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Contrato de factoring: autonomia da vontade e


dirigismo contratual. Uma análise da jurisprudência

João de Oliveira Rodrigues Filho


Juiz de Direito no Estado de São Paulo

Sumário: 1. Introdução; 2. Noções históricas; 3. Elementos conceituais e classifi­


cação; 4. Espécies e diferenças com institutos semelhantes; 5. Remuneração no contrato
de factoring; 6. Autonomia da vontade e dirigismo contratual no fomento mercantil:
análise jurisprudencial; 7. Conclusão.

1. Introdução

O positivismo jurídico, marcado pela postura de neutralidade científica e estrita


obediência à lei, porquanto esta se confunde com o próprio direito, já não mais encontra
sustentação nos dias atuais.
Após a Segunda Guerra Mundial, constatou-se a insuficiência do dogmatismo puro na
aplicação do direito, como forma de resolução de conflitos, justamente porque estados
autocráticos se valeram do positivismo estrito para legitimar condutas atrozes perpe­
tradas por tais regimes.
Surge então o pós-positivismo, com a reaproximação do direito à filosofia e as discus-
sões acerca de legitimidade e justiça de sua aplicação, através da inserção da ética no
equacionamento voltado ao seu estudo. Assim, com o pós-positivismo, busca-se ir além
da legalidade estrita, mas sem menosprezar o direito posto, ao proporcionar uma leitura
do texto legal ao lado de elementos axiológicos, sem recorrer a critérios metafísicos,
para se preservar a higidez científica do tema.
De acordo com Paulo Hamilton Siqueira Jr.1:

A reformulação do positivismo ante ao desenvolvimento e


complexidade social é imperiosa, sendo que para a efetividade do
direito no século XXI, podemos afirmar: 1. a impossibilidade da
neutralidade científica; 2. a pluralidade de normas jurídicas, que não
podem ser reduzidas a uma estrutura comum, pois dentro do sistema
jurídico verifica-se a existência de normas de direito estatal e não
estatal. Ainda, nem todas as normas são imperativas e coativas; 3. a
pluralidade de fontes do direito com a consequente verificação da
importância da construção jurisprudencial; 4. a coerência do sistema
jurídico; 5. a discricionariedade judicial embasada no raciocínio; 6. a
possibilidade do questionamento da validade da lei.

No Brasil, tal fenômeno pode ser verificado com a redemocratização do país e a


promulgação da Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, na qual se
consolidou a implantação de um Estado Democrático de Direito como fundamento da

1
SIQUEIRA JÚNIOR, Paulo Hamilton. Teoria do Direito. São Paulo: Saraiva. 2009.

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própria República. Nesse sentido, comentam Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de
Morais2:

A Constituição do Brasil de 1988 – ao lado do princípio republicano e da


forma federativa de Estado, princípios fundamentais da organização
do Estado, inova ao incorporar o conceito de Estado Democrático de
Direito, na tentativa de conjugar o ideal democrático de Estado de
Direito, não como uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo
próprio onde estão presentes as conquistas democráticas, as garantias
jurídico-legais e a preocupação social. Tudo constituindo um novo
conjunto onde a preocupação básica é a transformação do status quo.
O conteúdo de legalidade – princípio ao qual permanece vinculado
– assume forma de busca efetiva da concretização da igualdade, não
pela generalidade do comando normativo, mas pela realização, por
meio dele, de intervenções que impliquem diretamente uma mudança
substantiva nas circunstâncias da vida da comunidade política.

No direito privado também é possível verificar a incidência do pós-positivismo,


através da inserção dos baldrames axiológicos da eticidade, operabilidade e socialidade
como vetores interpretativos do Código Civil instituído em 2002.
Neste ponto, vale menção à doutrina de Maria Helena Diniz3, assim vernaculamente posta:

O novo Código passa a ter um aspecto mais paritário e um sentido


social, atendendo aos reclamos da nova realidade, abolindo
instituições moldadas em matrizes obsoletas, albergando institutos
dotados de certa estabilidade, apresentando desapego a formas
jurídicas superadas, tendo um sentido operacional à luz do princípio
da razoabilidade, traçando, tão somente, normas gerais definidoras
de instituições e de suas finalidades, com o escopo de garantir sua
eficácia, reservando pormenores às leis especiais, mais expostas
às variações dos fatos da existência cotidiana e das exigências
sociocontemporâneas, e eliminando, ainda, normas processuais ao
admitir apenas as intimamente ligadas ao direito material. Procura
exprimir, genericamente, os impulsos vitais, formados na era
contemporânea, tendo por parâmetro a justiça social e o respeito
da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Tem por diretriz o
princípio da socialidade, refletindo a prevalência do interesse coletivo
sobre o individual, dando ênfase à função social da propriedade e do
contrato e à posse-trabalho, e ao mesmo tempo, contém, em seu
bojo, não só o princípio da eticidade, fundado no respeito à dignidade
da pessoa humana, dando prioridade à boa-fé subjetiva e objetiva, à
probidade e à equidade, como também o princípio da operabilidade,
conferindo ao órgão aplicador maior elatério, para que, em busca
de solução mais justa (LICC, art.5º), a norma possa, na análise
de caso por caso, ser efetivamente aplicada. Como diz Engisch,
“normatividade carece de preenchimento valorativo”, as cláusulas

2
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan. Federação. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.;
STRECK, Lenio L. (coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
3
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1.

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gerais e os conceitos indeterminados contidos nos preceitos do novo


diploma legal requerem uma valoração objetiva do julgador, tendo
por base os valores vigentes na sociedade atual. Todos os princípios
norteadores do Código Civil de 2002, ora vigente, giram em torno da
cidadania, da dignidade humana, dos valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa.

Não seria equivocado afirmar que o Direito Empresarial é o ramo mais afetado pelo
dinamismo social, haja vista o caráter permanentemente inovador e competitivo do
mercado empresarial, como consequência direta dos princípios a ele inerentes, a saber:
livre iniciativa, livre concorrência, propriedade privada e autonomia da vontade.
Com frequência é possível verificar o descompasso entre o direito posto e as práti-
cas empresariais implementadas pelo mercado. Diante desse hiato, o Poder Judiciário é
sempre chamado para resolver lides, amalgamando conceitos jurídicos consagrados, fatos
presentes do caso concreto e valores indissociáveis do mundo empresarial, de modo que
a própria jurisprudência acaba por amoldar determinado instituto jurídico, num proce-
dimento claramente marcado pelo pós-positivismo ora inserto em nossa cultura jurídica.
O contrato de factoring ou fomento mercantil é um contrato socialmente típico,
modalidade surgida pela reiterada utilização de determinada forma de contratação no
meio empresarial, em razão de sua aceitação no meio econômico e, também, pelo seu
reconhecimento pela doutrina jurídica e pela jurisprudência. Paula A. Forgioni4 enumera
três requisitos para que um contrato possa ser socialmente típico:

A doutrina aponta três requisitos para que um contrato possa ser


considerado socialmente típico. São “elementos justificativos da
relevância social” que comprovam ser, aquele negócio específico,
economicamente importante para determinado grupo de agentes:
[i] reconhecimento de sua função econômico-social; [ii] difusão e
relevo da prática na sociedade e [iii] recepção do negócio pela ordem
jurídica.

O escopo deste texto, sem a pretensão de esgotar o assunto, é analisar a jurisprudên-


cia acerca do tema, levando-se em consideração o conflito entre a autonomia da vontade
dos participantes e a figura do dirigismo contratual, modalidade de intervenção estatal
nas relações contratuais de ordem privada, com escopo de coibir eventuais abusos, tudo
sob a ótica do pós-positivismo ora vigente.

2. Noções históricas

A abordagem sobre a história do contrato de factoring não guarda muita utilidade


prática, mas não deve ser menosprezada para uma compreensão mais exauriente sobre o
tema, até mesmo pela presença de elementos estruturais mínimos nas práticas anteriores
com o quanto é realizado hoje.

4
FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

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Inexiste consenso doutrinário acerca da origem do contrato de factoring. Fran


Martins5 sustenta ter o instituto surgido na antiguidade, quando, na Grécia e em Roma,
“comerciantes incumbiam a agentes (factors), disseminados por lugares diversos, a guarda
e venda de mercadorias de sua propriedade”.
Já Newton de Lucca6, defende posição contrária à acima mencionada, por não
visualizar semelhanças mínimas entre os factors da antiguidade e os compreendidos pela
moderna faturização, seja em nível de estrutura da operação, seja pela função desem-
penhada. Prossegue o aludido autor, ao argumentar:

O fator de comércio da sociedade romana exprimia a ideia da pessoa


que realiza uma atividade em nome da outra.
[…]
Ora, foi somente a partir do século XVI com os descobrimentos
marítimos e com todas as consequências importantes daí decorrentes,
das quais não pode ficar sem referência especial a colonização
britânica no Novo Mundo, que houve um grande incremento comercial
ultramarino, principalmente das mercadorias inglesas que eram
negociadas nas colônias britânicas.
Surgiu então, nessa ocasião, a figura do fator, que se encarregava da
venda das mercadorias produzidas na metrópole, transportando-as
até as colônias compradoras, onde outros factors iriam se encarregar
da distribuição e posterior venda.
Neste período, sim, poderemos vislumbrar, na atividade praticada
pelos factors, semelhança com a faturização atual, já que aqueles
que antecipavam valores relativos às mercadorias a serem vendidas
assumiam os riscos do negócio. Embora se tratasse de aquisição de
mercadorias e não de crédito, não se pode deixar de reconhecer a
similitude dos procedimentos, mormente se se leva em consideração
o fator risco como inerente a ambas as situações.

Em semelhante linha de pensamento, tratando mais especificamente da atividade


legiferante em torno do contrato de factoring, Marcelo Negri Soares7 afirma em sua
obra que:

A positivação do direito em torno do contrato de factoring começou


a ser construída levou ainda no direito consuetudinário, aplicado
na Inglaterra no século XVIII e, posteriormente, expandindo para a
América do Norte, em que a prática levou às primeiras legislações,
o Factor Act do estado de Nova York, de 1911, copiado para vários
estados, e o Código Comercial Uniforme do Estado da Pensilvânia, de
1º de julho de 1954. O instituto desenvolveu-se na Europa na década
de 1960 e, nesse contexto, a Convenção de Roma de 1980 mereceu
destaque, pois visou regular as obrigações contratuais no âmbito do
comércio internacional. Atualmente o instituto do factoring está
presente em todos os continentes.

5
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
6
DE LUCCA, Newton. Contrato de factoring. In: BITTAR, Carlos Alberto (coord.). Novos contratos empresariais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1990.
7
SOARES, Marcelo Negri. Contrato de factoring. São Paulo: Saraiva, 2010.

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De toda forma, em ambos os posicionamentos é possível visualizar a transferência


de bens para terceira pessoa, a qual era incumbida de dar a destinação à mercadoria
pertencente a outrem, seja em nome próprio, por sua conta e risco, seja para atuação
em nome de outrem, nos termos estabelecidos pelo proprietário.

3. Elementos conceituais e classificação

Importante adiantar ser socialmente típico o contrato de factoring, ou seja, embora


não regulado expressamente por lei, constitui uma modalidade largamente aceita no meio
empresarial e jurídico, com muitos contornos delineados pela jurisprudência.
A Lei n. 8.981/1995, que dispõe sobre tributação, em seu artigo 36, inciso XV, previa
ser a atividade de fomento mercantil aquela desenvolvida por pessoas jurídicas:

[…] que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua


de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito,
seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras
de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de
prestação de serviços (factoring).

No entanto, este dispositivo foi revogado pela Lei 9.718/1998.


A Lei Complementar nº 116/2003, que trata do imposto sobre serviços de qualquer
natureza, em lista anexa em que são definidas as espécies de serviços sobre os quais
incide o aludido tributo, estabelece no item 17.23:

17.23 – Assessoria, análise, avaliação, atendimento, consulta,


cadastro, seleção, gerenciamento de informações, administração de
contas a receber ou a pagar e em geral, relacionados a operações de
faturização (factoring).

Muito embora não exista lei específica que regulamente a atividade de fomento
mercantil através do contrato de factoring8, com específico propósito empresarial, é
perfeitamente possível aproveitar os termos da legislação revogada, bem como de demais
atos normativos9, para delinearmos um conceito ao instituto.

8
Fábio Vieira Figueiredo (Contrato de Factoring, objeto, função e prática de fomento mercantil. São Paulo: Saraiva, 2016.
p. 24) assim trata dos conceitos de fomento mercantil e factoring:
“O contrato de factoring é, portanto, uma avença que tem por conteúdo o fomento mercantil. Nessa avença, o faturizador
obriga-se a fomentar o negócio do faturizado, com auxílio financeiro, na medida em que, na esmagadora maioria dos contratos
praticados no Brasil, o que se apresenta é o conventional factoring, sem descurar da aplicação de técnicas administrativas,
financeiras e econômicas de análises e consultoria, de modo a atingir o seu tríplice objeto.
É evidente que o termo factoring, arraigado e mundialmente disseminado, pode ser utilizado até mesmo para que não se
perca de vista o efetivo objeto do pacto havido entre as partes. Entretanto, parece-nos que a terminologia mais adequada
a ser empregada é contrato de fomento mercantil, posto que é disso que se trata. Neste trabalho, aplicaremos de modo
indistinto os termos factoring e fomento mercantil, explicitando, sempre que se fizer necessário, se tratamos do tipo con-
tratual ou do objeto da avença”.
9
Embora não exista lei regulamentadora do contrato de factoring em seus aspectos puramente empresariais, tal atividade
é disposta em diversas leis e atos normativos. Assim, o tema é tratado, como mencionado anteriormente, em legislação
de âmbito tributário, como no anexo dos serviços passíveis de ISSQN, mas também na esfera da normatização da atividade
bancária, por intermédio de previsão em circulares e resoluções do Banco Central e na esfera penal, conforme se depreende
da leitura dos arts. 17,18 e 44§ 7º, da Lei 4.595/1964 e arts. 1º ao 16 da Lei 7.492/1986.

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Logo, podemos conceituar o contrato de factoring como o negócio jurídico de presta-


ção de serviços de atividade de assessoria e gerenciamento financeira e de créditos por
parte do faturizador, a envolver análise dos riscos da atividade do faturizado, através do
exame e estudo da sua carteira de créditos futuros, compra destes direitos ou de parte
deles, por intermédio do instituto da cessão civil, mediante remuneração ou antecipação
de parte dos valores dos títulos cedidos, além do exercício de cobrança dos recebíveis
frente aos terceiros devedores.
Fábio Ulhoa Coelho define o factoring como:

Contrato pelo qual um empresário (faturizador) presta a outro


(faturizado) serviços de administração do crédito concedido e
garante o pagamento das faturas emitidas (maturity factoring).
É comum, também, o contrato abranger a antecipação do crédito,
numa operação de financiamento (conventional factoring)10.

Além de socialmente típico, o factoring pode ser classificado como contrato bilateral/
sinalagmático, oneroso, comutativo, misto e empresarial.
Bilateral ou sinalagmático, porquanto estabelece direitos e deveres recíprocos entre
as partes, com equivalência de prestações. É contrato oneroso, pois para ambas as partes
remanescem proveitos e sacrifícios em relação às prestações pactuadas. Comutativo,
porque as partes, de antemão, já sabem quais são e em que momento suas prestações
hão de ser adimplidas. É misto porque envolve diversas espécies de contratos, nomina-
dos ou não, numa mesma relação jurídica complexa. É empresarial, pois seu objeto é o
fomento mercantil, através da prestação de serviço de análise dos negócios empreendidos
pelo faturizado para escorreita avaliação dos riscos dos créditos a serem adquiridos pelo
faturizador através de cessão civil.
Há divergência acerca da natureza real e bancária do instituto.
Fábio Vieira Figueiredo11 assevera ser o contrato de factoring “um contrato consen-
sual, não formal e não solene. A praxe mostra que o contrato de fomento mercantil pode,
até mesmo, ser firmado verbalmente”.

Em sentido contrário, Arnaldo Rizzardo12 estabelece os requisitos necessários à


configuração do contrato de fomento mercantil, entre eles, a entrega dos títulos objeto
de cessão, verbis:

Para configurar a espécie, vários requisitos são necessários:


a) Venda a prazo, pois se for à vista é, na prática, inócua a
transferência do crédito, já que a operação busca munir de capital
de giro o faturizado, que não está em condições de aguardar o
vencimento do título;

10
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa, contratos, falência, recuperação de empresa. 17. ed.
São Paulo: Saraiva, 2016.
11
FIGUEIREDO, op. cit., p. 73.
12
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

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b) Transferência das contas do faturizado ao faturizador, relativas a


seus clientes, o que se processa através da remessa de um borderau,
instruído de cópias as faturas emitidas pelo vendedor, acompanhadas
dos títulos de crédito, os quais serão endossados ao faturizador
(banco). Este deverá efetuar a cobrança, junto ao devedor, que
deverá ser notificado da transferência.
c) Caráter oneroso da operação, consistente na remuneração que
receberá o faturizador pela cobrança dos títulos.

Já no tocante à natureza de contrato bancário do factoring, algumas poucas, mas


importantes considerações se fazem necessárias.
Rizzardo13 explica que:

Houve um tempo em que a atividade do factoring era praticamente


proibida, eis que exigidas a autorização e a fiscalização do Banco
Central do Brasil. Assim, ao tempo da Circular nº 703, de 16.06.1982,
da mesma instituição. Mediante a Circular nº 1.359, de 30.09.1988,
revogando a que impunha tais exigências, permitindo ampla liberdade
em constituir empreendimentos de factoring, passou a imperar
unicamente a formação de pessoa jurídica, com o arquivamento na
Junta Comercial e demais formalidades perante os órgãos municipais,
para o funcionamento. Não mais interviria o Banco Central, a não ser
para fiscalizar quanto à prática ou não de atividades reservadas às
instituições financeiras.

Já Fábio Ulhoa Coelho14 assim pondera:

A natureza bancária do conventional factoring é indiscutível, à vista


da antecipação pela faturizadora do crédito concedido pelo faturizado
a terceiros, que representa inequívoca operação de intermediação
creditícia abrangida pelo art. 17 da LRB. Já em relação ao maturity
factoring, em razão da inexistência do financiamento, poderia existir
alguma dúvida quanto ao seu caráter bancário. Ensina Newton de
Lucca, no entanto, que, havendo da parte da faturizadora a assunção
dos riscos pelo inadimplemento das faturas objeto do contrato, a
faturização se revestirá, também nesse caso, de nítida natureza
bancária (1986). O Banco Central já considerou a faturização con­
trato bancário no início dos anos 1980, mas desde 1989 liberou a
atividade de fomento mercantil a qualquer sociedade empresária,
independente de prévia autorização. A legislação tributária, por sua
vez, conceituou como sendo “a prestação cumulativa e contínua de
serviços de assessoria creditícia mercadológica, gestão de crédito,
seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras
de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de
prestação de serviços” (lei 8.981/95, arts. 28 e 48, revogados pela
Lei 9.249/95). Tomando essa definição por base, o Banco central, em

13
Ibid., p. 1.399.
14
COELHO, op. cit., p. 163-164.

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1995, esclareceu que a prática de quaisquer atos financeiros pela


faturizadora, estranhos à definição legal, caracteriza infringência à
LRB e à Lei 7.492/86.

Com as devidas vênias aos posicionamentos em contrário, há de ser sustentado o


caráter não bancário do contrato de factoring, seja pelo fato da operação envolver recur-
sos próprios da faturizadora e não captados da economia popular, como aqueles operados
pelas instituições financeiras, seja porque a prestação de serviço de assessoria e gestão
de créditos, através da análise do riscos da atividade do faturizado pela sua carteira de
clientes, é um elemento indissociável e imprescindível à configuração do contrato de
fomento mercantil, o que não ocorre, necessariamente, nas concessões de créditos por
instituições financeiras.
Por fim, é quase unânime a doutrina em estabelecer que o faturizador é o responsável
pela solvência dos créditos que lhe foram cedidos, como decorrência lógica da análise
dos riscos inerente aos serviços de assessoria creditícia que presta ao faturizado.
Neste ponto, como a transferência dos títulos se dá através de cessão civil do crédito,
não há possibilidade de inserção da cláusula pro solvendo em face do faturizado, o qual
somente responderá nos termos do art. 295 do Código Civil, verbis:

Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não
se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do
crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe
cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.

Portanto, somente em casos de vício de origem remanescerá a responsabilidade do


faturizado pelos créditos cedidos ao faturizador. Como se verá adiante, este é um dos
pontos de atuação da jurisprudência, em aplicação do instituto do dirigismo contratual
de forma a mitigar a autonomia da vontade.
Aqui cumpre uma observação. Silvio de Salvo Venosa15 admite a possibilidade do
faturizador não assumir os riscos pelos créditos obtidos, ao afirmar: “A modalidade com
financiamento não implica, necessariamente, que o fator assuma o risco pelos créditos,
o que deve ser feito expressamente”.

4. Espécies e diferenças com institutos semelhantes

Como exposto acima, poderá ou não haver a antecipação dos valores inerentes aos
créditos cedidos pelo faturizado ao faturizador, posto ser característica imprescindível
ao contrato de factoring a prestação dos serviços de assessoria creditícia, seja na análise
dos riscos a envolver os recebíveis futuros, seja na promoção da cobrança dos títulos
adquiridos perante os primitivos devedores.
Quando o contrato de factoring envolver apenas atividades de prestação cumulativa
e contínua de serviços de gestão de crédito, com a seleção de títulos e avaliação dos seus
respectivos riscos, além da administração de contas a pagar e a receber, por intermédio
da cobrança a ser feita contra os devedores, temos a espécie de maturity factoring,

15
VENOSA, Silvio d Salvo. Direito Civil: contratos em espécie responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2001. p. 475.

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no qual o faturizado apenas receberá pelos créditos cedidos na época do vencimento,


descontados valores oriundos da remuneração devida ao faturizador.
Já o chamado conventional factoring é o contrato de fomento mercantil segundo
o qual, além da assessoria de gestão de créditos, do auxílio ofertado para cobrança dos
títulos cedidos pelo faturizado e análise das condições de mercado e risco da atividade
deste, o faturizador antecipa os valores inerentes aos créditos cedidos no momento da
cessão, naturalmente a envolver deságio entre o valor pago pelo faturizador e os nomina-
dos nos recebíveis cedidos.
Marcelo Negri Soares16 enumera as vantagens do contrato de factoring para as empresas:

a) atenua o risco de crédito, beneficiando-se da experiência em


cobranças e da informação detida pela faturizadora; b) disciplina as
cobranças, estabelecendo com a faturizada estratégias adequadas
de contato com os seus clientes para estabelecimento de normas
de cumprimento satisfatório dos pagamentos; c) libera recursos
humanos e financeiros afetos à área de cobranças dentro da empresa
faturizada, que podem ser canalizados para outras áreas do negócio;
d) permite o acesso a uma fonte de financiamento complementar, em
caso de antecipação de fundos sobre os créditos cedidos.

O contrato que mais se assemelha ao factoring é o desconto bancário. Em ambos,


os títulos cedidos ou transferidos, respectivamente, resultam em aporte de capital para
o cedente ou transferidor.
Dele se diferencia, no entanto, em razão do faturizador operar recursos próprios na
operação de aquisição de créditos, enquanto a instituição financeira opera com recursos
obtidos da economia de poupança popular.
Outra diferenciação fundamental é que o faturizador não possui direito de regresso
contra o faturizado, acaso algum crédito cedido não seja adimplido pelo devedor. Já no
desconto bancário, o direito de regresso subsiste para a instituição financeira, contra
aquele que lhe transferira os créditos não pagos.
Por fim, outra diferença entre os institutos mencionados reside na ausência de
prestação de serviços de assessoramento e gestão de créditos no contrato de desconto
bancário, elemento este essencial à caracterização do contrato de factoring.
Alguns enxergam semelhança entre o contrato de factoring e o contrato de mútuo.
No entanto, neste último, o mutuário tem obrigação de restituir a coisa fungível por
ele emprestada, com o ressarcimento de outra coisa do mesmo gênero, quantidade e
qualidade. Já no contrato de factoring, não há restituição dos créditos adquiridos pelo
faturizador ao faturizado.
Outra modalidade assemelhada é o forfeiting, segundo o qual há o financiamento
ao comércio exterior na fase pós-embarque, pela aquisição ou desconto de uma cambial
representativa da exportação, sem direito de regresso contra o exportador, o qual recebe
à vista o valor correspondente a uma venda a prazo. Aqui, o exportador vende uma merca-
doria a prazo para um importador, emite um título contra ele e desconta o seu crédito em
alguma empresa de forfeiting, a qual receberá, na data do vencimento, o valor nominal

16
SOARES, op. cit., p. 47.

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constante da cártula. Não há direito de regresso contra o exportador, e não há prestação


de serviços de assessoria creditícia, esta última presente no contrato de factoring.

5. Remuneração no contrato de factoring

Como já salientado, em regra, o risco do inadimplemento dos recebíveis que envolve


o fomento mercantil é do faturizador. Logo, é natural que a sua remuneração envolva
tais riscos, ao lado de todos os outros serviços de gestão e administração dos créditos do
faturizado, componentes imprescindíveis do factoring, sob pena de descaracterização
para contrato de mútuo.
Compõe a remuneração do factoring um deságio sobre o valor nominal dos títulos
cedidos para a faturizadora, que decorre da assunção dos riscos pelo inadimplemento
dos recebíveis sub-rogados e a gama de prestação de serviços pactuada entre as partes.
Por ser o contrato de fomento mercantil um negócio jurídico que envolve presta-
ção cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão
de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de
direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços
(Lei n. 8.981/1998, art. 28, § 1º, alínea c-4), a remuneração ao faturizador não pode
envolver, somente, a assunção do risco pelo inadimplemento dos títulos cedidos.
O faturizador deve ofertar ao faturizado a possibilidade de negociar com seus forne-
cedores, para dirimir custos e riscos da contratação, negociar diretamente com clientes
para dirimir riscos de inadimplemento de seus recebíveis e, ainda, assumir as atividades
de cobrança daquele que o contrata.
Portanto, a remuneração também deve compreender a efetiva prestação de serviços
ao faturizado. Ela pode envolver um valor fixo ou variável e, por questões econômicas e
de equilíbrio na relação, poderá incidir sobre um percentual dos recebíveis adquiridos ou
não, de acordo com o quanto expressamente convencionado pelas partes.
Neste ponto, inegável a força da boa-fé objetiva dos contratos, no sentido da imposi-
ção, por dirigismo contratual, dos deveres anexos de informação, haja vista a necessidade
de minuciosas informações sobre a composição da remuneração do faturizador.
A remuneração pela prestação de serviços executada pela empresa de fomento
mercantil pode se dar através de uma comissão cobrada, chamada na linguagem desta
operação jurídica de ad valorem, sem incluir nesta prestação o pagamento pela aquisição
dos títulos e demais despesas da faturizada.
A comissão ad valorem pode incidir sobre percentual livremente pactuado sobre o valor
de face do título, quando a prestação de serviços ocorrer em conjunto com sua respectiva
aquisição, ou poderá corresponder a um valor livremente fixado entre os contratantes,
quando os serviços prestados não estiverem ligados à aquisição de direitos creditórios.
Por outro lado, também na linguagem que envolve o contrato de factoring, Fábio
Vieira Figueiredo17 nos explica o conceito de fator:

Por sua vez, o fator engloba a remuneração da factoring, em


sentido amplo, excetuados os serviços prestados que, em regra,
serão chamados de ad valorem, pois assim restou convencionado
e é bastante comum no setor mercantil, entre os profissionais da

17
FIGUEIREDO, op. cit., p. 280-281.

62 Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 20, nº 50, p. 53-70, Julho-Agosto/2019


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factoring. Isso porque, após as análises constantes do ad valorem,


chega-se ao valor correspondente ao que será pago ao faturizado.
De forma lógica, nestes domínios, quanto maior o risco, maior a
importância, sendo o contrário também verdadeiro.
Ora, nesse tipo de contrato, o ganho da empresa de factoring, a
faturizadora, é a diferença resultante entre o valor antecipado (no
conventional factoring, é claro) à faturizada e o valor que irá receber
do comprador da mercadoria ou adquirente do serviço.
Evidentemente, quanto maior o risco de inadimplência e maior for
o custo do dinheiro no mercado financeiro, menor será o valor que
pagará ao faturizado, já que este recebe à vista e sem qualquer risco
de inadimplência.

Mais à frente, o mencionado autor18 descreve a composição da remuneração do


faturizador, no contrato de fomento mercantil, composto da parcela ad valorem e do
fator, denominando a conjunção de ambas como “fator geral de deságio”:

Assim, temos uma taxa de deságio cobrada pela empresa de fomento


mercantil, que corresponde aos valores referentes: i) ao ad valorem,
conforme item anterior – a prestação dos serviços de fomento
mercantil ao faturizado; ii) ao fator, que engloba os seguintes aspectos:
a) a correção monetária, que só tem razão de ser no conventional
factoring (posto que no maturity factoring o faturizador não antecipa
valores), será calculada levando em consideração o lapso temporal
que medeia os termos da data de entrega da antecipação do valor à
faturizada e o vencimento do título, e é matematicamente aplicada
ao deságio; b) a taxa de compensação pela disponibilização do capital,
que, em nosso entendimento, não poderá ultrapassar a barreira
dos juros legais de 1% ao mês e que se dará, especificamente, pela
remuneração do capital no conventional factoring ou pela garantia
de liquidação do título em favor do faturizado no maturity factoring.
Referida taxa leva em consideração os juros compensatórios pela
disposição do capital e os remuneratórios, ou seja, aquilo que o
faturizador razoavelmente deixa de lucrar; c) a remuneração sobre a
mensuração do risco de inadimplemento nos casos de internalização
de cessão que tenha se dado pro soluto para o fomento; d) os custos
operacionais, tais como emissão de boleto, elaboração de contrato,
termos aditivos, taxas de correio, taxas bancárias e obtenção
de informações para análise de risco/crédito; e) as despesas de
manutenção da empresa faturizadora, tais como pessoal e estrutura;
e, por fim; f) os tributos relativos ao exercício da atividade: Imposto
de Renda, PIS, COFINS, IOF, e adicional de IOF.

Nos casos concretos envolvendo factoring que chegam nas mais variadas espécies nos
tribunais, raramente o faturizador esclarece a forma de composição de sua remuneração,
o que dá ensejo à abusividade tanto na cobrança da parcela ad valorem, resultante dos
serviços prestados pelo fomentador, como na parcela relativa ao fator, que remunera as
outras prestações da faturizadora.

18
Ibid., p. 282.

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Logicamente não podemos entender que, se o fator geral de deságio superar a taxa
de 1% ao mês de juros, haverá abusividade no caso concreto, posto ele ser composto
de juros compensatórios e muitos outros elementos que lhe integram. Mas para que
cheguemos a esta conclusão, é preciso a obtenção de informações precisas e claras sobre
o percentual ou quantia que é cobrada pelo faturizador nos outros componentes do fator
geral de deságio.
De mais a mais, a instituição de instrumentos legítimos no contrato de factoring,
tal como a modalidade de endosso para transferência dos títulos do faturizado para o
faturizador, também mascara a remuneração do negócio e pode dar ensejo à abusividade
contra o empresário contratante do fomento mercantil, através da indevida transferência
do risco do inadimplemento do título cedido ao faturizado, posto tal responsabilidade do
faturizador compor o núcleo intangível do fomento mercantil.
Com muita parcimônia, sobretudo diante da economia de nosso país, é possível
verificar se há abusividade ou não na cobrança do fator geral de deságio em determi-
nado contrato de fomento mercantil, através de uma análise das regras que vem sendo
utilizadas no mercado (usos e costumes). Mas, como foi dito, tal análise deve ser bem
parcimoniosa, haja vista a volatilidade da economia brasileira impingir diferentes práticas
nos diferentes contextos históricos de nossa economia.
Outro critério segundo o qual podemos inferir pela abusividade ou não da remunera-
ção do faturizador é a análise apurada das condições subjetivas do faturizado, que pode
ensejar maior ou menor risco de inadimplemento de seus recebíveis.

6. Autonomia da vontade e dirigismo contratual no fomento mercantil: análise


jurisprudencial

Após esta breve exposição sobre elementos conceituais e estruturais do contrato


de factoring, passaremos a analisar alguns pontos polêmicos a envolver conflito entre a
autonomia da vontade e dirigismo contratual.
Em poucas palavras, podemos resumir a liberdade de contratar em dois pontos:
a liberdade em celebrar o contrato, ou seja, se se quer contratar e com quem se quer
contratar; e a liberdade em relação ao conteúdo do contrato, ou seja, a efetiva negocia-
ção daquilo que vai constar no contrato.
No modelo clássico de análise da autonomia da vontade no campo contratual, pela
regra do pacta sunt servanda, sempre se pressupôs a paridade entre as partes, a fim de
se sustentar a legitimidade do brocardo como regra de interpretação. No entanto, como
bem salienta Rachel Sztajn19:

Mesmo dentro dos limites da autonomia privada, as partes muitas


vezes não são inteiramente livres para a fixação das cláusulas dos
contratos que vierem a licitamente celebrar. Frequentemente o
legislador intervém limitando ou até mesmo afastando a liberdade
de contratar, para tanto estabelecendo normas cogentes e, portanto,

19
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc; SZTAJN, Rachel. Direito comercial, teoria geral do contrato: Fundamentos da teoria
geral do contrato. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. 4.

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quebrando as regras do livre mercado, objetivando a defesa de


princípios que extrapolam o interesse privado.
Esse foi o resultado das transformações políticas, econômicas e
so­ciais que marcaram a passagem do Estado liberal para o Estado
social. Quando a plena liberdade individual característica do
primeiro cedeu lugar a diversos casos de intervenção do legislador
que progressivamente passou a atuar na busca da proteção de
interesses gerais ou de categorias sociais, o processo se caracterizou
pela proibição legal da inserção ou do não reconhecimento de certas
cláusulas contratuais consideradas abusivas; da obrigatoriedade da
inserção de outras cláusulas de proteção de categoria mais débil; ou
da obrigação de contratar com esta última.
Nota-se, portanto, que a igualdade jurídica constitucionalmente
estabelecida nem sempre equivale à igualdade de fato, inclusive
no campo contratual. Pouco a pouco o Estado passou a interferir
nos contratos privados, de maneira a assegurar a prevalência dos
interesses da sociedade sobre os de natureza individual, fato que
interfere diretamente no princípio da autonomia privada. O tema
diz respeito ao chamado dirigismo contratual, objeto de análise por
inúmeros doutrinadores, desde um tempo já bastante apreciável. A
questão se coloca nos campos da dignidade e das necessidades da
pessoa humana, quando ligadas à atividade do empresário.

Não raro, pode ser observada em diversas situações a imposição de cláusulas contra-
tuais por um dos contratantes que possui posição econômica, técnica e jurídica mais
avantajada frente ao outro, ao qual somente caberá aceitar ou rejeitar por completo o
pacto.
Nestas situações, há preponderante intervenção estatal, através do dirigismo contra-
tual, cuja conciliação com a regra de autonomia de vontade pode ser obtida bastando
a presença de intenção das partes em constituir, regular e extinguir negócios jurídicos,
mesmo diante de regras cogentes estabelecidas pelo Estado para aqueles casos; ou seja,
não há exclusão de um pelo outro.
A faturização, por ser contrato socialmente típico e misto, tem uma alta carga de
intensidade da autonomia de vontade, pela liberdade de conformação do quanto pode
nele ser objeto de pactuação entre as partes, levando-se em consideração o modo da
operação e procedimento entre os contratantes.
No entanto, diante de diversos abusos cometidos, caracterizados pela tentativa de
desnaturação dos elementos imanentes a tal contrato e pela ausência de regulação legal
sobre o tema, a jurisprudência tem colocado contornos obrigatórios ao factoring, para
permitir a higidez do pacto proposto.
Um dos casos mais emblemáticos é aquele segundo o qual os títulos repassados do
faturizado ao faturizador se dão através de endosso, modo de transferência de cambiais,
em que remanesce a responsabilidade do transferidor pela solvência do título.
Como fora salientado anteriormente, ao faturizador se transfere a responsabilida-
de pela solvabilidade dos títulos, sem que possa haver direito de regresso em face do
faturizado. Tal característica imanente ao factoring se reflete na própria remuneração
paga ao faturizador, bem como na taxa de juros cobrada pelo aporte financeiro realizado.

Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 20, nº 50, p. 53-70, Julho-Agosto/2019 65


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Logo, permitir a transferência dos títulos por endosso seria uma burla à comutati-
vidade do contrato de fomento mercantil.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em momentos anteriores, permitia a aposição
da cláusula de endosso para transferência de títulos entre faturizador e faturizado, com
base na autonomia da vontade. Cito o seguinte julgado:

CHEQUE – ENDOSSO – FACTORING – RESPONSABILIDADE DA ENDOS­


SANTE-FATURIZADA PELO PAGAMENTO.
– Salvo estipulação em contrário expressa na cártula, a endossante­
‑faturizada garante o pagamento do cheque a endossatária­‑fatu­
rizadora (Lei do Cheque, Art. 21).
(REsp 820.672/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS,
TERCEIRA TURMA, julgado em 06/03/2008, DJe 01/04/2008).

Tal posicionamento fundou-se na autonomia da vontade e na consideração de atipi-


cidade do contrato de factoring, para determinar que as partes poderiam ser livres na
aposição das cláusulas que bem lhe conviessem no pacto, tal como o endosso.
No entanto, tal convenção se mostrou deletéria para esta forma de circulação de
riquezas, mormente pela falta de transparência das informações sobre a composição
de remuneração do faturizador, a ocasionar, em muitas situações, simulação de contrato
de factoring para mascarar verdadeiro contrato de mútuo.
Assim, o Superior Tribunal de Justiça passou a entender como elemento essencial
do factoring a assunção dos riscos dos títulos adquiridos pelo faturizador tão somente,
conforme vemos nos seguintes julgados:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DUPLICATAS ACEITAS.


DESCUMPRIMENTO DO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE COMPROVADO.
POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO COM A EMPRESA DE FACTORING.
1. No contrato de factoring, em que há profundo envolvimento entre
faturizada e faturizadora e amplo conhecimento sobre a situação
jurídica dos créditos objeto de negociação, a transferência desses
créditos não se opera por simples endosso, mas por cessão de crédito,
hipótese que se subordina à disciplina do art. 294 do Código Civil.
2. A faturizadora, a quem as duplicatas aceitas foram endossadas
por força do contrato de cessão de crédito, não ocupa a posição de
terceiro de boa-fé imune às exceções pessoais dos devedores das
cártulas.
3. Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp 1439749/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 15/06/2015).

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO.


CHEQUE. FACTORING. DESCUMPRIMENTO DO NEGÓCIO SUBJACENTE.
OPO­SIÇÃO DE EXCEÇÕES PESSOAIS. POSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. As regras do direito cambial não se aplicam à hipótese dos autos,
devendo ser adotadas as regras do direito civil, pois em se tratando
de empresa de factoring, na condição de endossatária, a transferência
do título faz-se por cessão civil de crédito, possibilitando ao devedor
originário a arguição de exceções pessoais.

66 Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 20, nº 50, p. 53-70, Julho-Agosto/2019


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2. Agravo interno desprovido.


(AgInt no REsp 1556780/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,
TERCEIRA TURMA, julgado em 27/09/2016, DJe 14/10/2016).

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL.


TÍTULO DE CRÉDITO. DUPLICATA DE COMPRA E VENDA. MERCADORIAS
NÃO ENTREGUES. CONTRATO DE FACTORING. MERA CESSÃO CIVIL DE
CRÉDITO. OPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS. POSSIBILIDADE.
AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. No contrato de factoring, a transferência dos créditos não se opera
por simples endosso, mas por cessão de crédito, subordinando-se, por
consequência, à disciplina do art. 294 do Código Civil, contexto que
autoriza ao devedor a oponibilidade das exceções pessoais em face da
faturizadora. Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 591.952/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA
TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 29/04/2016).

Outro ponto comumente rechaçado pela jurisprudência pátria se dá no reconheci-


mento da impossibilidade de emissão de títulos de crédito para garantia do contrato de
factoring, como forma de transferir ao faturizado a responsabilidade pela solvabilidade
dos créditos cedidos ao faturizador. Para melhor compreensão do tema, cito os seguintes
julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça e do Egrégio Tribunal de Justiça de São
Paulo acerca da matéria, verbis:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL


E EMPRESARIAL. CONTRATO DE FACTORING. CESSÃO DE CRÉDITO
PRO SOLUTO (CC/2002, ARTS. 295 E 296). DUPLICATA EMITIDA
PELA FATURIZADA COMO GARANTIA DOS TÍTULOS TRANSFERIDOS À
FATURIZADORA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. DECISÃO
MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A faturizadora não tem direito de regresso contra a faturizada
sob alegação de inadimplemento dos títulos transferidos, porque esse
risco é da essência do contrato de factoring. Precedentes.
2. A duplicata, regulada pela Lei 5.474/1968, constitui título causal
que só pode ser emitido para documentar determinadas relações
jurídicas preestabelecidas pela sua lei de regência, quais sejam:
(a)  compra e venda mercantil; ou (b) contrato de prestação de
serviços.
3. No caso, da moldura fática delineada no v. acórdão recorrido,
fica claro que as duplicatas decorrem de contrato de factoring,
emitidas em face da inadimplência dos títulos objeto do contrato da
faturização.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 638.055/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA
TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 02/06/2016).

Apelação. Falência requerida por empresa de fomento mercantil,


com base em notas promissórias emitidas pela faturizada em garantia
de instrumento de confissão de dívida decorrente da recompra de
títulos cedidos em operação de faturização. Empresa não integrante

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do Sistema Financeiro Nacional. Sujeição ao Decreto nº 22.626/33.


Ágio superior ao limite legal. Precedentes do STJ e desta Câmara.
Vícios de origem das duplicatas não comprovados. Pedido de falência
improcedente. Sentença mantida por seus próprios fundamentos, ora
reproduzidos na forma do art. 252 do RITJSP. Precedentes do STJ e
STF. Apelo não provido.
(1001268-78.2014.8.26.0100 Relator(a): Pereira Calças; Comar­
ca: São Paulo; Órgão julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito
Empresarial; Data do julgamento: 16/03/2016; Data de registro:
22/03/2016).

Falência Impontualidade – Pedido formulado pela faturizadora


[cessionária] contra faturizada [cedente] fundado em nota promissória
protestada e vinculada a contrato de factoring. Emissão da cambial
em favor da empresa de fomento mercantil, representando crédito
decorrente de mútuo financeiro, operação privativa de instituição
financeira, descaracterizando o traço característico do factoring.
Vícios na origem das duplicatas não comprovadas – Ação falimentar
desprovida de liquidez, certeza e executividade do crédito. Sentença
de improcedência mantida. Não provimento.
(0339576-06.2009.8.26.0100 Relator(a): Enio Zuliani; Comarca:
São Paulo; Órgão julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empre­
sarial; Data do julgamento: 31/07/2012; Data de registro:
02/08/2012).

AÇÃO DE FALÊNCIA. Impontualidade injustificada. Pedido formulado


pela faturizadora contra faturizada com base em notas promissórias
protestadas e vinculadas a contrato de factoring. Títulos emitidos em
favor da empresa de fomento mercantil, representativos de crédito
decorrente de mútuo financeiro, operação privativa de instituições
autorizadas e fiscalizadas pelo Banco Central, desnaturando o
contrato de factoring. Cambiais vinculadas a contrato que perdem a
característica da abstração – Simulação evidente. Nulidade impede
que os negócios jurídicos gerem efeitos, em especial o presente
pedido de falência. Precedentes do Tribunais. Improcedência do feito
corretamente decretada. Recurso não provido.
(0083126-72.2011.8.26.0224 Relator(a): Francisco Loureiro;
Comarca: Guarulhos; Órgão julgador: 1ª Câmara Reservada de
Direito Empresarial; Data do julgamento: 12/08/2015; Data de
registro: 14/08/2015).

Haveria aqui indevida intromissão judicial no princípio da autonomia da vontade


entre as partes? Acaso a remuneração exigida pelo faturizador se coadunasse com a Lei
de Usura e se restringisse à prestação de serviços de assessoria e gestão creditícia, seria
possível afastar os entendimentos jurisprudenciais e admitir a transferência dos riscos
do negócio ao faturizado?
Como salientado anteriormente, há posicionamento doutrinário isolado no senti-
do de que tal avença pode ser firmada no caso concreto. E pela leitura dos julgados
acima mencionados, o que se busca coibir, abstraindo-se neste momento os elementos

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estruturais do contrato de factoring, é que eventual pessoa jurídica não autorizada pela
Lei n. 4.595/1964 pratique atividade circunscrita às instituições financeiras e cobre juros
usurários no caso concreto.
Pergunta-se: é possível o exercício de empresa sem qualquer risco? A resposta é
negativa.
A ordem constitucional vigente reconheceu o regime de livre iniciativa capitalista
de nossa economia, mas, ao mesmo tempo, estabeleceu o objetivo que por ela deve ser
buscado, a saber, existência digna a todos, segundo os ditames da justiça social (art. 170,
caput, CF).
Desse modo, no âmbito do direito, o exercício de empresa deve ser analisado numa
perspectiva pós-positivista, na qual haja respeito ao direito posto, ao lado de valores
éticos reconhecidamente consagrados na doutrina, como boa-fé, lealdade, probidade e
transparência.
De outro lado, a justificativa para a busca do lucro, através dos empreendimentos
empresariais, se justifica na medida em que o empresário assuma os riscos de sua ativida-
de, para evitar que eventuais equívocos ou danos sejam suportados de maneira coletiva
pelo meio social.
Paula Andrea Forgioni20, comentando obra de Visconde de Cairu (Princípios de direi-
to mercantil e leis de marinha, p. 469 et seq.), bem explica ser o risco algo inerente à
percepção de lucro no campo do direito empresarial:

“Quem percebe o cômodo, não deve recusar o incômodo”. Por essa


velha máxima, reproduzida por Cairu, tem-se que o negócio é uno e
deve ser interpretado dentro de sua unidade. Não se pode – sob pena
de subversão da boa-fé e da confiança úteis ao bom “gyro mercantil”
– segmentar o negócio, dele retirando, apenas, os efeitos que lhe
seriam favoráveis. O mesmo princípio embasa a regra: “Quem quer o
consequente, quer o antecedente, isto he, quem quer os fins, he visto
querer os meios, que a ele tendem”.
“Não pode pretender o lucro quem não concorreu para algum negócio
com fundo, industrial, ordem ou risco”. A noção de que o lucro é a
remuneração do risco, cardeal na organização do sistema do direito
comercial, aparece clara nessa regra de interpretação dos negócios
mercantis. O fruto da atividade empresarial tem um preço: o risco
que a ela é inerente. Lucro e risco, conceitos orientadores do sistema
comercial, presentes na obra de Cairu.

Acertada, portanto, a jurisprudência, ao estabelecer a necessidade da presença dos


elementos inerentes ao contrato de factoring, bem como a necessidade de manutenção
de risco alocado entre as partes, para a higidez de sua validade no caso concreto, posto
ser tal postura uma limitação de diversos abusos cometidos contra a comutatividade do
pacto, bem como uma importante ferramenta para coibir simulações contrárias à ordem
jurídica e à boa-fé contratual, no sentido de travestir um mútuo sob a roupagem de um
falso fomento mercantil, comumente verificado nas variadas Comarcas do país.

20
FORGIONI, op. cit., p. 253.

Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 20, nº 50, p. 53-70, Julho-Agosto/2019 69


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Também não há que se falar em indevida intromissão do Poder Judiciário em tais


pontos polêmicos, haja vista os julgados reconhecerem, tão somente, a nulidade de
determinadas cláusulas indevidas no contrato de factoring, sem aposição de outras não
compreendidas pela autonomia privada das partes. Aqui, uma observação de Rachel Sztajn21:

Uma observação a ser feita está no fato de que a autonomia privada,


exercida nos seus limites, deve ser respeitada evidentemente pelas
partes que celebram contratos e, fundamentalmente, pelo Judiciário,
diante de questões que venham a ser eventualmente levantadas
quanto às fases de celebração, execução e extinção. Sob esse aspecto,
o papel do juiz será o de apurar e aplicar a vontade efetiva das partes,
ou aquela que elas teriam manifestado (no caso da omissão de algum
ponto importante do acordo), interpretando-o e/ou integrando-o,
conforme o caso, sem conceder a uma ou impingir à outra cláusula
que não seria celebrada. Sob esse aspecto Darcy Bessone afirma que
“a missão do juiz terá de se circunscrever à apuração da vontade
dos contratantes, em um processo de reconstituição”. Já se disse
aqui que não compete ao juiz substituir a parte em sua manifestação
de vontade, o que levaria o direito a considerar algumas partes no
contrato, em determinadas situações concretas, como absoluta ou
relativamente incapazes (além das situações para tanto legalmente
previstas), impondo-se em relação às contrapartes a sua substituição
ou a assistência pelo juiz na correção de rumos considerados
inaceitáveis por este. Esta intervenção do Judiciário revelar-se-ia
absolutamente inconstitucional.

7. Conclusão

Diante dos pontos tratados, podemos verificar que a jurisprudência aplicada no contra-
to de factoring busca delinear determinados limites ao exercício da autonomia privada,
para evitar abusos e preservar a comutatividade das prestações dos seus integrantes.
Dentro da ótica constitucional vigente, o dirigismo contratual exercido pelo Poder
Judiciário guarda consonância com a perspectiva pós-positivista, ao agregar elementos
extrajurídicos na solução dos litígios, através da percepção da realidade dos fatos, de
modo a evitar que práticas proibidas sejam levadas a efeito através da roupagem do
contrato de fomento mercantil.
Mas não se pode dizer que a autonomia de vontade restou afastada, pois o Poder
Judiciário, nos casos mencionados, limitou-se a declarar a nulidade de determinadas
cláusulas, de forma a preservar a essência do contrato de factoring, segundo parâmetros
já consolidados pela doutrina, não obstante a atipicidade do pacto.
O resultado proporciona segurança jurídica, ao esclarecer aos interessados os limites
sobre os quais podem atuar, o que, certamente, traduzirá maior interesse na busca pela
realização do fomento mercantil e, quem sabe, maiores facilidades no incremento da
atividade empresarial como um todo.

21
VERÇOSA; SZTAJN, op. cit., p. 64.

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