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ANÁLISE CRÍTICA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS SUBJETIVAS NA TOMADA DE DECISÃO:

REFLEXÕES SOBRE A DOGMÁTICA PENAL BRASILEIRA NA PERSPECTIVA TÓPICO-RETÓRICA

João Maurício Adeodato


Pedro de Oliveira Alves
Edvaldo Victor Duarte de Oliveira

Sumário: Introdução. 1. A perspectiva tópico-retórica sobre a prática da dogmática jurídica e a


discussão gnosiológica interna do direito positivo. 2. A problemática em torno do artigo 59 do
Código Penal brasileiro. 3. O enfrentamento retórico do problema das circunstâncias subjetivas
nas decisões judiciais criminais. 4. Considerações finais. Referências.

Resumo: O texto discute o problema da tomada de decisão para aplicação das penas no direito
criminal, em especial em torno dos sentidos atribuídos ao artigo 59 do Código Penal brasileiro
e a eventual violação às garantias do indivíduo. Para isso, desenvolve uma análise crítica do
problema a partir do referencial tópico-retórico da Escola de Mainz. Analisa-se, portanto, a
seguinte questão: como a abordagem tópico-retórica pode enfrentar a abertura do texto
normativo em relação à dosimetria da pena e à potencial liberdade dos magistrados em torno
do significado do art. 59 do Código Penal? Nesse sentido, a pesquisa inicia com a discussão a
respeito da compreensão tópico-retórica da dogmática jurídica e sua relação com o debate
gnosiológico interno do direito positivo moderno. Em seguida, observa como tem sido o
confronto de narrativas em torno do sentido dogmático do art. 59. Por fim, analisa como a
perspectiva retórica compreende as circunstâncias judiciais subjetivas nas decisões criminais e
apresenta conclusões que corroboram para uma retomada da perspectiva tópico-retórica no
ensino jurídico e para uma crítica ao enrijecimento abstrato do conhecimento teórico apartado
da realidade social brasileira.

Palavras-chave: Retórica jurídica; Teoria da decisão jurídica; Circunstâncias judiciais.

INTRODUÇÃO

O presente texto reflete como são tomadas as decisões de aplicação judicial da pena, a
partir de uma perspectiva tópico-retórica. Considerando os riscos de um autoritarismo
camuflado pela técnica jurídica e as potenciais violações a direitos e garantias processuais, a
pesquisa discute como a dogmática jurídica enfrenta o problema do subjetivismo na atribuição
de sentido do art. 59, do Código Penal, acerca das circunstâncias da pena.

A partir dessa perspectiva teórica, a prática jurídica é considerada como construção


linguística provisória moldada por convenções sociais. Será mais ou menos plausível de acordo
com seu contexto comunicativo específico. No espaço acadêmico brasileiro dos últimos anos,
essa perspectiva teórico-metodológica tem ganhado significativos desenvolvimentos a partir
de pesquisas desenvolvidas por autores como João Maurício Adeodato, Cláudia Roesler, Isaac
Reis e Pedro Parini.

Em torno da prática do direito penal brasileiro, uma das principais discussões é


relacionada à aplicação da pena. Nos termos do Código Penal brasileiro, após a fixação da
“pena-base”, a autoridade judicial competente examinará, no caso concreto, os critérios
iniciais para a quantificação da pena. Um problema surge quando, na redação do art. 59, são
apresentados critérios imprecisos e abertos: i) “conforme seja necessário e suficiente para
reprovação” do crime; ii) necessário e suficiente para “prevenção do crime”. Nota-se,
portanto, para além da estrita necessidade da pena, o juiz deve buscar analisar a
reprovabilidade e também o aspecto preventivo da sanção penal.

Em razão dessa obrigação imposta aos juízes, a dogmática penal tenta orientar critérios
e aspectos como antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias,
consequências geradas pelo fato criminoso e o comportamento da vítima. Mas até que ponto
esses discursos estratégicos conseguem influir na prática jurídica?

Ao considerar que toda pena será aferida por meio deste dispositivo normativo, a
pesquisa adquire maior relevância prática. Observar como são aplicadas essas circunstâncias
judiciais é, portanto, uma tarefa analítica que pode permitir uma compreensão mais adequada
sobre o direito. Caso não exista algum controle semântico, a ocorrência de variações decisórias
pode também gerar um ambiente de descrédito em relação à aplicação do direito.

Em caráter conjectural, parte-se do pressuposto de que o realismo retórico pode


contribuir para o afastamento de ingenuidades que não conseguem lidar com o mundo prático
do direito. Ao considerar que o texto legislativo é incapaz de oferecer uma moldura rígida para
o “enquadramento” dos magistrados no momento da aplicação da lei, uma potencial hipótese
de irracionalismo jurídico é também refletida ao longo da pesquisa.

Depois de discutir a aplicação do referencial tópico-retórico (tópico 1), o artigo enfrenta


os principais argumentos sobre as circunstâncias judiciais na literatura específica (tópico 2).
Por fim, em uma terceira etapa, a pesquisa articula as premissas do raciocínio teórico em
relação aos desafios hermenêuticos sobre a atribuição de sentido e alcance das circunstâncias
judiciais subjetivas nas decisões criminais, considerando até mesmo a possibilidade de uma
eventual extinção desses critérios pelo legislador. A partir disso, é traçada uma análise crítica
dessa experiência brasileira no cenário atual.

Por meio desse caminho, ao final, a pesquisa formula conclusões, com o objetivo de
contribuir para a continuidade das discussões sobre os limites e as potencialidades de uma
dogmática jurídica crítica e voltada aos problemas nacionais. Desse modo, são apresentadas as
considerações finais sem qualquer pretensão de encerrar a discussão, mas, pelo contrário,
com o objetivo de colaborar criticamente com o tema.

1. A PERSPECTIVA TÓPICO-RETÓRICA SOBRE A PRÁTICA DA DOGMÁTICA JURÍDICA PENAL:


UM CAMINHO POSSÍVEL
1.1. Em busca de uma metódica para o direito: considerações sobre a aplicação da
perspectiva tópico-retórica ao direito penal

Nos últimos anos, perspectiva tópico-retórica tem sido cada vez mais adotada para a
investigação de problemas jurídicos na área criminal. Isso porque, ao considerar a pesquisa
jurídica como uma espécie de “metalinguagem que estuda os discursos persuasivos
[relacionados ao mundo jurídico]” (ABREU, 2019, p. 17), a abordagem tópico-retórica permite
um modo de compreensão sobre os elementos reais que atuam na aplicação concreta do
direito penal, desvendando as “cortinas” da aparente racionalidade técnica e permitindo a
superação de uma postura de ingenuidade. Não apenas em relação a discursos persuasivos,
mas também a recursos erísticos.

Apesar de ter origens remotas que se relacionam ao antigo mundo grego, especialmente
a obra de Aristóteles, a abordagem tópico-retórica do direito voltou a ganhar espaço a partir
da obra de Theodor Viehweg após as grandes guerras mundiais. Segundo Manuel Atienza
(2003, p. 57), esse autor não construiu uma teoria detalhada e sólida, mas teve o mérito de
inaugurar um campo para a investigação do direito enquanto conhecimento casuístico de
problemas reais – rompendo com a tradição racionalista de modelos dedutivos.

Discípulo e sucessor de Theodor Viehweg, Ottmar Ballweg foi responsável por auxiliar na
consolidação da retórica como possível método de análise da prática jurídica. Para isso,
destacou três níveis retóricos, concluindo que o último nível seria a “retórica analítica”. Assim,
a “realidade” é constituída pela própria retórica (“retórica material”), os discursos que tentam
orientar a ação futura também são comunicações (“retórica estratégica”) e a análise descritiva
que pretende compreender as regularidades desses discursos também é um modo retórico
(“retórica analítica”) (BALLWEG, 1991, p. 177-180).

Essa divisão tricotômica da retórica é considerada a principal contribuição de Ottmar


Ballweg em pesquisas publicadas no Brasil. Trata-se de elaboração inspirada em Nietzsche, que
compreendeu a retórica como dýnamis (δύναμις), como téchne (τέχνη) e como epistéme
(ἐπιστήμη). Na proposta de Ballweg, esses sentidos correspondem aos níveis da retórica
material, prática e analítica (SILVA; MATOS, 2021, p. 157-158).

Para exemplificar, trazendo a questão da aplicação da pena: pelo primeiro nível retórico,
se observa que a própria realidade dos conceitos básicos é constituída retoricamente na
linguagem – não há uma realidade externa à linguagem. Pelo segundo nível, a retórica
estratégica, são os discursos prescritivos da dogmática jurídica que buscam orientar a
aplicação da pena pelas autoridades competentes. No terceiro e último nível, a análise retórica
pretende ser uma observação de metalinguagem sobre os discursos dos dois primeiros níveis
retóricos: quais argumentos e estratégicas comunicativas atuam na caracterização da
“realidade” jurídica e nos discursos prescritivos.

Desse modo, na perspectiva retórica, a análise do direito penal não prescreve quaisquer
ideais de racionalidade, que é função da dogmática jurídica e das teorias normativas. Pretende
compreender o discurso efetivo, como no caso dos meios de persuasão, na medida em que
também observa as relações entre sujeitos, objetos e signos (ABREU, 2019, p. 35).

Uma das pesquisas mais recentes sobre a adoção da análise retórica na prática penal foi
publicada em 2021. Neste estudo empírico, Tomás Acioli apresentou o raciocínio judicial como
“resultado de uma operação eminentemente retórica”. Aplicando a análise retórica aos votos
proferidos pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto das ADPFs 395 e 444 sobre
conduções coercitivas do investigado, também percebeu que a retórica analítica possui uma
função eminentemente descritiva do discurso judicial. Assim, não pretendia apontar a “opção
interpretativa dogmaticamente adequada”, mas apenas destacar as estratégias retóricas que
atuaram na argumentação real (ACIOLI, 2021, p. 389).

No ano seguinte, Pedro Parini e Paolla Barbosa publicaram uma análise retórica sobre o
discurso acusatório no Tribunal do Júri na Comarca do Recife, ressaltando a relevância da
retórica analítica como método para compreensão de violações a direitos humanos na prática
do Ministério Público. A partir da retórica analítica, os pesquisadores buscaram explicitar os
“elementos persuasivos dos discursos jurídicos” e também “sua ligação ao processo de
afirmação ou negação dos direitos humanos”, concluindo que violações a direitos humanos
são causadas por discursos jurídicos determinados (PARINI; BARBOSA, 2022, p. 167-176).

De início, é preciso destacar o alerta de Katharina Sobota (1991, p. 45-60): a norma não
é um dado pré-fabricado e a linguagem constitui a única realidade jurídica possível. Ao afirmar
que “os fatos são claros”, há apenas uma artimanha argumentativa do jurista para persuadir o
destinatário da mensagem. Os chamados “fatos”, assim como os textos, não podem ser
portadores de um significado objetivamente mais adequado dentro do processo de
conhecimento. Alegar a objetividade de fatos e coisas é estratégia milenar que deu origem a
um brocardo jurídico latino “res ipsa loquitur” (“as coisas falam por si mesmas”) (ADEODATO,
2022, p. 34). A realidade jurídica, portanto, é consubstanciada em discursos que prevalecem
em determinado contexto – e sempre motivados por pretensões de verdade. Rejeitam-se,
portanto, posturas essencialistas que pretendam fixar, de modo apriorístico, conteúdos ideais
a serem perseguidos pelos sujeitos.
É possível que os “programas normativos” sejam mais específicos ou mais genéricos,
reduzindo ou ampliando a margem discricionária do intérprete; porém, a discricionariedade
jamais pode ser eliminada. O intérprete se vale de argumentos metodológicos para estruturar
seu discurso e produzir algum tipo de racionalidade (KRELL, 2014, p. 308).

Porém, por mais detalhado e minucioso que possa ser o dispositivo normativo, a prática
jurídica não pode ser controlada em absoluto pela literalidade dos textos. Pode até criar um
nível de dificuldade maior em termos de ônus argumentativo, mas não é uma barreira
intransponível que possa conter os ímpetos do intérprete. Por isso, a proposta retórica reflete
também a importância da institucionalização de procedimentos e do controle intersubjetivo da
linguagem (ADEODATO, 2021, p. 936). Portanto, a retórica – ainda que possa ser considerada
uma filosofia realista da prática jurídica – não deve ser confundida com uma proposta de
imunização contra arbitrariedades. Significa dizer que a definição dos discursos jurídicos
prevalecentes resulta da plausibilidade na comunicação social, de modo que são as lutas e
disputas comunicativas que definem o rumo da sociedade.

Em sua tese de doutorado, Isaac Reis (2014, p. 55-56) prefere adotar o termo “Análise
Empírico-Retórica do Direito (AERD)” para se referir a esse modelo de análise. No entanto, não
traz algo que diferencie da perspectiva já discutida por Ottmar Ballweg. Trata-se tão somente
de uma tentativa de discurso retórico mais próximo daquilo que se compreende como
“episteme” ou um conhecimento baseado em investigações descritivas sobre os discursos
reais. A forma como essa descrição acontece não está fixada, de modo rígido, em lugar algum.
Pode-se valer de mapeamentos das principais estratégias retóricas, sistematização com tabelas
ou gráficos e até mesmo um modelo de “sismógrafo” para “medir” a frequência de elementos
retóricos específicos nas decisões judiciais (SCHLIEFFEN, 2022, p. 261-278). Até mesmo
análises quantitativas com dezenas ou centenas de decisões podem ser promovidas com a
retórica analítica (CARVALHO; ROESLER, 2019, p. 42-68).

Portanto, não há consenso para uma receita pronta (REIS, 2014, p. 52-53). O importante
é que não se tracem análises prescritivas (típicas da retórica estratégica) como se fossem a
metódica retórica. Esta se apresenta como compreensão de discursos efetivamente
construídos em um contexto real e específico (ROESLER, 2018, p. 32).

Ocorre que, se toda e qualquer pesquisa descritiva das decisões judiciais for considerada
retórica analítica, então haverá uma perda qualitativa da “metodologia da pesquisa”. Porque
será apenas uma forma de raciocínio ou diretriz muito vaga sobre o tipo de discurso que se
pratica no ambiente acadêmico. Não é suficiente para esclarecer quais as etapas e o modo de
ser da abordagem (ALVES, 2022, p. 145-146). Descreve apenas a orientação de “não fixação de
dados ontológicos” e não prescritivos (MAIA, 2000, p. 22-27).

Por isso, cada pesquisa deve construir ou esclarecer, em cada cenário, seus critérios de
observação e explicar seu uso. Sendo assim, a perspectiva de Ottmar Ballweg permite uma
hipótese que deve ser considerada: os problemas da aplicação da pena são problemas que
surgem na linguagem e que só podem ser resolvidos com ferramentas da própria linguagem.
Da linguagem nada escapa – muito menos o direito! Desse modo, para esses autores retóricos,
não há método mais adequado para o raciocínio jurídico do que a aplicação da retórica.

1.2. A retórica analítica além da discussão do paradigma legalista: por uma gnosiologia
alternativa do direito

Em face das considerações formuladas no item anterior, é possível sintetizar a


perspectiva analítica da retórica como a pretensão de estimular novas formas de
acompanhamento e investigação sobre os motivos que efetivamente levam um órgão julgador
a decidir de determinada forma – tudo isso por meio de uma linguagem que tenta
compreender o mundo jurídico.

Por isso, é como se o jurista passasse a ser um “perito da argumentação” inserido em


uma teoria geral e retórica da argumentação jurídica – especialmente quando busca encontrar
o que é persuasivo em cada caso específico (ROESLER, 2004, p. 109-117).

Nesses termos, a proposta retórica retoma e desenvolve uma crítica ao ensino jurídico e
à aplicação prática do direito. Pelo menos desde Theodor Viehweg – estimulado por
Giambattista Vico – se amplifica a crítica retórica contra a “pretensão cartesiana de um
conhecimento desvinculado da situação de sua produção e de seus produtores”. O
conhecimento jurídico não poderia estar ligado a um modelo dedutivo rígido, como se os
problemas pudessem ser eliminados de forma definitiva em modelos quase matemáticos; seria
preciso reabilitar um conhecimento prático baseado em problemas situacionais (ROESLER,
2004, p. 26-31).

Katharina von Schlieffen (2022, p. 25-27) também reforça que o ponto de partida da
guinada retórica é a contraposição entre o “estilo prudencial de pensar” – com orientação
prática provisória – versus o “estilo cartesiano more geometrico” – que busca princípios
verdadeiros e indubitáveis para derivar conclusões seguras e certas sobre o direito. Na medida
em que o direito tem pretensões de alcançar um discurso razoável ou plausível, o olhar
retórico se mostraria mais adequado para a prática jurídica. E isso repercute também no
ensino jurídico e na prática da academia e dos espaços forenses.
Ao longo das décadas, a prática jurídica e o ensino do direito giraram em torno de dois
paradigmas principais – um dogmatismo formalista e outro de caráter idealista-metafísico.
Esses modelos encontram-se, porém, em crise e criam espaço para alguma alternativa crítica
(WOLKMER, 2019, p. 2721-2724).

Na tradição do positivismo jurídico em geral, é perceptível a importância de


compreender o direito enquanto resultado dos atos de autoridade competente – podendo
assumir qualquer conteúdo. É um modo de pensar procedimental que recusaria um paradigma
para valorações éticas apriorísticas. Nessa corrente, há muitas tradições específicas (“escolas”)
como o legalismo da Escola da Exegese francesa ou o normativismo kelseniano. Em comum,
rejeitam opções jusnaturalistas. O pensamento legalista, porém, teria incentivado uma crença
ingênua quase axiomática para obtenção de respostas exatas e verdadeiras – uma resposta
correta contida no texto legal a ser pronunciada pelo aplicador (ADEODATO, 2002, p. 196).

A busca por uma gnosiologia mais realista, em oposição ao racionalismo rígido ingênuo,
foi amplamente discutida e desenvolvida por diferentes correntes. Em comum, essas correntes
realistas tentam compreender o que de fato acontece, mas também é preciso considerar que
cada tradição guarda suas próprias peculiaridades – por exemplo, não se deve confundir a
experiência realista norte-americana com a experiência escandinava.

Desse modo, uma alternativa considerada mais adequada por Katharina von Schlieffen
seria uma teoria enquanto prudência ou prática prudencial e não ciência em sentido rígido.
Não se busca mais um “conhecimento da verdade” porque esse não seria o caso do direito;
afinal, o agir prudente considera que as condições estão sempre mudando. Logo, a doutrina
jurídica não teria uma função de conhecimento nos moldes racionalistas; mas sim a função de
compreensão das “condições, efeitos, e padrões de comportamento” no ambiente em que o
“direito é retoricamente produzido” (SCHLIEFFEN, 2022, p. 19-30).

Por tudo isso, a retórica analítica apresenta-se, então, como uma metódica do direito
que considera a prática jurídica como discursos que pretendem resolver problemas da
sociedade. Com tom cético, Katharina von Schlieffen assinala que os textos jurídicos passam a
ser vistos como “uma espécie de atuação teatral”, ou um “comportamento dirigido” para uma
“plateia” específica (2022, p. 11). No entanto, ao mesmo tempo, também considera que a
ingenuidade sobre a prática jurídica tem caráter funcional (SCHLIEFFEN, 2022, p. 140).

Sendo o raciocínio tópico-retórico adotado nesta pesquisa, é a vez de visualizar o


problema específico da aplicação judicial da pena, de modo que a análise crítica sobre essa
perspectiva possa ser desenvolvida e refletida. Tais premissas serão fundamentais para a
aplicação prática da investigação e suas respectivas conclusões.

2. A PROBLEMÁTICA EM TORNO DO ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

2.1 Em que consiste a aplicação da pena segundo o art. 59 do Código Penal?

Neste momento, uma vez que tenha sido possível a compreensão da perspectiva tópico-
retórica, a pesquisa passa a se debruçar, de modo mais detalhado, sobre o problema da
atribuição de sentido judicial ao texto do art. 59 do Código Penal brasileiro.

Salo de Carvalho enfatiza que o momento da aplicação da pena é um dos temas mais
propensos às “perversões autoritárias” por dois fatores: a) ausência de critérios legais
específicos; b) o desrespeito e violação a essas garantias. Argumenta também que o sistema
brasileiro indica categorias “altamente indeterminadas” com textos imprecisos no art. 59 do
Código Penal – que, quando combinado com o lugar-comum teórico do “livre convencimento”
do magistrado, acaba gerando decisionismos (CARVALHO, 2020, p. 311-312).

Por isso, antes de adentrar na seara das circunstâncias judiciais de fixação da pena, se
faz necessário refletir sobre seu aspecto prático na seara criminal. Por isso, também deve ser
lembrado o teor do art. 68, caput, do Código Penal, o qual indica a análise de três fases
distintas (“sistema trifásico de dosimetria da pena”): a pena-base será fixada atendendo-se ao
critério do art. 59 do Código Penal e, em seguida, serão consideradas as circunstâncias
atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento 1. Portanto, a
primeira fase da dosimetria da pena aparece justamente na necessidade que tem o juiz de
analisar as circunstâncias judiciais.

Na análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, a atividade jurisdicional deve
considerar todos os detalhes acerca do cometimento do crime, de modo que possa considerar
conduta social, personalidade do agente, motivos e circunstâncias e consequências do crime e
até o comportamento da vítima para averiguar o grau de reprovação do agente merecedor de
reprimenda. Com isso, poderá conjecturar uma sanção suficiente e necessária que contemple
o ônus argumentativo da reprovabilidade e da prevenção do crime.

De início, é preciso considerar que a pena é uma resposta linguística a um fato


considerado juridicamente relevante (ADEODATO, 2010, p. 102-112). Após o devido

1
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do
agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da
vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm.
julgamento processual com efetivo contraditório em matéria criminal, a pena será atribuída
em decisão condenatória fundamentada contra o agente que praticou o fato delituoso.

Mesmo que não se pretenda realizar uma ampla discussão sobre a função da pena, é
preciso considerar que a atribuição de sanção pelos agentes estatais pode desempenhar
diversas funções na sociedade – estejam elas descritas em corpos legislativos ou não. Em
relação à vida social, a pena é construída, no discurso jurídico, como meio para a estabilização
das expectativas ou mesmo controle social, especialmente em face da ideia de “proteção da
sociedade” e até mesmo “equilíbrio social” (DIETER, 2005, p. 1-12).

De fato, a existência de mecanismos de controle e punição pode gerar um ambiente de


aparente sensação de segurança e até mesmo de pressão psicológica para que os indivíduos
aceitem a imposição das regras jurídicas. Como dizia Karl Olivecrona (1939, p. 9-28), não se
trata de acreditar que o direito possua naturalmente uma força obrigatória. Esta é apenas uma
ilusão, uma imaginação, mas que possui efeitos sociais relevantes, na medida em que
influencia o comportamento dos diferentes sujeitos.

No âmbito da estratégica dogmática, o debate em torno dos fundamentos ou objetivos


da pena também marca forte presença. Por intermédio da aplicação da pena, o aplicador do
direito pode alegar funções como reparação, denúncia, incapacitação, reabilitação, dissuasão
ou retribuição (BITENCOURT, 2020, p. 143). Este rol, porém, não é fechado e podem ser
sempre refletidos outros objetivos a partir do arcabouço jurídico-constitucional brasileiro.

No caso do efeito de retribuição, porém, há um fator pertinente para as discussões


deste artigo. No discurso jurídico, a pena é comunicada como uma espécie de “mal” ou
“castigo” nas teorias absolutas, de modo que a pena seria justificada como punição/reparação
pela ofensa ao valor violado. Por isso, tais penas também são conhecidas como retributivas
(BITENCOURT, 2020, p. 143). Desde já, nota-se que há uma relação muito próxima entre essa
lógica punitiva e a exigência do princípio da proporcionalidade, uma vez que a pena não deve
exceder ao dano social causado, e exige uma ordenação sistemática de critérios e regras,
porque não se trata de uma síntese ordenada, mas de elementos um tanto dispersos, e cuja
ordem hierárquica se faz necessário determinar (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 929).

Consideradas essas premissas gerais sobre a aplicação da pena, é possível passar ao


exame mais específico do dispositivo normativo brasileiro.

2.2 O dever de observar a reprovabilidade da conduta criminosa


Quando o art. 59, do Código Penal, menciona que todas as circunstâncias judiciais
devem ser consideradas para “reprovação e prevenção do crime”. A ideia de reprovação, seria
possível, à primeira vista, relacionar com a ideia retributiva da pena discutida no item anterior.
Afinal, considerando que se pretende punir o agente criminoso por meio da fixação da pena,
então é como se o Estado ficasse responsável por retribuir a prática do delito com a devida
aplicação da sanção penal. Para cada ilícito e injusto penal, uma sanção correspondente.

No entanto, tanto a reprovação como a prevenção significam valorações fundamentadas


pela autoridade competente. No processo penal moderno, porém, tais fundamentações
decisórias devem ser tomadas em conjunto com a observância de garantias fundamentais
como os princípios do contraditório, da ampla defesa e “paridade de armas” – de modo que o
réu possa contrarrazoar adequadamente antes da decisão ser prolatada em juízo (SILVA, 2017,
p. 125-127). Todos esses conceitos serão construídos e apresentados discursivamente.
Portanto, é preciso também considerar a distribuição do ônus argumentativo entre os sujeitos.

À luz da perspectiva retórica para reflexão sobre o mundo dos crimes, Israel Jório (2020,
p. 76-81) enfatiza: as normas não são extraídas dos fatos; são produtos da vontade humana,
“criações dirigidas ao controle de alguma conduta”. A prática jurídica é, assim, comunicação
social prática para fins de controle social.

Então, para além da atribuição da pena correspondente, há também uma valoração que
envolve as circunstâncias e a finalidade da conduta praticada pelo indivíduo. Porém, qual filtro
é indicado pela legislação para servir como parâmetro de análise? Para isso, aparecem as
circunstâncias específicas do art. 59 – analisados no próximo subtópico 2.4. Antes, porém,
deve-se considerar a questão da prevenção de potenciais práticas delitivas.

2.3 O dever de observar a prevenção de novas práticas criminosas

Acerca do outro critério anunciado no artigo 59, a prevenção do crime, é preciso


considerar que o termo pode dar ensejo a narrativas e ideias muito diferentes. Atualmente, a
dogmática brasileira realiza um esforço para sistematizar duas espécies: prevenção geral e
prevenção especial. No caso da prevenção geral, ainda seria possível subdividi-la em
prevenção geral positiva e prevenção geral negativa. E também a prevenção especial pode ser
classificada como positiva ou negativa. De forma breve, é possível observar em que consiste tal
discussão.

Quando a argumentação jurídica se volta para o controle genérico dos atos ilícitos,
buscando diminuir ou erradicar sua ocorrência, então haveria uma prevenção geral. Em sua
modalidade negativa, pretende desestimular as práticas do crime em geral. É o caso de
propagar a ideia de que o “crime não compensou” e que houve a devida condenação e sanção
do agente criminoso, servindo de exemplo (BITENCOURT, 2020, p. 142).

A prevenção geral positiva, por outro lado, tem pretensão de demonstrar a força da lei,
da norma jurídica penal, enquanto vigente e válida. É uma ideia, portanto, que remete a
confiabilidade da sociedade na coercibilidade da lei penal (ROXIN, 1997, p. 91).

Diferentemente destas, a prevenção especial está relacionada especificamente à pessoa


condenada e ao caso específico. Por tanto, poderá ser também negativa quando se argumenta
que o condenado não deseje cometer novamente o crime. Assim, trata-se de evitar a
reincidência. Em sua modalidade positiva, se pretende que o indivíduo volte ao convívio social,
submetendo-se e respeitando as regras. É, portanto, a preocupação com a ressocialização
concreta e efetiva do indivíduo (ROXIN, 1997, p. 91).

2.4. O exame de culpabilidade e a aferição das circunstâncias judiciais “objetivas”

Discutidas as premissas mais gerais da aplicação do artigo 59 para a atribuição da pena,


é possível partir para o exame mais detalhado das circunstâncias que justificarão a formação
da pena-base.

O primeiro topos da argumentação envolve a questão da culpabilidade. Esta


fundamenta-se no sistema penal brasileiro de modo a limitar a responsabilidade penal do
indivíduo. Neste caso, a culpabilidade está relacionada com o dever de considerar a
reprovabilidade da conduta. Então a culpabilidade não é aqui condição de elemento do crime,
e sim o grau de censurabilidade que o agente sofrerá, partindo das características disponíveis
apreciadas no caso concreto. Esta é uma espécie de “filtro interpretativo” de todas as
circunstâncias judiciais do art. 59 (BUSATO, 2010, p. 143-148).

A culpabilidade torna-se, no discurso, uma diretriz estratégica para motivar a


fundamentação e decisão do julgador. Esta possui o ônus argumentativo para verificar a
ocorrência da prática ilícita, destacando e identificando o grau de reprovabilidade da conduta
dentro das circunstâncias do caso concreto. Por isso, a culpabilidade do art. 59 não se
confunde com outros debates como a questão da inimputabilidade ou exigência de conduta
diversa.

Nestes termos, Ricardo Augusto Schmitt (2020, p. 137) também argumenta, concluindo
que não se trata do exame sobre a ocorrência ou não de fato criminoso, mas sim da
demonstração de elementos concretos da infração penal que permitem identificar o grau de
reprovação penal da conduta do agente. Trata-se tão somente de argumentar em que
proporção necessária a pena deverá ser fixada para a reprovação e censura de sua conduta.

Portanto, enquanto circunstância judicial, a culpabilidade está relacionada com a


censurabilidade de conduta, medindo o grau de reprovação, e sua classificação dita como
negativa precederá de comprovação probatória concernente ao caso. Tudo isso será
construído no embate entre narrativas estratégicas diversas e divergentes, das quais resultará
a retórica material, composta pelos relatos vencedores.

A partir de julgamentos de Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal (como o HC


81425/PE e o HC 84120/SP), a doutrina também tem construído classificações para a
culpabilidade enquanto circunstância judicial de aplicação da pena. Por exemplo, falando-se
em “culpabilidade normal” para diferenciar as situações gerais da “culpabilidade mitigada ou
mínima” quando o sujeito não tem compreensão ampla sobre o grau criminoso de sua
conduta. Ou ainda, quando se fala em “culpabilidade exacerbada ou censurável” para
indivíduos que possuem elevado grau de escolaridade ou conhecimento ou ainda uma
condição social que lhe permite a plena consciência da sua conduta criminosa (SCHMITT, 2020,
p. 132).

Todas essas são construções retóricas que pretendem lidar com a variedade de casos,
com base na diretriz geral da reprovabilidade da conduta segundo o conhecimento disponível
e esperado do agente.

Outra circunstância estratégica é a análise dos antecedentes do agente. Estes se referem


à valoração do histórico judicial do agente. A retórica dos antecedentes criminais serve,
portanto, para o potencial agravamento da pena. Assim, em razão de condenações efetivas
por fatos anteriores ao crime investigado, é construída uma valoração negativa na
argumentação jurídica. Por outro lado, se não houve envolvimento em outros processos
criminais condenatórios com trânsito em julgado, a retórica dos antecedentes será em
benefício do réu (SCHMITT, 2020, p. 132). Retoricamente, a reincidência diz respeito ao ethos
do indivíduo e tem por base o conhecido argumento ad hominem, pelo qual o peso do discurso
é transferido para quem fala e não para o que é efetivamente dito (ADEODATO, 2023, p. 17).

Outro topos é a questão da motivação do crime. Ao analisar os motivos pelos quais o


agente cometeu o ilícito, assim como verificar o seu contexto, bem como analisar por qual
razão o agente cometeu o crime, isto significar dizer, apanhar as razões subjetivas que
impulsionou o crime, bem como analisar o contexto social e ver o quanto seria aceito os seus
motivos pela sociedade, hipótese em que irá auxiliar para aferição do grau de reprovabilidade
da conduta. Então, o motivo aparece como fator íntimo que provocou a ação criminosa
(inveja, torpeza, gratidão, moral, honra etc.) (BITENCOURT, 2020, p. 143).

Em relação às circunstâncias em que crime foi cometido, devem ser narradas e


examinadas todas as características do próprio fato que ao juiz do processo caberá apreciar e
ponderar (STJ, HC 301.754/SP). São, portanto, fatores como o ânimo do agente, o local da
ação, o tempo que se levou para o acontecimento da ação criminosa, as condições e modo de
agir, os objetos utilizados, e as atitudes e decisões tomadas pelo autor no decorrer da ação,
bem como o relacionamento entre autor e vítima.

Para exemplificar, a fundamentação exposta no Habeas Corpus HC 206085/ES no


Superior Tribunal de Justiça apresenta a argumentação de um magistrado que considerou as
circunstâncias do crime como “desfavoráveis” em razão do ato ter sido praticado em “local
ermo”, “sem sinal de telefonia”, “tarde da noite” e com o uso de “éter” para dominar a vítima.
Nota-se, por sinal, que, mesmo sendo consideradas como circunstâncias “objetivas”, tais
quesitos são completamente construídos na tomada de decisão pelo julgador.

Ainda que se referencie a própria jurisprudência do Tribunal, a decisão não deixa de


carregar um olhar subjetivo, uma vez que atribui um valor negativo ao horário em que o crime
foi cometido – como se a realização da conduta criminosa à luz do dia tornasse o crime menos
reprovável na sociedade (STJ, HC 206085/ES).

Outra categoria considerada “objetiva” pela dogmática jurídica é o exame das


consequências do crime. Basicamente, consiste em verificar os danos causados à vítima, aos
familiares, à sociedade e mesmo ao bem jurídico tutelado – sejam eles de ordem material ou
não. Basta ter sido gerado grande sofrimento ou consternação pública e já será possível
argumentar que houve, no caso concreto, consequências negativas.

A última das circunstâncias judiciais “objetivas” é a retórica do comportamento da


vítima. Por um lado, poder-se-ia argumentar que devem ser examinadas as condutas da vítima
para verificar se houve provocação ou algum comportamento belicoso que tenha cooperado
para a ocorrência do delito. Ou até mesmo algum descuido. De um ponto de vista retórico,
porém, nenhum desses fatos é passível de uma verificação objetivamente neutra: são sempre
relatos que podem prevalecer diante de elementos retóricos que tornem a argumentação mais
plausível.

No caso concreto, porém, um olhar crítico para o uso estratégico desse quesito pode
demonstrar problemas sobre um julgamento moral ou ideológico da vítima. É o caso, por
exemplo, da polêmica discussão sobre a adequação das vestimentas de uma mulher vítima de
crimes contra a dignidade sexual. De todo modo, o critério é construído na pragmática, na
interação entre os agentes que se comunicam no processo judicial. Assim, pode servir como
estratégia para suavizar a pena ou também para torná-la mais rigorosa. E, de todo modo, não
será uma argumentação para “justificar” o crime ou para responsabilizar a vítima, mas tão
somente para fins de dosimetria da pena.

2.5. As circunstâncias judiciais reconhecidamente “subjetivas”

Até o presente momento, todas as circunstâncias judiciais são consideradas “objetivas”


em razão de algum tipo de parâmetro mais ou menos estabelecido. No entanto, o problema
torna-se ainda mais sensível nas duas próximas circunstâncias judiciais, consideradas pela
dogmática como “subjetivas” – relacionadas à personalidade do agente criminoso e sua
respectiva vida social. Nestes quesitos, a abertura semântica é ainda mais difícil de ser
controlada pela dogmática jurídica.

Em relação à primeira circunstância subjetiva, a personalidade do agente, há a


verificação de qualidades e especificidades que definem a individualidade de uma pessoa.
Neste caso, a autoridade judicial deverá analisar índole do agente e o seu temperamento,
incluído aí tudo que pode caracterizar alguém. Nas palavras de Ricardo Augusto Schmitt (2020,
p. 157): “o exame da personalidade se revela numa tarefa complexa para o julgador. Na
prática, como regra geral, o juiz possui apenas um contato pessoal próximo com o acusado,
que ocorre no interrogatório”. Assim, é comum a argumentação de que não existe um suporte
para uma adequada verificação do quesito.

De todo modo, como já foi dito, o ônus argumentativo inicial para demonstrar uma
suposta má personalidade cabe ao órgão de acusação, que deverá ser considerado em meio ao
contraditório e posteriormente apreciado pelo magistrado. Portanto, na ausência de
argumentação sobre a questão, dever-se-ia entender como uma circunstância favorável ao
indivíduo – ao menos em uma interpretação garantista do art. 59.

Há, de fato, um potencial risco para as garantias processuais do indivíduo, pois além da
ausência de aptidão e tecnicidade psíquica do magistrado, este poderá se valer de estratégias
retóricas para argumentar e caracterizar uma suposta má personalidade do agente com
referência a alguns episódios de sua vida.

Por fim, um último lugar-comum da argumentação das circunstâncias judiciais é a


“conduta social” ou modo como se socializa em sua vida. Trata-se de analisar a relação do
agente com o nicho social, relação com o seu ambiente familiar, seu relacionamento social no
ambiente de trabalho e na convivência com seus próximos (SCHMITT, 2020, p. 158). É claro
que nem sempre o juiz terá todos os detalhes que circulam a vida do agente; no entanto,
todos esses detalhes fazem parte de um conjunto que podem auxiliar na aferição de tal
circunstância judicial. Na dúvida, a conduta deve ser considerada como favorável ao indivíduo
– uma vez que o ônus argumentativo para uma pena maior deve ser estritamente
demonstrado pela acusação e bem fundamentado pelo juiz com elementos concretos. Todos
esses fatos e narrativas são relacionados, por certo, ao momento anterior à prática do crime.

No entanto, a ideia de boa ou má conduta social acaba tendo uma abertura


interpretativa para cada julgador, uma vez que o texto legal é incapaz de detalhar e antever
todas as situações e nuances do mundo real. E, ainda que detalhasse tudo que o legislador
entende como má conduta social, ainda assim tudo isso seria construído pelo intérprete no
momento da aplicação do direito.

Sendo assim, essa última circunstância judicial pode ser vista como problemática em
muitos casos – e, talvez, pudesse até mesmo ser abolida pelo legislador. Isso porque quando o
magistrado estiver decidido a atribuir uma pena rigorosa, utilizará essa circunstância de modo
estratégico, reunindo e selecionando fragmentos de jurisprudência para endossar sua
perspectiva, emplacando aquela sua vontade íntima. Ainda sobre o tema, o STJ firmou
entendimento no sentido de que o “os antecedentes sociais do réu não mais se confundem
com seus antecedentes criminais” (STJ, REsp nº 1.760.9720 MG).

Inquéritos policiais e ações penais em curso não são aptos para agravar a pena-base.
Este é o entendimento de acordo com a atual tendência dos Tribunais superiores, que
entendem inexistir provas acerca da materialidade dos crimes praticados. Enquanto os
antecedentes se restringem aos envolvimentos criminais do agente, a conduta social tem um
alcance mais amplo: suas atividades relativas ao trabalho, seu relacionamento familiar e social
e qualquer outra forma de comportamento dentro da sociedade (STJ, REsp nº 1.760.9720 MG).

Manipulações estratégicas das circunstâncias judiciais – sejam elas de ordem “objetiva”


ou “subjetiva” – carregam sempre subjetividades na tomada de decisão. E, como tal, podem
ser configuradas, na argumentação jurídica, como verdadeiras violações a direitos humanos
fundamentais, especialmente quando há grave prejuízo ao indivíduo. Afinal, tratam de
garantias processuais fundamentais.

Sobre esse tema, Cláudio Brandão reforça que o conteúdo dos direitos humanos está
relacionado às exigências para a possibilidade de reconhecimento como humanos pelo direito,
vinculando-se à própria condição humana. São exigências que consideram os seres humanos
como seres dotados de vontade, consciência, percepção e todos os demais atributos de sua
plena dignidade. Dentre esses direitos, estão as garantias processuais que permitem que os
indivíduos tenham mecanismos para atuar diante da jurisdição estatal (BRANDÃO, 2014, p. 04-
05).

Esclarecidos os termos principais do raciocínio dogmático sobre a questão das


circunstâncias judiciais subjetivas na aplicação da pena, é possível passar para o próximo
tópico sobre o potencial da análise crítica com base no raciocínio tópico-retórico.

3. O ENFRENTAMENTO RETÓRICO DO PROBLEMA DAS CIRCUNSTÂNCIAS SUBJETIVAS NAS


DECISÕES JUDICIAIS CRIMINAIS

Havendo praticamente um consenso de que as decisões judiciais criminais não são


confeccionadas nem guiadas por silogismos perfeitos, o modo de pensar baseado em
problemas e casos concretos abre espaço para o raciocínio tópico-retórico – e, assim, o foco
deve ser a “real produção” das decisões. É preciso revelar falhas como “saltos lógicos, meras
alusões, conclusões duvidosas, suposições pouco claras” (SCHLIEFFEN, 2022, p. 90-91).

Como assinala Marcus Faro de Castro (2012, p. 1-15), ainda é muito comum imaginar o
direito como conjunto de conceitos e formas abstratas que teriam sido racionalizadas e
positivadas ao longo do tempo. Por isso, no caso das circunstâncias judiciais para aplicação da
pena, ainda é frequente o estudo de categorias e conceitos abstratos para supostamente
orientar a atividade interpretativa. No entanto, tal perspectiva apenas gerou um deslocamento
da realidade social, imunizando a ordem vigente e tornando o jurista como um “opressor”, na
medida em que se torna incapaz de agir como sujeito crítico. Se o direito não é um repositório
de ideias fixas e inalteráveis, é preciso enfatizar seu caráter fenomênico conectado a conflitos
sociais reais e localizados em um contexto histórico particular.

Sendo o direito fenômeno social dinâmico e linguístico, a análise retórica não pretende
antecipar o futuro – enquanto teoria empírica, esta opta por observar as experiências e
eventos passados. Trata-se de pesquisa empírica, então, em dois sentidos: a) enfatiza o que se
manifesta concretamente em argumentações reais (análise retrospectiva); b) como descrição,
tenta oferecer uma análise tentativamente neutra, mas que admite seu potencial prescritivo –
uma vez que não perde sua condição de linguagem. Extirpar a influência do observador de sua
observação é uma atitude ingênua. Assim, a retórica analítica não participa das disputas
estratégicas sobre qual teoria prescritiva é melhor, mas pretende examiná-las e compreender
como funcionam.

Pelo primeiro nível retórico, os critérios para aplicação da pena no ordenamento jurídico
brasileiro apresentam-se como acordos provisórios – por si só, já é uma tarefa suficientemente
complexa para qualquer teoria do conhecimento. Essa retórica material de categorias como
“culpabilidade do agente”, “motivação do crime” e “comportamento da vítima” apresenta-se,
portanto, como uma narrativa provisoriamente aceita na comunidade jurídica. Por isso, a
literalidade dos dispositivos apenas fornece um caminho para estruturação de argumentos
plausíveis, mas é incapaz de aprisionar o intérprete. Por outro lado, a consideração das
narrativas sobre a formação histórica dessa retórica material e sobre o que tem prevalecido na
jurisprudência dos tribunais pode auxiliar sua compreensão.

Ao analisar retoricamente o segundo nível estratégico da comunicação jurídica, a


preocupação jurídica está voltada para os acordos ou embates normativos sobre como a
aplicação da pena deve ser realizada, considerando as diferentes propostas das teorias da
interpretação e argumentação. Trata-se de investigar como a dogmática jurídica tem discutido
a orientação prescritiva do comportamento dos sujeitos envolvidos no processo penal
específico. Lida, portanto, com o problema ético e normativo da aplicação da pena. Não
apenas as construções doutrinárias da literatura especializada, mas também os discursos
prescritivos sustentados em petições, pareceres, decisões e votos proferidos em acórdãos de
tribunais. Trata-se, desta vez, de observar o comportamento discursivo estratégico real.

Neste segundo caso, ganham força as propostas dialéticas, na medida em que podem
mapear os tipos e a frequência de estratégias retóricas tanto no discurso apresentado como
também em propostas alternativas formuladas por outros sujeitos. Por exemplo, o órgão
acusatório ministerial pode oferecer argumentação sobre como tais circunstâncias judiciais
devem ser interpretadas; a defesa, por outro lado, deve rebater e contrarrazoar, oferecendo
outros argumentos e figuras retóricas. Ao final, o magistrado ou o órgão colegiado deverá
também oferecer sua fundamentação, corroborando ou rebatendo as informações disponíveis
nos autos do processo. Desse modo, a análise das retóricas estratégicas pode também abrir
um campo de investigação do dissoi logoi – que é a estratégia, herdada dos antigos gregos, de
confrontar posições e argumentos divergentes para construção de um juízo adequado.

Ao analisar o comportamento da vítima, por exemplo, a autoridade julgadora confronta


as diferentes posições oferecidas pela acusação e pela defesa? De que modo tal
fundamentação dialoga com os elementos trazidos pela própria vítima, por eventuais
testemunhas e pelo réu? Se a tendência da fundamentação decisória for apenas de “justificar”
seu ponto de vista, há o risco de a autoridade se fechar aos sujeitos com os quais concorda,
selecionando e valorando argumentos para apenas apoiar sua conclusão. Por isso, Katharina
von Schlieffen (2022, p. 151-154) escreve que, nesse teatro, a argumentação jurídica é
formada por “asserções” e argumentos de “suporte”.
De toda forma, a análise retórica das estratégias discursivas (a metalinguagem sobre a
retórica estratégica) não se reduz ao exame daquilo que pode ter sido persuasivo. Pode-se
também observar, em termos comparativos, modelos argumentativos latentes de decisão
oferecidos pela academia ou em julgados sobre casos semelhantes, de modo a tentar
compreender o grau de coerência (ou incoerência) da prática jurídica com seus próprios
precedentes ou com as expectativas que são formuladas em outros ambientes. As
possibilidades de problematização são muitas.

Neste momento, é possível pensar um exemplo de aplicação prática da retórica analítica


da aplicação da pena. No já mencionado Habeas Corpus 206085/ES, o Superior Tribunal de
Justiça considerou que o “local ermo” e o horário da prática criminosa deveriam ser
considerados em prejuízo ao réu na dosimetria da pena. Podemos chamar essa argumentação
e “Texto Estratégico 1”(TE1) – uma construção estratégica para a fundamentação judicial.

Por outro lado, uma determinada pesquisadora poderia analisar também, se assim o
quiser, os critérios oferecidos por Adilson Moreira (2019) sobre a “hermenêutica do oprimido”,
observando se seria o caso de aplicar as categorias do “jurista negro” para considerar as
condições estruturais da situação dos sujeitos empiricamente envolvidos – especialmente para
incorporar a experiência de minorias raciais como parâmetro normativo. Essa argumentação
doutrinária de Adilson Moreira poderia ser chamada de “Texto Estratégico 2” (TE2) – que
consiste em teor prescritivo, logo uma retórica estratégica também. Ou, ainda se desejar,
poderia trazer critérios tradicionais oferecidos pela dogmática jurídica tradicional – a exemplo
dos comentários de Cezar Bitencourt (2020) – “Texto Estratégico 3” (TE3).

No exemplo acima, as possibilidades de uma retórica analítica são diversas. Poder-se-ia


optar, “simplesmente”, em “dissecar” o discurso do primeiro texto estratégico, mapeando as
estratégias retóricas e os meios de prova. Como fez Katharina von Schlieffen (2022, p. 157-
165), poderia ser feito um “sismógrafo” com um gráfico de linhas (quantidade de figuras
retóricas X número da frase da decisão) – de modo a compreender a frequência, a intensidade
e o momento da dinâmica retórica nesse tipo de tomada de decisão.

Por outro lado, uma pesquisa retórica analítica também poderia compreender as
estratégias discursivas de TE1 e verificar se estratégias semelhantes também foram usadas em
outras estratégias (como TE2 e/ou TE3). Nesse caso, a pesquisa não defenderia que TE1
deveria adotar os critérios de TE2 ou TE3, pois não tem pretensão prescritiva rígida, mas
poderia compreender se essas diferentes comunicações encontram-se isoladas ou se há
potencial relação. Na medida em que o sistema jurídico fosse caracterizado por decisões
isoladas e sem qualquer conexão com as demais, a retórica analítica poderia auxiliar na
compreensão do estado da arte possivelmente autoritário ou de incoerência decisória. Se, por
outro lado, o sistema mantém elementos comuns, estes podem auxiliar a percepção sobre o
que tem sido considerado “plausível” para a elaboração da argumentação jurídica – tudo isso
em uma dimensão prática real.

Em face de todas essas questões, a retórica analítica da aplicação da pena revela


algumas potencialidades em diferentes âmbitos: a) no ensino do direito; b) na prática jurídica;
c) na produção acadêmica sobre o direito.

Em relação ao primeiro aspecto, rompe-se com a perspectiva de “ensino bancário”


baseado na figura de um mestre que destila lições de dogmatismo abstrato sobre como os
princípios fundamentais do direito constitucional, penal ou processual penal conseguem guiar
o intérprete para uma única interpretação correta e totalmente segura de modo atemporal.
Em segundo lugar, rompe-se também com uma postura de “fetichismo institucional” que
sufoca possibilidades interpretativas (UNGER, 2004, p. 16), na medida em que este
transformaria o ensino jurídico como mero repositório de informativos jurisprudenciais para
concursos e processos seletivos, além de fazer parecer que as coisas sempre foram assim e as
instituições sempre continuariam sendo assim – quando, na verdade, o futuro inexiste e tudo
está contingencialmente em aberto nas sociedades complexas.

O ensino jurídico das circunstâncias judiciais da aplicação da pena, especialmente as


indicadas no art. 59 do Código Penal, envolvem, portanto, a dinâmica prática da constante
construção do seu sentido. Por isso, muito mais produtiva é a problematização dialética sobre
as diferentes propostas e posições interpretativas oferecidas na argumentação, além de ter a
consciência da transformação substancial que esses conceitos adquirem ao longo do tempo e
em diferentes contextos sociais. Por tudo isso, a abordagem retórica significa que tais
categorias não devem ser compreendidas de modo isolado, como se estivessem em
laboratório clínico e dissociadas dos conflitos sociais. É preciso verificar quais são os discursos
que hoje prevalecem no mundo jurídico, compreendendo quais elementos são considerados
“plausíveis” e “regulares” – para que os próximos juristas tenham consciência das expectativas
do auditório que os espera, além de prepará-los para a dinâmica argumentativa de disputa e
transformação de sentidos.

Não custa enfatizar: a retórica analítica não pretende aniquilar a dogmática ou as teorias
normativas por conta de sua característica pretensamente descritiva. Mas desconfia e não crê
em teorias seguras que guiarão o jurista à verdade. Deve, no entanto, situar-se no mundo
prático e observar como os conceitos estão sendo construídos na história social e como os
discursos normativos estão tentando moldar, ou ao menos influenciar e constranger, a
atuação dos juristas constantemente.

Na prática jurídica penal, provavelmente, a principal potencialidade da retórica analítica


é despertar o jurista para o dever de compreender seu próprio ambiente de trabalho: seu
auditório, sua conexão com conflitos sociais, os elementos plausíveis que geralmente são
aceitos e que costumam influenciar as decisões penais sobre aquele tipo de problema. No caso
da dosimetria da pena, em especial por conta da ampla indeterminação consentida pelo
legislador, há uma imensa dificuldade dogmática na orientação presente da prática jurídica.
Por isso, o olhar retórico pode oferecer uma compreensão mais realista do mundo e, a partir
disso, agir como sujeito autônomo na escolha de suas próprias estratégias, de acordo com os
valores reproduzidos em sua comunidade específica.

Não é difícil perceber que casos semelhantes são julgados de modo muito diferente em
matéria penal. Os fatores são múltiplos e o debate é, portanto, complexo. Mas justamente por
conta disso é que o imaginário dedutivo não consegue ser capaz de guiar completamente o
jurista em seu cotidiano – razão pela qual poderia levá-lo a algum tipo de decepção ou
frustração em seu exercício laboral. Quanto antes tiver a compreensão desse cenário, mais
rápido poderá agir para imunizar-se contra estratégias retóricas de adversários.

Por fim, a produção acadêmica também ganha com a crescente consolidação de


pesquisas retóricas na área criminal. Principalmente pela característica da análise empírica,
que pode ir além da análise argumentativa, considerando também fatores não escritos nas
decisões. Permite a observação da formação real do direito, considerando seu contexto e as
estratégias dos sujeitos envolvidos; por outro lado, sem a pretensão de construir teorias
indutivas para estabelecer leis universais que poderiam guiar o jurista no futuro. Mesmo a
utilização de pesquisas quantitativas, com a produção de estatísticas, possui a funcionalidade
de colaborar para a compreensão de um contexto pretérito, não indicando que será assim nos
próximos dias ou anos. Afinal, os valores da comunidade são dinâmicos – e o que é persuasivo
hoje pode deixar de sê-lo amanhã.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste artigo e com base em tudo que foi discutido e analisado até o momento, é
possível visualizar algumas conclusões fundamentais.

Em primeiro lugar, foi possível visualizar a retomada das perspectivas tópico-retóricas


como modelo de análise para compreensão da prática jurídica, em especial seu crescente uso
na área das ciências criminais no Brasil. Essa primeira discussão permitiu o esclarecimento das
premissas adotadas no raciocínio da pesquisa, tornando mais transparentes seus resultados e
também seu método retórico. Tal pesquisa permite, assim, sua inserção em uma categoria
mais ampla: a redescoberta da retórica jurídica como modo de compreensão da prática penal.

Ao observar o problema de pesquisa, relacionado à aplicação da perspectiva tópico-


retórica ao debate em torno da aplicação judicial da pena, optou-se de modo mais delimitado
ao debate específico em torno dos sentidos atribuídos ao art. 59 do Código Penal brasileiro. No
tópico segundo, foi possível identificar campos de indeterminação normativa que indicam
possibilidades de contribuição pelo pensamento tópico-retórico – mais adequado para tratar
de casuísmos, verossimilhanças e a lógica do razoável ou plausível. Nesse sentido, foram
examinados os deveres de considerar a reprovabilidade e a prevenção das práticas criminosas
assim como as espécies de circunstâncias (“objetivas” e “subjetivas”).

Em caráter de hipótese ou conjectura, foi possível debater o pressuposto de que o


realismo retórico pode contribuir para o afastamento de ingenuidades ou perspectivas
essencialistas que não conseguem lidar com o mundo prático real do direito. De fato, ao abrir
mão de um modelo essencialista ou abstrato-idealista, a hipótese metodológica apresentada
ofereceu uma discussão mais proveitosa, no sentido de conseguir preocupar-se com o modo
como o direito de fato acontece. Ao fazer isso, permite a visualização da característica da
impossibilidade de controle ideal da autoridade judicial pelo texto legislativo por si só. A
suposta ideia de que poderia haver uma moldura rígida para o “enquadramento” dos
magistrados no momento da aplicação da lei aparece como uma perspectiva que já não
consegue lidar com as características do direito moderno.

No tópico 3, o artigo conseguiu identificar alguns caminhos para um Programa de


Pesquisa mais amplo sobre a adoção da perspectiva tópico-retórica para a compreensão da
prática penal brasileira. Apontou alguns pressupostos, em oposição a modelos abstratos de
dogmatismo, concluindo pelos efeitos do raciocínio retórico para a compreensão dos acordos
comunicativos sobre o sentido material das circunstâncias judiciais da aplicação da pena, além
de traçar alguns caminhos para uma metalinguagem analítica sobre as retóricas estratégicas
que tentam moldar a atuação dos juristas – também produzida retoricamente.

Ao final, a pesquisa reflete sobre potenciais consequências da adoção dessa perspectiva


em três campos: a) no ensino jurídico a partir da problematização tópico-retórica; b) na prática
jurídica realista, com a imediata libertação dos juristas em relação ao ingênuo mito de certezas
produzidas silogisticamente; c) na produção acadêmica sobre o direito, a partir de uma
perspectiva empírica, retrospectiva e com abertura ética ao futuro.

Em face de todas essas questões, o artigo fornece uma contribuição que poderia ser
descrita como “pesquisa retórica de base”, uma vez que pretendeu refletir sobre as bases
teóricas, as potencialidades e os potenciais efeitos da aplicação tópico-retórica no debate
sobre as circunstâncias judiciais da aplicação da pena – indicadas no art. 59 do Código Penal
brasileiro. Com isso, a pesquisa indica caminhos que podem colaborar para o surgimento ou
consolidação de novas pesquisas para a melhor compreensão dos problemas nacionais.

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