“ Ontem os Códigos, hoje as Constituições. A revanche da Grécia contra a Roma”
A máxima de Paulo Bonavides, complementada por Eros Roberto Grau e citada por Barroso em seu Curso de Direito Constitucional é o convite para um tema do Direito Contemporâneo de alta relevância, complexidade e também controvérsia: A constitucionalização do Direito Privado, ou em acepção mais essencialista e talvez menos técnica: A constituição como início, meio e fim do ordenamento jurídico. Antes de debruçar sobre o fenômeno que posicionou a Constituição como filtro para interpretação das outras normas, é necessário traçar um caminho de conceituação básica para melhor direcionar a reflexão. Deste modo, cabe-se explicar: O que é uma norma e o que é uma norma constitucional. Norma jurídica é aquilo que a autoridade competente diz que o é, ela necessita essencialmente de um lastro de validade atribuído pela abstração jurídica que é o estado. Segundo Barroso, em uma definição dotada de maior completude, as normas jurídicas são atos emanados do estado ou por ele reconhecidos, dotados de imperatividade ou garantia, prescrevem condutas, estabelecem estados ideais (o Direito é a ciência do Dever ser), estruturam órgãos, funções, são dotadas de caráter geral, abstrato e obrigatório. Já as normas que que integram (sentido formal, uma vez que o sistema constitucional brasileiro não é consuetudinário) a constituição, documento hierarquicamente superior conforme a clássica definição de Hans Kelsen, são denominadas de normas constitucionais. Já em um sentido Material, a norma constitucional não seria apenas aquela advinda do poder constituinte originário ou reformador, através de um processo legislativo solene, dada a rigidez sistemática adotada, é constitucional não apenas aquilo que está integrado em posição de superioridade, mas sim, aquilo que trata do que é superior: Organização do estado em todos os seus aspectos fundamentais e estruturais, valores essenciais de uma nação e de um ordenamento. Feita essa apresentação conceitual inicial, é o momento de incorporar a análise outro elemento que ocupa espaço e posição privilegiada no pensamento jurídico: O princípio, que pode estar explícito ou implícito, expresso na constituição ou não, mas que mesmo assim, transforma e polemiza o procedimento hermenêutico. Ora, norma é gênero, do qual derivam duas espécies: Regras e Princípios. Virgílio Afonso da Silva, aduz que a classificação das teorias que distinguem essas espécies é composta de: a) Teorias de distinção forte; b) Teorias de distinção débil ou frágil; c) Teorias que argumentam a ausência de distinção. As Teorias de distinção forte argumentam que Regra e Princípio tem lógicas diversas, logo, não se pode falar em uma diferença apenas de grau (de generalidade ou abstração), enquanto as Teorias de Distinção débil caminham no sentido de que a lógica entre esses tipos de normas não é assim tão oposta, então a diferença estaria sim alicerçada na gradualidade, já o terceiro grupo (Teorias da ausência de distinção), diz que as qualidades integrantes de Normas e Princípios são as mesmas, sendo equivocado traçar uma distinção definitiva em institutos essencialmente idênticos. Dito isto, Robert Alexy, que ordenou uma teoria dos princípios mais próxima da perspectiva romano-germânica do direito, após Ronald Dworkin já ter feito sua contribuição para difundir o tema com um desenvolvimento germânico mais apurado, tratou de definir o princípio como um Mandado de Otimização. Os princípios, expressão axiológica no campo jurídico, são normas que exigem que algo seja realizado na maior medida do possível dentro de determinadas condições: possibilidades jurídicas e fáticas. Logo, enquanto as regras estão necessariamente situadas dentro de um Plano de Validade (se a norma é válida, sua exigência deve ser atendida em integralidade= Tudo ou Nada), os princípios estão em um plano de coexistência, onde o grau de utilização destes varia de acordo com o caso concreto e com eventual colisão principiológica. Sendo assim, Alexy estabelece critérios que sedimentam ainda mais a distinção entre Regra e Princípio, através das figuras do “Conflito entre Regras” e da “Colisão entre Princípios”. De acordo com o mesmo teórico, se as regras são válidas, a solução de um conflito entre entre elas se dá através da análise de alguma cláusula de exceção, eis o exemplo hipotético: Regra 1: É proibida a pena de Morte; Regra 2: É proibida a pena de Morte, salvo em caso de guerra declarada. Dos exemplos acima constata-se que há entre Regra 1 e Regra 2 um conflito parcial, uma vez que a consequência jurídica da segunda não é compatível com a proibição total da primeira, esse choque parcial pode ser resolvido através da cláusula de exceção: Lei especial derroga lei geral. Já no tocante aos princípios, a colisão entre eles não implica na declaração de invalidade de um deles, é possível haver um sopesamento, uma ponderação, aplicando-se um princípio em detrimento do outro que continuará válido. Para ilustrar esse raciocínio, Robert Alexy apresenta o seguinte substrato lógico:C- (P1 P P2) C, ou seja, só se fala em prevalência de princípio P1 em detrimento do princípio P2 diante das condições C, nunca será uma análise isolada de elementos. O estudo dessas figuras (Conflito entre regras e Colisão entre princípios) torna-se ainda mais relevante dentro de um contexto contemporâneo onde o poder de interpretação judicial cresceu exponencialmente. Após o advento do Neoconstitucionalismo, os juízes e tribunais posicionam-se como supridores de “lacunas”. Conforme a síntese de Daniel Sarmento, o Neoconstitucionalismo acarretou em fenômenos como a) Rejeição o formalismo; b) reaproximação entre Direito e Moral e c) Constitucionalização do Direito, com a irradiação dos valores constitucionais para o ordenamento jurídico como um todo, inclusive na área privada, através da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, por exemplo. No que tange especificamente a Constitucionalização do Direito Civil, Barroso descreve que existiram etapas (marcos) de gradual aproximação entre Direito Constitucional e civil, quais sejam: A) Mundos apartados: Excessiva distinção entre Direito privado e Direito Constitucional, com ainda forte influência do Direito Romano e primazia da codificação; B) Publicização do Direito Privado: É a fase do Dirigismo contratual, fortalecida após uma concepção de “Estado Social”, através da consolidação de direitos de segunda dimensão, que buscavam uma maior interferência do estado na vida particular para alcançar a concretização de direitos para o cidadão. C) Constitucionalização do Direito Civil: Nesse contexto, a Constituição serve como filtro para interpretação das normas de direito privado, impondo um conjunto de valores e princípios a serem observados nas relações entre os particulares como a Função Social da Propriedade, proteção do consumidor e equilíbrio entre Cônjuges. Através da atuação dos Tribunais Superiores (Ativismo Judicial), transformações relevantes são realizadas no Direito Civil como: Reconhecimento de União estável, famílias monoparentais e uniões homoafetivas. Consideradas as transformações modernas ocorridas na interpretação das normas privadas, é cabível também apresentar o que distingue uma norma constitucional de normas infraconstitucionais, bem como suas consequências. A) A posição no sistema; B) A natureza da linguagem que utilizam; C) Seu conteúdo específico; D) Sua dimensão política; Dentre as consequências do caráter jurídico atribuído as normas constitucionais pode-se citar que: A) A constituição tem aplicabilidade direta e imediata as situações que contempla; B) A constituição funciona como parâmetro de validade para todo o ordenamento; C) Os valores e fins previstos na Constituição devem sempre orientar o intérprete no momento de determinar o sentido das normas infraconstitucionais. Outro ponto interessante a ser mencionado é o Entrechoque de Normas Constitucionais, que segundo Barroso, pode ocorrer de 03 formas: A) Colisão entre princípios constitucionais; B) Colisão entre direitos fundamentais; C) Colisão entre direitos fundamentais e outros valores e interesses constitucionais;
Feitos esses apontamentos, pode-se analisar que o Neoconstitucionalismo, em uma
perspectiva de aproximação com a Teoria do Direito, pode contribuir para o aperfeiçoamento do estado democrático de Direito no Brasil