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DOI: https://doi.org/10.17921/2448-2129.

2022v23n2p132-138

O Impacto da Pejotização como Meio de Fraudar Obrigações do Contrato de Trabalho após a


Lei nº 13.467/2017

The Impact of Pejotization as a Means of Frauding Employment Contract Obligations after


Law nº 13.467/2017

Fernando Ribeiro da Silva Carvalho*ab; Marcos Rogerio Pianca Diasb

Faculdade de Ensino Superior de Linhares. ES, Brasil.


a

b
Faculdade Pitágoras de Guarapari. ES, Brasil.
*E-mail: advocacia@fernandoribeiro.adv.br.

Resumo
O objetivo do presente estudo é entender o fenômeno denominado da pejotização e como se comporta no ordenamento jurídico trabalhista.
Diante da finalidade exposta se desenvolveu o método de análise qualificada pela dedução, com pesquisa aprofundada pautada em bibliografias
acerca do tema, fundada especialmente em artigos concretos desenvolvidos por juristas, como juízes, advogados, professores e também as
clássicas doutrinas. A pejotização não é assunto novo no meio jurídico trabalhista, mas após a reforma trabalhista ganhou ênfase, pela adição
da figura do trabalhador autônomo na redação da Consolidação das Leis Trabalhistas. A pejotização é conhecida por ser meio utilizado pelos
empregadores na busca de fraudar as relações de emprego e se evadir de encargos trabalhistas. Portanto, se faz necessário estudo do tema.
Palavras-chave: Pejotização. Fraude. Violação de Princípios. Reforma Trabalhista.

Abstract
The objective of the present study is to understand the phenomenon called pejotization and how it behaves in the labor legal system. In view of
the stated purpose, the method of analysis qualified by deduction was developed, with in-depth research based on bibliographies on the subject,
based especially on concrete articles developed by jurists, such as judges, lawyers, teachers and also the classic doctrines. Pejotization is not
a new issue in the labor legal environment, but after the labor reform it gained emphasis, due to the addition of the figure of the self-employed
worker in the wording of the Labor Laws Consolidation. Pejotization is known for being a means used by employers in the search to defraud
employment relationships and evade labor charges. Therefore, it is necessary to study the topic.
Keywords: Pejotization. Fraud. Principles Violation. Labor Reform.

1 Introdução consequências no âmbito trabalhista, tendo como base a


pesquisa pormenorizada de artigos, livros, leis e até mesmo
O fenômeno da pejotização se demonstra nas relações em
decisões judiciais.
que o empregador determina que o trabalhador constitua uma
Assim, o presente artigo se debruça, como objetivo
pessoa jurídica e, assim, ser tratado como uma empresa para
principal, acerca do fenômeno da pejotização, fazendo
prestação de serviços e não como empregado. Nos tempos
uma análise sobre de que modo o fenômeno sucede e
atuais, de forma a contextualizar o porquê a pesquisa foi feita,
suas consequências ao trabalhador, concluindo pela burla
é necessário asseverar que essa modalidade de contratação
corriqueira dos direitos trabalhistas mais basilares.
está cada vez mais comum, colocando em risco, ou no mínimo
em discussão, a estabilidade e a segurança no que concerne 2 Desenvolvimento
aos direitos dos trabalhadores.
2.1 Metodologia
Isto porque a finalidade da pejotização por muitas vezes
é burlar a legislação trabalhista para que os empregadores A metodologia utilizada se concentrou na análise
não tenham, ou até mesmo diminuam, os encargos com o bibliográfica de textos, desde livros a artigos científicos sobre
empregado, tendo como resultado a violação de alguns dos o tema, através de pesquisa aprofundada, diante de leitura e
seus direitos básicos. contextualização de escritos de juízes, advogados, professores
Porém, essa forma de contratação pode ser afastada, e também as clássicas doutrinas.
verificada no caso concreto, em sua maior parte através Por meio da análise dos textos acerca do tema, o método
dos aplicadores do direito, observando assim os princípios de pesquisa consistiu na descoberta se a pejotização tem
do Direito do Trabalho. Para tanto, foi feita uma análise do fundamentos legais ou não e, sobretudo, se é constitucional
fenômeno da pejotização, como método aplicado dedutivo, ou se serve apenas como uma aparência legal para finalidades
sobre a aplicabilidade dos princípios, características e trabalhistas proibidas e violadoras aos direitos dos

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trabalhadores. utilidades. Estabelecido por hora, dia ou mês (LEITE, 2020).
O último requisito para caracterização da relação de
2.2 Relação de Emprego
emprego é a subordinação. Resende (2016) expõe que esse
Para entendimento do fenômeno da pejotização, é elemento é o requisito mais importante da relação, sendo o
importante abordar as características essenciais presentes na diferenciador entre a relação de emprego e as demais relações
relação de emprego. de trabalho.
A princípio a doutrina faz uma distinção entre a relação de Conforme Martins (2021), a subordinação significa que o
trabalho e relação de emprego, sendo a relação de trabalho o trabalhador exerce uma atividade com dependência e dirigido
gênero, e a relação de emprego uma de suas espécies (LEITE, pelo empregador, não podendo agir com autonomia durante
2020). suas atividades.
Delgado (2019) ensina que a expressão tem caráter Ao fim, se faz importante mencionar que a relação
genérico e se refere a todas as formas de prestação de trabalhos empregatícia apenas ocorre caso esteja reunidos os elementos
existentes no mundo jurídico atual, enquanto a relação de fático-jurídicos abordados acima (DELGADO, 2019).
emprego ocorre quando presente os requisitos próprios.
2.3 O Fenômeno da Pejotização
Pode-se observar que a relação de trabalho é mais
abrangente, compreendendo diversas relações. Ao passo que a A pejotização provém de uma fraude, o objetivo é fazer
relação de emprego é uma espécie da relação de trabalho com com que os empregados constituam uma pessoa jurídica
critérios específicos e exigidos para sua caracterização. para ocultar uma relação de trabalho típica (ESPINELLI;
CALCINI, 2020). Para melhor entendimento, Oliveira (2013)
2.2.1 Critérios para caracterização da relação empregatícia
exemplifica que a denominação é relacionada à sigla da
Leite (2020) ensina que a caracterização da relação de pessoa jurídica, isto é, PJ = pejotização, a ‘transformação’
emprego passa pelo conceito de empregado e empregador, do empregado (sempre pessoa física) em PJ (pessoa jurídica).
presentes nos artigos 2.º e 3.º da Consolidação das Leis do Logo, tem-se a princípio que a pejotização tem a
Trabalho (1943), extraindo desses os seguintes elementos: a finalidade de descaracterizar a relação de emprego com a
pessoalidade, não eventualidade, subordinação hierárquica ou “transformação” do empregado que exerce sua função de
jurídica e a onerosidade. forma pessoal, em pessoa jurídica.
Martins Filho (2018) leciona que a principal espécie do Os autores Barbosa e Orbem (2015) descrevem a
gênero de trabalho é caracterizada pela conjunção de quatro característica da pejotização quando o empregador exige a
elementos básicos presentes no art. 3º da CLT, pessoalidade, constituição da pessoa jurídica, para efetivação da contratação
prestação de serviços não eventuais, onerosidade e ou perante ao seu empregado para manutenção do posto de
subordinação. trabalho.
Por sua vez, Delgado (2019) aborda outro elemento que Por sua vez, Ortiz (2014) conclui que a pejotização pode
entende ser componente essencial na relação de emprego, a ocorrer de duas formas, sendo a primeira no ato da contratação
prestação de trabalho por pessoa física a um tomador qualquer. pela imposição da constituição de uma pessoa jurídica como
O autor enfatiza que a prestação do serviço deve acontecer condição na admissão do empregado. Na segunda forma, a
pela figura do empregado e esse deve ser uma pessoa natural. exigência do trabalhador que se crie uma pessoa jurídica, e
Pode-se concluir pelo conteúdo abordado que se configura após a criação efetua a baixa na carteira, celebrando com o
relação de emprego quando necessariamente é prestado por mesmo um contrato de prestação de serviços.
pessoa física, com pessoalidade, não seja eventual, onerosa e Nota-se que os autores narram a fraude da pejotização no
de maneira subordinada. momento da contratação, quando exige do trabalhador que
Observadas as características da relação empregatícia, constitua pessoa jurídica. Neste caso, o trabalhador firmará
passa-se agora para uma breve exposição destes elementos. um contratado de prestação de serviços e, na prática estarão
O elemento da pessoalidade ou carácter intuitu personae, presentes os elementos da subordinação e pessoalidade. Ao
significa que o trabalho deve ser exercido por pessoa física, final, é importante esclarecer que a contratação de pessoa
escolhida para exercer a prestação de serviço contratada, jurídica para prestação de serviços é lícita, desde que não
não podendo o empregado se substituir por livre vontade presente as características da relação de emprego.
(CASSAR, 2017). Nesse sentido, o entendimento é que ambas maneiras
A não eventualidade, por sua vez, está ligada ao contrato levam a pejotização, sendo formas ilegais que afrontam os
de trabalho que exige uma prestação de serviço de forma princípios trabalhistas.
habitual, constante e regular (LEITE, 2020).
2.3.1 A viabilidade legal da pejotização
O elemento da onerosidade é a contraprestação
remuneratória pelo serviço prestado, na qual o empregado Explica Pereira (2013), que a pejotização iniciou sua
recebe remuneração, seja por meio do salário, comissão ou viabilidade mediante ao advento da Lei de Direito Tributário

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n.º 11.196 de 2005 (Lei do Bem), no ordenamento jurídico considerado sua posição em desvantagem em relação ao
brasileiro, mas especificamente com a edição do artigo empregador, dessa forma, merece atenção melhor, para que
129, vislumbrando aos empregadores a possibilidade de exista um equilíbrio na relação de emprego.
contratação de prestadores de serviços intelectuais através de Assim, o princípio da proteção sobrevém, para
contrato com pessoas jurídicas sem relação de emprego. contrabalançar relações de materialmente desequilibradas
Assim, averiguando a previsão legal do artigo 129 da entre os empregados e empregadores (MARTINEZ, 2020).
referida lei, sua redação deixa claro que os empregadores Do princípio em foco, pode-se observar outros três
podem contratar mão de obra de trabalhador para prestação de “subprincípios”, quais sejam, o in dubio pro operário, o
serviços intelectuais com exclusividade ou não, sem relação da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador e
de emprego. o da aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador
Conforme Franco Filho (2019), o trabalho intelectual (MARTINS, 2021).
pode ser prestado por pessoas jurídicas como prevê o artigo O Princípio in dubio pro operário é quando se mantém
em referência. Não obstante, na prática, deixa de ser apenas dúvida quanto ao alcance ou a intenção de uma norma de
aos trabalhadores intelectuais e se estende aos empregados de proteção trabalhista, esta deve ser interpretada e aplicada em
todas as atividades, ocasionando pejotização. favor do trabalhador (MOURA, 2016).
No entanto, para os defensores da pejotização como uma Bem como, o princípio da aplicação da norma mais
relação de emprego lícita, passam a justificar os incentivos favorável, que consiste quando houver mais de uma norma
contidos na referida lei, a possibilidade de decisão em qual jurídica aplicável sobre a relação de emprego, logo, deve-se
modo de vinculação será a prestação de serviços, exercendo valer daquela que se mostrar mais favorável aos interesses
a livre iniciativa de vontade do trabalhador em optar pela do empregado, contudo, sua utilização deve levar em conta
condição de prestador de serviços como pessoa jurídica, a coletividade dos trabalhadores a quem a norma se aplica no
abdicando da condição de empregado (BARBOSA; ORBEM, caso fático (MOURA, 2016).
2015). Ademais, o princípio da condição mais benéfica fornece
Nesse sentido, esclarece Peres (2008) que sob a ótica ao trabalhador uma proteção e garantia do direito e das
trabalhista, a relação jurídica que tenha em seu bojo a maneira, vantagens conquistadas, não podendo haver uma modificação
que estabeleça condição desfavorável ou a pior (MARTINS,
pessoal, subordinada, onerosa e habitual é por presunção uma
2021).
relação empregatícia.
Desse modo, a aplicação do princípio da proteção e dos
2.4 Os Princípios e o Fenômeno da Pejotização que o integram, faz útil quando observada a necessidade de
proteção aos trabalhadores e o reequilíbrio da relação de
Os princípios desenvolvem papel fundamental no Direito,
emprego.
pois, desempenham três funções importantes, a informativa,
A jurisprudência da 2.ª Região do Tribunal Regional do
normativa e interpretativa. Basicamente, a informativa orienta
Trabalho aplicou o princípio da proteção em combate a fraude
e inspira o legislador a criação de preceitos legais. A normativa
da pejotização:
é fonte supletiva entre as lacunas e omissão do texto da lei,
utilizadas como regra de integração da norma jurídica, e por VÍNCULO DE EMPREGO. ‘PEJOTIZAÇÃO’. Restou
último, a interpretativa como forma de critério e auxílio aos demonstrado que a reclamada utilizou o procedimento da
denominada “pejotização”, espécie de fraude às relações de
intérpretes e aplicadores da lei (MARTINS FILHO, 2018).
emprego, por meio da qual o real empregador procura eximir-
No âmbito do Direito do Trabalho, a Consolidação das se das suas obrigações trabalhistas mediante a imposição,
Leis do Trabalho (1943) traz no caput do artigo 8.º, anuência aos empregados, da constituição de pessoa jurídica para
a prestação dos serviços objetivo do contrato de trabalho,
e possibilidade da utilização dos princípios no ordenamento
porém, com a manutenção dos requisitos típicos da relação
trabalhista. de emprego, mascarada por um contrato comercial de
Nesse sentido, Garcia (2014) cita que o Direito do Trabalho prestação de serviços. Violação aos princípios da proteção,
guarda princípios próprios, aceitos pela doutrina e aplicados primazia da realidade e da presunção de coação decorrente da
vulnerabilidade do trabalhador. Aplicação do art. 9º, da CLT.
pela jurisprudência, sendo esses o princípio da proteção, Recurso do Reclamante ao qual se dá provimento. (TRT-2 –
o princípio da irrenunciabilidade, primazia da realidade e RO: 00007592520145020411 SP 00007592520145020411
continuidade da relação de emprego. A28, Relator: SIDNEI ALVES TEIXEIRA, Data de
julgamento: 17/06/2015, 8ª TURMA, Data de Publicação:
Portanto, é necessário a análise dos princípios no combate 23/06/2015).
a pejotização, em especial o princípio da proteção, princípio
da primazia da realidade e princípio da indisponibilidade ou Destarte, observa-se que o fenômeno da pejotização viola
irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. o princípio da proteção, restando ao julgador se utilizar do
princípio para proteger o empregado e reequilibrar a relação.
2.4.1 Princípio da Proteção
Por conseguinte, a jurisprudência vem reconhecendo o
O princípio da proteção visa proteger o empregado, princípio da proteção como fonte ao combate da pejotização

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e enseja a aplicação do art. 9 da Consolidação das Leis do [...] traduz a inviabilidade técnico-jurista de poder o
Trabalho (1943), reconhecendo como nulo de pleno direito, empregado despojar-se, por sua simples manifestação de
vontade, das vantagens e proteções que lhe asseguram a
atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou ordem jurídica e o contrato.
fraudar a aplicação dos preceitos da presente consolidação.
Esse princípio, portanto, tem como regra a impossibilidade
2.4.2 Princípio da Primazia da Realidade
do empregado em renunciar direitos garantidos. Assim,
Este princípio é de suma importância no combate à fraude. o fenômeno da pejotização se torna incabível, quando se
É utilizado pelos julgadores de forma a analisar a realidade sustenta que o empregado concordou com forma diversa de
dos fatos, independentemente dos documentos expostos, seu contratação se não por meio da CLT.
principal objetivo é buscar e entender a verdade real entre os A autonomia da vontade e a formalidade do contrato do
fatos narrados. autônomo ou representante comercial, quando presentes os
Esclarece Delgado (2019, p.244): requisitos dos artigos 2.º e 3.º da CLT, não afastam a relação
de emprego, pois a legislação trabalhista é inafastável pela
deve-se pesquisar, preferentemente, a prática
concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, vontade das partes (CESSAR, 2018, p.214).
independentemente da vontade eventualmente manifestada
pelas partes na respectiva relação jurídica. 2.5 As Alterações Advindas da Reforma Trabalhista e a
Influência na Pejotização
Martins (2021, p.135) cita como exemplo: “Muitas As alterações advindas da Lei 13.467/2017 chamada de
vezes o empregado assina documentos sem saber o que está Reforma Trabalhista teve como ponto de partida o Projeto de
assinando”. Lei 6.787, que tratava apenas de sete artigos que alterariam
Nessa ótica, o princípio da primazia se destina a proteger a CLT (1943), após discursões o texto foi ampliado e teve o
o trabalhador contra documentos que não condizem com o acréscimo e a modificação de 97 artigos. A mudança do texto
cotidiano da relação. legislativo com a reforma trabalhista não ficou apenas em
2.4.3 Uma visão do princípio da primazia da realidade alterar o texto de lei, se baseou no argumento da necessidade
após a reforma trabalhista de “modernização” das relações trabalhistas, instituindo três
princípios de proteção ao capital, sendo esses a liberdade,
Sobre a Reforma Trabalhista, Cessar (2018, p. 190)
segurança jurídica e simplificação, invertendo os valores, os
alerta que a reforma modificou o cenário da aplicação do
princípios e as regras de proteção ao trabalhador e as normas
princípio, trazendo dificuldade aos julgadores, uma vez que
constitucionais e internacionais (LEITE, 2020).
as modificações deixam clara a preferência sobre o ajustado e
A Reforma Trabalhista sancionada pelo então presidente
documentado, mesmo que seja desfavorável.
Michel Temer no dia 13 de julho de 2017, entrando em vigor
Entretanto, a jurisprudência da 2ª Região do Tribunal
após cento e vinte dias de sua publicação, alterou não somente
Regional do Trabalho, após a reforma trabalhista continua
a CLT (1943) como também alterou a Lei n.º 6.019, de 3 de
aplicando o princípio da primazia da realidade:
janeiro de 1974 conhecida como lei do trabalho temporário, a
RECURSO ORDINÁRIO, CONTRATO DE Lei n.º 8.036 de 11 de maio de 1990 que dispõe sobre o fundo
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AUTONÔMO. PRIMAZIA de garantia do tempo de serviço e a Lei nº 8.212 de 24 de julho
DA REALIDADE. VÍNCULO EMPREGATÍCIO de 1991 que dispõe sobre a organização da seguridade social.
RECONHECIDO. Se for constato a partir das provas dos
autos que a relação jurídica mantida entre as partes enquadra- Com as alterações, alguns artigos advindos da reforma
se nas disposições dos arts. 2º e 3º da CLT, o órgão julgador trabalhista se destacam a discussões acerca da pejotização,
reconhecerá o vínculo empregatício em vista do princípio não ficando apenas nestes, uma vez que a jurisprudência com
da primazia da realidade. Segundo esse princípio a natureza
novos julgados pode trazer à tona novas discussão sobre o
da relação de trabalho deve ser aferida a partir dos fatos que
qualificam a prestação de serviços, independentemente das tema.
denominações que as partes contratantes lhes atribuam. (TRT-
2 10011228220195020002 SP, Relator: MARCELO FREIRE 2.5.1 Autônomo - art. 442-b da CLT
GONCALVES, 12ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação:
19/04/2021). Após a entrada em vigor da reforma trabalhista, em 11
de novembro de 2017, o Governo Federal expediu a Medida
Portanto, a jurisprudência se utiliza do princípio para o Provisória n.º 808 em 14 de novembro de 2017. O discurso era
reconhecimento do vínculo empregatício quando o contrato se dirimir alguns pontos omissos e controvertidos da reforma,
mostra divergente com a prática, e apresenta principalmente como também aprimorar dispositivos e evitar problemas de
os elementos de pessoalidade e subordinação. aplicação das novas disposições legais.
Em vigor, a Medida Provisória trouxe nova redação ao
2.4.4 Princípio da Indisponibilidade ou Irrenunciabilidade artigo 442-B da Consolidação das Leis trabalhistas, incluindo
dos Direitos Trabalhistas
os parágrafos 1.º e 2.º.
Delgado (2019, p.237) define que esse princípio A inclusão do autônomo na Consolidação das Leis

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Trabalhistas (1943) parece tentativa para burlar a relação (GARCIA, 2017).
de emprego, uma vez que o autônomo não é empregado O mencionado artigo é visto como um influenciador direto
(BOMFIM, 2017). sobre as discussões a respeito da pejotização, apontando
Segundo Guimarães e Viegas (2019), a contratação com que a norma permitiu a terceirização da atividade principal,
característica de pejotização é comum no Brasil, mas o artigo acarretando possibilidade de contratação de empresas para a
442-B da CLT com o § 2.º permitiu e estipulou a contratação execução das atividades-fim. Logo, o que antes da reforma
de trabalhadores autônomos a prestar serviços a um único era visto como ilícito, tornou-se válido após a nova legislação
tomador e, ainda, se manter na qualidade de autônomo, exceto (DONA; REMEDIO, 2018)
estando presente a subordinação, um dos elementos que Destaque para o parágrafo 2.º do art. 4.º-A da Lei
caracteriza o vínculo empregatício. 6.019/1974, dispõe que: “Não se configura vínculo
A Medida Provisória n.º 808 de 2017 perdeu sua validade empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas
em 23 de abril de 2018. Logo, a redação do artigo passou ao prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a
texto incluído pela Lei n.º 13.467 de 2017. empresa contratante” (BRASIL, 1974).
Nota-se, que a redação da M.P. nº 808/2017 em seu §1º Desse modo, o artigo supracitado caminha a ser um
vedava a celebração com cláusula de exclusividade, e após ter facilitador da pejotização, visto que o trabalhador que presta
sua vigência encerrada, não possui impedimento a contratação o serviço como autônomo muitas vezes se constitui como
do autônomo com exclusividade. Microempreendedor Individual (MEI), modelo empresarial
Atualmente, a Comissão de Trabalho, Administração e voltado para pessoas que desejam trabalhar de maneira
Serviços públicos da Câmara dos Deputados aprovou por 15 autônoma, sendo simplificado e de fácil criação, em função
votos contra 8, o Projeto de Lei 8303/2017 que possui como da facilidade de constituição da pessoa jurídica, com menor
autor o Deputado André Figueiredo (PDT-CE). O projeto visa custo de manutenção, tributação reduzida e simplificada.
acabar com a figura do “autônomo exclusivo”, o principal Todavia, também foi inserido na Lei n.º 6.019/1974, os
argumento é a perda da autonomia do autônomo quando artigos 5.º-C e 5.º-D, não permitindo a contratação de pessoa
presente a exclusividade. jurídica cujus titulares e sócios tenham prestado serviços
Franco Filho (2019) se volta a realidade prática e a contratante, e fixa que o empregado demitido não poderá
expõe que o trabalhador pejotizado não se submete ao prestar serviços para mesma empresa na qualidade de
contrato de autônomo concordando em ser pessoa jurídica, empregado de prestadora de serviço, ambos artigos o decurso
transvestindo de empresa individual privada e transformando do prazo é de 18 meses, após o vínculo.
em microempresário individual (MEI), em busca do título
2.6 Consequências da Pejotização
de autônomo ou empresário, e sim para obter meios de
sobrevivência digna. A pejotização contraria os direitos e garantias alcançados
pelos trabalhadores ao longo do tempo e disciplinados em Lei.
2.5.2 Terceirização da atividade-fim
Para os empregadores um trabalhador nas condições
A princípio destaca que a pejotização e a terceirização são de pejotizado é visto como favorável, proporciona diversas
institutos diferentes. A terceirização se caracteriza quando vantagens, entre essas na redução de custos e encargos
uma sociedade contrata outra na execução de atividades ou trabalhistas e por consequência aumento no lucro.
para prestar algum tipo de serviço específico. Neste caso, os No entanto, para o trabalhador nesta condição a depender
trabalhadores pertencem à empresa terceirizada, contratados se torna desfavorável, visto arcar com a perda dos benefícios
pelo regime previsto na Consolidação das Leis do Trabalho de sociais, sem jornada de trabalho definida, sem descanso
1943, com todos os diretos trabalhistas garantidos (WEITZEL, semanal remunerado, entre outros, além de não possuir
2018). proteção das normas trabalhistas, ficando sujeito as vontades
A definição de terceirização para Leite (2020, p. 225) do empregador.
pauta-se em um procedimento adotado por empesa que
2.6.1 Consequências Trabalhistas
visa a redução de custos, aumento na lucratividade e como
consequência uma maior competitividade no mercado, para Quando estão presentes todos os requisitos do vínculo
tanto, realiza a contratação de outra empresa, que prestará empregatício, o empregado faz jus a receber o salário, além
serviço com empregados próprios. do empregador arcar com os demais encargos sociais e
Como verificado a Reforma Trabalhista também alterou a trabalhistas.
Lei n.º 6.019/1974 (Lei do trabalho temporário) dando nova Ademais, a esfera trabalhista conta com os Acordos
redação para o artigo 4.º-A. Admitindo-se a terceirização Coletivos de Trabalho (ACT) e a Convenção Coletiva de
de forma ampla, superando a distinção entre as atividades- Trabalho (CCT), que podem ser utilizados para ampliar
fim e atividades-meio, adotada pela jurisprudência, ou proteções, direitos e benefícios já assegurados.
seja, permitindo inclusive a terceirização da atividade-fim Todavia, o “pejotizado” não possui direitos trabalhistas,

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como o FGTS, férias, 13º salário, horas extras e no caso Observado que a pejotização após a Reforma Trabalhista
de dispensa do trabalhador, a demissão gera o direito ao ganhou com advento do Art. 442-B da CLT (1943) um
pagamento do aviso prévio, multa rescisória no montante de meio para possíveis fraudes, visto que, o autônomo pode
40% sobre o FGTS, saldo de salário e o pagamento das demais prestar serviços com exclusividade e de forma continua ao
verbas proporcionais (MARTINEZ, 2020). Como se pode empregador. A Reforma também alterou o artigo 4º-A da Lei nº
observar, o empregador se favorece em diversas maneiras, 6.019/1974, passou a permitir a terceirização da atividade-fim
tendo o descargo de inúmeras responsabilidades tributárias, e, com isso, possibilidade da contratação de pessoa jurídica
encargos trabalhistas e sociais, se esvai de arcar com o custo para exercer a atividade principal, conduto os artigos 5-C e
das férias, dos 8% do Fundo de Garantia por Tempo de 5-D da mencionada Lei, são claros em impedir a contratação
Serviço (FGTS), isenção do pagamento de 20% do Instituto da pessoa jurídica cujus titulares, sócios e empregados
Nacional do Seguro Social (INSS), do décimo terceiro salário, tenham nos últimos 18 (dezoitos) meses, prestado serviços
pagamento do adicional de insalubridade ou periculosidade, à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador, até
multa no caso da rescisão contratual no percentual de 40% mesmo sem vínculo empregatício.
sobre o valor do FGTS, dentre outros (GUIMARÃES; Portanto, deixa claro que a pejotização é uma forma de
VIEGAS, 2019). fraudar as leis trabalhistas, quando existe no contexto fático,
Tal como, abstém-se de toda carga burocrática da as características da relação de emprego. Podendo acontecer
contratação nas normas da CLT, o registro, exame admissional quando o empregador exige do empregado constituir pessoa
e demissional, custos adicionais na aplicação de treinamentos, jurídica e após celebrar contrato de prestação de serviços,
cursos preparatórios para funcionários novos e atualização aos condicionando como única maneira de garantia de trabalho,
que já laboram. tal como, quando condiciona a contratação do trabalhador a
Percebendo o ocorrido, resta ao trabalhador buscar constituindo pessoa jurídica.
a via judicial para fazer valer seus direitos suprimidos, Diante disso, possui uma preocupação quando a
demonstrando por meio de provas e aplicação dos princípios, polarização da fraude nas relações trabalhistas, visto que,
entre esses da primazia da realidade, a presença da fraude não há norma expressa contra a pejotização, além que o atual
na relação empregatícia, ficando ainda dependente do cenário no País é de crescimento de trabalhadores autônomos.
entendimento e julgamento pelo magistrado. Portanto, cabe aos agentes do Direito do Trabalho, reforçar
Destarte, o empregador que opta por burlar a relação de a fiscalização e aos julgadores quando presente reclamação
emprego, uma vez descoberto, fica sujeito nos moldes da trabalhista que versa sobre o assunto, enaltecer a realidade dos
redação do art. 9.º da Consolidação das Leis Trabalhistas fatos, a fim de proteger a norma trabalhista.
(1943), ter o contrato de prestação de serviço nulo, implicando
no reconhecimento do vínculo, condenado ao pagamento de Referências
todos os direitos e encargos trabalhistas suprimidos ao longo BARBOSA, A.M.S.B.; ORBEM, J.V. “Pejotização”: precarização
da relação. das relações de trabalho, das relações sociais e das relações
humanas. Rev. Eletr. Curso de Direito UFSM, v. 10, n. 2, 2015.
3 Conclusão BOMFIM, V. Breves comentários às principais alterações
propostas pela Reforma Trabalhista. Gen. Jurídico, 2017.
Ante o exposto se buscou com o presente trabalho Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2017/05/09/breves-
apresentar uma reflexão sobre a ação do fenômeno da comentarios-principais-alteracoes-propostas-pela-reforma-
pejotização, demonstrando sua origem, forma e como os trabalhista/>. Acesso em: 21 nov. 2021.
autores analisam dentro do contexto da Reforma Trabalhista. BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
E possível observar que a pejotização é uma prática Consolidação das Leis do trabalho. Brasília, 2017. Disponível
utilizada pelos empregadores buscando fraudar as normas em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.
htm>. Acesso em: 15 nov. 2021.
trabalhistas e consiste em contratar pessoas físicas por meio
BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de Julho de 2017, Reforma
de pessoas jurídicas mantendo as características da relação de
Trabalhista. Brasília, 2017. Disponível em: <http://www.planalto.
emprego. gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm >. Acesso
Além disso, a pejotização evidencia que o trabalhador em: 20 nov. 2021.
nessas condições é o mais prejudicado da relação, pois tem BRASIL. Lei nº 6.019, de 3 de Janeiro de 1974, Trabalho
seus direitos, vantagens e garantias suprimidos, em razão de Temporário nas Empresas Urbanas. Brasília, 2017. Disponível
não estar protegido pela Consolidação das Leis do Trabalho. em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6019.htm>.
Acesso em: 20 nov. 2021.
Identifica-se que a pejotização fere e vai contra os princípios
trabalhistas, em especial, o da primazia da realidade, proteção BRASIL. Medida Provisória nº 808, de 14 novembro de 2017,
Altera a Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, 2017.
do trabalhador e indisponibilidade ou irrenunciabilidade dos Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
direitos trabalhistas, sendo esses princípios utilizados pelos 2018/2017/mpv/mpv808.htm>. Acesso em: 20 nov. 2021.
julgadores como fundamentos na descaracterização da fraude BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
e reconhecimento do vínculo. Vinculo de emprego. “Pejotização”. Recurso Ordinário

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