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1.

Introdução

As Constituições surgiram como uma forma de expor os pensamentos


predominantes e os objetivos de uma determinada sociedade. Ela é produto da
razão humana constituída de acordo com a essência e dogmas daqueles que a
elaboraram. Uma das características fundamentais das primeiras constituições era
a rigidez que retratava fielmente a desconfiança que existia entre o liberalismo da
burguesia e o poder, onde através da rigidez objetivava-se a proteção da liberdade
e dos direitos humanos.
Por fim, a Constituição veio a se exteriorizar em um instrumento escrito,
adquirindo aspecto formal que, associando o caráter rígido a ela atribuído,
institucionalizou a filosofia de antagonismo ao poder e ao Estado que representou
a maior separação da Sociedade e do Estado, demonstrando o auge da fase contra-
absolutista que se estendeu até o século XIX onde foram consolidadas as
instituições liberais e a própria Constituição já estava definida com uma nítida
feição jurídica, capaz de atender o Estado de Direito idealizado pela burguesia
como forma de superação do absolutismo.
2. A Evolução Historica das Constituições

O desenvolvimento das Constituições teve inicio na ideologia liberal


burguesa, como visto acima. A base dessa Constituição está fundada nas
Declarações de Direito e nos Preâmbulos. As Declarações são formadas por
cartas de princípios, com inspiração antiabsolutista, antirestauradora, anexas ao
texto constitucional que devem traduzir o caráter ideológico da Constituição. Os
Preâmbulos tem características semelhantes às declarações, transmitindo mais
uma idéia moral, religiosa ou filosófica do que uma norma jurídica vinculante.
A parte material das regras constitucionais se apresentou estável em
virtude da ausência de combates, antagonismos e tensões, o que facilitou a tarefa
de produzir um texto que unia filosofia e postulados políticos harmônicos. O
processo foi facilitado porque o corpo representativo que elaborou o texto era
formado por burgueses, que tinham opiniões semelhantes, colocando em segundo
plano outras forças do passado como a aristocracia e a realeza que estavam
fadadas ao declínio.
Os textos constitucionais que vieram a seguir eram de impressionante
brevidade, disciplinando apenas o poder estatal e os direitos individuais. Estes
textos demonstravam a indiferença ao conteúdo e substancia das relações sociais.
Na Constituição predominava uma consciência anticoletivista que, apesar de não
poder evitar o Estado delineava a Sociedade afim de conserva-la em uma esfera
imune ou universo inviolável de iniciativas privatistas.

“Era uma sociedade de indivíduos e não de grupos,


embebida toda numa consciência anticoletivista. À
Constituição cabia tão-somente estabelecer a estrutura
básica do Estado, a espinha dorsal de seus poderes e
respectivas competências, proclamando na relação
indivíduo-Estado a essência dos direitos fundamentais à
capacidade civil e política dos governados, os chamados
direitos da liberdade”1

A evolução dos textos constitucionais tem como ponto marcante a


Constituição belga de 1832, que veio coroar uma caracterização jurídica dos
princípios constitucionais. A partir de então, o conceito de Constituição como
conjunto de lei apareceu substituindo o antigo conceito político, criando uma
alternativa teórica e doutrinaria pra este ultimo.
Mesmo evoluindo, foi impossível evitar a crise que se seguiu nas
Constituições do Estado liberal. O furor e o antagonismo das posições ideológicas
deram origem a novas Declarações de Direito que tinham conteúdo polêmico que
dificultavam sua normatização. Assim se formou um sentimento de incongruência
e heterogeneidade que traziam um estado de indefinição que não fundava nenhum
principio basilar de construção. A instabilidade estava instaurada e a busca da
solução trouxe a idéia do equilíbrio na forma de um Estado Social.
Dessa forma entramos na segunda fase das Constituições que substituíram
as ultrapassadas Constituições do liberalismo. As exigências sociais e os
imperativos econômicos envolveram o novo texto em um clima de
programaticidade que trazia um novo direito que veio a ser positivado nas
Constituições do século XX.

1
Bonavides, P., Curso de Direito Constitucional, pág. 204
3. A Natureza e a Eficácia das Normas Constitucionais

Para ajudar a compreensão da Constituição, os constitucionalistas italianos


repartiram as normas constitucionais em suas categorias: as normas programáticas
e nas normas preceptivas. Essa separação é valida nos sistemas constitucionais
rígidos onde todas as normas são jurídicas e providas de eficiência.
Esse estudo italiano acerca da natureza das normas constitucionais acabou
por movimentar o mundo jurídico para uma definição que não causasse
ambigüidade ou duvida. No inicio, foi dito que a separação em normas
programáticas e preceptivas não poderia ser aceita pois as normas programáticas
elucidavam um caráter de ineficácia legal, o que não poderia ser aceito em uma
norma constitucional.
Para solucionar a questão, recorreram os juristas italianos vários critérios
para fundamentar a diferença entre as normas programáticas e as não
programáticas. Esses critérios são o do destinatário, onde seriam programáticas as
normas dirigidas ao legislador e preceptivas as endereçadas aos cidadãos ou ao
juiz; o do objeto, onde as programáticas são a que tem eficácia sobre o
comportamento estatal e preceptivas as que recaem sobre as relações privadas; e o
da natureza da norma, onde as programáticas se caracterizariam pelo seu alto teor
de abstração e imperfeição e as preceptivas por serem normas concretas e
completas, passiveis de imediata aplicação.
Esses critérios foram alvo de massivas criticas, principalmente os dois
primeiros. O critério do destinatário foi atacado por Kelsen e Santi Romano que
possuíam teses com posições divergentes deste critério. Kelsen rejeita a doutrina
que define a norma jurídica apenas pelo seu caráter imperativo pois, segundo ele,
a norma é primeiro um juízo hipotético que não comanda, apenas se limita a
descrever certos efeitos jurídicos que se dirigem a todos e não ninguém em
particular.
Para Santi Romano, o ordenamento jurídico não tem destinatários
específicos, portanto o problema existente na qualificação do destinatário da
norma seria um “pseudoproblema” uma vez que seria impossível isolar uma
norma de forma completa pra que ela atenda apenas um destinatário já que todas
as normas estão ligadas intimamente.
Os constitucionalistas italianos não eram os únicos que estavam buscando
uma classificação adequada para a norma. Os constitucionalistas americanos
distinguiram as disposições constitucionais em auto-aplicáveis ou auto-
executáveis e não auto-aplicáveis ou não auto-executáveis. Essa distinção não foi
objeto de profundas analises nem fervorosas criticas, tendo algumas
conseqüências teóricas bastante expressivas como visto por Rui Barbosa que as
definiu como: as auto-executáveis são aquelas onde o direito instituído se ache
armado por si mesmo, mas nem todas as normas são assim, por isso existem as
não auto-executáveis. Os americanos definiam a dicotomia da norma
constitucional como sendo a norma auto-executável quando nos fornece uma
regra pela qual se possa fruir e resguardar o direito outorgado, ou executar o
dever imposto e a norma não-executáveis quando ela meramente indica um
principio, sem estabelecer normas por cujo meio se logre das a esses princípios
vigor de lei.
A dicotomia das normas constitucionais ainda não apresentavam uma
classificação que agradasse a maioria e as criticas fizeram que Anschuetz, ao
interpretar documentos constitucionais da Prússia e os princípios que o regiam,
chegasse a tripartição dos direitos fundamentais. Aproveitando as idéias deste,
Azzariti estabeleceu uma tríplice classificação para as normas: as normas
diretivas, que correspondem às programáticas, as preceptivas de aplicação direta e
imediata e as preceptivas de aplicação direta, mas não imediata.
Corroborando o pensamento de uma classificação tríplice, Vezio
Crisafulli2 elaborou uma classificação entre as normas programáticas, as
imediatamente preceptivas ou constitutivas e as normas de eficácia diferida. Para
este autor, as normas programáticas tem valor jurídico, ao contrário do que
defende Azzariti, sendo, portanto, preceptivas e até mesmo imediatamente
preceptivas no que diz respeito aos órgãos estatais.

2
Crisafulli, Vezio. La Costituzione e le sue Disposizioni di Principo Apud P. Bonavides, ob.cit. pág. 216
4. As Normas Constitucionais e suas Modernas Classificações

Depois de longos estudos promovidos por diversos juristas de diferentes


nacionalidades, a normas presentes nas Constituições contemporâneas pode ser
classificadas como normas programáticas, normas imediatamente preceptivas ou
normas de eficácia diferida.

“As normas programáticas, às quais uns negam conteúdo


normativo, enquanto outros preferem restringir-lhe a
eficácia à legislação futura, constituem no Direito
Constitucional contemporâneo o campo onde mais fluidas
e incertas são as fronteiras do Direito com a Política”.3

A norma programática, devido a sua característica natural de defesa dos


direitos fundamentais, apresenta uma fragilidade quanto a sua eficácia jurídica
que deve ser resolvida através de um estudo histórico que interprete da melhor
forma o texto programático trazendo a tona a vontade e os objetivos do legislador.
A eficácia jurídica destas normas ainda é motivo para uma grande
discussão que separa diversos publicistas em correntes distintas. Crisafulli
assinala três pontos que fundam a importância devida às normas programáticas.
São eles o reconhecimento da eficácia normativa das disposições constitucionais
exclusivamente programáticas, as quais enunciam verdadeiras normas jurídicas,
que são por isso preceptivas, mesmo que apenas destinadas ao poder estatal; o
vinculo existente entre os órgãos legislativos e os textos que formam a
Constituição, onde os órgãos legislativos devem seguir o teor desta; e o
reconhecimento da invalidade de leis subsequentes que estejam em contraste com
as normas constitucionais programáticas, uma vez que as mesmas estão presentes
no texto constitucional.
3
Bonavides, P., Curso de Direito Constitucional, pág. 218
As normas constitucionais imediatamente preceptivas também chamadas
de eficácia direta são de mais fácil conceituação pois são aquelas que regulam as
relações entre os cidadãos e entre o Estado e os cidadãos. Essas normas são as
que possuem um inegável caráter jurídico já que esta destinadas a regular as
relações sociais diretamente, tendo forca total para aplicação imediata.
As normas constitucionais de eficácia diferida nasceram como uma
classificação avançada na tentativa de diferenciar normas que antes eram
consideradas programáticas. As duas normas só podem desdobrar sua total
eficácia mediante interveniencia legislativa que poderá se dar em atos de
intermediação ou na criação de leis.
Para diferenciar as duas normas, devemos observar que nas normas de
eficácia diferida as exigências de legislação posterior que as complete são de
ordem técnica e instrumental, uma vez que elas já trazem definidas em seu bojo a
matéria que lhe serve de objeto já reguladas pela Constituição. Nas normas
programáticas temos promessas cujo conteúdo sera estabelecido em tempo
oportuno pela autoridade legislativa. As normas de eficácia diferida estão prontas
para serem aplicadas às matérias que se referem, bastando apenas um instrumento
legislativo que as complete.
Por fim, bom lembrar que as normas programáticas se dirigem unicamente
aos poderes do Estado, enquanto as normas de eficácia diferida se dirigem aos
cidadãos e aos órgãos estatais indistintamente, tendo, portanto, natureza bem
diferente das normas programáticas.
5. Conclusão

As Constituições ao redor do mundo surgiram marcando o ponto


determinante do rompimento do Estado Absolutista e da ideologia liberal
burguesa. O pensamento liberal predominou em todas as Constituições que teve
como principal característica a rigidez que demonstrava a desconfiança que
existia entre o liberalismo da burguesia e o poder.
A texto constitucional teve origem nos Preâmbulos e nas Declarações de
Direito que, em tempo de rompimento com o absolutismo, tinham importantes
características antiabsolutismo e antirestauradora. O texto era ainda muito breve,
tratando apenas dos direitos estatais e dos indivíduos, demonstrando um aspecto
privatista que, no inicio, não apresentou combate mas acabou por ruir com o
surgimento de Declarações de Direito antagônicas fruto de diversas camadas
sociais que possuíam ideologia diferente. Assim teve inicio a segunda fase das
Constituições que deu fim no Estado Liberal e criou um ordenamento jurídico
capaz de lograr êxito as aspirações sociais.
A partir de então, a busca se voltou para o texto normativo constitucional
em si, envolvendo o mesmo em classificações que, no inicio, pecavam pela
simplicidade com que tratavam o tema, mas, depois de muitos estudas de
constitucionalistas de diversas origens acabou por ser definido em um sistema
tríplice capaz de diferenciar as normas constitucionais de forma eficaz.,
traduzindo, assim melhor seus objetivos trazendo benefícios para a sociedade.
6. Bibliografia

Bonavides, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 2a ed., São Paulo: Malheiros


Editores, 1993.
Perelman, Chaim, Lógica Jurídica, 1ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Os Princípios da Constituição de 1998, organizadores: Manoel Messias
Peixinho, Isabella Franco Guerra, Firly Nascimento Filho, Rio de Janeiro: Lúmen
Juris, 2001.
Sarmento, Daniel, A Ponderação de Interesses na Constituição, 1a ed., Rio de
Janeiro: Lúmen Juris, 2000.

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