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BOURDIEU, Pierre. A força do direito. In: O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2010.
“Uma ciência rigorosa do direito distingue-se daquilo a que se chama geralmente << a
ciência jurídica >> pela razão de tomar esta última como objeto.” (p.209)
“Quando se toma a direção oposta a este espécie de ideologia profissional do corpo dos
doutores constituída em corpo de <<doutrina>>, é para se ver no direito e na
jurisprudência um reflexo direto das relações de forças existentes, em que se exprimem
as determinações econômicas e, em particular, os interesses dos dominantes, ou então,
um instrumento de dominação, como bem o diz a linguagem do aparelho, reativada por
Louis Althusser.” (p.210)
“(...) a preocupação de situar o direito no lugar profundo das forças históricas impede,
mais uma vez, que se apreenda na sua especificidade o universo social específico em
que ele se produz e se exerce.” (p.211)
“Como no texto religioso, filosófico ou literário, no texto jurídico estão em jogo lutas,
pois a leitura é uma maneira de apropriação da força simbólica que nele se encontra em
estado potencial. Mas, por mais que os juristas possam opor-se a respeito de textos cujo
sentido nunca se impõe de maneira absolutamente imperativa, eles permanecem
inseridos num corpo fortemente integrado de instâncias hierarquizadas que estão à
altura de resolver os conflitos entre os intérpretes e as interpretações.” (pp.213 e 214)
“Com efeito, o conteúdo prático da lei que se revela no veredicto é o resultado de uma
luta simbólica entre profissionais dotados de competências técnicas e sociais desiguais,
portanto, capazes de mobilizar, embora de modo desigual, os meios ou recursos
jurídicos disponíveis, pela exploração das <<regras possíveis>>, e de os utilizar
eficazmente, quer dizer, como armas simbólicas, para fazerem triunfar a sua causa; o
efeito jurídico da regra, quer dizer, a sua significação real, determina-se na relação de
força específica entre os profissionais, podendo-se pensar que essa relação tende a
corresponder (tudo o mais sendo igual do ponto de vista do valor na equidade pura das
causas em questão) à relação de força entre os que estão sujeitos à jurisdição
respectiva.” (pp. 224 e 225)
A instituição do monopólio
“A situação judicial funciona como lugar neutro, que opera uma verdadeira
neutralização das coisas em jogo por meio da <<desrealização>> e da distanciação
implicadas na transformação da defrontação directa dos interessados em diálogo entre
mediadores.” (p.227)
O poder de nomeação
“Confrontação de pontos de vista singulares, ao mesmo tempo cognitivos e avaliativos,
que é resolvida pelo veredicto solenemente enunciado de uma “autoridade” socialmente
mandatada, o pleito representa uma encenação paradigmática da luta simbólica que tem
lugar no mundo social: nesta luta em que se defrontam visões do mundo diferentes, e até
mesmo antagonistas, que, à medida da sua autoridade, pretendem impor-se ao
reconhecimento e, deste modo realizar-se, está em jogo o monopólio do poder de impor
o princípio universalmente reconhecido de conhecimento do mundo social, o nomos
como princípio universal de visão e de divisão [...], portanto, de distribuição
legítima.”(p.236)
“Nesta luta, o poder judicial, por meio dos veredictos acompanhados de sanções que
podem consistir em actos de coerção física, tais como retirar a vida, a liberdade ou a
propriedade, manifesta esse ponto de vista transcendente às perspectivas particulares
que é a visão soberana do estado, detentor do monopólio da violência simbólica
legítima.” (p.236)
“O direito é, sem dúvida, a forma por excelência do poder simbólico de nomeação que
cria as coisas nomeadas e, em particular, os grupos; ele confere a estas realidades
surgidas das suas operações de classificação toda a permanência, a das coisas, que uma
instituição histórica é capaz de conferir a instituições históricas” (p.237)
“O direito é a forma por excelência do discurso actuante, capaz, por sua própria força,
de produzir efeitos. Não é demais dizer que ele faz o mundo social, mas como a
condição de se não esquecer que ele é feito por este.” (p.237)
“(...) o efeito próprio, quer dizer, propriamente simbólico, das representações geradas
segundo esquemas adequados às estruturas do mundo de que são produto, é o de
consagrar a ordem estabelecida (...)” (p.238)
“A eficácia de todos os actos da magia social cuja forma canónica está representada pela
sanção jurídica só pode operar na medida em que a força propriamente simbólica de
legitimação, ou, melhor, de naturalização (o natural é o que não põe em questão da sua
legitimidade) recobre e aumenta a força histórica imanente que a sua autoridade e a sua
autorização reforçam ou libertam.” (p.239)
A força da forma
“Há confrontação constante entre as normas jurídicas oferecidas as quais, pelo menos na
sua forma, têm a aparência da universalidade e a procura social, necessariamente
diversa, e até mesmo conflitual e contraditória, que está objectivamente inscrita nas
próprias práticas, em estado actual ou em estado potencial (em forma de transgressão ou
de inovação da vanguarda ética ou política).” (p.240)
“Forma por excelência do discurso legítimo, o direito só pode exercer a sua eficácia
específica na medida em que obtém o reconhecimento, quer dizer, na medida em que
permanece desconhecida a parte maior ou menor de arbitrário que está na origem do seu
funcionamento.” (p.243)
“Os efeitos que se geram no seio dos campos não são nem a soma puramente aditiva de
acções anárquicas, nem o produto integrado de um plano correto. A concorrência de que
eles são produto exerce-se no seio de um espaço que pode imprimir-lhe tendências
gerais, ligadas aos pressupostos inscritos na própria estrutura do jogo de que eles
constituem a lei fundamental, como, neste caso particular, a relação entre o campo
jurídico e o campo de poder.” (p.254)