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CURSO À DISTÂNCIA

FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA TRANSPESSOAL

3º Módulo:

O MOVIMENTO TRANSPESSOAL
NA PSICOLOGIA

Rua Nuporanga. 355 – Bairro Chácara da Barra – Campinas - SP


F: 19-3258-6184

Coordenadora acadêmica e Tutora: Profa. Mani Alvarez


contato@clasi.org.br
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O MOVIMENTO TRANSPESSOAL
NA PSICOLOGIA

« Ligar-se, sintonizar-se e libertar-se ! Chegou a hora de acionar a


chave interna para força máxima ! Ouçam, ou vocês vão passar o
resto de suas vidas como figurantes mal pagos em algum
documentário barato, preto-e-branco e amador, ou vão se tornar os
produtores de seus próprios filmes. Dirija-os, escreva-os, escolha os
atores e as locações para a maior distorção da realidade
já feita. Porque deixar por menos ? «

Timothy Leary

Proibida reprodução do texto sem referência à fonte.


Todas as nossas apostilas são protegidas por registro na Fundação do Livro.
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A ORIGEM DO MOVIMENTO TRANSPESSOAL


NOS ESTADOS UNIDOS

Mani Alvarez

Neste módulo vamos dar sequência ao estudo dos fundamentos teóricos da Psicologia
Transpessoal, repensando suas origens, como ela surgiu, se desenvolveu e se organizou nos Estados
Unidos, transformando-se num movimento interdisciplinar que cresceu e chegou até nós, no Brasil.
Vamos ver, primeiramente, um de seus precursores mais radicais e famosos.

a) O herege de Harvard

Timothy Leary é um dos precursores mais esquecidos na história


das origens da Transpessoal. Sua contribuição ainda é considerada
controversa, por causa de seus excessos relacionados ao uso de
drogas.
Em meados do século XX, uma onda de inconformismo e
insatisfação perpassava as mentes de muitos acadêmicos e
pesquisadores de várias instituições dos Estados Unidos e Europa.
Parecia que ocorrera um esgotamento das teorias científicas que,
nos últimos três séculos, haviam encerrado o ser humano numa
certa dessubjetivação e mecanização do conhecimento.
A tecnologia emergente expulsara da ciência o ser vivente,
cristalizando-se num saber sem sujeito nem desejo. A inexistência
de qualquer forma de estímulo a experiências de fundo espiritual
ou subjetivo, junto a natural curiosidade e ousadia da idade, levava
os jovens a experimentar drogas, na época a marijuana e o LSD.
A ciência oficial se pronunciava sobre as drogas de uma forma arrogante e superficial. Os
testes que faziam constatavam uma elevação do ritmo cardíaco, a irritação dos olhos, dificuldades
de memorização e ausência de rendimento psicomotor devido à intoxicação. Mas passavam por
cima da pergunta básica: porque os jovens faziam isto? Porque corriam o risco de ir parar na cadeia,
de prejudicar suas carreiras profissionais e sua vida pessoal? Apenas para ter esses efeitos colaterais
conforme indicavam os testes? Tudo isso fazia rir.
Alguns pesquisadores isolados, entretanto, já produziam experiências e descobertas que
iriam confrontar as bases do edifício científico. Por outro lado, afluíam aqui e ali estudiosos da
consciência, que percebiam o quanto a ciência se distanciara da vida, dos sentimentos, da
espiritualidade.
“Se liguem, se entreguem e caiam fora...” com essas palavras, Timothy Leary (1920-1996)
se dirigiu a milhares de jovens que celebravam a utopia pacifista, no Golden Gate Park, em São
Francisco, nos Estados Unidos. Era janeiro de 1967. Ele apenas disse isso -- em grande estilo! -- e
foi embora. Tinha sido convidado para fazer uma palestra, mas mudou de idéia ao ver a multidão. E
suas palavras transformaram-se numa espécie de mantra, que passou a ser repetido por milhões de
pessoas nos Estados Unidos entre as décadas de 60 e 70. Preso várias vezes, expulso de Harvard,
perseguido por seu estilo irreverente e provocador, Leary foi um dos mais audaciosos pesquisadores
dos efeitos da psilocibina e das drogas psicodélicas para se atingir estados modificados da
consciência.
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O “herege” de Harvard, como era chamado, acreditava ter encontrado a chave para a inteligência
superior, e sonhava com centros de treinamento da consciência nas Universidades, para que todos
pudessem ter acesso aos portais de percepção das múltiplas dimensões da realidade.
Porém, o sistema pensava diferente e o Pai da
Contracultura foi considerado um corruptor de jovens
por questionar tudo e todos – como Sócrates o fizera há
mais de dois mil anos. Em agosto de 1996, fez sua última
viagem nesta vida; sempre indo além, superando seus
próprios limites e forçando o olhar para fora dos moldes e
dos enquadres. Ele programou sua morte como havia
programado suas pesquisas, com audácia e ousadia.
Vitimado por um câncer, ele pediu que sua cabeça fosse
cortada após a sua morte, e colocada num recipiente
adequado para ser congelada e deixada para estudos do
cérebro no futuro.

Desde então, muitas coisas mudaram. Timothy Leary foi, contudo, o precursor das modernas
teorias sobre estados modificados da mente e da Consciência Transpessoal. “ Seu ego e suas
brincadeiras com os nomes desaparecerão. E você ficará cara a cara com a luz pura”...

Apesar de toda a sua irreverência, Timothy Leary é considerado um dos mais importantes
precursores da Transpessoal. Tornou-se diretor do Centro de Pesquisas da Personalidade, em
Harvard, a partir de 1960. Mas, sentia-se confuso em relação à sua profissão. Durante 10 anos ele e
sua equipe avaliaram os níveis de sucesso do tratamento com psicoterapia e decepcionaram-se com
os resultados obtidos: independentemente do método usado, apenas 30% melhoravam, 30%
permaneciam no mesmo estado e o restante desistia. Parecia que a psicoterapia era uma profissão
impossível.

b) O encontro de Leary com os cogumelos mágicos

Nesse estado de espírito, ele conseguiu uma bolsa de estudos e foi para Florença, na Itália.
Lá começou a trabalhar num livro que apresentava uma alternativa para a psicoterapia. Ele
propunha uma nova forma de tratamento (que chamou de „psicologia existencial‟) onde não fosse
imposto o modelo médico ao paciente, mas que ele fosse tratado a partir de sua existência cotidiana,
em situações reais de sua vida, uma espécie de trabalho de campo. Propunha também uma certa
abertura e receptividade do profissional durante o processo psicoterapêutico, de forma que este se
deixasse afetar e se transformar também. A esta modalidade de trabalho ele chamou de „psicologia
transacional‟, onde houvesse lugar para uma troca simbólica de lugares durante o tratamento.

Durante sua estadia em Florença, ele esteve com um velho colega de faculdade, Francis
Barron, que lhe falou sobre uma experiência que havia tido com uns tais “cogumelos mágicos” no
México, e do estranho sentimento de transcendência e mística que sentiu. Leary o advertiu para
tomar cuidado e a coisa ficou por aí.

Mas, nesse ínterim, Francis Barron foi contratado pela Universidade de Harvard para
implantar estratégias inovadoras no departamento de Psicologia. Durante 30 anos, Francis Barron
havia trabalhado no Instituto de Pesquisas da Personalidade, fundado e mantido pela OSS (Orgão
do Serviço Secreto), que deu origem posteriormente à CIA (Agencia Central de Inteligência), nos
Estados Unidos. E a partir da última guerra, a CIA começou a investir pesado nos efeitos de drogas
para uso bélico e de espionagem. Diversas Universidades famosas colaboraram com seus projetos e
foram beneficiadas com verbas milionárias para pesquisas com quaisquer ervas, raízes ou folhas
que tivessem princípios psicoativos.
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Esses fatos são importantes, porque demonstram o quanto esta política do governo foi
responsável pela criação de uma cultura de drogas nos anos 60. Ao inundar os centros de pesquisa
com vultosas verbas e doses de LSD, o próprio governo americano acabou incentivando o seu uso.
Inclusive, para intensificar suas pesquisas, eles criaram um programa chamado de Fundo para a
Ecologia Humana, onde investiram 25 milhões de dólares para estudar meios químicos de lavagem
cerebral. Tinham por objetivo estudar as modificações da consciência através de estímulos químicos
para finalidades bélicas, como espionagem, tortura, chantagem, etc. O LSD também estava sendo
usado em pesquisas químicas para a guerra, por psiquiatras que tentavam induzir estados psicóticos
em pacientes que serviam como cobaias, para uso em prisioneiros de guerra. Relatos sobre essas
experiências foram publicados depois, e eram estarrecedores (Flashbacks, „surfando no caos‟,
Timothy Leary, Ed. Beca).

Timothy Leary foi convidado a experimentar os cogumelos no México, no ano de 1960. Em


Cuernavaca, descobriu que havia um ritual sagrado para a ingestão dos cogumelos. Tudo isso era
mantido sob segredo pelos nativos. Diziam que quando ocorrera a colonização, a Igreja Católica
baniu essa prática religiosa da população mexicana com tanto vigor que até os botânicos foram
convencidos a omitir a existência dessa espécie vegetal em seus livros de ciência.

Apenas alguns cientistas, poetas e intelectuais independentes ainda mantinham o


conhecimento dos efeitos do cogumelo mágico e o usavam em suas experiências místicas. No dia
em que fez a sua primeira experiência, Timothy comeu 6 cogumelos e experimentou durante 4
horas todas as nuances da vida, outras realidades, outros tempos, explorou o universo cósmico e
filogenético. Ao fim de sua viagem, ele conta que havia compreendido o que místicos como São
João da Cruz, Aldous Huxley, William Blake, John Lennon e outros haviam dito sobre esses reinos
inexplorados da mente humana.

c) A era das drogas psicodélicas

Por esse época, o laboratório Sandoz começou a fabricar a psilocibina, uma droga sintética
extraída do cogumelo mexicano. Começou a circular livremente também nesse mesmo tempo o
LSD, a ayauasca e a mescalina. Havia uma política que aconselhava que o uso de drogas ficasse
restrito ao ambiente acadêmico para fins de pesquisa. Havia um certo receio sobre as consequências
de uma abertura das drogas à população em geral.

Timothy Leary discordava disso e achava que a droga deveria ser socializada, porque
acreditava que ela era o elixir da sabedoria, e que todos deveriam se beneficiar da mudança da
mente que ela propiciava. Isso lhe custou muitos problemas com a polícia nos anos seguintes.

Por essa época fervilhavam congressos, pesquisas e estudos sobre o uso de drogas para
expansão da consciência. A contribuição de Timothy Leary sempre foi a de ressaltar a importância
do cenário e da ambientação para uma experiência boa. Muitos outros pesquisadores ressaltaram
seus efeitos terapêuticos, o aumento da criatividade, alguns chegavam a afirmar que a origem das
religiões e dos sistemas filosóficos se devia à experiência com as drogas alucinógenas, etc.

d) A importância do ambiente e da motivação

Mas, a preocupação de Timothy com o ambiente e a motivação pessoal do usuário eram


pertinentes. Também Baudelaire, 100 anos antes, já havia ressaltado a necessidade de cuidados
especiais.
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“... sem essas precauções, o êxtase pode tornar-se um pesadelo. Prazer se transforma
em sofrimento, alegria em dor. Uma angustia terrível toma conta da pessoa a partir
de seu coração e irrompe com peso gigantesco. Outras vezes, a vítima sente um frio
congelante que a faz parecer um pedaço de mármore até os quadris...”

Quando esses cuidados eram tomados, a experiência podia ser extremamente gratificante.
William James (1842-1920), fundador do Departamento de Psicologia de Harvard, disse: “comigo,
e com todas as pessoas de quem ouvi falar, a parte mais importante da experiência é a de um
sentimento extremamente excitante de uma iluminação metafísica intensa.”

Em 1962, Tim havia feito pela primeira vez uso do ácido lisérgico, o LSD. Foi uma experiência
tão atordoante, tão plena de significados e consequências, que ele nunca mais a esqueceu. Era como
se novos circuitos do cérebro tivessem sido abertos. A experiência com LSD comprovava as novas
teorias científicas que vinham sendo descobertas, como a teoria holográfica do cérebro, do Prêmio
Nobel Karl Pribam, e da mecânica quàntica de Max Plank, de que somos todos parte da unidade
primordial.

A partir de então, Timothy começou a fazer uso mais


frequente do LSD. Em torno dele começaram a se reunir
pessoas, famílias, amigos, seus filhos, e uma nova
modalidade de agrupamento familiar começou a se
constituir. Era o início das famosas comunidades pacifistas
dos anos 60. Todos viviam em paz e harmonia, mas fora do
sistema. Dedicavam-se a trabalhos artesanais, comida
natural, uma precária economia auto-subsistente e uma vida
comunitária diferente dos padrões habituais.

Essas comunidades chocavam o status quo por sua liberdade sem restrições. Foram os
precursores dos hippies e dos beatniks. Pregavam a PAZ e o AMOR em tempos da guerra contra o
Vietnã e de extrema pressão econômica internacional. Embora fossem inofensivos, passaram a ser
perseguidos e hostilizados, e por isto foram viver no campo, longe das cidades.

e) As descobertas de Leary

Timothy Leary fez algumas descobertas importantes sobre os efeitos das drogas na mente
humana, que abriram caminho para a Transpessoal mais tarde. Ele compreendeu que se tratava de
um novo tipo de conhecimento não-teórico, adquirido via experiência, e que era praticamente
impossível transmitir isso para alguém que não tivesse feito a experiência. Resumindo sua teoria
acerca dos estados de consciência:

1. Ele descobriu um efeito que chamou de “efeito flashback”, ou seja, que uma vez acionados
os circuitos do cérebro que criavam as visões psicodélicas (psicodélico significa mente
liberada), era possível acioná-los novamente com alguns estímulos, mas sem o uso de
drogas.

2. O efeito positivo das drogas alucinógenas (ele distinguia os alucinógenos de outras drogas,
como as anfetaminas, o álcool e antidepressivos) dependia fortemente do ambiente e da
intenção do usuário. Ele relata que nunca presenciou uma viagem ruím, salvo quando as
circunstâncias externas provocaram o medo e o pânico. Por isso insistia num contexto de
segurança, de acompanhamento monitorado e de extrema tranquilidade ao redor.
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3. Timothy descobre que o papel do terapeuta é muito semelhante ao do xamã ou curandeiro,


que apenas se mantém próximo, atento e vigilante, durante a experiência com o chá. Ele
introduziu um novo tipo de profissional que não existia antes: a do orientador cerebral,
monitor treinado para a viagem às múltiplas dimensões da mente. Distante do papel do
cientista neutro e indiferente, o terapêuta-xamã permanece todo o tempo disponível, como
uma base de referência, um porto seguro para o navegante.

4. Ele descobriu também que existem fatores que facilitam ou dificultam a experiência. Por
exemplo, quanto mais velha a pessoa, quanto mais poderosa, ou rica, ou influente, mais são
os seus medos. Ou seja, quanto mais se tem a perder, menos vontade e disposição para a
entrega, para ir além das estruturas conhecidas da realidade. Ele catalogou esses fatores
como: raça, religião, classe social e status, e, por último, também o sexo. Ele descobriu que
as mulheres são muito mais ousadas e receptivas às mudanças de estados de consciência do
que os homens.

5. Ele descobriu também o fenômeno do “re-imprinting”, uma forma de aprendizado


permanente, assimilado de uma só vez, ao contrário do condicionamento gradual praticado
pelas correntes psicológicas behavioristas e por outros métodos. A droga parecia suspender
“imprintings” (impressões) anteriores, criando um estado de consciência crítico, caótico,
onde novas impressões podem ser feitas. Por isso, as sessões psicodélicas que conduziu, em
ambiente de calor humano e confiança mútua, resultavam sempre em mudanças de valores,
crenças e atitudes.

Esta descoberta do “re-imprinting” surgiu num trabalho que realizou com detentos da
penitenciária de Massachussets. Em 1961 ele havia sido convidado para fazer experimentos com os
presos, num programa de reabilitação de criminosos. O índice de reincidência no crime ali estava
por volta de 70%. Foram selecionados 6 presos, dentre esses, 2 assaltantes, 2 assassinos e 2
traficantes.

Ao iniciar a experiência, Timothy explicou aos prisioneiros do que se tratava; avisou que ia
tomar a droga junto com eles, e que o objetivo da experiência era saber se a droga iria afetar a vida
prática deles. Todos aceitaram e assim começou a experiência.

No começo, o próprioTimothy se sentiu muito mal. O ambiente ali na penitenciária não era
propício. Começou a sentir-se envolvido por um medo irracional de um dos detentos. A certa altura
perguntou se eles estavam bem e todos responderam que sim, menos o tal detento. Ele disse que
não, e devolveu a pergunta à queima roupa: e você? Sem poder esconder, Timothy respondeu que
estava se sentindo péssimo! Então o detento perguntou porque ele estava péssimo. Como nesse
estado não dá para mentir, ele respondeu cara a cara com o detento: porque você é um assassino e
eu estou com medo de você. Foi então que o detento começou a rir e disse que ele também estava
péssimo porque estava com um medão dele, do Timothy, porque achava que estava diante de um
cientista louco e não sabia o que ele ia fazer com a mente dele.

Depois dessa confissão, os dois caíram na gargalhada, e a partir daí entraram numa conexão
harmoniosa e tranquila. Os outros detentos viajavam livremente: cara... eu estou agora no céu e
estou olhando para esse planetinha de merda lá do alto... enquanto que um outro dizia: eu estou
ótimo! Tenho um milhão de anos de idade, e sinto que existe mais um milhão de coisas para eu
conhecer...

A partir de determinado tempo, após o início da pesquisa na penitenciária, os presos


começaram a desenvolver laços de amizade e empatia entre eles, o que ocasionou um novo e inédito
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tipo de relacionamento na prisão. Além disso, a percepção de outras realidades ajudou a fazê-los
reconhecer que haviam outras possibilidades de viver além daquela que conheciam, de crime e
deliquência. O resultado foi que a taxa de reincidência caiu de 70% para 10%. No final de 62, os
detentos começaram a receber liberdade condicional em massa por bom comportamento. Uma
média de 90% dos libertados permanecia fora dos muros da prisão.

Foi nesse exato momento que o diretor da prisão mandou encerrar a experiência. Ele havia
recebido uma polpuda verba para ampliação do presídio e queria construir uma super-prisão, com
capacidade para o dobro de pessoas presas. Os argumentos de Timothy sobre a queda de
reincindência dos presos não adiantaram nada diante da verba. O programa foi fechado. Mas, o mais
interessante foi que um grupo de ex-detentos libertos se organizou por conta própria, e com a ajuda
de alguns colegas do Timothy continuaram o programa de auto-ajuda por mais 15 anos – fora das
grades.

Por essa época, Timothy Leary fez uma outra descoberta


interessante. Depois de muitas experiências místicas, filosóficas, estéticas
e evolucionárias com as drogas, ele descobriu que elas eram também
poderosos afrodisíacos, se fossem usadas em condições adequadas.
Quando publicou isso, seus opositores se tornaram ainda mais furiosos.

Sua situação em Harvard estava se tornando insustentável. Os


professores conservadores o perseguiam, e ameaçavam os graduandos
que se envolviam com as pesquisas do Tim. Embora a Universidade
apoiasse suas pesquisas (note-se: por causa das verbas que recebia do
governo) ela também estava sendo pressionada pela imprensa, pelos pais
dos alunos e pelos docentes rivais, que viam seus departamentos se
esvaziarem de alunos e não se conformavam com a perda de verbas
vultosas por falta de alunos interessados nas pesquisas de Leary.

f) A política da droga

Foi a política da droga que forçou Timoth Leary a se demitir da Universidade de Harvard.
Sua intenção era criar centros de pesquisas pelos Estados Unidos, treinar condutores de sessões,
abrir a participação a médicos, juízes, advogados, artistas, escritores, religiosos e psicólogos. Nessa
época ele usava a mescalina, o LSD e a psilocibina. Os jornais noticiavam o fato com
sensacionalismo: professor de Harvard anuncia plano de criar uma cadeia nacional para centros
de drogas nos Estados Unidos! Surgiu até um termo: os neuronatas.

Era um programa audacioso e ameaçador, mas Tim não se intimidou: criou a Fundação
Internacional para a Liberdade Interior, no México, porque nenhum outro país permitiu sua
instalação. Em 1963, foi divulgada a notícia de que ele havia sido expulso de Harvard. Na verdade,
ele já havia se demitido antes por vontade própria. Foi uma tentativa de denegrí-lo ainda mais. Os
jornais falavam de “orgia de drogas” em Harvard, e isto prejudicou a instalação da Fundação
também no México.

Depois de muita perseguição, de ter sido preso várias vezes, e também por ter sido a droga
proibida no território americano, Tim parte para ativação do cérebro sem o uso de drogas. Ele
organizou em 1965 um grande espetáculo de sons, luzes e imagens através de instrumentos óticos,
frascos de gelatina colorida, cristais de diferentes tamanhos e fez tudo isso ser projetado na platéia,
provocando um jorro intermitente de luzes que simulavam o efeito das drogas no cérebro. A meta-
luz se multiplicava em telas e refletia-se na platéia, atingindo áreas cerebrais nunca antes ativadas e
levando o público ao delírio.
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A intenção era que, sendo despertados esses circuitos numa experiência que reunia educação
e entretenimento, os jovens pudessem se transformar criativamente, e pudessem ser afetados pelo
sonho de uma cultura de paz.

Mas, a política oficial da droga tinha outros planos e fez Timothy Leary passar por 40
cadeias diferentes em 4 continentes, num período de 15 anos. Apesar disso ele teve uma produção
fantástica, com mais de 6 livros, centenas de artigos para revistas especializadas sobre neurologia,
sociobiologia, neuropolítica, teoria Gaia, rejuvenescimento, neuroprogramação, etc. Em seu livro
Política do êxtase (não traduzido) ele fala sobre a questão política da droga, e em Flashback, o
único publicado em português, ele conta toda sua história e, como um pano de fundo, de sua luta
pela expansão da consciência transpessoal.

Morreu em 1996, e seu último pedido também não podia deixar de ser irreverente: pediu que
filmassem sua morte, cortassem sua cabeça e a congelassem, para guardar para a posteridade. Não o
sabemos, mas talvez ele quisesse deixar uma prova para o futuro do efeito das drogas sobre o
cérebro.

g) Qual foi a importância das experiências com drogas feitas pelo Timoth Leary?

Sua contribuição para o estudo da consciência foi decisivo. Até então não havia nada na
literatura científica, mapas, guias ou estudos que fornecesse referências sobre estados modificados
da consciência. Tudo era patologizado, e o que saísse do estado de vigília e do sono era considerado
psicose, alucinação, esquizofrenia.

Na década de 60, muitos dentre os consumidores vorazes de álcool, tabaco e cafeína


buscaram as drogas como recreação ou curiosidade, mas, uma vez ligados, começaram a buscar o
misticismo, o naturalismo, a meditação, a ioga. Pessoas que nunca tinham ouvido falar de Buda,
Nirvana, Samadi, tornaram-se místicas.

Dentre os pesquisadores de Harvard, por exemplo, o prof. assitente Richard Alpert, PhD,
tornou-se o famoso Baba Ram Dass, iniciando-se com mestres indianos. Ralph Metzner, PhD,
tornou-se uma das maiores autoridades em xamanismo dos Estados Unidos. Gunter Weill, PhD,
tornou-se um mestre tântrico; o poeta Allen Ginsberg tornou-se líder de uma associação budista no
Colorado. Estes foram só alguns mais próximos de Timothy Leary. Tudo isso fez com que diversas
pessoas afirmassem que a contracultura dos anos 60 abriu mais mentes e elevou mais consciências
a dimensões espirituais do que muitas organizações religiosas em todos os tempos.

Suas descobertas levaram alguns estudiosos a associar os efeitos da droga a uma


espécie de salto quântico do cérebro. É como se fosse Alice através do espelho. Einstein
diz que a realidade depende do ponto de observação (ou do estado de consciência);
Castanheda fala do “ponto de aglutinação”; Heisemberg afirma o seu “princípio da
incerteza” (não é possível determinar com precisão o ponto onde se encontra o núcleo
de um átomo, apenas uma probabilidade); Freud descobre a “realidade psíquica” (o real
é uma construção do psiquismo). Enfim, o cérebro começa a ser descrito como um super
computador operando segundo os princípios relativos da física quântica.

h) As viagens da consciência

A época em que Leary viveu era o boom da informática e da cibernética. Ele acreditava que
as drogas alimentavam e abriam os circuitos cerebrais da mente, que ele via como um software
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prodigioso e muito pouco utilizado. Para ele, as experiências psicodélicas tinham o efeito de
provocar re-imprintings, re-impressões de novos programas mentais.

Depois de Leary, mais de 40 anos se passaram. A geração de veteranos se aquietou,


amadureceu e, à força das proibições às drogas, buscou meios não-químicos de modificação de
percepção da realidade. E descobriu que é a consciência, e não o cérebro, o verdadeiro software que
reordena a experiência do real. Descobriu que a consciência é imaterial, não determinada pelo
tempo e espaço, e que é independente da vida orgânica, apesar de susceptível a ela. Tal qual uma
Alice no País das Maravilhas, a consciência transpessoal começa a fluir por múltiplas realidades
virtuais. E, ao contrário do que muitos podem pensar, as viagens por outras dimensões da
consciência não induzem à violência nem à loucura, desde que obedecidos certos critérios; mas
podem, sim, levar ao encontro com o Absoluto, com a Unidade, revigorando os princípios éticos e
morais.

As mais recentes pesquisas se dão conta de que não podemos mais pensar a consciência
como compreensibilidade, racionalidade. Depois de Timothy Leary, a consciência é uma vertigem
multidimensional de percepções daquilo que chamaríamos de Vida em movimento. Nada está
estanque, nada está definido, mas tudo é um fluxo que nem a intencionalidade pode demarcar,
controlar ou conduzir. Isto que vivemos nesse momento da história humana dá bem a medida do
imenso reservatório de poder que a consciência pode imprimir à forma e à matéria.

As experiências provocadas por esse fluxo da consciência em movimento e expansão


redefinem aquilo que convencionamos chamar de „realidade‟: se o que é „real‟ é um fluxo,
„realidade‟ é nada mais do que um momento que estancou no perpétuo fluir da consciência, em sua
captação da Vida. Nós transitamos entre o fluxo do „real‟ e a realidade estanque todo o tempo.

“Era uma vez um castelo no qual havia um cálice de ouro contendo o dom da eterna sabedoria,
aguardando o primeiro que fosse suficientemente corajoso e sábio para conseguí-lo. Durante
séculos, os cavaleiros mais corajosos e os príncipes mais inteligentes vieram de todas as partes, das
mais longínquas partes do mundo, para tentar conseguir o grandioso prêmio. Mas nenhum obteve
êxito. A única maneira de se aproximar do castelo era através de uma lagoa pantanosa com quase
dois quilômetros de pedras pontiagudas. O castelo, com suas magníficas torres, brilhava e irradiava
uma forte luz para que todos pudessem vê-lo.
Encontrar o castelo não era problema algum. No entanto, assim que se pisava numa pedra, ela
afundava imediatamente na lama. Todos os candidatos se afogavam.
Um dia, chegaram à beira da lagoa uma princesa acompanhada de seu príncipe. Eles tinham ouvido
falar do trágico fim de todos os outros que haviam tentado, mas mesmo assim, desejavam tanto
chegar ao castelo que concordaram em atravessar a lagoa juntos. Então, começaram a correr,
saltando de pedra em pedra com tamanha velocidade, que antes de afundarem já estavam com o pé
em outra pedra. E assim foram correndo e pulando até alcançarem o castelo da iluminação”.
Ao terminar de contar a história, eu perguntei ao Sri Krishna Prem:
__ O que está querendo dizer é que devemos nos manter em movimento? Viver saltando de um
ponto a outro, sem parar?
O Yogue respondeu:
__ Há 4 mil anos não havia o conceito de mudança. As pessoas nasciam e morriam no mesmo
lugar. Tudo era imóvel como as pedras no pântano. Não havia como alcançar o castelo da
iluminação, a não ser pela morte e por isso criaram o conceito de transmigração das almas. Mas
hoje, a sabedoria do nosso tempo é o movimento e a mudança. A evolução é a chave para a
iluminação. A consciência é uma ave que precisa das duas asas para voar: matéria e espírito, corpo
e alma, feminino e masculino.
Citado por Timothy Leary, em Flashbacks
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A ORIGEM DO MOVIMENTO TRANSPESSOAL NA PSICOLOGIA

a) O surgimento de uma nova ciência

Como vimos, o irreverente professor de Harvard, Timoth Leary, provocou na década de 60


um grande alvoroço com suas pesquisas com o LSD. Paralelamente a tudo isso, outras instituições
de pesquisas se dedicavam ao estudo científico sobre as ondas alfa no cérebro, através de medições
eletromagnéticas de iogues em estado meditativo.

Mas não só em psicologia se faziam descobertas. Em outras áreas, antropólogos realizavam


trabalhos de campo em culturas aborígenes e aprendiam sobre os transes xamânicos, rituais de
passagem e cerimônias de cura, que demonstravam também a existência de outros estados de
consciência; tanatólogos (estudo da morte) acompanhavam pacientes terminais durante a sua
passagem desta vida, explorando os umbrais da morte; parapsicólogos pesquisavam percepções
extra-sensoriais e fenômenos de telepatia, clarividência e premonição. Lado a lado, os físicos
descobriam um outro universo composto por energia e desvendavam a fantástica realidade do
infinitamente pequeno, os quanta da matéria.

Tudo isso questionava a visão de mundo tradicional e exigia uma revisão de antigos valores
e conceitos da comunidade científica. Sobretudo no Esalem Institute (Califórnia), reuniam-se
professores de várias disciplinas debatendo suas descobertas, discutindo as inadequações do modelo
cartesiano e a necessidade de se criar um nome que pudesse significar o novo paradigma de
consciência que estava emergindo então. Debatiam, principalmente, sobre aquilo que chamavam de
as meta-necessidades do ser humano, ou seja, o anseio pela espiritualidade e os valores humanos
nas relações sociais.

Segundo esta teoria, a negação de nossa dimensão espiritual impede a manifestação dos
valores positivos necessários e produz pessoas de mentes restritas, reprimidas e inseguras quanto às
suas possibilidades. Essa dimensão superior não está na consciência de vigília, mas sim, no
inconsciente. Resgatar a dimensão superior do inconsciente e promover sua expressão deveria ser,
segundo Maslow, uma das tarefas essenciais da psicologia nas suas distintas áreas de atuação
(Maslow 1968).

Maslow acreditava que todas as barreiras da comunicação, mesmo em grande escala, tinham
sido geradas por falta de comunicação dentro do próprio indivíduo. Quando não propiciamos uma
interlocução entre os aspectos mais sombrios e os mais elevados do inconsciente, criam-se inúmeras
barreiras para o desenvolvimento saudável, que se propagam de forma intensa e se manifestam no
coletivo, provocando confrontos e conflitos em uma escala bem mais acentuada (Maslow: 1990).

Esse processo na estrutura social é identificado por Maslow como “normopatia”. Negar a
própria essência passa a ser uma norma vingente e se transforma numa patologia. Perde-se o sentido
do “sagrado” na vida cotidiana, tanto a nível pessoal quanto social. O “sagrado” refere-se àquilo
que está no mundo, mas não é do mundo. É sagrada, portanto, a dimensão superior que está na
pessoa, mas não se restringe a identidade exclusivamente pessoal. Vai “além” e “através” dela, em
todas as suas relações. É a dimensão Transpessoal.

Para refletir: você tem consciênca dos momentos em que se sente numa dimensão superior
da existência? Você percebe essa dimensão do ‘sagrado’ em alguns momentos de sua vida?
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O termo “transpessoal” foi, na verdade, referendado pela primeira vez na área da psicologia
por Carl Gustav Jung, utilizando a palavra überperson, em 1916 e uberpersönlich, em 1917, que
significam respectivamente supra-pessoa e supra-pessoal.(Simões:1997).

Estávamos na efervescência dos anos 60. A revista de Psicologia Humanística vinha


publicando artigos em que se colocavam as questões afetivas e espirituais, justamente aquelas que
não encontravam espaço em nenhuma das outras correntes da psicologia. Em pouco tempo, esse
protesto transformou-se numa força atuante e expressiva, interessada na expansão da orientação
humanística na Psicologia e também na ciência, com alguns cientistas mais arrojados.

No início desse movimento, o termo usado era Psicologia Trans-humanística, para designar
todas aquelas capacidades e potencialidades humanas geralmente desconsideradas ou
desqualificadas pelas abordagens clássicas, como criatividade, amorosidade, espiritualidade,
integratividade, transcendência, valores superiores, paranormalidade, etc. Buscava-se uma visão
científica de mundo que pudesse incorporar também as dimensões metafísicas da existência, uma
nova compreensão dos problemas psicossomáticos que demonstram a unidade entre corpo-mente-
espírito, novas estratégicas terapêuticas e novos insights sobre a realidade e a natureza humana.

Como uma nova abordagem em Psicologia, a Transpessoal foi anunciada no ano de 1968
pelo próprio Maslow, no prefácio da Segunda edição de seu livro “Toward a Psychology of Being”,
quando era presidente da American Psychological Association e presidente do Conselho do
Departamento de Psicologia de Brandeis University (gestão de 68/69).

“Devo dizer que considero a Psicologia Humanista ou Terceira Força de


Psicologia, apenas transitória, uma preparação para a Quarta Psicologia, ainda
mais elevada, transpessoal, transhumana, centrada mais no cosmo do que nas
necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, da
individuação e quejandos...”(Maslow: s.d., 12)

No ano seguinte Maslow fundou a Associação de Psicologia Transpessoal, com sede na


Califórnia, com Carl Rogers, Victor Frankl; Antony, Sutich; Charlote Buhler, Stanislav Grof e Jim
Fadiman. Fundou, também, o Journal of Transpersonal Psychology com Antony Sutich, que foi o
editor e primeiro diretor desde 1969 até a sua morte em 1976.

Na primeira edição do referido jornal, Antony Sutich, com uma ressalva do caráter
provisório e de uma evolução posterior do conceito, publicou uma longa definição:

“Psicologia Transpessoal ou Quarta força é o título dado à uma força que está
emergindo no campo da psicologia, por um grupo de psicólogos e profissionais,
homens e mulheres de outros campos que estão interessados naquelas capacidades
e potencialidades últimas, que não têm um lugar sistemático na teoria positivista e
behaviorista (“primeira força”) nem na psicanálise clássica (“segunda força”)
nem na psicologia humanista (“terceira força”).

Não há nenhuma conotação hierárquica ou valorativa no termo usado por Maslow, o que ele
quer expressar é o movimento evolutivo da consciência, que emerge de forma coletiva na história
da psicologia.
13

b) Como se originou o termo Transpessoal?

Uma área nova acabava de surgir, com características próprias e metodologia específica, na
qual a ênfase recaia sobre a experiência pessoal dos estados modificados da consciência, e não
sobre generalizações abstratas e teóricas sobre o ser, como era de praxe até então. Além disso, a
Transpessoal definiu-se logo como uma disciplina que questionava os pressupostos da investigação
científica, na medida em que forçava os limites do paradigma mecanicista newtoniano da ciência
para além da lógica formal aristotélica.

A apresentação pública desta Quarta Força foi feita por


Abraham Maslow, numa conferência realizada em São
Francisco, no ano de 1967.

Com isso, ele fazia uma distinção entre uma abordagem que
considerava as meta-necessidades humanas como uma força
importante para a saúde integral do ser e as correntes teóricas
que não consideravam essas questões, como o Behaviorismo
(Primeira Força), a Psicanálise (Segunda Força) e o
Humanismo (Terceira Força). Estava dado o primeiro passo
para o reconhecimento da verdadeira dimensão espiritual da
psique.

“A Psicologia Transpessoal é o nome dado a uma força que emerge no campo da


psicologia por iniciativa de um grupo de psicólogos e profissionais de outras
áreas, que se interessam por aquelas potencialidades últimas que não encontram
um lugar sistemático na teoria positivista comportamental (primeira força), nem na
teoria psicanalítica (segunda força), ou na psicologia humanística (terceira força).

Esta emergente Psicologia Transpessoal (quarta força) se ocupa especificamente


do estudo científico empírico e da implementação de pesquisas sérias no campo
das meta-necessidades do indivíduo, ou seja, de seus valores últimos.”

Psicologías Transpersonales, Charles Tart, ed. Paidós Orientalia, pág. 11

c) A Psicologia Transpessoal se torna uma abordagem transdisciplinar

Mais recentemente veio a Psicologia Transpessoal representar uma abordagem


transdisciplinar, ou seja, vai além das disciplinas, embora possa ser aplicada em cada uma delas,
constituindo-se como uma metodologia de expansão da consciência, dotada de uma
fundamentação teórica e de recursos que podem ser aplicados em diversas áreas, como educação,
antropologia, sociologia, psiquiatria, política, economia, organizacões, artes, etc.

Junto a um método, esse novo campo inaugurava também uma postura transdisciplinar,
caracterizada por uma ética e valores transpessoais, sementes de uma nova consciência.
14

IMPORTANTE:

A Transdisciplinaridade é um conceito relativamente recente nos meios acadêmicos e ainda pouco


compreendido. Apesar disso, sua importância tem sido reconhecida cada vez mais, pela necessidade de ir
além das especializações, e estender a visão da unidade e da inter-relação do conhecimento a toda a ciência.

Surgiu da dificuldade de se estabelecer uma comunicação entre os vários ramos do saber, ou seja, as
especializações, e com isso, da impossibilidade de uma síntese. Contrariamente, na antiguidade o
conhecimento era totalmente transdisciplinar, ou seja, o saber era unificado e integrado, favorecendo o
exercício da síntese nas primeiras Universidades européias. A filosofia exercia essa missão integrativa entre
os saberes. Havia a preocupação de se observar as inter-relações na natureza, entre os seres e as coisas do
universo, suas leis e conexões.

Ao contrário do que acontece hoje, não havia especializações, e a filosofia abrangia em si todo o
conhecimento da natureza, da física, da matemática, da psicologia, da estética, da ética, das leis, da
metafísica, da astrologia, etc. Não existia a profissão de “especialista” e os estudiosos precisavam saber de
tudo um pouco.

Isso permitia o desenvolvimento de uma capacidade que perdemos, ou seja, a visão universalista, generalista,
abrangente, capaz perceber o todo e estabelecer conexões e sínteses.

No entanto, é muito significativo que a Transpessoal tenha sido gestada no seio da


psicologia, pois isso demonstra uma busca pelas origens da psique e uma retomada do estudo da
consciência sob uma ótica não materialista nem mecanicista, mas também não só religiosa ou
mágica.

A psicologia, enquanto conhecimento sobre o funcionamento do psiquismo, fazia parte, na


antiguidade, das tradições religiosas e místicas, sendo muito desenvolvida e complexa
principalmente na Índia. Depois passou para o domínio da mitologia e da filosofia, até que, com o
advento do método científico no século passado, constituiu-se de forma independente e autônoma,
estabelecendo sua metodologia a partir dos princípios mecanicistas da ciência cartesiana. São eles:
a lógica formal, a objetividade, a funcionalidade, a eficácia, clareza do pensamento e espírito
matemático, medição e quantificação, etc. Isto impôs à jovem psicologia uma renúncia justamente
àquilo que é mais característico do seu objeto de estudo: a psique, ou a alma. Pois esta não se deixa
medir, nem objetivar ou quantificar.

Em seus desdobramentos, a psicologia criou campos e abordagens distintas, com


metodologias específicas, todas muito comprometidas com o reconhecimento da comunidade
científica. No final do século passado, surgiu o Behaviorismo (Watson, Wundt, Skinner, Pavlov),
com suas tentativas de enquadrar a consciência no contexto das leis biológicas e comportamentais.
Logo depois veio a descoberta dos recalques inconscientes e surgiu a Psicanálise (Freud),
demonstrando a existência de camadas mais profundas da mente, onde se situariam os conflitos
reprimidos gerados na primeira infância e causadores das neuroses. Mas, enquanto teoria, a
psicanálise rendeu-se aos princípios mecanicistas e newtonianos que vigoram na medicina e na
ciência, e Freud foi levado a aplicar ao inconsciente as mesmas leis que vigoram na realidade
manifesta, para torná-lo compreensível. Mesmo assim, representou um passo importantíssimo para
a pesquisa e a compreensão das múltiplas dimensões do psiquismo.
15

Em meados do século passado, a preocupação com os aspectos especificamente humanos do


comportamento deu origem à psicologia humanística (Maslow, Rogers, Huxley), influenciada pelo
existencialismo filosófico e pela fenomenologia. Mesmo sob esse enfoque humanístico, uma imensa
gama da experiência do ser humano ficava de fora, sem uma teoria e um método que a acolhesse de
forma sistemática.

d) Como se deu a implantação desse novo campo epistemológico?

A descoberta desse imensurável campo do inconsciente pela psicanálise, e da subjetividade


pela psicologia humanística, abriu um leque de investigações sobre a mente e suas manifestações
psicossomáticas. Depois da fundação do ITA (International Transpersonal Association) em 1978,
por ocasião do IV Congresso Internacional de Transpessoal que foi sediado em Belo Horizonte, no
Brasil, contando com a presença de nomes já comprometidos com a nova abordagem, como o
francês radicado no Brasil Pierre Weil, a Transpessoal começou a se tornar mais conhecida nas
Américas e na Europa. Stanislav Grof e os fundadores do Instituto Esalen, Michael Murphy e
Richard Price, organizaram diversos Congressos em vários países, como o já citado em Belo
Horizonte (Brasil), em seguida em Boston (USA), em 1979, seguido por outro em Melbourne, na
Austrália, em 1980, o de 1982 em Bombaim (Índia), o de 1983 em Davos (Suíça) e o de 1985 em
Kioto (Japão), só para citar os primeiros.

A partir daí, tornou-se evidente que a orientação e a perspectiva transpessoais transcendiam


de longe os estreitos limites do cientificismo que dominava o campo da psiquiatria, da psicologia e
da psicanálise.Além disso, o interesse despertado envolvia um vasto número de disciplinas
interconectadas entre si.

Como vimos, a década de 60 foi uma época de grande abertura intelectual e cultural em todo o
mundo. Enquanto abundavam pesquisas e descobertas que revolucionavam os conceitos tradicionais
e culturais do ocidente, do oriente chegavam novos e inusitados conhecimentos sobre acupuntura,
medicina ayurvédica, ioga e meditação transcendental. Tudo isso desafiava o velho paradigma
mecanicista da ciência cartesiana.

As conseqüências dessa abertura do empirismo ocidental à sabedoria de outros povos do


mundo permitiu uma enriquecedora integração, que até hoje continua produzindo frutos entre nós.
A Transpessoal é o retrato de uma inevitável e radical revisão dos conceitos clássicos sobre a
natureza humana e a natureza da realidade. Talvez tenha sido o psicólogo suíço Carl Gustav Jung
quem primeiramente ousou pensar em termos transpessoais, ao formular sua teoria do inconsciente
coletivo e arquetípico – para além do ego e do individualismo da pessoa.
16

e) Quem são os mais conhecidos representantes da Transpessoal no mundo?

Dentre os pioneiros que ousaram expor suas idéias, devem ser lembrados Victor Frankl,
Abraham Maslow, Stanislav e Christina Grof, James Fadiman e especialmente Anthony Sutich, que
teve um papel decisivo na definição desse novo campo. Todos eles comungavam as mesmas fontes
inspiradoras das quais, tempos depois, iriam dar manifestação outros estudiosos, como: Fritjof
Capra (físico), Michael Harner (antropólogo), Joseph Campbel (mitólogo), Ken Wilber (filósofo),
Rupert Sheldrake (biólogo e filósofo), Basarab Nicolescu (físico), Roger Woolger (psicanalista),
Pierre Weil (psicólogo) e muitos outros ainda.

Por causa dessa potencialidade para produzir transformações profundas em tempo record,
inúmeros hospitais nos Estados Unidos hoje aplicam técnicas transpessoais como tratamento
complementar para doentes com comprometimentos graves. Também no Brasil começam a surgir
trabalhos em empresas, escolas e hospitais, inspirados em sua metodologia.

A Transpessoal vem se organizando em associações por todo o mundo.


Só a Associação Européia de Transpessoal (EUROTAS) congrega 14
instituições dedicadas ao estudo e pesquisa da consciência, espalhadas
pelo continente europeu. No Brasil, o interesse por essa nova abordagem
começou a se ampliar a partir de 1978, por ocasião do IV Congresso
Internacional de Transpessoal, que foi realizado em Belo Horizonte.
Devemos ao prof. Pierre Weill (falecido em 2009) o mérito de introduzir
de forma sistemática a Transpessoal no país. Em Belo Horizonte,
implantou cursos regulares de Transpessoal na Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), sendo o grande divulgador dessa abordagem na
área acadêmica. Em 1995, presidiu a fundação da Associação Luso
Brasileira de Transpessoal (ALUBRAT), junto a Vera Saldanha, em
Campinas (SP) e Mário Simões, da Universidade de Lisboa.

Pierre Weil

f) A relação da psicologia Transpessoal com a física quântica

Cada vez mais ampliam-se e desenvolvem-se trabalhos onde se aplica o conhecimento da


Transpessoal em empresas, hospitais, escolas, instituições públicas. Nos últimos tempos, algumas
das descobertas das ciências exatas e biológicas muito têm contribuído para fundamentar alguns dos
fenômenos descritos pela Transpessoal. Por exemplo, é nos meandros complexos da física quântica
que se vê os maiores avanços em defesa de uma nova metodologia científica, capaz de proporcionar
fundamentação – ainda que por aproximação – às mais recentes pesquisas sobre a mente humana.

No estudo dos átomos, os cientistas descobrem que, no âmago da matéria, tudo que há é um
vazio, ou um “campo de possibilidades” (Heisenberg), que pode converter-se em partícula ou onda.
É praticamente impossível determinar a localização de uma partícula; e as ondas, por sua vez, se
irradiam em todas as direções. Portanto, onde fica o coração da matéria?

Descobriu-se que é a consciência (ou a intenção do pesquisador) o fator de definição desse


campo. Isso explica muitos fenômenos tidos como paranormais, por exemplo, a cura pela fé, o
poder da mente em atuar na matéria, fenômenos mentais que anulam as leis do tempo e do espaço,
etc. Por causa desse encontro entre ciência e espiritualidade, é no campo da física que encontramos
17

os mais ardorosos defensores das múltiplas dimensões do ser humano, sua capacidade de
transcendência e de espiritualidade.

Embora a Transpessoal seja um conhecimento que tem a idade da humanidade, ainda


existem restrições ao seu pleno desenvolvimento, por causa do medo de se perder a estabilidade de
certa visão de mundo, sair fora da „realidade‟. Mas, aos poucos, do seio da própria ciência, como
vimos, começa a emergir um novo olhar que vê aquilo que durante muitos séculos foi bloqueado,
impedido de se manifestar: a dimensão da espiritualidade na vida humana. Não aquela
espiritualidade religiosa e ligada aos dogmas de uma teologia, mas como uma força natural,
presente no psiquismo, que impele o ser humano para a transcendência.

A continuidade era um pressuposto aceito pela física mecanicista e também um modo de ver
as coisas baseadas na observação de que há uma continuidade em tudo que existe. No mundo
macrocósmico isso é aparentemente real. Mas, o que os físicos descobriram no universo
microcósmico, ou seja, dentro de uma partícula de matéria infinitamente pequena, é que não existe
continuidade no movimento dos elétrons.

Ao passar de uma órbita para outra, girando em torno do núcleo de um átomo, os elétrons
desaparecem e aparecem na órbita seguinte. Isso foi chamado de salto quântico. É como se alguém,
ao descer uma escada, desaparecesse entre os degraus e só se tornasse visível quando está pisando
nos degraus. No „entre‟ não há nada...

O que isso significa exatamente? Segundo os físicos, os elétrons são ondas de


possibilidades, eles podem estar em várias órbitas ao mesmo tempo; mas no momento em que o
observamos, ele se fixa numa determinada órbita e aparece como uma partícula. Portanto, dentro do
átomo existe algo que é ao mesmo tempo onda e partícula, luz e matéria.

Quando o elétron se fixa numa posição, ao ser observado, esse fenômeno foi
chamado de colapso. Isto que chamamos realidade é o colapso de determinado
modo de perceber o real. Portanto, há algo que influencia a nossa percepção e cria a
“realidade”, materializando-a, e esse algo é a consciência. Esta é a ligação entre a
psicologia e a física.
18

Um dos Upanixades, livro de sabedoria Vedanta, diz:“Ele está dentro de tudo isso; ele está
fora de tudo isso.” Ou seja: o mundo não é independente nem exterior a nós. Ele está dentro de nós.
Em nossa consciência.

Tudo isto é um paradoxo para a ciência mecanicista, que afirma que a realidade existe
externamente, e pode ser observada como fora de nós. Se – como querem alguns cientistas – a
consciência é um epifenômeno do cérebro, isto é, uma conseqüência secundária do funcionamento
dos neurônios, como afirma a ciência mecanicista, como ela poderia interferir na matéria? Como o
nosso cérebro poderia produzir a consciência que produz o cérebro?

Por outro lado, isto colocou questionamentos insondáveis para os cientistas quânticos. Se a
consciência é Uma e transcendente, como podemos nos sentir tão pequenos, limitados, separados de
tudo que observamos? Como o Um se torna múltiplo?

O cientista Amit Goswani responde a esse enigma voltando os olhos para os livros antigos
das tradições religiosas, como o Vedanta, a Cabala e mesmo o Evangelho cristão, quando
encontramos frases como “Eu e o Pai somos Um”. E ele afirma que é preciso primeiramente
distinguir entre “consciência” e “percepção”. A consciência é a base do ser, é pura intuição; já a
percepção é o resultado da divisão entre sujeito-objeto, um ato cognitivo.

Podemos dizer que a consciência é o estado do ser em possibilidade, e como tal, é


inconsciente; a percepção ocorre quando o “eu-quântico” escolhe uma dentre as múltiplas
possibilidades do ser, e nesse momento ele „colapsa” uma onda que se transforma em percepção de
uma partícula.Surge a realidade. E também a divisão do ser em sujeito e objeto.

Isso ocorre o tempo todo conosco. Estamos colapsando ondas e transformando-as em fatos o
tempo inteiro. O problema é que na maioria das vezes não criamos propriamente uma nova
realidade, apenas repetimos velhas percepções que ficaram armazenadas em nossa memória. Por
isso repetimos velhos padrões de comportamento, fazemos as mesmas coisas que não queremos,
mantemos relacionamentos viciados e indesejáveis. Nós não estamos escolhendo a nossa realidade
conforme nossa consciência e sim, conforme nosso ego.

Para refletir: pare e pense em quantas vezes na sua vida você repetiu
padrões de comportamento que trouxeram sofrimento, doenças, conflitos,
vícios. Perceba como, nesses momentos, você não criou a sua realidade, e
sim, foi um joguete de forças e memórias armazenadas em seu inconsciente.
19

f) A divisão do Ser

Para entender melhor esse paradoxo da consciência Una e da percepção do ego, temos de
lançar mão do conceito dos dois Eus. Somos uma consciência universal, uma alma, a unidade, que
testemunha uma divisão interna em nossa manifestação material. Acreditamos ser um ego, uma
personalidade e enquanto tal nos sentimos separados dos demais e do todo. Ao mesmo tempo
pressentimos em nós um Eu superior que é estável, sereno, equilibrado.

Isto nos dá a ilusão da existência de dois Eus que se opõem entre si. Enquanto um é amargo
e desconfiado, o outro é alegre e criativo. Amit chama a esse último de “eu quântico” porque ele
corresponde simbolicamente a uma parte de nosso cérebro de onde provém nossas melhores idéias,
as mais criativas, iluminadas e sensíveis. O outro eu, em contrapartida, corresponde a racionalidade,
ao raciocínio lógico e prático, ao ego. É necessário um equilíbrio constante entre esses dois Eus,
para que uma pessoa amadureça e uma civilização se desenvolva. Sua teoria é a de que, ao
encarnar-se, a consciência necessitou dessa divisão interna para manifestar a realidade.

A questão mais insondável, continua sendo, contudo, a consciência. Capaz de abarcar a


Unidade, e ao mesmo tempo separar-se dela e dividir-se em um ego cognitivo, que apreende a
realidade como se fosse externa a si mesmo. Talvez seja impossível definir o que é a consciência.
Os místicos, em todas as tradições da humanidade, sempre se esquivaram de responder a essa
questão, embora fornecessem meios para investigá-la. É como a música; não é possível explicar o
que é a harmonia, mas podemos aprender como extrair sons harmônicos de um teclado.

A Física e Mística, ao longo de todos esses debates e paradoxos, acabaram convergindo


sobre o mesmo objeto e, mais ainda, concordando sobre sua natureza. A consciência quântica é a
mesma consciência mística que as tradições sempre testemunharam. A maior diferença entre ambas
parece ser a metodologia; enquanto os Físicos teóricos se preocupam em explicá-la, os Místicos
procuram vivenciá-la.

E nesse aspecto todos são unânimes em afirmar que, para a consciência não existe tempo, ou
seja, vivemos num infinito agora, um eterno momento presente. O que nos impede de sentir isso e
experienciar a consciência em estado de fluxo no presente são nossas pré-ocupações, memórias do
passado, projeções para o futuro. Ou seja, o tempo. O sentido de “presença” só pode ser vivido em
estado de absoluto vazio mental.

Somos viciados em pensar. Geralmente ocupamos nossa mente com tagarelice, lixo mental,
pensamentos repetitivos e inúteis. Pensamento e consciência não são sinônimos. Podemos estar
conscientes sem pensar. Os místicos sempre foram unânimes em afirmar que o estado de
iluminação é um estado não-verbal, silencioso, vazio de pensamentos. Os artistas e visionários
também concordam que o ato de criar se dá a partir de uma mente vazia e de serenidade interior.
Nossa grande tarefa não é aprender a pensar, mas a parar de pensar!

E como a consciência se liga ao tempo? Ela não se liga ao tempo, ela não tem tempo. A
consciência só existe no agora. Futuro e passado não tem existência real e só existem como
construções mentais. A experiência do agora pode ser comparada a um portal para a iluminação, ou
estado de consciência plena. Por isso todos os exercícios de meditação começam voltando-se a
atenção para a percepção do corpo e do momento presente, retirando-a dos pensamentos, dos
sentimentos, relaxando e buscando uma conexão com o ser mais profundo que existe em nós. O
momento presente é a conexão da dimensão horizontal da existência com a vertical da
transcendência.
20

Estar identificado com a mente é estar preso ao tempo. É a compulsão para vivermos quase
exclusivamente através da memória ou da antecipação. Isso cria uma preocupação infinita com o
passado e o futuro, e uma relutância em respeitar o momento presente e permitir que ele aconteça.
Temos essa compulsão porque o passado nos dá uma identidade e o futuro contém uma promessa de
salvação e de realização. Ambos são ilusões.

Por que o Agora é a coisa mais importante que existe? Primeiramente, porque é a única
coisa. É tudo o que existe. O eterno presente é o espaço dentro do qual se desenvolve toda a nossa
vida, o único fator que permanece constante. A vida é agora. Nunca houve uma época em que a
nossa vida não fosse agora, nem haverá. Em segundo lugar, o Agora é o único ponto que pode nos
conduzir para além das fronteiras limitadas da mente. É o nosso único ponto de acesso para a área
atemporal e amorfa do Ser.

Iluminação – o que é isso?

“ Por mais de trinta anos um mendigo ficou sentado no mesmo lugar, debaixo de uma marquise. Até
que um dia, uma conversa com um estranho mudou sua vida:
– Tem um trocadinho aí pra mim, moço? – murmurou, estendendo mecanicamente seu velho boné.
– Não, não tenho – disse o estranho. – O que tem nesse baú debaixo de você?
– Nada, isso aqui é só uma caixa velha. Já nem sei há quanto tempo sento em cima dela.
– Nunca olhou o que tem dentro? – perguntou o estranho.
– Não – respondeu. – Para quê? Não tem nada aqui, não!
– Dá uma olhada dentro – insistiu o estranho, antes de ir embora .
O mendigo resolveu abrir a caixa. Teve que fazer força para levantar a tampa e mal conseguiu
acreditar ao ver que o velho caixote estava cheio de ouro”.
Eu sou o estranho sem nada para dar, que está lhe dizendo para olhar para dentro. Não de uma
caixa, mas sim de você mesmo. Imagino que você esteja pensando indignado: "Mas eu não sou um
mendigo!"
Infelizmente, todos que ainda não encontraram a verdadeira riqueza – a radiante alegria do Ser e
uma paz inabalável – são mendigos , mesmo que possuam bens e riqueza material . Buscam, do
lado de fora, migalhas de prazer, a provação, segurança ou amor, embora tenham um tesouro
guardado dentro de si, que não só contém tudo isso, como é infinitamente maior do que qualquer
coisa oferecida pelo mundo.
A palavra iluminação transmite a idéia de uma conquista sobre-humana – e isso agrada ao ego –,
mas é simplesmente o estado natural de sentir-se em unidade com o Ser. É um estado de conexão
com algo imensurável e indestrutível. Pode parecer um paradoxo, mas esse "algo" é essencialmente
você e, ao mesmo tempo, é muito maior do que você. A iluminação consiste em encontrar a
verdadeira natureza por trás do nome e da forma. A incapacidade de sentir essa conexão dá origem
a uma ilusão de separação, tanto de você mesmo quanto do mundo ao redor. Quando você se
percebe, consciente ou inconscientemente, como um fragmento isolado, o medo e os conflitos
internos e externos tomam conta da sua vida.
Echart Tole, O Poder do Agora
21

A PSICOTERAPIA TRANSPESSOAL

1. Introdução :

Como seria uma abordagem psicoterapêutica de orientação transpessoal? Em que ela se


diferencia das outras? Como utilizar os seus recursos, tendo em vista a sua proposta de despertar e
promover a expansão da consciência?

Com essas questões nós vamos definir o campo teórico da Psicologia Transpessoal, sua
metodologia e seu modo de intervenção terapêutica. Mas antes de entrarmos propriamente na
diferença que ela representa, acho importante fazer um breve rastreamento das outras teorias
psicológicas para que possamos estabelecer um referencial e compreender melhor as expectativas
que a Transpessoal veio responder.

Ao se estabelecer como ciência, a Psicologia ocidental teve que adequar-se aos princípios
newtonianos e cartesianos, cujos fundamentos são a objetividade, a lógica, a racionalidade, o
empirismo. Naturalmente, isso fez com que se afastasse do que tinha de mais precioso em seu
objetivo, ou seja, o estudo da alma e da espiritualidade humana ( psyquê = alma).

No final do século XIX, a Psicologia despontava enquanto ciência, através do Behaviorismo


(Skinner, Pavlov, Watson, entre outros), a ciência do comportamento, cujo principal fundamento se
baseava na premissa de que todo ser humano é moldado pelo ambiente em que vive e se desenvolve
a partir de condicionamentos determinados por reforços positivos ou negativos provenientes do
contexto social e familiar. A subjetividade e a espiritualidade, como não são passíveis de
comprovação, foram minimizadas e desprezadas como do âmbito da religião. Watson, um dos
defensores dessa teoria, rejeitava tudo que não fosse passível de mensuração, negando portanto,
todo valor de introspecção e interioridade no ser humano.

Por causa do grande impacto que a ciência causava nessa época, este ramo da psicologia
ganhou adeptos, sobretudo nos países soviéticos, onde qualquer manifestação de subjetividade era
considerada um perigo ao sistema. No ocidente, ainda hoje o comportamentalismo é uma prática
aceita e defendida em Universidades, por causa de sua adaptação às normas da ciência.

Ainda no final do século XIX Freud surgia com seus questionamentos profundos em relação à
redução do ser humano apenas aos seus condicionamentos. Ele criou a Psicanálise e trouxe o
reconhecimento da existência de camadas mais profundas da mente, onde percebeu as forças dos
instintos, das pulsões e de conflitos recalcados. Essas forças seriam responsáveis por nossos
comportamentos, tendências, personalidade, neuroses, fobias, etc. Freud afirmava que o
comportamento manifesto, observável, era apenas a ponta de um iceberg, sendo que o conteúdo que
não se mostrava, ou seja, que estava submerso, corresponderia ao inconsciente, que determinava o
comportamento e as motivações mais profundas do ser humano. Ao descobrir esses determinantes
do universo psíquico, Freud descobriu também que as doenças mentais tinham raízes profundas no
inconsciente. Não bastava descobrir os condicionamentos, era preciso ir às suas causas. Por isso a
psicanálise passou a focalizar e priorizar a patologia em sua teoria dos estados clínicos.

Apesar de atribuir uma importância fundamental à subjetividade e ao desejo, Freud não incluiu
a dimensão da espiritualidade como um anseio natural e inerente ao ser humano. Pelo contrário, sua
tendência era explicar a busca pela transcendência como uma fantasia e como projeção de uma
busca inconsciente pela proteção paterna.
22

Freud teve vários seguidores e também dissidentes, dentre eles Carl Gustav Jung, que
reconheceu o espírito, ao qual chamou de Self. Jung descobriu que, além do inconsciente pessoal,
existia um inconsciente coletivo, povoado por arquétipos que representavam as experiências
ancestrais acumuladas ao longo do tempo, na história da humanidade. Esses arquétipos
inconscientes atuavam e influenciavam na manifestação da personalidade. Jung defendia também a
idéia de que a energia motivadora e mobilizadora da psique (libido) não era só de cunho sexual,
como afirmava Freud, mas representava também a força que impulsiona o ser humano para sua
transcendência. Desse modo Jung promoveu o encontro da psicologia com a espiritualidade,
reconhecendo as forças ocultas que levam uma pessoa a buscar representações de Deus através dos
mitos, das religiões, das lendas e tradições. Ele foi um profundo estudioso da mitologia, de religiões
comparadas, das doutrinas secretas, das tradições orientais, e de tudo aquilo que poderia aproximá-
lo dos mistérios da alma humana.

Outro movimento importante desta época foi introduzido por Moreno, autor do psicodrama, da
terapia de grupo, do sociodrama, etc. Moreno introduziu a ação corporal no setting terapêutico;
segundo ele, a essência do psiquismo era transmitida pela linguagem corporal, pelo gesto, pelo
toque e não apenas por palavras. Ao longo do desenvolvimento de seu trabalho, Moreno foi
reconhecido como um humanista-existencialista, que valorizava também o aspecto divino inerente
ao ser humano. “...existe uma natureza religiosa no ser humano... e tirar ou desconsiderar esta
religiosidade natural do ser, é o mesmo que tirar-lhe a esperança e a possibilidade de cura...”

Pode-se dizer que tanto Jung, quanto Moreno foram os grandes precursores da Psicologia
Transpessoal. Jung trouxe o conceito de inconsciente coletivo e Self, demonstrando que nosso
psiquismo é muito mais abrangente do que pensávamos, e tem suas raízes no infinito. E Moreno
trouxe o método psicodramático, que é um recurso importante da psicoterapia interativa. Através
dele nós podemos acessar a parte saudável de nosso psiquismo e fazê-la interagir com a parte que
precisa de reforço,

A corrente Humanista surgiu em meados do século passado na Europa e nos Estados


Unidos como uma forma de repúdio e rejeição ao Behaviorismo, considerado nos meios acadêmicos
como a única expressão válida da Psicologia. Abraham Maslow é reconhecido como o fundador
deste movimento, embora ele não tenha sido o único, e sim, o representante do trabalho de vários
autores engajados no pensamento existencial e fenomenológico do ser humano.

Tanto Moreno quanto Maslow afirmaram que Freud, através da Psicanálise, desenvolvera o
melhor sistema de compreensão psicopatológica para sua época, porém, este sistema tinha suas
limitações. Diziam eles que Freud focou demasiadamente seus estudos na doença e miséria humana,
e que se fazia necessário á psicologia abrir-se para os aspectos saudáveis do ser, aqueles que
ampliam e dão sentido à vida.

Maslow afirmava que desenvolvemos doenças não só porque temos aspectos patológicos, mas,
principalmente porque reprimimos ou bloqueamos a livre expressão de outras dimensões do nosso
ser. A neurose seria a conseqüência de uma incapacidade de manifestar a criatividade para resolver
os conflitos e canalizar nossos atos para atingir a auto-realização. Afirmava ainda que sem o
transcendente, facilmente podemos desenvolver doenças e nos deixar dominar pelo vazio, sem
esperanças, sem saber como buscar o encontro com a unidade, objetivo primordial de nossa
existência.

Mesmo com esta abertura no campo da pesquisa e da tentativa de compreensão do


comportamento e da subjetividade iniciados pelo behaviorismo, depois complementados pela
psicanálise e pelo existencialismo, o movimento humanista reconhece que uma imensa gama de
23

experiências psíquicas ainda permaneciam de fora, sem um método e uma teoria que contemplasse
o ser humano na sua multidimensionalidade.

Foi então que, em meados do século passado, surge um movimento no seio da psicologia,
inicialmente denominada Psicologia Trans-humanista (Julian Huxley 1957), e posteriormente
denominada Psicologia Transpessoal (1968). Maslow anunciou o desenvolvimento do novo campo
dessa psicologia no prefácio à segunda edição de seu livro Psicologia do Ser: “Devo também dizer
que considero a Psicologia Humanista, ou terceira força em Psicologia apenas transitória, uma
preparação para uma quarta psicologia ainda “mais elevada”, transpessoal, trans-humana,
centrada mais no cosmos do que nas necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo,
da identidade, da individuação .Necessitamos de algo maior do que somos....”.

Estava dado o primeiro grande passo para o resgate de dimensões que não se enquadram nos
métodos científicos usuais, exigindo para seu estudo uma mudança de postura, de valores, de
metodologia. A espiritualidade voltava à cena, afinal. Sem misticismos, sem dogmas, sem o apelo à
religião, mas como um estado superior de consciência.

A diferença representada pela Psicologia Transpessoal é que sua meta não é a de adaptar o
sujeito ao mundo, desreprimir suas pulsões sexuais, promover sua auto-realização mundana nem
reforçar comportamentos socialmente aceitos. Sua meta básica é o desenvolvimento do ser para a
transcendência, para ir além dos seus limites, para expandir sua consciência em busca da unidade
do Ser.

É importante ressaltar que a Psicologia Transpessoal não invalida e nem descarta as diversas
visões e contribuições das outras correntes da psicologia. Pelo contrário, há um respeito por todas as
fases do conhecimento humano, representadas pelas teorias psicológicas que integram a cultura
onde a consciência se desenvolve. Sua maior contribuição é a formatação de um método
interdisciplinar, que permite integrar e desenvolver aspectos multidimensionais do ser humano.

Abordagens relacionadas com a Transpessoal

Tradições de Sabedoria Mitologia Aplicada

Psicologia Analítica Física Quântica


(Jung)

Ecologia Profunda Tanatologia


(da mente)

Teoria Holotrópica Xamanismo

Neurociências
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As Tradições de Sabedoria (induísmo, budismo, cristianismo primitivo, judaísmo etc) são


teorias eternas, que demonstram que a humanidade sempre teve o conhecimento e utilizou das
múltiplas dimensões da consciência.

A Física Quântica e a Neurociência fornecem a sustentação científica necessária para esse


conhecimento. A Teoria Holotrópica e o Xamanismo demonstram que podemos acessar esses
estados através de recursos especiais.

A Ecologia Profunda e a Tanatologia são abordagens distintas, porém adequadas a uma


visão superior da vida e da morte. A Psicologia Analítica de Jung permite uma orientação
psicoterapêutica, enquanto que a Mitologia demonstra que a realidade pode ser relatada e
transmitida de diversos modos.

2. Meta-psicologia transpessoal

Esses princípios interdisciplinares nos mostram que, para se alcançar uma visão transpessoal, é
preciso alargar e integrar os paradigmas da ciência. Esta condição é necessária para compreender a
estrutura teórica e metafísica da Transpessoal. São cinco os elementos que formam a estrutura de
base de uma abordagem de Transpessoal. São eles:

 O conceito de Unidade
 O conceito de Vida
 O conceito de Ego
 O conceito de estados de consciência
 O conceito de cartografia da consciência

A estrutura teórica da Psicologia Transpessoal é formada por sua meta-psicologia, ou seja,


noções que a aproximam mais de uma filosofia do que de uma psicoterapia. Para melhor esclarecer
isso, vamos resumir os elementos de sua estrutura ou visão de mundo:

 Conceito de Unidade

Este conceito se refere à compreensão de que, sob a multiplicidade visível e fenomenológica do


mundo, há um Ser, uma Consciência, a Unidade Absoluta, a Totalidade. Todas as religiões e
tradições de sabedoria da humanidade reconhecem esse princípio de Unidade sob a multiplicidade e
a ele deram diversos nomes. Sob o nome de Deus, as religiões se formaram; sob o nome de Energia,
a ciência também reconheceu esse princípio de Unidade. O Holismo é a compreensão moderna de
que o Todo contém as partes e as partes contem o Todo.

O fenômeno da individualização significa que a consciência se separou do Todo e fez surgir


a percepção dicotomizada e polarizada das coisas. Isso foi chamado de Queda em diversas religiões,
mas foi compreendido também como a entrada da consciência no conhecimento das coisas. Ao se
constituir como „eu‟, a consciência criou o “outro‟, as coisas, a realidade externa. Essa „queda‟ se
deu em etapas, ou níveis, criando divisões no psiquismo. Podemos falar em três níveis, que são a
Inconsciência, a Consciência e a Supraconsciência, cada um deles com uma função diferenciada,
porém, integrada e evolutiva.

Ao se perceber separado da Fonte, o „eu‟ sofre e sente medo. Para lidar com essa perda
originária, criamos mecanismos de compensação, um deles são os apegos e as dependências
25

emocionais em nossos relacionamentos. O desejo se torna soberano, e constitui o „outro‟ (pessoas


ou coisas) como uma forma de recompor a Unidade perdida. Mas, como se trata de um processo
totalmente ilusório e inconsistente, permeado pelo o medo (da perda), surge a ansiedade, a tensão, e
uma série infindável de problemas e doenças psicosomáticas.

FONTE ------- eu e o outro--------medo --------apegos --------sofrimento---------doenças...

A fragmentação da consciência nos objetos ou pessoas aos quais nos apegamos produz um
mecanismo de defesa, chamado pela psicanálise de inconsciente, lugar onde guardamos nossos
desejos impossíveis, proibidos pela cultura, impedidos de vir à tona. Esse é o grande equívoco:
pensamos que são os desejos (proibidos) do inconsciente que nos ligam à Unidade perdida, ao
prazer absoluto, à realização total – esquecendo que há algo de outra ordem que também se oculta
na inconsciência, mas que está num nível superior, chamado Supraconsciência. Esse não é proibido,
porém é inacessível à maioria...

A ignorância e o desconhecimento de si mesmo produzidos pela separação do Todo geram


um estado de sonambulismo, presente na multidão, visível nos atos inconseqüentes da maioria das
pessoas.

Osho, um grande místico indiano que viveu nos Estados Unidos, é taxativo ao afirmar que
“a humanidade „normal‟ está profundamente adormecida”. Ele se refere à profunda alienação e
robotização à qual a maioria se encontra imersa. Isto não é estar vivo. Para ele, estar vivo significa
“estar desperto”. E estar desperto significa estar consciente do Todo, da Unidade.

Com sua costumeira ironia, ele diz:

“Você dorme a noite, você dorme de dia – do dia em que nasce


até o dia em que morre você continua mudando seus padrões de
sono, mas nunca está de fato acordado. Não banque o tolo
achando que está acordado só porque seus olhos estão abertos. A
menos que os olhos interiores se abram, a menos que seu interior
fique cheio de luz, a menos que você consiga ver a si mesmo,
quem você é -- não pense que está acordado!

O conceito da Unidade é o mais básico da Psicologia Transpessoal,


porque ele determina a orientação de uma psicoterapia orientada para a
percepção da Unidade. Há uma cura profunda quando se sente
visceralmente que eu sou Um com Deus e com o outro. Esse é o verdadeiro sentido do re-ligare que
as religiões em todos os tempos sempre buscaram.

Ken Wilber afirma que esse conceito está no cerne de todas as tradições, através de diversas
nomenclaturas, como: Inteligência Suprema, Brahma, Deus, Ser Absoluto, Buda, Cristo, Nirvana,
Samadhi, êxtase místico, etc. Há algo de profundamente verdadeiro no ponto de confluência de
todas as tradições do mundo.

 Conceito de Ego

Este é um conceito de extrema importância, porque é quase sempre muito mal compreendido
e mal interpretado. Para a Psicologia Transpessoal, o ego é um construto mental, ilusório e
imaginário, criado para suprir a dor da separação originária (seja a separação da mãe, seja de Deus).
É uma auto-imagem fictícia criada sobre a falta que pensamos ser.
26

Joshua David Stone, profundo conhecedor da alma humana, reconhece no ego um sistema
psíquico que se identifica totalmente com o objeto externo, material, corporal. Freud identificou
essa construção imaginária nos primeiros anos de vida, quando a criança busca uma identificação de
si mesma no olhar da mãe. Seu nome, sua forma física, seus aspectos externos e internos são
construídos a partir das primeiras impressões que recebe desse olhar, sejam eles positivos ou
negativos. Devemos compreender que isso nos liga indelevelmente ao desejo do outro. Somos
aquilo que percebemos que agrada/desagrada ao olhar do outro.

Segundo Edinger (2004), nosso psiquismo é inaugurado pelas identificações que vão dar
origem ao ego, pois esta é a base da consciência, o centro subjetivo do senso de identidade do
indivíduo. Esse é o ponto de partida, pois representa também uma função de adaptação, uma forma
de nos ligarmos e fazermos parte de um ambiente. Mas, é preciso fazer uma ressalva: se olharmos
para o mundo externo apenas sob a perspectiva do ego, estaremos limitados a julgamentos baseados
em comparações, conceitos e crenças – e sobretudo ao desejo do outro, pois é assim que ele
funciona. Logo, a identificação com o ego nos limita e impede a visão do Ser que somos.

O ego cria uma certa exterioridade, a consciência do Ser cria interioridade. O ego é necessário
no início de nossa senda evolutiva, pois é através dele que operacionalizamos nossa vida cotidiana.
Ele nos permite adquirir uma auto imagem, reconhecer o outro, cria uma estrutura de defesa e de
convivência na sociedade, logo, ele é útil e nos protege. Mas, chega um momento em que ele pode
se tornar um tirano, dominar toda nossa estrutura psíquica e impedir a expansão da consciência.
Nesse momento é preciso aprender a relativizá-lo, porque ele existe para nos prestar um serviço e
não para ser servido.

Para haver uma verdadeira


transformação, é preciso morrer para os
padrões antigos e conhecidos da mente
(ego) e deixar emergir o novo (o Ser). O
egocentrismo é o predomínio do ego.
Não há como experienciar outras
percepções da realidade nem outros
estados de consciência se não sairmos
de seu campo de influência. Um “ego
forte” significa maior rigidez mental e
maior predomínio dos padrões inconscientes; pode produzir estruturas de defesa, como fobias,
projeções, moralismos, obsessões. Um “ego fraco” significa pouca estrutura para lidar com o
mundo neste nível evolutivo em que nos encontramos; pode produzir uma estrutura histérica,
compulsões, neuroses. A falta de um ego bem formado pode levar à paranóia, que é a ausência
absoluta de referenciais para o „eu‟.

Não há “morte do ego” tal como preconizam algumas teorias, o que há é sua transmutação. Ele
deixa de ser dominante para ser um servo da vontade e da mente. No estado de vigília o ego é um
bravo defensor de nosso corpo e nossa individualidade. Em níveis mais sutis ele é um entrave e um
obstáculo que deve ser ultrapassado.

 Conceito de Vida

Isso nos leva a um conceito mais profundo, ao nível onde o ego se pergunta: o que é a vida?
Qual é o seu sentido? Para que viver? De um modo geral, todas as teorias psicológicas não se atém
à essa questão. Por focarem mais nas questões psíquicas e nas patologias, essa visão mais filosófica
fica de lado. No entanto, o conceito de Vida em Transpessoal é um dos pilares psicoterapêuticos
27

mais importantes, porque é o que organiza a busca de respostas ou de um sentido para o viver com
saúde.

O conceito de Vida, para a Transpessoal, se inspira nas mais antigas tradições da humanidade.
Ao observar os ciclos da natureza, concluíam que a vida se renova periodicamente, e nesse sentido é
eterna. Todos os rituais de iniciação das grandes escolas de sabedoria afirmavam que vida é um
eterno ciclo de morte e renascimento, uma seqüência evolutiva onde nascer e morrer fazem parte de
um processo eterno que não tem princípio nem fim.

A morte, nesse contexto, é uma transição, uma passagem para outra dimensão ou outro ciclo.
Joshua David Stone (1994) afirma: “Quando acreditamos que somos corpos físicos, e não almas
que vivem em corpos físicos, concluímos que a morte é real. Mas a morte não é senão a
transformação de um estado de consciência em outro”.

Pierre Weil, baseando-se na física quântica, afirma: “A vida começa antes do nascimento e
continua depois da morte física. A vida individual é inteiramente integrada e forma um todo com a
vida cósmica. A evolução obtida durante a existência individual continua depois da morte física.”

Portanto, faz uma enorme diferença acreditar que nossa essência não morre, e que ela renasce
em outra experiência de vida. O conceito de Vida defendido pela Transpessoal é que nossa vida é
pautada por eternos ciclos de morte e renascimento, e que quando morremos para um estado,
nascemos para outro; morremos para uma forma, e nascemos para outra. A natureza nos demonstra
incessantemente este movimento através das estações do ano, do nascer do dia e da noite, das fases
da lua, dos ciclos da vegetação, etc.

Portanto, o que se opõe à vida não é a morte e sim, o renascimento. Morremos e renascemos
a todo instante, esse é o princípio com o qual a Transpessoal lida. Vivenciar um estado mais sutil
de consciência é morrer para um outro mais denso. Em cada renascimento não existe perda e sim,
ganho, porque se ampliarmos nossa visão veremos que é a partir do novo que evoluímos. Essa
compreensão é muito importante no processo psicoterapêutico.

Conseqüentemente, se nossa vida não se esgota na morte, o que sobrevive após a morte
física senão a Consciência? A idéia da reencarnação é coerente com o princípio de evolução que
rege a vida em seus desdobramentos. O que permanece na mudança é a Consciência, que se
manifesta nas consciências individualizadas que manifestamos durante a vida.

 Conceito de Evolução da Consciência

E aqui chegamos ao ponto em que a Psicologia Transpessoal se diferencia das demais


correntes psicológicas: a noção de evolução da consciência. Tem-se como base que as psicoterapias
28

devem se ater às patologias apresentadas. Sem rejeitar essa visão geral que predomina na psicologia
e na psiquiatria, a Transpessoal defende uma postura que vai além desse quadro.

Essa postura é decorrente de toda sua meta-psicologia de Unidade, de Vida, de Ego e de


Consciência. Ao postular o conceito de uma Consciência Absoluta e sua manifestação em formas
individualizadas, naturalmente surge o pensamento de um processo evolutivo de retorno à Fonte
consciencial da qual tudo se originou.

O conceito de consciência é hoje naturalmente aceito como presente em todas as formas de


vida, inclusive do planeta. Cientistas contemporâneos, como Maturana, Sheldrake, Capra, Di Biasi,
entre muitos outros, aceitam que há inteligência no planeta, bem como em todas as formas vivas, da
ameba ao ser humano. Essa consciência se diferencia pelo nível de complexidade que desenvolve.

O padre francês Teilhard de Chardin descreveu, em sua magnífica obra, a evolução da


consciência desde os níveis mais elementares até suas formas mais complexas, que vão além do
humano, e às quais chamou de noogênese, a inteligência do „nous‟.

Logo, se a consciência individualizada que temos é entendida como um processo cognitivo


presente em todas as formas de manifestação da Consciência Absoluta, em maior ou menor nível de
evolução, então devemos concluir que existe um movimento crescente em direção a formas de vida
mais complexas e mais auto-conscientes.

Isso leva à afirmação seguinte de que a consciência não é estática nem rígida, pelo contrário,
ela é flexível, mutável, e está em constante processo evolutivo. Isso é saúde psíquica. A patologia
surge quando ela se imobiliza, quando se fixa num padrão, numa forma, num estado. Pessoas dizem
“sou assim e não vou mudar!”... isso é uma recusa patológica de evoluir, de se transformar.
Doenças surgem da estagnação, não de mudanças.

A psicologia Transpessoal afirma que o propósito da nossa existência é a auto-realização --


não aquela realização mundana, ideológica, egóica -- mas aquela que realiza plenamente o Ser
espiritual. Mas, para que isso aconteça é necessário que a consciência (individualizada) reencontre
novamente a Consciência, a Fonte, a sua Essência, pois só então ela se tornará livre dos apegos e
das amarras do ego.

Para a milenária ciência hinduísta do Tantra, todos os seres são criados a partir da
Consciência Absoluta (Brahma), mas se manifestam como Consciência Não Qualificada (Nirguna
Brahma). Recebem o potencial para se expressar, que se chama Prakrti (Princípio Operativo)
juntamente com o Princípio Cognitivo ou Consciência Individualizada – Purusa. A partir de
determinado ponto, que não é definido em termos de tempo e espaço, e sim sob uma perspectiva de
um processo evolutivo, Prakrti (princípio operativo) começa a influenciar Purusa (consciência
individualizada), começando então o caminho da grande jornada evolutiva, ao mesmo tempo que
travando uma “luta” acirrada entre as diversas forças ou qualidades inatas (Gunas).
29

Esta visão antiga e metafórica ilustra, com outra terminologia, o mesmo caminho de evolução
da consciência que vimos delineando. É necessário, no estado de Prakrti, que haja equilíbrio entre
as Gunas; ou seja, quando o movimento entre elas se dá de forma desarmônica elas perdem o estado
de equilíbrio, e com isso Purusa é alterado. Para que a evolução da consciência aconteça é preciso
se entregar a um movimento incessante de ir além de nossas amarras, nossos medos, sair da
estagnação e buscar a Fonte, que é a Unidade de todas as coisas.

 Conceito de Estados de Consciência

Consequentemente, se há um movimento ascendente da consciência, se a maturidade psíquica


se expressa mediante a evolução de um nível egóico e primitivo para a consciência do Todo, da
coletividade, do Bem maior, então surge a necessidade de se estabelecer uma cartografia, um
mapeamento desses „estados de consciência‟.

A importância dessa cartografia é tanto maior quanto foi a constatação de que, para a
psiquiatria, sempre foi consenso estabelecer como patológicos todos os estados diferenciados da
consciência. Quer dizer, pessoas que manifestavam sentimentos místicos, expressões paranormais
ou visões proféticas, eram tidas como doentes mentais e poderiam ser internadas em manicômios ou
tratadas com psicotrópicos. Não havia alternativa para essa concepção de estados diferenciados da
consciência.

Este conceito é o que mais diferencia a Psicologia Transpessoal das outras correntes da
psicologia. Enquanto que as demais teorias não operacionalizam essa capacidade natural de nossa
consciência, a Transpessoal faz dela o seu instrumento de trabalho.

Atualmente é reconhecido como normal que durante as 24 horas do dia passamos por vários
estados de consciência, sendo que na maior parte do tempo nem nos damos conta disto. Esse
desconhecimento nos leva a perguntar: afinal, o que é um “estado de consciência”?

Diversos autores contribuíram com suas respostas, mas podemos responder que trata-se de um
estado que representa uma alteração na percepção usual da realidade. Nossa percepção usual se
baseia nos cinco sentidos, na apreensão do tempo e do espaço e no funcionamento lógico de nossa
mente. Todos esses fatores funcionam conectados entre si, produzindo determinada percepção de
realidade que é chamada de estado de vigília. Quando mudam esses fatores, ocorre uma mudança
também na percepção.

Charles Tart, um dos pioneiros na tentativa de definição


desses estados, entende um estado de consciência como um
padrão generalizado de funcionamento psicológico. Ou seja,
a utilização habitual dos cinco órgãos dos sentidos estabelece
um padrão psíquico de percepção da realidade, onde o espaço
e o tempo recebem uma organização específica que
contribuem para a organização mental do raciocínio lógico.
Porém, se fecharmos nossos olhos, respirarmos
profundamente, relaxarmos nossos corpos, ouvirmos um
determinado som, todo um padrão de percepção pode se
modificar, alterando radicalmente nosso funcionamento
psíquico.
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Por causa dessa elasticidade da percepção, criou-se um postulado que define a atitude da
Psicologia Transpessoal em relação ao conceito de realidade: R = EC. Ou seja, a Realidade é uma
função do Estado de Consciência. Logo, não há como definir o que é realidade, e por extensão, o
que é normal, porque muda-se a percepção das coisas, muda-se o que se acredita ser „real‟. Um
sonho não é menos real do que a percepção de uma pizza; aliás, só de pensar numa pizza, o seu
sabor preenche nossos sentidos...

Essa atitude em relação ao conceito de realidade, se por um lado é endossada por estudos e
pesquisas das neurociências de que nosso cérebro não reconhece um estímulo que é criado por
nossa mente de outro, que é material e exterior ao corpo, por outro lado cria desafios imensos ao
processo psicoterapêutico. Pois, um dos maiores problemas com que teremos de lidar em nossa
prática psicoteapêutica é saber diferenciar um estado „psicótico‟, delirante e alucinatório, de um
estado diferenciado da consciência.

Ás vezes é extremamente difícil reconhecer, nas manifestações de estados de expansão, um


elemento psicótico delirante. No entanto, para o terapeuta, isso é da maior importância, porque o
desconhecimento disso pode levá-lo a provocar um surto psicótico num paciente, durante uma
vivência transpessoal.

Antes de realizar qualquer vivência na qual o paciente poderá ter a experiência de uma
expansão da consciência, é necessário ter algum conhecimento de psicopatologia, de como
minimamente reconhecer um delírio ou uma alucinação quando ocorrem e saber diferenciá-los de
uma verdadeira experiência mística.

Por outro lado, o conhecimento da cartografia da consciência pode ser decisivo para
distinguir um estado patológico de uma experiência ontogenética, transindividual e até mesmo
filogenética. Dificilmente se resolve um trauma no mesmo estado de consciência em que foi criado.
Os traumas ocorrem e se fixam em estados de forte comoção, geralmente no nível psicodinâmico ou
pré-consciente. O trabalho psicoterapêutico transpessoal facilita sua ressignificação conduzindo o
paciente aos níveis superiores, para que neles possa reorganizar simbolicamente as experiências
traumáticas.

3- Recursos Vivenciais da Psicologia Transpessoal

Existem centenas de exercícios e vivências que podem ser usados como recursos auxiliares
na psicoterapia de orientação transpessoal. Contudo, esses recursos não são exclusivos da
Psicologia Transpessoal e podem ser usados em qualquer outra abordagem que tenha por objetivo o
auto-desenvolvimento, o anti-estresse ou o autoconhecimento. Exemplo, a meditação, o
relaxamento, a respiração holotrópica, de renascimento, visualizações criativas etc.

O que caracteriza a aplicação desses recursos como exercícios e vivências transpessoais é a sua
aplicação dentro do campo teórico da Transpessoal, de acordo com sua visão de mundo e segundo
os princípios estruturais que foram apresentados.

Por exemplo, a técnica da regressão de memória, um valioso instrumento terapêutico para


acessar lembranças traumáticas, padrões e comportamentos fóbicos e repetitivos, só é um recurso
transpessoal quando existe uma elaboração e transformação dos conteúdos experienciados em
estados modificados de consciência.

É comum observar que alguns terapeutas enfatizam o fenômeno regressivo segundo uma visão
de causa e efeito, de forma simplista, minimizando a dimensão mais profunda do trabalho de
31

regressão. Num enfoque transpessoal é irrelevante se prender às causas dos sintomas, mesmo que
ele seja acompanhado de uma história interessante, como ter sido queimado numa fogueira na Idade
Média. Se permanecemos apenas nos aspectos fenomenológicos da regressão, não há o processo de
elaboração de cunho transpessoal.

Da mesma forma acontece com os outros recursos vivenciais, como por exemplo, a respiração
holotrópica e do renascimento. Existem muitas técnicas que podem ajudar na vivência dos estados
modificados da consciência. Dentre esses podemos citar:

- Treinamento Autógeno (Relaxamento)


- Biofeedback
- Música e Canto
- Hipnose e Auto-hipnose
- Meditação
- Yoga
- Danças
- Visualização Criativa
- Imaginação Ativa (Jung)
- Transe Xamânico, entre outros.

O objetivo dos recursos vivenciais é unicamente facilitar a expansão da consciência para níveis
superiores, porque somente assim podemos sair fora da dualidade da mente e facilitar o salto
quântico, a vivência da Unidade. Portanto, as vivências não são um fim em si mesmo, mas recursos
terapêuticos usados dentro de um referencial teórico.

Durante a vivência, para se identificar um estado modificado de consciência, sugerimos


observar alterações na respiração, movimento nos olhos, tônus muscular, dilatação da pupila, voz
(timbre, tom,volume), coloração da pele, etc.

O terapeuta transpessoal deve evitar interpretações parapsicológicas ou espíritas em sua atuação


profissional, independentemente de suas crenças pessoais. O uso intencional de entidades ou
fenômenos de ordem parapsicológica faz parte de outro referencial de trabalho e, embora tenha sua
importância em outros contextos, envolve, necessariamente, a dualidade. Há sempre alguém de um
lado e o paciente do outro, seja ele um médium, um sensitivo ou alguém que sabe e dá as respostas.
Isso é suficiente para impedir que haja a elaboração pessoal e se estabeleça a dinâmica transpessoal.

Como facilitador do processo, o terapeuta é apenas alguém que acompanha e estimula o


mergulho do paciente dentro de seu próprio universo psíquico. Uma vez lá dentro, ele pode ser
orientado a elaborar conscientemente os obstáculos nebulosos de sua história e encontrar,
finalmente, o caminho para o cume, o ápice, que é o seu Self. É de lá que virão as respostas que o
paciente estará pronto para ouvir.
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BIBLIOGRAFIA E SUGESTÃO DE LEITURA

ALVAREZ, Mani: Psicologia Transpessoal: a aliança entre espiritualidade e ciência, ed. All Print,
SP, 2006

CAPRA, Fritjof; O Tao da Física, um paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental,
Cultrix, São Paulo, 1983.

CAPRA, Fritjof; O Ponto de Mutação, a Ciência, a sociedade e a Cultura emergente, Cultrix, São
Paulo, 1982.

EDINGER, F. Edward; Ciência da Alma, ed. Paulus, São Paulo, 2004


JUNG, Carl Gustav. Sincronicidade, Ed. Vozes, 2004.

HUXLEY, Aldous; A Filosofia Perene, Cultrix, São Paulo, 1995.

LEARY, Timothy; Flashbacks, Surfando no caos, Beca, São Paulo, 1999.

.Pequeno Tratado de Psicologia Transpessoal, vol.I, Ed. Petrópolis e Vozes, 1978.

SALDANHA, Vera; Psicoterapia Transpessoal, ed. Komedi, Campinas, 1997.

TABONE, Márcia; A Psicologia Transpessoal, Introdução `a nova visão da consciência em


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WALSH, Roger e VAUGHAN, Frances; Caminhos Além do Ego, ed. Cultrix, São Paulo,1993.

WEIL, Pierre e LELOUP, Jean Yves; Normose: patologia da normalidade, Campinas, Verus, 2003

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WEIL, Pierre; A Conciencia Cósmica, Introdução à Psicologia Transpessoal, ed. Vozes,


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