Psicodinâmica do trabalho Prof.ª Ana Paula P. Cesar História
Segundo Macêdo e Heloani (2018), a Psicodinâmica
do Trabalho surge em meados das décadas de 1980 e 1990 com o francês Christophe Dejours, sendo ela multidisciplinar e pautando-se na ergonomia, psicanálise, sociologia do trabalho, psicologia, medicina do trabalho, dentre outras; mas, ressalta-se que em primeira instância a psicopatologia acaba sendo sua principal fonte de estudo. Posteriormente, ela se desenvolve e passa por mutações e caminha por outras áreas (CONDE et al., 2019). Inicialmente seu objetivo buscava compreender a relação entre saúde mental e trabalho, especialmente sobre as patologias advindas do ambiente laboral. Em seguida, começa a olhar para as experiências de prazer e sofrimento no contexto do trabalho e como o sujeito cria e usa de defesas para evitar o adoecimento e sofrimento, sem afetar a sua produtividade. Já na década de 1990 a psicodinâmica se consolida na explicação das consequências dos processos de trabalho e das estratégias de defesas não apenas sobre a saúde, mas sobre a subjetividade do trabalhador (MACÊDO e HELOANI, 2018; CONDE et al., 2019). Sendo assim, a Psicodinâmica do Trabalho busca compreender os aspectos psíquicos e subjetivos que são mobilizados a partir das relações e da organização do trabalho. Busca estudar os aspectos menos visíveis que são vivenciados pelos trabalhadores ao longo do processo produtivo, tais como: mecanismos de cooperação, reconhecimento, sofrimento, mobilização da inteligência, vontade e motivação e estratégias defensivas que se desenvolvem e se estabelecem a partir das situações de trabalho. Compreende que o trabalho é um elemento central na construção da saúde e identidade dos indivíduos e que sua influência transcende o tempo da jornada de trabalho propriamente dita e se estende para toda a vida familiar e tempo do não-trabalho (DEJOURS, 1992, 1993, 1994; BANDT et. al, 1995). Prazer e sofrumento
A psicodinâmica vê o trabalho como um dos principais processos da
vida psíquica humana, sendo um resultado da dinâmica entre indivíduo e organização do trabalho que influência diretamente na subjetividade, podendo gerar tanto prazer como sofrimento (CONDE et al., 2019). No decorrer dos estudos, este movimento da Psicodinâmica passou a ter foco na compreensão do trabalhador frente às pressões que este sofre dentro do seu ambiente de trabalho, e, sobretudo, quais os efeitos dessa pressão, podendo ser psicopatológico ou o desenvolvimento de estratégias de defesa (CONDE et al., 2019). Compreende-se que o modo como o indivíduo cria as estratégias de enfrentamento (mesmo que de forma inconsciente) faz com que o sofrimento comece a ser a própria busca pelo prazer e realização do trabalho, utilizando tanto de recursos internos como de recursos externos (GIONGO et al., 2015; DEJOURS et al., 1994). Segundo a concepção dejouriana, as estratégias de defesa que o trabalhador estabelece para manter a normalidade podem ser de ordem individual ou coletiva. Cada indivíduo, a depender da sua história e subjetividade, estabelece uma forma de manter sua normalidade, reorganizar seu ambiente e relações laborais, isto é, mudando o que o desestabiliza, por meio das defesas estabelecidas (CONDE et al., 2019; DEJOURS et al., 1994).
As estratégias de defesas não acontecem apenas numa esfera
individual, mas também em um contexto coletivo. Entretanto, ambos terão como foco uma busca de relação mais harmoniosa e gratificante com o trabalho (GIONGO et al., 2015). A psicodinâmica prioriza o espaço de fala e escuta do sofrimento oriundo da organização do trabalho, como aponta Gomez et al. (2016). Através deste espaço o trabalhador tem a possibilidade de criar estratégias para enfrentar as diversas situações que para ele é adoecedor e causadora de sofrimento. Quando o indivíduo fala, ele tem exercita a sua escuta e assim proporciona a palavra em ação. A Psicodinâmica compreende o trabalho como um produto da relação entre o homem e a organização do trabalho, sendo um dos principais pilares para a construção da vida psíquica e da subjetividade do indivíduo, podendo ser fonte de prazer, mas também de sofrimento. Assim “a dinâmica presente nos diversos contextos de trabalho, atentando-se à atuação de diversas forças, como as objetivas e as subjetivas, ou as psíquicas, sociais e econômicas, que estão presentes no contexto do trabalho” (CONDE et al., 2019, p.22), fornecendo para que o ambiente se torne um espaço de saúde ou de adoecimento. Dessa maneira, o trabalho tem uma outra função além do trabalho. Ele corrobora para a construção da identidade, sociedade, ele transforma as pessoas e a vida delas, influenciando na sua saúde, não apenas física, mas também mental (MACÊDO e HELOANI, 2018).
A Psicodinâmica volta-se para a compreensão de como os trabalhadores
conseguem manter a normalidade a partir das defesas individuais e coletivas. O autor Dejours (1992, p. 165) compreende a normalidade como algo complexo e amplo que “(…) supõe uma construção feita por cada um dos sujeitos, uma luta incessante para reconquistar o que se parte, refazer o que se desfaz, reestabilizar o que se desestabiliza”, através das estratégias de defesas. Para a criação das defesas, o trabalhador necessita de uma maior liberdade para mudar a sua organização de trabalho, transformando seu local de trabalho e as suas relações advindas a ele como: as relações com os demais, o modo operatório das atividades, a convivência hierárquica etc. Assim, apesar de um ambiente aversivo, o trabalhador continua saudável e até mesmo sentindo prazer nas atividades que executa, isto é, o seu trabalho (DEJOURS, 1992; CONDE et al., 2019). A ambiguidade de prazer e sofrimento é algo que continua em estudos dentro da disciplina da Psicodinâmica do Trabalho, já que uma mesma cultura organizacional (com suas rotinas, regras, clima etc.) pode ser uma fonte de adoecimento para um trabalhador, enquanto para outro é um motivo de prazer e alegria. Como isso é possível? Vejamos, o homem é um ser composto por vários fatores, entre ele sua subjetividade e sua vida psíquica, como apontado pelos autores Conde et al. (2019). Isso deve ser considerado, pois cada trabalhador pode enfrentar uma situação de uma maneira, de acordo com sua história de vida para além do trabalho e, ponderando também suas estratégias de defesas. Percebe-se que as estratégias de defesas não buscam a cura, a mudança ou a emancipação do homem, mas apenas amenizar o sofrimento, fazendo com que o indivíduo continue no ambiente de trabalho, apesar de ele ser patogênico. Além disso, o trabalhador não reflete sobre a exploração e pressão que sofre diariamente, passando a acreditar que isso é normal e rotineiro, tornando-se uma própria armadilha para o trabalhador (GOMEZ et al., 2016; MEDEIROS et al., 2017).
Com este contexto apresentado, as defesas passam a ser um objeto de
estudo da Psicodinâmica do Trabalho como apresentado por Dejours (1994). Na medida em que compreendê-las afundo é essencial para a preservação de um ambiente de trabalho menos adoecedor. Essa compreensão não é uma tarefa fácil, pois muitas vezes a defesa está pouco explícita, porém este trabalho é necessário. Um sujeito que desempenha uma função apenas por necessidade de trabalhar, sem oportunidade de escolha, não conseguindo identificação com a atividade; ou até mesmo pela alienação ao trabalho, pode acabar adoecendo. Tal sofrimento pode ser uma das razões pelas quais as pessoas desenvolvem algum tipo de patologia. Por isso, é necessário entender a psicopatologia do trabalho. É sabido que o trabalho está no centro de tudo para o homem e faz parte da constituição psíquica dos indivíduos. Por isso, a importância de levantar as hipóteses do que acontece com esse trabalhador quando ele se defronta com problemas no seu trabalho ou até mesmo alienado pelo sistema. Nas palavras de Codo, “o homem alienado é um homem desprovido de si mesmo.” (CODO, 1985, p.8). Pensando nisso, a alienação pode ser pensada por dois vieses diferentes. O trabalhador que não tem espaço para criar e expandir dentro da organização, e o trabalhador que não quer participar. Este primeiro trabalhador é o que sofre mais por querer colaborar e não tendo mais chances de explorar o seu conhecimento, acaba por estacionar. E o segundo trabalhador, que é aquele que se acomoda mesmo, que para ele a forma de trabalho está boa, prefere que não seja mexido na sua forma de trabalho, pois não tem autonomia para realizar demais atividades. A alienação tem muito a ver com o desejo inconsciente, segundo Dejours (1992). Outro enfoque proposto por Dejours é que o sofrimento resulta da organização do trabalho para o homem. Geralmente a psicopatologia do trabalho, tem a ver muito com a forma de trabalho, como ela se dá para cada sujeito. O trabalhador visa sempre uma satisfação ao iniciar um novo trabalho, procura realizar seus projetos quando os tem, e pensa neles como uma forma de prazer. Quando isso não acontece, com o passar do tempo, o trabalhador pode começar a sintomatizar. Muitas vezes, nem o trabalhador e nem o meio se dão conta disso, por ser este um processo muito lento. Freud traz sua contribuição sobre a psicopatologia em “O Mal Estar da Civilização”. Nesse aspecto ele diz que: “A atividade profissional constitui fonte de satisfação, se for livremente escolhida, isto é, por meio de sublimação, tornar possível o uso de inclinações existentes, de impulsos instintivos (pulsionais) persistentes ou constitucionalmente reformados. No entanto, como caminho para a felicidade, o trabalho não é altamente prazeroso para os homens. Não se esforçam em relação a ele como o fazem em relação a outras possibilidades de satisfação. A grande maioria das pessoas só trabalha sob pressão da necessidade, e esta aversão humana em relação ao trabalho suscita problemas sociais extremamente difíceis”. (FREUD, 1930 p.102). A partir disso, observa-se a importância que tem para o sujeito trabalhador, obter o reconhecimento pelo seu trabalhado desenvolvido. Quando isso não ocorre, o trabalhador acaba ficando alienado à somente aquela atividade que realiza, o que lhe causa um grande sofrimento psíquico, sendo este, um sofrimento invisível. Na luta cotidiana contra este sofrimento, acontece de o trabalhador não perceber que já está dentro do sintoma, ficando despercebido por ele, pelos demais colegas e pelo social ao qual pertence, pois o próprio sofrimento cria barreiras defensivas, por ser o trabalho algo que é da constituição do sujeito e essencial para ele. Este sofrimento também pode ser chamado de sofrimento criativo. Este é um sofrimento que gera uma barreira de luta do sujeito para não descontrolar-se, e ter condições de reverter essa situação criando suas próprias barreiras, podendo produzir soluções que sejam favoráveis para o sujeito e para a sua vida, e que reflita em bem estar para a sua saúde (DEJOURS, 1992). Dejours (1992) trata também do sofrimento patogênico, que é o contraposto do sofrimento criativo, o patogênico é quando o trabalhador não produz soluções para seus problemas relacionados ao seu trabalho, ao contrário, o sujeito produz soluções favoráveis para sua vida, autoestima e trabalho. Para o mesmo autor, a psicopatologia do trabalho tem estudado a relação do homem e a organização do trabalho. Se de um lado a organização do trabalho é caracterizada pela sua rigidez e por se impor regras e restrições aos trabalhadores, de outro, o funcionamento psíquico, fica caracterizado pela liberdade de imaginação e criação do sujeito frente aos seus desejos inconscientes. Para que o trabalhador possa ter essa liberdade, é preciso que ele encontre sentido no trabalho a partir de uma identificação, investindo na sua criatividade.