a
própria essência passa a ser uma norma vingente e se transforma numa patologia. Perde-se o sentido
do “sagrado” na vida cotidiana, tanto a nível pessoal quanto social. O “sagrado” refere-se àquilo
que está no mundo, mas não é do mundo. É sagrada, portanto, a dimensão superior que está na
pessoa, mas não se restringe a identidade exclusivamente pessoal. Vai “além” e “através” dela, em
todas as suas relações. É a dimensão Transpessoal.
Para refletir: você tem consciênca dos momentos em que se sente numa dimensão superior
da existência? Você percebe essa dimensão do ‘sagrado’ em alguns momentos de sua vida?
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O termo “transpessoal” foi, na verdade, referendado pela primeira vez na área da psicologia
por Carl Gustav Jung, utilizando a palavra überperson, em 1916 e uberpersönlich, em 1917, que
significam respectivamente supra-pessoa e supra-pessoal.(Simões:1997).
No início desse movimento, o termo usado era Psicologia Trans-humanística, para designar
todas aquelas capacidades e potencialidades humanas geralmente desconsideradas ou
desqualificadas pelas abordagens clássicas, como criatividade, amorosidade, espiritualidade,
integratividade, transcendência, valores superiores, paranormalidade, etc. Buscava-se uma visão
científica de mundo que pudesse incorporar também as dimensões metafísicas da existência, uma
nova compreensão dos problemas psicossomáticos que demonstram a unidade entre corpo-mente-
espírito, novas estratégicas terapêuticas e novos insights sobre a realidade e a natureza humana.
Como uma nova abordagem em Psicologia, a Transpessoal foi anunciada no ano de 1968
pelo próprio Maslow, no prefácio da Segunda edição de seu livro “Toward a Psychology of Being”,
quando era presidente da American Psychological Association e presidente do Conselho do
Departamento de Psicologia de Brandeis University (gestão de 68/69).
Na primeira edição do referido jornal, Antony Sutich, com uma ressalva do caráter
provisório e de uma evolução posterior do conceito, publicou uma longa definição:
“Psicologia Transpessoal ou Quarta força é o título dado à uma força que está
emergindo no campo da psicologia, por um grupo de psicólogos e profissionais,
homens e mulheres de outros campos que estão interessados naquelas capacidades
e potencialidades últimas, que não têm um lugar sistemático na teoria positivista e
behaviorista (“primeira força”) nem na psicanálise clássica (“segunda força”)
nem na psicologia humanista (“terceira força”).
Não há nenhuma conotação hierárquica ou valorativa no termo usado por Maslow, o que ele
quer expressar é o movimento evolutivo da consciência, que emerge de forma coletiva na história
da psicologia.
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Uma área nova acabava de surgir, com características próprias e metodologia específica, na
qual a ênfase recaia sobre a experiência pessoal dos estados modificados da consciência, e não
sobre generalizações abstratas e teóricas sobre o ser, como era de praxe até então. Além disso, a
Transpessoal definiu-se logo como uma disciplina que questionava os pressupostos da investigação
científica, na medida em que forçava os limites do paradigma mecanicista newtoniano da ciência
para além da lógica formal aristotélica.
Com isso, ele fazia uma distinção entre uma abordagem que
considerava as meta-necessidades humanas como uma força
importante para a saúde integral do ser e as correntes teóricas
que não consideravam essas questões, como o Behaviorismo
(Primeira Força), a Psicanálise (Segunda Força) e o
Humanismo (Terceira Força). Estava dado o primeiro passo
para o reconhecimento da verdadeira dimensão espiritual da
psique.
Junto a um método, esse novo campo inaugurava também uma postura transdisciplinar,
caracterizada por uma ética e valores transpessoais, sementes de uma nova consciência.
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IMPORTANTE:
Surgiu da dificuldade de se estabelecer uma comunicação entre os vários ramos do saber, ou seja, as
especializações, e com isso, da impossibilidade de uma síntese. Contrariamente, na antiguidade o
conhecimento era totalmente transdisciplinar, ou seja, o saber era unificado e integrado, favorecendo o
exercício da síntese nas primeiras Universidades européias. A filosofia exercia essa missão integrativa entre
os saberes. Havia a preocupação de se observar as inter-relações na natureza, entre os seres e as coisas do
universo, suas leis e conexões.
Ao contrário do que acontece hoje, não havia especializações, e a filosofia abrangia em si todo o
conhecimento da natureza, da física, da matemática, da psicologia, da estética, da ética, das leis, da
metafísica, da astrologia, etc. Não existia a profissão de “especialista” e os estudiosos precisavam saber de
tudo um pouco.
Isso permitia o desenvolvimento de uma capacidade que perdemos, ou seja, a visão universalista, generalista,
abrangente, capaz perceber o todo e estabelecer conexões e sínteses.
Como vimos, a década de 60 foi uma época de grande abertura intelectual e cultural em todo o
mundo. Enquanto abundavam pesquisas e descobertas que revolucionavam os conceitos tradicionais
e culturais do ocidente, do oriente chegavam novos e inusitados conhecimentos sobre acupuntura,
medicina ayurvédica, ioga e meditação transcendental. Tudo isso desafiava o velho paradigma
mecanicista da ciência cartesiana.
Dentre os pioneiros que ousaram expor suas idéias, devem ser lembrados Victor Frankl,
Abraham Maslow, Stanislav e Christina Grof, James Fadiman e especialmente Anthony Sutich, que
teve um papel decisivo na definição desse novo campo. Todos eles comungavam as mesmas fontes
inspiradoras das quais, tempos depois, iriam dar manifestação outros estudiosos, como: Fritjof
Capra (físico), Michael Harner (antropólogo), Joseph Campbel (mitólogo), Ken Wilber (filósofo),
Rupert Sheldrake (biólogo e filósofo), Basarab Nicolescu (físico), Roger Woolger (psicanalista),
Pierre Weil (psicólogo) e muitos outros ainda.
Por causa dessa potencialidade para produzir transformações profundas em tempo record,
inúmeros hospitais nos Estados Unidos hoje aplicam técnicas transpessoais como tratamento
complementar para doentes com comprometimentos graves. Também no Brasil começam a surgir
trabalhos em empresas, escolas e hospitais, inspirados em sua metodologia.
Pierre Weil
No estudo dos átomos, os cientistas descobrem que, no âmago da matéria, tudo que há é um
vazio, ou um “campo de possibilidades” (Heisenberg), que pode converter-se em partícula ou onda.
É praticamente impossível determinar a localização de uma partícula; e as ondas, por sua vez, se
irradiam em todas as direções. Portanto, onde fica o coração da matéria?
os mais ardorosos defensores das múltiplas dimensões do ser humano, sua capacidade de
transcendência e de espiritualidade.
A continuidade era um pressuposto aceito pela física mecanicista e também um modo de ver
as coisas baseadas na observação de que há uma continuidade em tudo que existe. No mundo
macrocósmico isso é aparentemente real. Mas, o que os físicos descobriram no universo
microcósmico, ou seja, dentro de uma partícula de matéria infinitamente pequena, é que não existe
continuidade no movimento dos elétrons.
Ao passar de uma órbita para outra, girando em torno do núcleo de um átomo, os elétrons
desaparecem e aparecem na órbita seguinte. Isso foi chamado de salto quântico. É como se alguém,
ao descer uma escada, desaparecesse entre os degraus e só se tornasse visível quando está pisando
nos degraus. No „entre‟ não há nada...
Quando o elétron se fixa numa posição, ao ser observado, esse fenômeno foi
chamado de colapso. Isto que chamamos realidade é o colapso de determinado
modo de perceber o real. Portanto, há algo que influencia a nossa percepção e cria a
“realidade”, materializando-a, e esse algo é a consciência. Esta é a ligação entre a
psicologia e a física.
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Um dos Upanixades, livro de sabedoria Vedanta, diz:“Ele está dentro de tudo isso; ele está
fora de tudo isso.” Ou seja: o mundo não é independente nem exterior a nós. Ele está dentro de nós.
Em nossa consciência.
Tudo isto é um paradoxo para a ciência mecanicista, que afirma que a realidade existe
externamente, e pode ser observada como fora de nós. Se – como querem alguns cientistas – a
consciência é um epifenômeno do cérebro, isto é, uma conseqüência secundária do funcionamento
dos neurônios, como afirma a ciência mecanicista, como ela poderia interferir na matéria? Como o
nosso cérebro poderia produzir a consciência que produz o cérebro?
Por outro lado, isto colocou questionamentos insondáveis para os cientistas quânticos. Se a
consciência é Uma e transcendente, como podemos nos sentir tão pequenos, limitados, separados de
tudo que observamos? Como o Um se torna múltiplo?
O cientista Amit Goswani responde a esse enigma voltando os olhos para os livros antigos
das tradições religiosas, como o Vedanta, a Cabala e mesmo o Evangelho cristão, quando
encontramos frases como “Eu e o Pai somos Um”. E ele afirma que é preciso primeiramente
distinguir entre “consciência” e “percepção”. A consciência é a base do ser, é pura intuição; já a
percepção é o resultado da divisão entre sujeito-objeto, um ato cognitivo.
Isso ocorre o tempo todo conosco. Estamos colapsando ondas e transformando-as em fatos o
tempo inteiro. O problema é que na maioria das vezes não criamos propriamente uma nova
realidade, apenas repetimos velhas percepções que ficaram armazenadas em nossa memória. Por
isso repetimos velhos padrões de comportamento, fazemos as mesmas coisas que não queremos,
mantemos relacionamentos viciados e indesejáveis. Nós não estamos escolhendo a nossa realidade
conforme nossa consciência e sim, conforme nosso ego.
Para refletir: pare e pense em quantas vezes na sua vida você repetiu
padrões de comportamento que trouxeram sofrimento, doenças, conflitos,
vícios. Perceba como, nesses momentos, você não criou a sua realidade, e
sim, foi um joguete de forças e memórias armazenadas em seu inconsciente.
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f) A divisão do Ser
Para entender melhor esse paradoxo da consciência Una e da percepção do ego, temos de
lançar mão do conceito dos dois Eus. Somos uma consciência universal, uma alma, a unidade, que
testemunha uma divisão interna em nossa manifestação material. Acreditamos ser um ego, uma
personalidade e enquanto tal nos sentimos separados dos demais e do todo. Ao mesmo tempo
pressentimos em nós um Eu superior que é estável, sereno, equilibrado.
Isto nos dá a ilusão da existência de dois Eus que se opõem entre si. Enquanto um é amargo
e desconfiado, o outro é alegre e criativo. Amit chama a esse último de “eu quântico” porque ele
corresponde simbolicamente a uma parte de nosso cérebro de onde provém nossas melhores idéias,
as mais criativas, iluminadas e sensíveis. O outro eu, em contrapartida, corresponde a racionalidade,
ao raciocínio lógico e prático, ao ego. É necessário um equilíbrio constante entre esses dois Eus,
para que uma pessoa amadureça e uma civilização se desenvolva. Sua teoria é a de que, ao
encarnar-se, a consciência necessitou dessa divisão interna para manifestar a realidade.
E nesse aspecto todos são unânimes em afirmar que, para a consciência não existe tempo, ou
seja, vivemos num infinito agora, um eterno momento presente. O que nos impede de sentir isso e
experienciar a consciência em estado de fluxo no presente são nossas pré-ocupações, memórias do
passado, projeções para o futuro. Ou seja, o tempo. O sentido de “presença” só pode ser vivido em
estado de absoluto vazio mental.
Somos viciados em pensar. Geralmente ocupamos nossa mente com tagarelice, lixo mental,
pensamentos repetitivos e inúteis. Pensamento e consciência não são sinônimos. Podemos estar
conscientes sem pensar. Os místicos sempre foram unânimes em afirmar que o estado de
iluminação é um estado não-verbal, silencioso, vazio de pensamentos. Os artistas e visionários
também concordam que o ato de criar se dá a partir de uma mente vazia e de serenidade interior.
Nossa grande tarefa não é aprender a pensar, mas a parar de pensar!
E como a consciência se liga ao tempo? Ela não se liga ao tempo, ela não tem tempo. A
consciência só existe no agora. Futuro e passado não tem existência real e só existem como
construções mentais. A experiência do agora pode ser comparada a um portal para a iluminação, ou
estado de consciência plena. Por isso todos os exercícios de meditação começam voltando-se a
atenção para a percepção do corpo e do momento presente, retirando-a dos pensamentos, dos
sentimentos, relaxando e buscando uma conexão com o ser mais profundo que existe em nós. O
momento presente é a conexão da dimensão horizontal da existência com a vertical da
transcendência.
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Estar identificado com a mente é estar preso ao tempo. É a compulsão para vivermos quase
exclusivamente através da memória ou da antecipação. Isso cria uma preocupação infinita com o
passado e o futuro, e uma relutância em respeitar o momento presente e permitir que ele aconteça.
Temos essa compulsão porque o passado nos dá uma identidade e o futuro contém uma promessa de
salvação e de realização. Ambos são ilusões.
Por que o Agora é a coisa mais importante que existe? Primeiramente, porque é a única
coisa. É tudo o que existe. O eterno presente é o espaço dentro do qual se desenvolve toda a nossa
vida, o único fator que permanece constante. A vida é agora. Nunca houve uma época em que a
nossa vida não fosse agora, nem haverá. Em segundo lugar, o Agora é o único ponto que pode nos
conduzir para além das fronteiras limitadas da mente. É o nosso único ponto de acesso para a área
atemporal e amorfa do Ser.
“ Por mais de trinta anos um mendigo ficou sentado no mesmo lugar, debaixo de uma marquise. Até
que um dia, uma conversa com um estranho mudou sua vida:
– Tem um trocadinho aí pra mim, moço? – murmurou, estendendo mecanicamente seu velho boné.
– Não, não tenho – disse o estranho. – O que tem nesse baú debaixo de você?
– Nada, isso aqui é só uma caixa velha. Já nem sei há quanto tempo sento em cima dela.
– Nunca olhou o que tem dentro? – perguntou o estranho.
– Não – respondeu. – Para quê? Não tem nada aqui, não!
– Dá uma olhada dentro – insistiu o estranho, antes de ir embora .
O mendigo resolveu abrir a caixa. Teve que fazer força para levantar a tampa e mal conseguiu
acreditar ao ver que o velho caixote estava cheio de ouro”.
Eu sou o estranho sem nada para dar, que está lhe dizendo para olhar para dentro. Não de uma
caixa, mas sim de você mesmo. Imagino que você esteja pensando indignado: "Mas eu não sou um
mendigo!"
Infelizmente, todos que ainda não encontraram a verdadeira riqueza – a radiante alegria do Ser e
uma paz inabalável – são mendigos , mesmo que possuam bens e riqueza material . Buscam, do
lado de fora, migalhas de prazer, a provação, segurança ou amor, embora tenham um tesouro
guardado dentro de si, que não só contém tudo isso, como é infinitamente maior do que qualquer
coisa oferecida pelo mundo.
A palavra iluminação transmite a idéia de uma conquista sobre-humana – e isso agrada ao ego –,
mas é simplesmente o estado natural de sentir-se em unidade com o Ser. É um estado de conexão
com algo imensurável e indestrutível. Pode parecer um paradoxo, mas esse "algo" é essencialmente
você e, ao mesmo tempo, é muito maior do que você. A iluminação consiste em encontrar a
verdadeira natureza por trás do nome e da forma. A incapacidade de sentir essa conexão dá origem
a uma ilusão de separação, tanto de você mesmo quanto do mundo ao redor. Quando você se
percebe, consciente ou inconscientemente, como um fragmento isolado, o medo e os conflitos
internos e externos tomam conta da sua vida.
Echart Tole, O Poder do Agora
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A PSICOTERAPIA TRANSPESSOAL
1. Introdução :
Com essas questões nós vamos definir o campo teórico da Psicologia Transpessoal, sua
metodologia e seu modo de intervenção terapêutica. Mas antes de entrarmos propriamente na
diferença que ela representa, acho importante fazer um breve rastreamento das outras teorias
psicológicas para que possamos estabelecer um referencial e compreender melhor as expectativas
que a Transpessoal veio responder.
Ao se estabelecer como ciência, a Psicologia ocidental teve que adequar-se aos princípios
newtonianos e cartesianos, cujos fundamentos são a objetividade, a lógica, a racionalidade, o
empirismo. Naturalmente, isso fez com que se afastasse do que tinha de mais precioso em seu
objetivo, ou seja, o estudo da alma e da espiritualidade humana ( psyquê = alma).
Por causa do grande impacto que a ciência causava nessa época, este ramo da psicologia
ganhou adeptos, sobretudo nos países soviéticos, onde qualquer manifestação de subjetividade era
considerada um perigo ao sistema. No ocidente, ainda hoje o comportamentalismo é uma prática
aceita e defendida em Universidades, por causa de sua adaptação às normas da ciência.
Ainda no final do século XIX Freud surgia com seus questionamentos profundos em relação à
redução do ser humano apenas aos seus condicionamentos. Ele criou a Psicanálise e trouxe o
reconhecimento da existência de camadas mais profundas da mente, onde percebeu as forças dos
instintos, das pulsões e de conflitos recalcados. Essas forças seriam responsáveis por nossos
comportamentos, tendências, personalidade, neuroses, fobias, etc. Freud afirmava que o
comportamento manifesto, observável, era apenas a ponta de um iceberg, sendo que o conteúdo que
não se mostrava, ou seja, que estava submerso, corresponderia ao inconsciente, que determinava o
comportamento e as motivações mais profundas do ser humano. Ao descobrir esses determinantes
do universo psíquico, Freud descobriu também que as doenças mentais tinham raízes profundas no
inconsciente. Não bastava descobrir os condicionamentos, era preciso ir às suas causas. Por isso a
psicanálise passou a focalizar e priorizar a patologia em sua teoria dos estados clínicos.
Apesar de atribuir uma importância fundamental à subjetividade e ao desejo, Freud não incluiu
a dimensão da espiritualidade como um anseio natural e inerente ao ser humano. Pelo contrário, sua
tendência era explicar a busca pela transcendência como uma fantasia e como projeção de uma
busca inconsciente pela proteção paterna.
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Freud teve vários seguidores e também dissidentes, dentre eles Carl Gustav Jung, que
reconheceu o espírito, ao qual chamou de Self. Jung descobriu que, além do inconsciente pessoal,
existia um inconsciente coletivo, povoado por arquétipos que representavam as experiências
ancestrais acumuladas ao longo do tempo, na história da humanidade. Esses arquétipos
inconscientes atuavam e influenciavam na manifestação da personalidade. Jung defendia também a
idéia de que a energia motivadora e mobilizadora da psique (libido) não era só de cunho sexual,
como afirmava Freud, mas representava também a força que impulsiona o ser humano para sua
transcendência. Desse modo Jung promoveu o encontro da psicologia com a espiritualidade,
reconhecendo as forças ocultas que levam uma pessoa a buscar representações de Deus através dos
mitos, das religiões, das lendas e tradições. Ele foi um profundo estudioso da mitologia, de religiões
comparadas, das doutrinas secretas, das tradições orientais, e de tudo aquilo que poderia aproximá-
lo dos mistérios da alma humana.
Outro movimento importante desta época foi introduzido por Moreno, autor do psicodrama, da
terapia de grupo, do sociodrama, etc. Moreno introduziu a ação corporal no setting terapêutico;
segundo ele, a essência do psiquismo era transmitida pela linguagem corporal, pelo gesto, pelo
toque e não apenas por palavras. Ao longo do desenvolvimento de seu trabalho, Moreno foi
reconhecido como um humanista-existencialista, que valorizava também o aspecto divino inerente
ao ser humano. “...existe uma natureza religiosa no ser humano... e tirar ou desconsiderar esta
religiosidade natural do ser, é o mesmo que tirar-lhe a esperança e a possibilidade de cura...”
Pode-se dizer que tanto Jung, quanto Moreno foram os grandes precursores da Psicologia
Transpessoal. Jung trouxe o conceito de inconsciente coletivo e Self, demonstrando que nosso
psiquismo é muito mais abrangente do que pensávamos, e tem suas raízes no infinito. E Moreno
trouxe o método psicodramático, que é um recurso importante da psicoterapia interativa. Através
dele nós podemos acessar a parte saudável de nosso psiquismo e fazê-la interagir com a parte que
precisa de reforço,
Tanto Moreno quanto Maslow afirmaram que Freud, através da Psicanálise, desenvolvera o
melhor sistema de compreensão psicopatológica para sua época, porém, este sistema tinha suas
limitações. Diziam eles que Freud focou demasiadamente seus estudos na doença e miséria humana,
e que se fazia necessário á psicologia abrir-se para os aspectos saudáveis do ser, aqueles que
ampliam e dão sentido à vida.
Maslow afirmava que desenvolvemos doenças não só porque temos aspectos patológicos, mas,
principalmente porque reprimimos ou bloqueamos a livre expressão de outras dimensões do nosso
ser. A neurose seria a conseqüência de uma incapacidade de manifestar a criatividade para resolver
os conflitos e canalizar nossos atos para atingir a auto-realização. Afirmava ainda que sem o
transcendente, facilmente podemos desenvolver doenças e nos deixar dominar pelo vazio, sem
esperanças, sem saber como buscar o encontro com a unidade, objetivo primordial de nossa
existência.
experiências psíquicas ainda permaneciam de fora, sem um método e uma teoria que contemplasse
o ser humano na sua multidimensionalidade.
Foi então que, em meados do século passado, surge um movimento no seio da psicologia,
inicialmente denominada Psicologia Trans-humanista (Julian Huxley 1957), e posteriormente
denominada Psicologia Transpessoal (1968). Maslow anunciou o desenvolvimento do novo campo
dessa psicologia no prefácio à segunda edição de seu livro Psicologia do Ser: “Devo também dizer
que considero a Psicologia Humanista, ou terceira força em Psicologia apenas transitória, uma
preparação para uma quarta psicologia ainda “mais elevada”, transpessoal, trans-humana,
centrada mais no cosmos do que nas necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo,
da identidade, da individuação .Necessitamos de algo maior do que somos....”.
Estava dado o primeiro grande passo para o resgate de dimensões que não se enquadram nos
métodos científicos usuais, exigindo para seu estudo uma mudança de postura, de valores, de
metodologia. A espiritualidade voltava à cena, afinal. Sem misticismos, sem dogmas, sem o apelo à
religião, mas como um estado superior de consciência.
A diferença representada pela Psicologia Transpessoal é que sua meta não é a de adaptar o
sujeito ao mundo, desreprimir suas pulsões sexuais, promover sua auto-realização mundana nem
reforçar comportamentos socialmente aceitos. Sua meta básica é o desenvolvimento do ser para a
transcendência, para ir além dos seus limites, para expandir sua consciência em busca da unidade
do Ser.
É importante ressaltar que a Psicologia Transpessoal não invalida e nem descarta as diversas
visões e contribuições das outras correntes da psicologia. Pelo contrário, há um respeito por todas as
fases do conhecimento humano, representadas pelas teorias psicológicas que integram a cultura
onde a consciência se desenvolve. Sua maior contribuição é a formatação de um método
interdisciplinar, que permite integrar e desenvolver aspectos multidimensionais do ser humano.
Neurociências
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2. Meta-psicologia transpessoal
Esses princípios interdisciplinares nos mostram que, para se alcançar uma visão transpessoal, é
preciso alargar e integrar os paradigmas da ciência. Esta condição é necessária para compreender a
estrutura teórica e metafísica da Transpessoal. São cinco os elementos que formam a estrutura de
base de uma abordagem de Transpessoal. São eles:
O conceito de Unidade
O conceito de Vida
O conceito de Ego
O conceito de estados de consciência
O conceito de cartografia da consciência
Conceito de Unidade
Ao se perceber separado da Fonte, o „eu‟ sofre e sente medo. Para lidar com essa perda
originária, criamos mecanismos de compensação, um deles são os apegos e as dependências
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A fragmentação da consciência nos objetos ou pessoas aos quais nos apegamos produz um
mecanismo de defesa, chamado pela psicanálise de inconsciente, lugar onde guardamos nossos
desejos impossíveis, proibidos pela cultura, impedidos de vir à tona. Esse é o grande equívoco:
pensamos que são os desejos (proibidos) do inconsciente que nos ligam à Unidade perdida, ao
prazer absoluto, à realização total – esquecendo que há algo de outra ordem que também se oculta
na inconsciência, mas que está num nível superior, chamado Supraconsciência. Esse não é proibido,
porém é inacessível à maioria...
Osho, um grande místico indiano que viveu nos Estados Unidos, é taxativo ao afirmar que
“a humanidade „normal‟ está profundamente adormecida”. Ele se refere à profunda alienação e
robotização à qual a maioria se encontra imersa. Isto não é estar vivo. Para ele, estar vivo significa
“estar desperto”. E estar desperto significa estar consciente do Todo, da Unidade.
Ken Wilber afirma que esse conceito está no cerne de todas as tradições, através de diversas
nomenclaturas, como: Inteligência Suprema, Brahma, Deus, Ser Absoluto, Buda, Cristo, Nirvana,
Samadhi, êxtase místico, etc. Há algo de profundamente verdadeiro no ponto de confluência de
todas as tradições do mundo.
Conceito de Ego
Este é um conceito de extrema importância, porque é quase sempre muito mal compreendido
e mal interpretado. Para a Psicologia Transpessoal, o ego é um construto mental, ilusório e
imaginário, criado para suprir a dor da separação originária (seja a separação da mãe, seja de Deus).
É uma auto-imagem fictícia criada sobre a falta que pensamos ser.
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Joshua David Stone, profundo conhecedor da alma humana, reconhece no ego um sistema
psíquico que se identifica totalmente com o objeto externo, material, corporal. Freud identificou
essa construção imaginária nos primeiros anos de vida, quando a criança busca uma identificação de
si mesma no olhar da mãe. Seu nome, sua forma física, seus aspectos externos e internos são
construídos a partir das primeiras impressões que recebe desse olhar, sejam eles positivos ou
negativos. Devemos compreender que isso nos liga indelevelmente ao desejo do outro. Somos
aquilo que percebemos que agrada/desagrada ao olhar do outro.
Segundo Edinger (2004), nosso psiquismo é inaugurado pelas identificações que vão dar
origem ao ego, pois esta é a base da consciência, o centro subjetivo do senso de identidade do
indivíduo. Esse é o ponto de partida, pois representa também uma função de adaptação, uma forma
de nos ligarmos e fazermos parte de um ambiente. Mas, é preciso fazer uma ressalva: se olharmos
para o mundo externo apenas sob a perspectiva do ego, estaremos limitados a julgamentos baseados
em comparações, conceitos e crenças – e sobretudo ao desejo do outro, pois é assim que ele
funciona. Logo, a identificação com o ego nos limita e impede a visão do Ser que somos.
O ego cria uma certa exterioridade, a consciência do Ser cria interioridade. O ego é necessário
no início de nossa senda evolutiva, pois é através dele que operacionalizamos nossa vida cotidiana.
Ele nos permite adquirir uma auto imagem, reconhecer o outro, cria uma estrutura de defesa e de
convivência na sociedade, logo, ele é útil e nos protege. Mas, chega um momento em que ele pode
se tornar um tirano, dominar toda nossa estrutura psíquica e impedir a expansão da consciência.
Nesse momento é preciso aprender a relativizá-lo, porque ele existe para nos prestar um serviço e
não para ser servido.
Não há “morte do ego” tal como preconizam algumas teorias, o que há é sua transmutação. Ele
deixa de ser dominante para ser um servo da vontade e da mente. No estado de vigília o ego é um
bravo defensor de nosso corpo e nossa individualidade. Em níveis mais sutis ele é um entrave e um
obstáculo que deve ser ultrapassado.
Conceito de Vida
Isso nos leva a um conceito mais profundo, ao nível onde o ego se pergunta: o que é a vida?
Qual é o seu sentido? Para que viver? De um modo geral, todas as teorias psicológicas não se atém
à essa questão. Por focarem mais nas questões psíquicas e nas patologias, essa visão mais filosófica
fica de lado. No entanto, o conceito de Vida em Transpessoal é um dos pilares psicoterapêuticos
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mais importantes, porque é o que organiza a busca de respostas ou de um sentido para o viver com
saúde.
O conceito de Vida, para a Transpessoal, se inspira nas mais antigas tradições da humanidade.
Ao observar os ciclos da natureza, concluíam que a vida se renova periodicamente, e nesse sentido é
eterna. Todos os rituais de iniciação das grandes escolas de sabedoria afirmavam que vida é um
eterno ciclo de morte e renascimento, uma seqüência evolutiva onde nascer e morrer fazem parte de
um processo eterno que não tem princípio nem fim.
A morte, nesse contexto, é uma transição, uma passagem para outra dimensão ou outro ciclo.
Joshua David Stone (1994) afirma: “Quando acreditamos que somos corpos físicos, e não almas
que vivem em corpos físicos, concluímos que a morte é real. Mas a morte não é senão a
transformação de um estado de consciência em outro”.
Pierre Weil, baseando-se na física quântica, afirma: “A vida começa antes do nascimento e
continua depois da morte física. A vida individual é inteiramente integrada e forma um todo com a
vida cósmica. A evolução obtida durante a existência individual continua depois da morte física.”
Portanto, faz uma enorme diferença acreditar que nossa essência não morre, e que ela renasce
em outra experiência de vida. O conceito de Vida defendido pela Transpessoal é que nossa vida é
pautada por eternos ciclos de morte e renascimento, e que quando morremos para um estado,
nascemos para outro; morremos para uma forma, e nascemos para outra. A natureza nos demonstra
incessantemente este movimento através das estações do ano, do nascer do dia e da noite, das fases
da lua, dos ciclos da vegetação, etc.
Portanto, o que se opõe à vida não é a morte e sim, o renascimento. Morremos e renascemos
a todo instante, esse é o princípio com o qual a Transpessoal lida. Vivenciar um estado mais sutil
de consciência é morrer para um outro mais denso. Em cada renascimento não existe perda e sim,
ganho, porque se ampliarmos nossa visão veremos que é a partir do novo que evoluímos. Essa
compreensão é muito importante no processo psicoterapêutico.
Conseqüentemente, se nossa vida não se esgota na morte, o que sobrevive após a morte
física senão a Consciência? A idéia da reencarnação é coerente com o princípio de evolução que
rege a vida em seus desdobramentos. O que permanece na mudança é a Consciência, que se
manifesta nas consciências individualizadas que manifestamos durante a vida.
devem se ater às patologias apresentadas. Sem rejeitar essa visão geral que predomina na psicologia
e na psiquiatria, a Transpessoal defende uma postura que vai além desse quadro.
Isso leva à afirmação seguinte de que a consciência não é estática nem rígida, pelo contrário,
ela é flexível, mutável, e está em constante processo evolutivo. Isso é saúde psíquica. A patologia
surge quando ela se imobiliza, quando se fixa num padrão, numa forma, num estado. Pessoas dizem
“sou assim e não vou mudar!”... isso é uma recusa patológica de evoluir, de se transformar.
Doenças surgem da estagnação, não de mudanças.
Para a milenária ciência hinduísta do Tantra, todos os seres são criados a partir da
Consciência Absoluta (Brahma), mas se manifestam como Consciência Não Qualificada (Nirguna
Brahma). Recebem o potencial para se expressar, que se chama Prakrti (Princípio Operativo)
juntamente com o Princípio Cognitivo ou Consciência Individualizada – Purusa. A partir de
determinado ponto, que não é definido em termos de tempo e espaço, e sim sob uma perspectiva de
um processo evolutivo, Prakrti (princípio operativo) começa a influenciar Purusa (consciência
individualizada), começando então o caminho da grande jornada evolutiva, ao mesmo tempo que
travando uma “luta” acirrada entre as diversas forças ou qualidades inatas (Gunas).
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Esta visão antiga e metafórica ilustra, com outra terminologia, o mesmo caminho de evolução
da consciência que vimos delineando. É necessário, no estado de Prakrti, que haja equilíbrio entre
as Gunas; ou seja, quando o movimento entre elas se dá de forma desarmônica elas perdem o estado
de equilíbrio, e com isso Purusa é alterado. Para que a evolução da consciência aconteça é preciso
se entregar a um movimento incessante de ir além de nossas amarras, nossos medos, sair da
estagnação e buscar a Fonte, que é a Unidade de todas as coisas.
A importância dessa cartografia é tanto maior quanto foi a constatação de que, para a
psiquiatria, sempre foi consenso estabelecer como patológicos todos os estados diferenciados da
consciência. Quer dizer, pessoas que manifestavam sentimentos místicos, expressões paranormais
ou visões proféticas, eram tidas como doentes mentais e poderiam ser internadas em manicômios ou
tratadas com psicotrópicos. Não havia alternativa para essa concepção de estados diferenciados da
consciência.
Este conceito é o que mais diferencia a Psicologia Transpessoal das outras correntes da
psicologia. Enquanto que as demais teorias não operacionalizam essa capacidade natural de nossa
consciência, a Transpessoal faz dela o seu instrumento de trabalho.
Atualmente é reconhecido como normal que durante as 24 horas do dia passamos por vários
estados de consciência, sendo que na maior parte do tempo nem nos damos conta disto. Esse
desconhecimento nos leva a perguntar: afinal, o que é um “estado de consciência”?
Diversos autores contribuíram com suas respostas, mas podemos responder que trata-se de um
estado que representa uma alteração na percepção usual da realidade. Nossa percepção usual se
baseia nos cinco sentidos, na apreensão do tempo e do espaço e no funcionamento lógico de nossa
mente. Todos esses fatores funcionam conectados entre si, produzindo determinada percepção de
realidade que é chamada de estado de vigília. Quando mudam esses fatores, ocorre uma mudança
também na percepção.
Por causa dessa elasticidade da percepção, criou-se um postulado que define a atitude da
Psicologia Transpessoal em relação ao conceito de realidade: R = EC. Ou seja, a Realidade é uma
função do Estado de Consciência. Logo, não há como definir o que é realidade, e por extensão, o
que é normal, porque muda-se a percepção das coisas, muda-se o que se acredita ser „real‟. Um
sonho não é menos real do que a percepção de uma pizza; aliás, só de pensar numa pizza, o seu
sabor preenche nossos sentidos...
Essa atitude em relação ao conceito de realidade, se por um lado é endossada por estudos e
pesquisas das neurociências de que nosso cérebro não reconhece um estímulo que é criado por
nossa mente de outro, que é material e exterior ao corpo, por outro lado cria desafios imensos ao
processo psicoterapêutico. Pois, um dos maiores problemas com que teremos de lidar em nossa
prática psicoteapêutica é saber diferenciar um estado „psicótico‟, delirante e alucinatório, de um
estado diferenciado da consciência.
Antes de realizar qualquer vivência na qual o paciente poderá ter a experiência de uma
expansão da consciência, é necessário ter algum conhecimento de psicopatologia, de como
minimamente reconhecer um delírio ou uma alucinação quando ocorrem e saber diferenciá-los de
uma verdadeira experiência mística.
Por outro lado, o conhecimento da cartografia da consciência pode ser decisivo para
distinguir um estado patológico de uma experiência ontogenética, transindividual e até mesmo
filogenética. Dificilmente se resolve um trauma no mesmo estado de consciência em que foi criado.
Os traumas ocorrem e se fixam em estados de forte comoção, geralmente no nível psicodinâmico ou
pré-consciente. O trabalho psicoterapêutico transpessoal facilita sua ressignificação conduzindo o
paciente aos níveis superiores, para que neles possa reorganizar simbolicamente as experiências
traumáticas.
Existem centenas de exercícios e vivências que podem ser usados como recursos auxiliares
na psicoterapia de orientação transpessoal. Contudo, esses recursos não são exclusivos da
Psicologia Transpessoal e podem ser usados em qualquer outra abordagem que tenha por objetivo o
auto-desenvolvimento, o anti-estresse ou o autoconhecimento. Exemplo, a meditação, o
relaxamento, a respiração holotrópica, de renascimento, visualizações criativas etc.
O que caracteriza a aplicação desses recursos como exercícios e vivências transpessoais é a sua
aplicação dentro do campo teórico da Transpessoal, de acordo com sua visão de mundo e segundo
os princípios estruturais que foram apresentados.
É comum observar que alguns terapeutas enfatizam o fenômeno regressivo segundo uma visão
de causa e efeito, de forma simplista, minimizando a dimensão mais profunda do trabalho de
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regressão. Num enfoque transpessoal é irrelevante se prender às causas dos sintomas, mesmo que
ele seja acompanhado de uma história interessante, como ter sido queimado numa fogueira na Idade
Média. Se permanecemos apenas nos aspectos fenomenológicos da regressão, não há o processo de
elaboração de cunho transpessoal.
Da mesma forma acontece com os outros recursos vivenciais, como por exemplo, a respiração
holotrópica e do renascimento. Existem muitas técnicas que podem ajudar na vivência dos estados
modificados da consciência. Dentre esses podemos citar:
O objetivo dos recursos vivenciais é unicamente facilitar a expansão da consciência para níveis
superiores, porque somente assim podemos sair fora da dualidade da mente e facilitar o salto
quântico, a vivência da Unidade. Portanto, as vivências não são um fim em si mesmo, mas recursos
terapêuticos usados dentro de um referencial teórico.
ALVAREZ, Mani: Psicologia Transpessoal: a aliança entre espiritualidade e ciência, ed. All Print,
SP, 2006
CAPRA, Fritjof; O Tao da Física, um paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental,
Cultrix, São Paulo, 1983.
CAPRA, Fritjof; O Ponto de Mutação, a Ciência, a sociedade e a Cultura emergente, Cultrix, São
Paulo, 1982.
WALSH, Roger e VAUGHAN, Frances; Caminhos Além do Ego, ed. Cultrix, São Paulo,1993.
WEIL, Pierre e LELOUP, Jean Yves; Normose: patologia da normalidade, Campinas, Verus, 2003