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ao Professor Doutor Castanheira Neves (Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, número especial),
volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 375-387.
2 Intimidade que (na sua explícita projeccção plástica) é reforçada pela mobilização dos dois
parágrafos iniciais do cap. VI da II parte das Philosophische Untersuchungen de Wittgenstein (com a sua
referência final ao solipsismo dos Erlebnisse): trata-se, como sabemos, de comparar as «palavras bem
conhecidas» às «figuras» de um certo «quadro», cada uma delas a apresentar-se-nos «rodeada por cenas
delicadas, nebulosamente desenhadas» e assim mesmo envolvida numa «auréola» ou «coroa de fumo» — o
Dunstkreis ([als] «Hof» schwach angedeuteter Verwendungen) que quis evocar no meu próprio título [Wittgenstein,
Philosophische Untersuchungen (1937-1949), Frankfurt am Main, Surkamp, ed. de bolso, 1971, p. 288].
3 Canotilho, «Princípios. Entre a sabedoria e a aprendizagem», cit., pp. 380 e ss.
4 Ibidem, pp.377, 378, 380.
5Percorrer esse espectro (identificando eixos extremos exemplares) seria por exemplo contrapor as
vozes de Finnis e de Posner: uma compreensão dos princípios sustentada numa intensely active contemplation
(capaz de autonomizar um núcleo de absolutos morais indisponíveis, racional-normativisticamente pré-
determinados nas suas significações)… e uma especificação pragmática capaz de reduzir os principles a policies
(os arguments of principle a arguments of policy) e de assim mesmo inviabilizar (rejeitar) a distinção correspondente.
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conversa a inscrever-se numa série de outras conversas — das muitas autênticas conversas
com que a generosidade luminosa do Senhor Doutor Canotilho me tem beneficiado? Posso
dizer que sim. Tanto mais que os interlocutores a invocar hão de ser decerto aqueles (ou
alguns daqueles) que tais conversas recorrentemente mobilizam: Habermas, Alexy,
Castanheira Neves.
6 Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 7ª ed. , Coimbra, Almedina, 2003, p. 1159.
7 «Princípios. Entre a sabedoria e a aprendizagem», cit., p. 386.
8 Ibidem, p. 380.
9 Ver supra, nota 2.
10 «Princípios. Entre a sabedoria e a aprendizagem», cit., p.376.
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da constituição como um sistema interno assente em princípios estruturantes fundamentais que, por sua vez,
assentam em subprincípios e regras constitucionais concretizadores desses mesmos princípios» (Direito constitucional e
Teoria da constituição, cit., p. 1173).
14 Ibidem, p. 1175.
15 Como se a «articulação» de normas que possam «revelar-se tanto sob a forma de princípios como
sob a forma de regras» nos aparecesse como uma condição indispensável para experimentar e realizar uma
exigência de «unidade» sem condenar esta a uma representação unidimensionalmente estática: ibidem, pp.
1173-1175 (C.).
16 Ibidem, pp. 1176-1187 (D.).
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2.1. Não será difícil acentuar a continuidade da primeira destas linhas (herdeira da
compreensão normativística dos princípios gerais de direito), respeitando simultaneamente a
17 «No seu conjunto, regras e princípios constitucionais valem como “lei”: o direito constitucional é
direito positivo…» (Ibidem, p. 1176).
18 A distinção que mobilizo e as correspondentes formulações — acrescidas daquela de que viremos
a falar infra, 3. (princípios normativos como jus) — devem-se inteiramente a Castanheira Neves, que as tem
mobilizado desde a sua fundadora lição-síntese sobre os princípios [ver Sumário de uma lição-síntese sobre «Os
princípios jurídicos como dimensão normativa do direito positivo (a superação de positivismo normativista)», policop.,
Coimbra, 1976]. A recriação que proponho no texto não seria de resto possível sem a mediação privilegiada
das suas aulas e ensinamentos orais.
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19 Para o dizermos com as formulações exemplares de Habermas, propostas para distinguir normas e
valores (sendo os princípios explicitamente mobilizados como normas): Faktizität und Geltung. Beiträge zur
Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats, Frankfurt, Suhrkamp Verlag, 1992, pp. 310 e ss.
20 Aqui mobilizadas como expressões equivalentes, com o alcance que o discurso do século XIX
22 Para uma reconstituição das exigências de fundamentação imanente assumidas pela compreensão
normativista da norma-ratio, ver Castanheira Neves, Teoria do direito. Lições proferidas no ano lectivo de 1998/1999,
policopiado, Coimbra 1998, (versão em fascículos) pp. 76-94, (versão em A4) pp. 42-51.
23 Trata-se de assumir a organização do discurso proposta na segunda parte do Geist des römischen
25 Ibidem, p.352.
26 Ibidem, pp. 353-355.
27 Ibidem, p.353.
28 «Aber nicht bloß die Konzentrierung des bereits vorhandenen Stoffs ist es, was die schließliche
Auffindung des Prinzips für die Wissenschaft so wichtig macht, sondern es gesellt sich noch der Vorteil
hinzu, daß in dem gefundenen und erkannten Prinzip zugleich eine Quelle neuer Rechtssätze erschlossen
wird…» (Ibidem, p.354).
29 «Die einzelne Rechtssätze, in denen der Gesetzgeber unbewußt ein Prinzip zur Anwendung
bringt, verhalten sich zu letzerem wie einzelne Punkte in der Kreislinie zum Zentrum. Das Prinzip ist der
Punkt, den der Gesetzgeber sucht…» (Ibidem, p. 354).
30 «Sie ist keine specifisch juristisch Operation, sondern die allgemeine logische der Abstraction eines
Prinzips aus gegebenen Einzelheiten, die Substituirung einer andern, intensiveren logischen
Ausdrucksform…» (Ibidem, p. 352)
31 Veja-se a reconstrução que (atendendendo também às concepções dos princípios de Bergbohm e
Merkel) propus em «Os desafios-feridas da Allgemeine Rechtslehre…», cit., pp. 296-303 (3.1.).
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impostas pelo patamar normativo-dogmático… que o seja também dos «resíduos» da tradição
natural-histórica (representados pela teoria do organismo)… — obriga-nos por um lado a renunciar à
possibilidade de responsabilizar o Inbegriff metadogmático por uma produção em sentido forte
(por uma produção de «novos materiais» que de alguma forma prolongasse a inteligibilidade
constitutiva do direito-dogma), na mesma medida em que por outro lado nos expõe à inevitabilidade
de uma inferência «indutiva» pura, esta caracterizada como uma «forma especial de redução» (die
analytishe Methode, oder besser, die Methode der Reduktion32). Se tivermos presente que tal «inferência»
se quer logicamente inconfundível com um simples exercicio dogmático-interpretativo de
abstracção-generalização (como aquele que era tradicionalmente invocado a propósito da
determinação-Ermittlung dos princípios gerais de direito), poderemos facilmente concluir que tal
proposta rompe com o continuum princípios / normas sustentado pela juristische Technik. Não
deixa de o restabelecer no entanto, acompanhado da diferenciação gradativamente exigida, a
partir de um novo patamar. É que se trata de identificar a doutrina dos princípios encore à faire
com uma «representação sistemática» (nem por isso menos intrinsecamente jurídica) dos
«conceitos e princípios» comuns a todos os direitos positivos… vinculando-a assim ao problema
do conceito de direito e à Allgemeine Rechtslehre enquanto tal. Sem esquecer que se trata também (et
pour cause) de a desvincular do problema da ideia de direito (problema com o qual a Rechtsideelehre
ou Rechtsphilosophie im engere Sinn, e esta já como uma reflexão apenas ética ou ético-filosófica,
deverá ao fim e ao cabo ocupar-se). O que significa evidentemente exigir que a «concordância
com uma ideia» seja excluída (como elememto ou dimensão plausível) do processo de
determinação do direito wie es ist33.
γ) Refiro-me por fim, deixando por explorar as heranças das duas compreensões
anteriores (nas suas tensões e complementaridades) — estas têm sido com efeito
incessantemente reproduzidas (ainda que sem a problematização exemplar que as tornou
possíveis) nas propostas que preservam a inteligibilidade normativística dos princípios gerais! —, à
reinvenção singularíssima do continuum princípios jurídicos/normas assumida por Habermas. Pode
dizer-se com efeito que a defesa da juridicidade intrínseca dos princípios e o tratamento desta
enquanto racionalidade (ligada argumentativamente às exigências de uma constituição externa)
corresponde agora a uma experimentação da originariedade prático-culturalmente irredutível (e
como tal equiparável, sustentada numa presunção de igualdade-complementaridade) dos
universos discursivos da moral e do direito e destes na sua inteligibilidade pós-convencional
(exigindo uma «interpretação» descontextualizada que possa contrapor-se à particularidade e
fragmentação dos ethos substantivos)34. Inscrito neste contexto, o reconhecimento de que os
32 Bierling, Zur Kritik der juristischen Grundbegriffe, reimpressão da edição de Gotha (1877-1883), Aalen,
confronto directo com a abordagem de Alexy) propus em «O homo humanus do direito e o projecto inacabado
da modernidade» (a publicar em breve).
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«princípios são normas de degrau superior», com um sentido deontológico imaculado (Prinzipien oder
höherstüfige Normen, in deren Licht andere Normen gerechtfertigt werden können, haben einen deontologischen
(…) Sinn35), passa a corresponder directamente a uma exigência de validade (e assim também à
possibilidade de uma dialéctica facticidade /validade): entenda-se, àquela compreensão da validade
(enquanto legitimidade-racionalidade) que nos autoriza a descobrir nas normas jurídicas
(enquanto artefactos prático-culturais específicos) critérios racionalmente auto-subsistentes,
comunicativo-procedimentalmente justificados, como tal aptos a serem seguidos pela sua
racionalidade36 (e de tal modo que conceber as prescrições legislativas como normas jurídicas
signifique levá-las a sério como Gesetze der Freiheit37); mas então também àquela compreensão da
validade-racionalidade (indissociada do projecto prático-cultural do direito) que responsabiliza as
normas e a sua procura de universalidade racional por uma institucionalização «hierarquizadora»
— a institucionalização capaz de distinguir-separar os «usos»-degraus da razão prática… e de
então e assim exigir que os argumentos pragmático-finalísticos (instrumental-estrategicamente
prosseguidos, quando não explicitamente determinados pela «reprodução» material dos
Systeme)… e que os argumentos éticos (alimentados pelas formas de vida substantivas e por outras
tantas representações convencionais da «vida boa»)… venham a ser submetidos ao horizonte de
integração racional (e de interrelação simetricamente responsabilizante) que só o princípio do
discurso, agora significativamente «convertido» em princípio do direito ou princípio da democracia, há-de
estar em condições de garantir (das Diskursprinzip soll erst auf dem Wege der rechtsförmigen
Institutionalisierung die Gestalt eines Demokratieprinzips annehmen38).
Com um resultado também significativo em relação ao problema que nos ocupa: aquele
que nos permite ver nos princípios jurídicos tanto especificações directas desse princípio do direito
— elas próprias auto-subsistentemente reconhecidas como regras de procedimento,
consagradoras das condições contrafácticas da situação ideal de diálogo — quanto projecções
destas regras ou produtos da construção racional que estas asseguram, traduzíveis assim numa
universalização lograda de expectativas e na prescrição que lhe corresponde (em qualquer dos
casos sempre sob o modus de uma perspectiva de participante)39. O que significa preservar a
relação decisiva do continuum normas /princípios com a categoria de inteligibilidade sistema
(«sistema de normas» versus «configurações de valores»40)… mas também perceber que a mera
diferença de grau que pode ser atribuída a estes princípios (não certamente por acaso
pelas prescrições legislativas enquanto leis da coaccção... com a possibilidade de os seus destinatários verem
nestas limites-constrangimentos fácticos ao seu Handlungsspielraum (e de assim as pressuporem para um
cálculo estratégico, atento aos efeitos de um incumprimento possível).
2.2. Mais fácil ainda é reconhecer a diversidade possível das respostas inscritas na
segunda linha — a dos princípios como intentio —, decerto porque o pressuposto
partilhado (compossível com diversas manifestações de uma tal intentio ou das práticas que
a manifestam) se reconduz a uma convergência da juricidade com a vinculação autoritária e
a institucionalização correspondente. Podemos dizer, com efeito, que se trata sempre de
defender que os princípios só constituem direito vigente (só adquirirem juridicidade) se se
manifestarem em critérios positivos vinculantemente institucionalizados (a começar decerto
pelas leis constiutucionais), recebendo destes (ou da autoridade-potestas que os sustenta) a
sua força jurídica (ou a dimensão constitutiva que a traduz)42. Sendo certo que defender
esta identidade não significa recusar tarefas práticas relevantes aos princípios que ainda não são
normas, entenda-se, que ainda não são jurídicos — e que assim se nos expõem como puras
intenções regulativas! —, porque significa já antes (e em contrapartida!) confiar-lhes duas
possibilidades operatórias (possibilidades que podem ser defendidas cumulativa ou
separadamente, se não concebidas como meras diferenças de grau):
(a) a possibilidade de os conceber como manifestações de exigências discursivas, de
expectativas sociais ou de compromissos comunitários (pré-jurídicos) capazes de orientar a
construção-produção de critérios jurídicos, às quais a política legislativa deverá ser assim
particularmente sensível («função regulativa para a normativa constituição do direito
positivo»);
(b) a possibilidade de os levar a sério como «indicações orientadoras» com um
carácter metodológico — indicações que, não constituindo como tal direito vigente,
podemos convocar como apoios-arrimos (se não como cânones ou regras secundárias de
juízo ou até mesmo como razões argumentativas) quando interpretamos uma norma legal ou
um critério jurisprudencial... e muito especialmente quando temos que enfrentar um «caso
41Ibidem, p. 312.
42 Compreensão que poderá ser alargada também aos precedentes vinculantes, ainda que com
dificuldades significativas resultantes de uma compreensão não apenas institucional mas também prático-
culturalmente distinta do problema da vinculação.
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43 As formulações citadas são ainda de Castanheira Neves: ver supra, nota 18.
44 Kant, Kritik der reinen Vernunft, na edição de Wilhelm Weischedel disponível na Suhrkamp
taschenbuch wissenschaft, vol. IV, Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1974, p. 567. Trata-se evidentemente de
invocar o «Anhang zur transzendentale Dialektik» na sua primeira parte («Von dem regulativen Gebrauch der
Ideen der reinen Vernunft»)
45 «Die Grundsätze […] sind Ausstrahlungen der Idee von dem richtigen Recht und wollen dieser
eine tätige Verwerdung und Herrschaft möglich machen…» (Stammler, Die Lehre von dem richtigen Rechte,
Berlin, J. Guttentag Verlagsbuchhandlung, 1902, p. 276)
46 Ibidem, pp.276-278. Trata-se muito claramente de acentuar que, sendo tais princípios «derivados»
(«desimplicados») «directamente» da «ideia de direito» e sendo esta ideia encontrada (gefunden) na (ou através
da) «consciência crítica» (kritische Besinnung) da «possibilidade de uma compreensão unitária de todo o material
empírico do direito» (empirisches Rechtstoffes) —entenda-se, através da «reconstrução crítico-transcendental» da
possibilidade de conceber estes materiais unitariamente —, o papel-tarefa que lhes cabe há-de ser
precisamente o de «directivas» ou «directrizes do nosso pensamento» (Richtlinien des Gedankens) destinadas a
um «tratamento unitário» destes materiais (für die Bearbeitung dieses Stoffes) [Ibidem, p. 276].
47 Para falar do direito enquanto tal na perspectiva de Stammler tenho, com efeito, que mobilizar a
força autoritário-prescritiva do gesetzes Recht (direito posto e imposto) [Ibidem, pp. 21 e ss. («Der Begriff der
richtigkeit eines Rechtes»]. Na realidade, só poderei falar de um «direito justo» atribuindo a «qualidade» da
justiça-justeza (Richtigkeit) a um direito posto e ao seu conteúdo querido (Willensinhalt). Se o «direito justo» é
um «modo» (uma «espécie») de «direito postivo» (legislativamente prescrito, produzido por uma voluntas),
então o direito imposto (gesetzte) «divide-se, na perspectiva das características do seu conteúdo, em duas
classes»: «ou é justo ou não é justo; e o direito justo é um direito positivo, cujo conteúdo querido (criado pela
vontade) possui a qualidade-característica (Eigenschaft) da justiça ou justeza». De tal modo que possamos
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concluir que «o direito justo e o direito prescrito se comportam um em relação ao outro como espécie e
género» (Danach verhält sich richtiges und gesetzes Recht zu einander, wie einzelaart zur Gattung) [Ibidem, p.22]. É certo
que Stammler nos diz [Ibidem, pp. 213 e ss. («Bedeutung des Grundsätze»)] que «os princípios têm um
significado constitutivo» (sind von konstitutiver Bedeutung) relativamente às «regras do comportamento da
comunidade» (bei der Regeln des Verhaltens der Gemeinschaft); este significado diz respeito porém apenas ao
«fornecer da qualidade da jutiça ou justeza» (auf das Beschaffen der Eigenschaft der Richtigkeit) e não à «proposição
materialmente determinada» (dagegen nicht auf material bestimmte Sätze selbst). Como «em si mesmos não
produzem nada» (von sich aus bringen sie nichts hervor), «os princípios têm que esperar pelo alimento-Zuführung do
material histricamente realizado». Só quando «o material é fornecido e está pronto e à mão no seu
crescimento natural», é que os princípios são chamados a dirigi-lo (richten) e a determiná-lo (bestimmen)
[Ibidem, pp. 214-215].
48 Esta é uma distinção explorada por Castanheira Neves na citada lição-síntese e que vemos recriada
por Fernando Bronze nas Lições de introdução ao direito, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 629 e
ss., 638-639.
49 Para o dizermos já recorrendo à conhecida distribuição de Alexy em «The Dual Nature of Law»,
th
IVR 24 World Congress’s Papers (Plenary Sessions), Beijing 15-20 September 2009 («Global Harmony and Rule of
Law»), pp. 257 e ss., 265-274 («The Reconciliation of the Ideal and the Real») [texto entretanto publicado na
Ratio Juris, Volume 23 Issue 2 (June 2010), pp. 167-182]. Para uma consideração mais atenta desta distribuição
de Alexy (com as referências bibliográficas indispensáveis), remeto-me para as reflexões que propus em
«Law’s Cultural Project and the Claim to Universality or the Equivocalities of a Familiar Debate» (a publicar
em breve).
50 Alexy, «The Dual Nature of Law», cit., p.271.
51 Larenz, Richtiges Recht. Grundzüge einer Rechtsethik, München, Beck, 1979, pp.20-21.
13
52Ibidem, p.21.
53Alexy, Begriff und Geltung des Rechts, Freiburg / München, Karl Alber Verlag, 1994, cit. na última
versão deste texto, aquela que apareceu como The Argument from Injustice. A Reply to Legal Positivism (2001-
2002), paperback edition, Oxford University Press, New York, 2010, p.75 [Não se trata, com efeito, apenas
de uma tradução (de resto da responsabilidade de Bonnie e de Stanley Paulson), trata-se também de uma nova
versão, com diversas alterações de pormenor propostas pelo próprio Alexy].
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54 Para um esclarecimento da distinção normativística entre norma e imperativo, ver pp. de Castanheira
Coleman, The Practice of Principle, Oxford University Thesis, 2001, pp.103 e ss. («Inclusive Legal Positivism») e
Matthew H. Kramer, Where Law and Morality Meet, Oxford University Press, 2004, pp. 2 e ss. («Inclusivism,
Incorporationism, and Exclusivism»).
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efeito que importa rejeitar a pureza e a unidade deontológicas defendidas pela primeira linha
[2.1.] — a auto-subsistência da interrelação discursivo-proposicional que a alimenta e a
separação entre determinação-interpretação em abstracto / concretização (ou pelo menos entre níveis
de concretização) que a justifica — , sem deixar por isso de mobilizar constitutivamente a
categoria sistema e de conferir aos princípios uma inteligibilidade autonomamente jurídica
— antes libertando aquela categoria da sua unidimensionalidade normativística e esta
pretensão de autonomia da conjugação necessária com pretensões de universalidade e de
auto-subsistência racionais56. Como importa também ainda rejeitar a distribuição princípios
«morais» com carácter regulativo / princípios jurídico-constiucionais vinculantes à qual, como vimos, a
segunda linha hoje nos conduz [2.2.] — e com esta também a compreensão da viragem
teleológica a que tal desenvolvimento nos expõe (aquela que permite que, no tratamento dos
princípios como normas, se sobreponham as máscaras-perspectivas dos princípios como valores e
como comandos de optimização!57) —, sem deixar por isso de apostar no sentido
normativamente axiológico das exigências-compromissos que constituem tais princípios e
de simultaneamente reconhecer o seu carácter vinculante — antes libertando as
experiências daquele sentido e desta vinculação (e desta como positividade-vigência) das
representações (aproblematicamente) pré-determinadas que lhes associam respectivamente
uma conformação pré-jurídica e uma conexão necessária com a autoridade-potestas (e com
a prescrição-imperativo que a traduz).
Opções-apostas que nos conduzem a uma terceira linha de compreensão dos
princípios (precisamente aquela que Castanheira Neves nos ensina a reconhecer invocando
uma concepção dos princípios como jus): uma linha de desenvolvimento que podemos dizer
simultanea e incindivelmente preocupada…
(a) com o sentido metodologicamente específico da realização dos princípios
(princípios assim mesmo responsabilizados por uma dimensão-estrato, normativamente
inconfundível, de um sistema jurídico pluridimensional)…
56 O que não exclui (antes pelo contrário!) a relevância de classificar os princípios na perspectiva da
posição que estes ocupam no sistema. Para uma exploração da distinção entre princípios positivos, transpositivos e
suprapositivos assumida por Castanheira Neves [na referida lição-síntese, mas também na Metodologia Jurídica.
Problemas fundamentais, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, pp.135 e ss., 188 e ss.], veja-se Fernando Bronze,
Lições de Introdução ao direito,cit., pp. 632 e ss., e a exemplificação que proponho nos Sumários desenvolvidos
de Introdução ao Direito II, Coimbra 2009, disponível no material de apoio da página on line da respectiva
disciplina, https://woc.uc.pt/fduc/, pp. 99-104.
57 Ainda exemplarmente Alexy: ver a síntese proposta em «Sistema jurídico, principios jurídicos y
razón práctica» (conferência de San Sebastián publicada em castelhano), Doxa, número 5, 1988, pp. 139 e ss.,
145 (2.2.2.), 146 e ss. (2.2.4).
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60Ver muito especialmente Castanheira Neves, Metodologia jurídica, cit., pp. 9 e ss. («O problema
metodológico-jurídico»).
61 Cfr. a síntese proposta em «Pensar o direito em tempo de perplexidade», in João Lopes Alves et
Direito de Coimbra, no ano lectivo de 1971-72, cit., pp.331 e ss («Os “princípios normativos” não são “normas”»).
65 Trata-se de autonomizar no fundamento a racionalização justificativa da inteligibilidade de um certo
domínio ou compromisso prático… e neste sentido de lhe atribuir o papel de um warrant argumentativo
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autonomamente pressuposto (o fundamento justifica uma conclusão racionalmente plausível mas não nos
propõe uma solução ou tipo de solução, não nos dispensando assim do esforço discursivo de a obter). Como
se trata ainda de invocar o critério como «operador» («técnico») disponível, um operador que pode ser
imediatamente convocado para resolver um determinado tipo de problemas e (ou) que pré-esquematiza a
solução (exigindo não obstante um esforço discursivo de concretização-realização). Como se os critérios se
nos oferecessem como «objecto(s) da interpretação» e os fundamentos como os «elementos de concludência
racional que possibilitam, condicionam ou sustentam a própria interpretação». O que nos permite reconhecer
que os princípios normativos (prolongados por algumas explicitações-objectivações da doutrina) se nos
ofereçam (e devam ser tratados metodologicamente) como fundamentos, devendo em contrapartida as normas,
os precedentes ou prejuízos jurisdicionais e a maior parte dos modelos dogmáticos ser assumidos e
experimentados como critérios. Veja-se o desenvolvimento que (mobilizando o contributo de Drucilla
Cornell e Adela Cortina) proponho em «Jurisprudencialismo: uma resposta possível num tempo de
pluralidade e de diferença?», cit., pp. 159-161 (3.3.1.1.)
66 Trata-se com efeito de distinguir os diversos estratos do sistema (e de lhes conferir modos de
pelos princípios normativos (dirigindo-se-nos como uma objectivação possível, entre outras objectivações
possíveis, das intenções destes princípios). O que não é senão exigir que a «decisão dogmática» que constitui a
norma se mostre «assimilável (ainda que só a posteriori) por um juízo-judicium» singular e concreto (capaz de
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γ)’’’ Significa isto também testemunhar uma especialíssima consonância prática entre
os princípios que se invocam como compromissos e projectos de ser ou de ser-com-os-outros (a
cuja orientação-condução nos submetemos) e o «conteúdo normativo-concreto» da
realização destes compromissos (indissociável dos problemas-controvérsias e do novum
irredutível que estes introduzem)68.
γ)’’’’ Como significa ainda e por fim ter presente que o percurso de emergência e
de objectivação constitutiva dos princípios (numa permenente reinvenção dos seus conteúdos
que é também indissociável da força normativa ou da justiciabilidade que lhes corresponde)
se cumpre sempre envolvendo distintas práticas de estabilização-realização (e a relação
circular com o novum problemático que cada uma delas distintamente estabelece): práticas que
não são evidentemente apenas aquelas que correspondem ao exercício contingente da
voluntas legislativa (não obstante a importância exemplar da mediação constitucional!), que
são também e decisivamente aquelas que as jurisprudências judicial e dogmática (com
outros tempos e outras dinâmicas) vão asumindo… como o são também e ainda aquelas
que as «situações institucionais» e os cânones das comunidades dos juristas (e estes como
dimensões imprescindíveis de uma realidade jurídica levada a sério como estrato do sistema)
permanentemente reinventam69.
Sendo certo que estas três últimas anotações nos ajudam enfim convergentemente a
reconhecer uma institucionalização particularmente expressiva da relação entre a
pressuposição integradora de um horizonte de validade e a abertura permanente a uma
pluralidade de contextos de realização, construída por um inconfundível mundo prático. É em
nome da especificidade deste mundo e do desafio de apostar (criticamente) na continuidade
do seu projecto cultural (abrindo essa crítica a todas as problematizações indispensáveis) que
não só temos que rejeitar uma experimentação das normas-regras que as prive da sua ratio
juris [γ)’] — uma experimentação que, insistindo na «radicalização binária regras/
princípios, interpretação/concretização-ponderação» admita por exemplo que «a
tratar-solucionar o problema-caso), juízo decisório no qual «a prescrição» convocada como critério «revele
uma racionalidade de fundamentação normativa (a racionalidade que a intenção de validade implica)»
(Metodologia jurídica, cit., p.150). Para compreender plenamente esta exigência, importa de resto ter presente
uma dialéctica de duas perspectivas e das dimensões ou faces da norma que as traduzem. Que perspectivas?
As da ratio legis e ratio juris. Sendo certo que a interrogação da ratio legis nos concentra na procura do motivo-
fim que determinou a decisão da norma — na procura da sua justificação político-social e teleológico-
estratégica (se quisermos na reconstiuição do seu argument of policy) —... e que a problematização da ratio juris
nos obriga já a confrontar esta teleologia com a coerência normativa dos princípios (e dos correspondentes
arguments of principle), na mesma medida em que nos onera com a responsabilidade constitutiva de «transcender
aquela teleologia por estes fundamentos» [Ibidem, pp. 184-195; ver também «Fontes do direito», cit., pp.75-79 (o
problema dos limites normativos da lei).]
68Castanheira Neves, Metodologia jurídica, cit., pp. 203-204
69 Remeto-me para a reconstutição que propus em «Jurisprudencialismo: uma resposta possível num
Ainda que tratá-los como critérios mais indeterminados possa já significar — nos
termos explicitamente assumidos por alguns desenvolvimentos recentes da concepção dos
princípios enquanto ratio [2.1]— ser sensível a uma certa unidade dinâmica de densificação e
aos degraus (racionalmente auto-subsistentes) que a traduzem (degraus onde reconhecemos
invariavelmente normas!); ou ainda que tratá-los como critérios possa, em alternativa,
significar também já — num território que, como sabemos, combina um não positivismo
inclusivo com uma concepção dos princípios enquanto intentio [2.2.] — fazer corresponder o
tratamento dessa indeterminação a uma pragmática de optimização de comandos (iluminada, e neste
sentido também limitada, por uma concepção moral, universal e procedimental dos «direitos
humanos»)…
Reconhecer que os princípios não são critérios (nem devem ser tratados como tal)
significa evidentemente acentuar pela negativa a sua plena identidade como fundamentos: mas
então perceber claramente que, como tais fundamentos não antecipam (não prevêem, nem
exemplificam, nem reconstroem reflexivamente) situações-problemas (tipos ou exempla ou
modelos de situações-problemas)… na mesma medida em que não propõem (não
esquematizam, nem exemplificam, nem reconstituem racionalmente) soluções, alternativas
ou tipos de soluções plausíveis para estes problemas — ao contrário precisamente do que
acontece, respectivamente, com as normas legais, os juízos-exempla jurisdicionais e os
modelos dogmáticos! —, não é admissível pensar-se que as significações das suas
exigências ou dos seus compromissos práticos possam ser determinados previamente (e
muito menos submetidos a uma interpretação em abstracto). Estas exigências ou
compromissos, com efeito, só fazem sentido (só atingem a sua integridade normativa, só
prosseguem a intencionalidade à validade que os distingue!) realizando-se — entenda-se,
essencial para eles é só o seu regulativo compromisso axiológico e prático, não impõe apenas que a sua
normatividade se determine realizando-se, solicita ainda uma compreensão prática (não simplesmente
dogmática ou lógica) dessa sua normatividade só possível de atingir-se mobilizando a dialéctica entre o seu
regulativo, que convoca à realização , e a prática (de acção e judicativa) em que encarne e a manifeste
realizada. Se as normas são auto-suficientes no critério abstracto que hipoteticamente prescrevem, os
princípios são fundamentos “para tomar posição perante situações, a priori indeterminadas, que venham a
determinar-se concretamente” (Zagrebelski). Em síntese: as normas legais esperam a sua aplicação e em
último termo visam-na, mas podem compreender-se e determinar-se sem ela, ou seja, na sua subsistência
abstracta; não assim os princípios, já que o seu verdadeiro sentido não é determinável em abstracto, e só em
concreto, porque só em concreto logram a sua determinação, e se lhes pode atingir o seu autêntico relevo...»
(Castanheira Neves, O problema actual do direito. Um curso de filosofia do direito, policop., terceira versão, cit., pp.
59-60).
72 Partindo embora de um horizonte radicalmente distinto (comprometido com a ética da alteridade e
com a desconstrução como filosofia) — e não deixando por isso de preservar com alguma ambiguidade os topoi da
indeterminação e das diversas alternativas de resposta —, Drucilla Cornell chega a uma exigência de
diferenciação paralela (tanto mais exemplar precisamente quanto sustentada em pressupostos que
previsivelmente a levariam a trilhar um outro caminho). Tratando-se muito claramente de confrontar a
pretensão de auto-suficiência e auto-subsistência dos critérios-rules e o modo como esta legitima uma «violência contra a
singularidade» — legitimação que encontrará na compreensão do positivismo jurídico (latissimo sensu) a sua
consagração-forma (ontologicamente totalizante) — com a pretensão de universalidade dos princípios e com o
modo como esta é (ou deve ser) histórico-pragmaticamente assumida (as for which principles we adopt within the
nomos (…) of the law (…), we are left with the process of pragmatic justification based on the ability of a principle to
synchronize the competing universals embodied in the nomos) [The philosophy of the limit, London, Routledge, 1992, p.
106]. Princípios que, não deixando de perturbar a pureza do encontro ético e de «violentar» a diacronia do
jogo das significações (principles inevitably categorize, identify, and in that sense violate différence by creating analogies
between the like and the unlike) [ibidem, 105] nos aparecem não obstante a orientar uma prática racional de
«redução» da violência (e de respeito pelas diferenças). Decerto porque as exigências-compromissos que os
distinguem vão ser experimentadas na perspectiva de cada situação-problema. Sem impor o «exacto caminho
a percorrer», antes assumindo um potencial de fundamentação que supera as pretensões da resposta única. Mas
então e muito simplesmente excluindo as respostas que naquele contexto pragmaticamente reconhecível — e
naquele horizonte historicamente determinado — devam dizer-se «incompatíveis» com a realização do seu
compromisso. We can think of a principle as the light that comes from the lighthouse, a light that guides us and prevents us
from going in the wrong direction [Ibidem, 106].
73 Ver a síntese que proponho em «Law’s Cultural Project and the Claim to Universality…», cit.,
ponto 3.