Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Mariá Brochado
Sumário
1. Introdução. 2. Questão prolegômena: o
processo na órbita constitucional. 3. O devido
processo legal. 3.1. Notícia histórica do institu-
to. 3.2. As fases do devido processo legal: adje-
tiva e substantiva. 3.3. O devido processo legal
atualmente. Algumas considerações críticas
sobre o tema. 4. O princípio da proporcionali-
dade ou razoabilidade e sua aplicação em ma-
téria de direitos fundamentais. 4.1. Conceito e
sentidos do princípio da proporcionalidade. 4.2.
A proporcionalidade e os direitos fundamen-
tais. 5. A proporcionalidade e o devido proces-
so legal. 6. O princípio da proporcionalidade e
o devido processo legal no sistema jurídico
brasileiro. 7. Ainda algumas considerações so-
bre o tema. 8. Tripla conclusão: Sistêmica, Téc-
nica e Ontológica.
1. Introdução
O pensamento jurídico contemporâneo
tem-se defrontado com um dos problemas
Mariá Brochado é Especialista e Mestra em
mais importantes no que diz respeito à apli-
Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito
da UFMG, Professora de Instituições de Direi- cação do direito: a efetivação judicial dos
to da Universidade Estácio de Sá, em Belo Ho- direitos fundamentais. O problema da de-
rizonte, Professora de Filosofia do Direito e claração desses direitos, parece, tem sido so-
Introdução ao Estudo do Direito da Faculdade lucionado desde a Revolução de 1789, mas
de Direito do Médio Piracicaba, Professora de hoje a grande questão é o momento da apli-
Teoria Geral do Direito do Curso de Pós-gra- cação, em que podem surgir conflitos entre
duação em Direito do Instituto de Educação tais direitos ou princípios que resguardam
Continuada da Pontifícia Universidade Católi- o Estado Democrático de Direito, o que tem
ca de Minas Gerais, Professora de Filosofia do
exigido da jurisprudência constitucional,
Direito do Curso de Pós-graduação em Direito
da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção com base no desenvolvimento da Doutrina,
Minas Gerais, Assessora Jurídica do Gabinete um acentuado esforço hermenêutico.
da Procuradoria Geral do Município de Belo Pretende-se com este artigo desenvolver
Horizonte. um estudo sobre o tema candente do princí-
Brasília a. 39 n. 155 jul./set. 2002 125
pio da proporcionalidade, quer sob a ótica O princípio da independência do juiz não
teórico-jurídica, quer sob o prisma do seu é senão corolário da cautelosa separação fei-
desenvolvimento prático, envolvendo, por- ta entre direito e atividade política. O direi-
tanto, as posições que tratam do denomina- to nasce de fins, mas se torna independente
do “devido processo legal”. deles, impondo-se posteriormente por uma
O trabalho desenvolve-se a partir de duas “autovalidade”, que se expressa na sua obri-
vertentes: a que considera o tema sob o pris- gatoriedade (ou força vinculante) (p. 119).
ma do due process of law e a que o considera Qual seria o papel do processo diante des-
como “princípio da proporcionalidade” e sas três idéias?
tem como objetivo expor as posições doutri- Com relação à finalidade do direito, te-
nárias mais importantes sobre o assunto, mos que o direito processual tem como obje-
demonstrando a necessidade de elevar o tivo auxiliar a realização do direito material;
tema a uma consideração jusfilosófica. Jus- contudo, vale por si mesmo, “é obrigatório,
tifica-se, portanto, pela relevância científica não só no caso de não auxiliar coisa algu-
do tema e pela inegável atualidade. ma, como até mesmo no de prejudicar essa
realização” (p. 120). E Radbruch acrescenta
2. Questão prolegômena: o processo que o direito não conhece imperativos hipo-
na órbita constitucional téticos, inclusive o próprio direito proces-
sual, cuja validade independe do seu valor
Gustav Radbruch aborda a questão pro- como meio para atingir um fim. Até o direito
cessualística numa perspectiva jusfilosófi- processual, com toda a sua definição finalís-
ca e, dentro da sua doutrina de bases tica, só conhece imperativos categóricos, que
neokantianas, relaciona o processo aos três valem por si mesmos, em face da obrigatorie-
lados que, segundo ele, compõem o concei- dade própria do direito positivo (p. 120).
to (ou idéia) de direito. São eles: “a idéia de A independência entre direito material e
justiça, a de fim do direito e a da sua seguran- direito formal distingue dois tipos de rela-
ça ou certeza” (1961, p. 118). ção jurídica: a relação jurídica processual e
A idéia de fim no direito o coloca em si- a relação jurídica material. Tal distinção traz
tuação de dependência direta com o Estado, algumas conseqüências práticas que vão-
ou seja, com os fins preconizados por ele. Já a se concretizar sob a forma da segurança no
justiça e a segurança colocam-no em posição direito. Radbruch se refere à questão da pro-
de supremacia com relação ao próprio Esta- va em direito. Segundo ele, um advogado
do, transbordando “em larga escala para fora pode, por exemplo, pedir a absolvição do
dos próprios limites do Estado” (p. 118). réu, alegando a falta de provas sobre a prá-
A justiça exige a generalidade e a igual- tica de um determinado delito, mesmo sa-
dade da norma jurídica para todos os seus bendo pessoalmente da sua culpabilidade.
destinatários e a segurança exige a obriga- Quando o faz, “não deixa de advogar o di-
toriedade do direito positivo, sem se impor- reito, conquanto esse direito seja um direito
tarem respectivamente com o fato de estar a puramente formal e não material” (p. 121).
generalidade da norma jurídica de acordo Essa obrigatoriedade do direito processual,
com os fins estatais, ou a sua obrigatorieda- ainda que em oposição ao material, justifi-
de ser ou não conveniente para o Estado. ca-se pelo valor da segurança jurídica. As-
Assim, “mesmo que o ‘conteúdo’ do direito sim, a sentença transitada em julgado ad-
possa ser predominantemente determinado quire força independentemente de se encon-
pelos fins do Estado, o que, não obstante, per- trar em harmonia com o direito material.
manece indiscutível é achar-se a forma do ‘ju- Podem aparecer situações em que haja
rídico’, por definição, colocada fora e mais tal injustiça e tal inadequação do direito ao
acima de toda influência desses fins” (p. 118). seu fim, que o valor da segurança jurídica
CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido pro- ______. O estado ético e o estado poiético. Separata
cesso legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição de: Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas
do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. Gerais, Belo Horizonte, v. 27, n. 2, abr./jun. 1998a.
CINTRA, A. Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada ______. Os direitos fundamentais. Revista Brasileira
Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 82, 1996a.
do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
______. Princípios hermenêuticos dos direitos fun-
DINIZ, Márcio Vasconcelos de . Constituição e her- damentais. Revista do Tribunal de Contas do Estado de
menêutica constitucional. Belo Horizonte: Mandamen- Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 20, n. 3, jul./set.
tos, 1998. 1996b.
FAZZALARI, Elio. Instituzioni di diritto processuale. ______. Entrevista realizada no Tribunal de Con-
Padova: Casa Editrice Dott. Automi Milane, 1994. tas do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, set.
1998b.
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasi-
leira. São Paulo: Saraiva, 1989. SICHES, Luis Recacéns. Tratado general de filosofia
del derecho. Mexico: Porrua, 1975
GARCIA MAYNEZ. Introduccion al estúdio del dere-
cho. 7. ed. México: Porrua, 1956. SIDOU, Othon. Processo civil comparado: histórico e
contemporâneo. São Paulo: Forense Universitária,
GAVARA DE CARA, Juan Carlos. Derechos funda- 1997.
mentales y desarrollo legislativo: la garantia del conte-
nido esencial de los derechos fundamentales en la SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucio-
Ley Fundamental de Bonn. Madrid: Centro de Es- nal positivo. 15. ed. revista e atual. São Paulo: Ma-
tudios Constitucionales, 1994. lheiros, 1998.