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Mesmo que esta reflexão se mostrasse concludente, ela não escaparia no entanto hoje a
uma outra dificuldade: a das ameaças que se dirigem à integridade destres grupos e
micro-grupos. Ameaças que comprometem a unidade dos sociolectos e dos
cânones profissionalmente mobilizáveis e a plausibilidade das situações institucionais
que estes garantem (se não mesmo a clausura que sustenta os respectivos instrumentos
de persuasão e a relação com os auditórios que estes pressupõem), na mesma medida
em que fragmentam o projecto interpretativo e as finalidades que o iluminam: como se
tivesse deixado de fazer sentido falar por exemplo do modus operandi e dos
procedimentos canónicos que distinguem (em bloco) a comunidade (ou o grupo
semiótico) dos juízes… e estivéssemos condenados a reconhecer (e a demarcar) os
territórios-projectos do juiz administrador (consagrado pelo Estado Providência) e do
juiz-«centro do sistema» (justificado pela reprocessualização pós-instrumental), do juiz
político do grande consenso constitucional (táctico comprometido com uma grande
estratégia material) e do juiz (ou juízes) da comunidade dos princípios, sem esquecer
decerto aqueles que vinculam o julgador a um critério de maximização da riqueza ou
que o responsabilizam por uma estratégia política alternativa… mas também aqueles
que o incitam a convocar o exemplum da ética da alteridade (se não a mergulhar
num continuum «prático-poiético»). Esta situação de pluralidade radical (como
dimensão da crise do direito e do pensamento jurídico que hoje vivemos) torna a
reflexão crítica (ainda que reflexão crítica interna, como tal levada a sério como
verdadeira auto-reflexão) absolutamente indispensável…
(a) A pergunta «de que modo?» [revisitando «O papel do jurista no nosso tempo» de
Castanheira Neves (Boletim da Faculdade de Direito XLIV, 1968, pp. 83-142)].
(2) a pergunta pelo «para quê» que, ao invocar o problema da função humano-social do
jurídico, nos expõe, no nosso tempo, à exigência de assumir «criticamente» (contra a
prepotência do poder) a realização histórico-concreta da «ideia de direito» (e desta
como «projecto comunitário») — com um «dizer não» à «lei injusta» que só a «função
judicial» e as «universitárias instituições da juridicidade» (levando a sério os
«compromissos vitais» de uma autêntica «consciência ética», quando não o projecto
institucional de um Richterstaat ) estarão hoje em condições de garantir;
(3) a pergunta «de que modo?» que, last but not least, nos reconduz em pleno ao
problema metodológico da realização do direito e à exigência de reconhecer no «caso
concreto da vida» (na sua autonomia prático-normativa) o verdadeiro «prius metódico»
de um «fundamentado constituir» (este compreendido como unidade «noético-
normativa») — com a implicação decisiva de, no esquema metódico a desenvolver (e
com a reflexão metodológica a impor-se-nos já como núcleo gerador de uma
recompreensão da juridicidade, da sua racionalidade e do seu sentido), se excluir assim
a descontinuidade (normativisticamente sustentada) entre os momentos
da interpretação (em abstracto), da aplicação e da integração e de se reconhecer na
decisão jurídica concreta «uma nova»e irrepetível «síntese de juridicidade» (isto é, uma
«nova assimilação jurídico-judicativa da realidade», mobilizando «critérios normativos
que, embora referidos através da norma, transcendem na sua intenção e projecção
normativas a própria norma»).
[Confrontem-se estas perguntas («O papel do jurista do nosso tempo», pp. 84 e ss.) com
aquelas que (com uma distribuição temática distinta e uma outra radicalidade reflexiva)
se nos expõem na etapa final de A crise actual da filosofia do direito no contexto da
crise global da filosofia. Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva
reabilitação (Coimbra, Coimbra Editora, 2003), pp. 145-147.]
Elementos de estudo:
Leitura complementar: