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CURSO

SAÚDE
MENTAL
E TRABALHO NO
PODER JUDICIÁRIO
ADOECIMENTO E
SOFRIMENTO MENTAL MÓDULO
2
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
Presidente: Ministro José Antonio Dias Toffoli
Corregedor Nacional de Justiça: Ministro Humberto Eustáquio Soares Martins
Conselheiros: Aloysio Corrêa da Veiga
Maria Iracema Martins do Vale
Márcio Schiefler Fontes
Daldice Maria Santana de Almeida
Fernando César Baptista de Mattos
Valtércio Ronaldo de Oliveira
Francisco Luciano de Azevedo Frota
Maria Cristiana Simões Amorim Ziouva
Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior
André Luis Guimarães Godinho
Valdetário Andrade Monteiro
Maria Tereza Uille Gomes
Henrique de Almeida Ávila

Secretário-Geral: Carlos Vieira von Adamek


Diretor-Geral: Johaness Eck

Secretário Especial de Programas,


Pesquisas e Gestão Estratégica: Richard Pae Kim

SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL


Secretário de Comunicação Social: Rodrigo Farhat
Projeto gráfico: Eron Castro
Revisão: Carmem Menezes

2019
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
SEPN Quadra 514 norte, lote 9, Bloco D, Brasília-DF
Endereço eletrônico: www.cnj.jus.br
Conteúdos deste módulo
4 Objetivos de aprendizagem
5 Apresentação
Unidade I
6 O processo do adoecer

Unidade II
9 Conceitos de normalidade e patologia na saúde
mental

Unidade III
12 Principais transtornos e reações emocionais
frente aos processos de adoecimento

Unidade IV
15 Adoecimento psíquico secundário à doença

17 Referências bibliográficas

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Objetivos de aprendizagem

»»Identificar quais os fatores envolvidos


na normalidade e no adoecimento;

»»Entender os tipos de reações emocionais


existentes em face do adoecimento;

»»Identificar processos de adoecimento mental como


fatores de risco e de proteção nesse contexto;

»»Compreender os condicionantes
relacionados ao sofrimento psíquico.

4
Apresentação
Bem-vindo ao módulo 2 do curso!

Neste módulo, trataremos dos processos de adoecimento e


sofrimento psíquico, com ênfase no ambiente organizacional.
Serão apresentados conceitos múltiplos do adoecimento,
assim como o que é estabelecido pela Organização Mundial
de Saúde (OMS), abrangendo, ainda, questões relacionadas a
fatores de risco e de proteção no contexto da Saúde Mental.
Serão apresentados, a partir do histórico desse processo
de adoecimento, algumas variáveis que explicam a pouca
atenção dada a esse tipo de doença, e para tanto, o aumento
considerável de doenças mentais em nossa sociedade.

Vamos trabalhar!

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Unidade I
O processo do
adoecer
“Em última análise, precisamos amar para não adoecer.”
(Sigmund Freud)

COMPREENSÃO DO ADOECER de uma enfermidade física é tão importante


quanto o cuidado de uma enfermidade psico-
Compreender o processo de adoecimento e sofri-
lógica.
mento mental na atualidade é assumir uma
proposta de ir contracultura. Quase diariamente Para se ter uma ideia da relevância de vari-
somos bombardeados com estímulos que pre- áveis que dizem respeito a fatores psicológi-
gam o produzir, o ter, o consumir como objetivos cos e sociais, atualmente, o isolamento social
de vida e, por outro lado, na busca por esses atua como fator de risco na vida da população,
processos, muitas vezes negligenciamos o ser podendo ser tão danoso quanto outros fato-
humano por trás desses objetivos. res de risco como o tabagismo (HOLT-LUNSTAD e
O conceito de Saúde, em sua trajetória sócio-his- SMITH, 2012), a obesidade (HOLT-LUNSTAD, SMITH
tórico-cultural, vem se ampliando em termos de e LAYTON, 2010) e o alcoolismo. Acredita-se que
considerar saudável campos da vida biológica, nutrir boas relações contribui para a saúde inte-
psíquica e social do sujeito. Quando pensamos gral do ser humano. Esse dado assume maior
em processos de adoecimento, esses campos peso no contexto organizacional, em que passa-
também são relevantes. Desse modo, o cuidado mos boa parte de nosso tempo de vida.

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ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL Módulo 2

Sobre a importância de bons relacionamentos na ADOECIMENTO NO AMBIENTE


prevenção do adoecimento psíquico veja: https:// ORGANIZACIONAL
www.ted.com/talks/robert_waldinger_what_
No contexto organizacional, ou seja, no ambiente
makes_a_good_life_lessons_from_the_longest_
formal de trabalho, a saúde mental versus o
study_on_happiness?language=pt-BR#t-688.
sofrimento psíquico são preocupações que estão
Um aspecto a ser considerado no campo do diretamente relacionadas à vida do principal
sofrimento psíquico, que muitas vezes contri- agente desse ambiente: o sujeito trabalhador.
bui de forma negativa no que diz respeito ao
Dejours (2004) ressalta que trabalhar não é só
seu enfrentamento, é o fato de negligenciarmos
produzir, mas trabalhar é viver junto. Nesse sen-
o adoecimento emocional em relação ao físico.
tido, mais do que as atividades fins desenvolvi-
Em termos culturais, brincamos com transtornos
das por esse sujeito em seu ambiente de traba-
psíquicos e naturalizamos terminologias utili-
lho, associadas a tais demandas, ele vive nesse
zadas na área. Como exemplo, em uma busca
ambiente cerca de 20% do seu tempo total de
rápida nas mídias virtuais, encontramos vários
vida, sem contabilizar seu deslocamento entre
grupos que fazem trocadilhos com a palavra
a casa e o local de trabalho (IBGE, 2005). Daí a
depressão. Sinalizando o quanto observamos
importância de não só trabalhar, mas viver de
e lidamos de modo diverso com cada tipo de
forma saudável o tempo dentro do ambiente
adoecimento.
de trabalho.

Por si só, a atividade laboral pode trazer sentido


à vida do ser humano trabalhador, principal-
mente quando se acredita, em termos de valo-
res, naquilo que se produz. Contudo, um tempo
de qualidade que é capaz de produzir saúde não
se contabiliza só por qual atividade é realizada,
mas sim de como ela está sendo realizada. Por
exemplo, não basta trabalhar com produtos sus-
tentáveis que fazem sentido aos valores de vida
do trabalhador, mas, se este mesmo trabalhador,
Nesse sentido, o fato de não levarmos esse tipo
tem de lidar com metas irreais e insustentáveis,
de prejuízo a sério, de alguma forma contribui
ele poderá adoecer da mesma forma.
para sua propagação. Segundo a OMS, 1 em cada
4 pessoas sofrerá com algum transtorno men- Desta feita, ao ressaltar o viver junto, Dejours
tal em algum período da vida. Sobre o quanto (2004) nos chama atenção a como está ocor-
Saúde Mental ainda é um tabu na atualidade, rendo toda essa vida no ambiente de trabalho,
veja: https://www.youtube.com/watch?v=UwyE_ ou seja, como gastamos nossas horas, como nos
XIQ7DA. relacionamos, quais os momentos de lazer e de

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confraternização vivenciamos ali. Resumindo, se esses valores. Lembrando que cada funcionário
a vida vivida dentro das organizações é ou não e seu fazer são importantes nesses processos
é (e tudo bem se a resposta nesse momento for como um todo.
negativa) uma vida que vale a pena ser vivida.
Para saber mais sobre a fatores de estresse no
Para saber mais sobre saúde mental e sofri- ambiente de trabalho, veja: https://www.you-
mento psíquico no trabalho, veja: https://www. tube.com/watch?v=LfmbOiPS_vc.
youtube.com/watch?v=DW8zUM3M8z0.

Alguns fatores podem contribuir para o sofri-


mento mental no trabalho. Entre eles, estão as
cobranças excessivas, demissões inesperadas
em períodos de crise, carga horária exagerada,
baixos salários com remunerações incoeren-
tes com o mínimo necessário para sobreviver,
ambientes insalubres que podem abrir mar-
gem para a ocorrência de acidentes, pressões
constantes por metas e produtividade. Todos
esses fatores podem afetar as representações
do sujeito sobre si mesmo, e, com isso, gerar
repercussão em sua vida pessoal provocando
mudanças de comportamento e mudanças de
humor.

Processos como os descritos acima se iniciam


gradativamente e podem, até mesmo, em um
grau maior de intensidade, desencadear um
transtorno ou uma síndrome. Como exemplo,
cita-se a Síndrome de Burnout. Em contrapartida,
repertórios como promover uma comunicação
aberta entre os diversos funcionários da insti-
tuição, demonstrar apreço e reconhecimento em
cada trabalho realizado, investir em relações de
imparcialidade, confiança e respeito mútuo nas
organizações, podem ser contextos que priorizam
a saúde em detrimento do sofrimento mental.
Para que isso ocorra, é necessário que toda a
comunidade inserida no ambiente do trabalho
defenda e se comporte de modo coerente com

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Unidade II
Conceitos de
normalidade
e patologia na
saúde mental
“Nunca existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura.”
(Aristóteles)

O conceito de normalidade e patologia no campo comportar com o objetivo de cometer suicídio. É


da saúde mental é palco de grandes discus- fácil observar, em quadro clínico como esse, que
sões. Sobre esta temática, Dalgalarrondo (2008) estamos lidando com sintomas de um quadro
afirma que, em casos mais extremos, em que é psicopatológico, que este paciente precisa de
mais fácil delimitar essa diferenciação entre o ajuda e que provavelmente será necessário
normal e o patológico, isso não seria grande pre- acompanhamento mais próximo por parte de
ocupação. familiares e diversos profissionais da área da
saúde (psiquiatra, psicólogo).
Um exemplo seria um caso de um paciente com
transtorno mental mais grave em que ocorre a Contudo, em casos limítrofes, em que as diferen-
tentativa de autoextermínio e este passa a se ças não são tão acentuadas, é possível encon-

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trar dificuldades em se diagnosticar o que foge que ocorre com mais frequência), normalidade
daquilo que é considerado aceitável para a vida como bem-estar (normalidade como completo
em sociedade. Muitas vezes, situações de sofri- bem-estar físico, mental e social), normalidade
mento psíquico podem se agravar em função da funcional (se é patológico e produz sofrimento
não identificação e consequente intervenção/ para o indivíduo, se trata de disfuncional), nor-
tratamento. malidade operacional (critério abstrato com fina-
lidades pragmáticas explícitas).
Um exemplo seria um estado de tristeza contínuo
por parte de um funcionário mais reservado de Sobre A loucura de ser normal, assista o vídeo do
determinada empresa. Os colegas de trabalho psiquiatra Marcelo Veras: https://www.youtube.
começam a diagnosticá-lo como depressivo, com/watch?v=ruqr8TjUC8g.
contudo, em um contato mais próximo, ficam
A partir dos critérios delimitados previamente
sabendo que houve a perda recente de um ente
a uma análise, é possível observar que existe
querido, e que estar triste por alguns dias, para
variação em relação a quais fenômenos espe-
aquela condição, é extremamente coerente com
cíficos podem contribuir para determinado
a experiência atual do colaborador.
diagnóstico. Nesse sentido, em alguns casos, é
No entanto, no campo da saúde mental, nem possível fazer uso de mais de um critério para
sempre a situação é tão simples de ser compreen- avaliar determinado aspecto. Sendo assim, fre-
dida e avaliada. Para falarmos de sofrimento psí- quentemente, a ciência da Psicopatologia exige
quico, precisamos inicialmente pensar em saúde dos profissionais que lidam com a Saúde Mental
mental e as diversas formas de se defini-la. uma postura menos rígida, mais crítica e refle-
xiva, que demande um olhar para singularidade
Para saber mais sobre os conceitos de normali-
de cada sujeito.
dade versus psicopatológico, veja: https://www.
youtube.com/watch?v=PQgaIu16010. No ambiente de trabalho, no entanto, ainda é
mais complicado de possibilitar auxílio para cola-
Ao abordarmos os conceitos de normal versus
boradores em sofrimento psíquico. Isso ocorre
patológico em psicopatologia, estamos também
principalmente por dois motivos: o ambiente em
falando sobre as diversas definições em relação
si pode ser um fator de aquisição e de manu-
à saúde e doença mental, consideradas em cada
tenção dos processos de adoecimento ou as
área específica (DALGALARRONDO, 2008).
demandas em termos de atividades para os
Segundo o autor, alguns critérios de normali- colaboradores de cada área da empresa podem
dade em psicopatologia são: normalidade como mascarar sintomas e dificultar um diagnóstico.
ausência de doença (critério bastante confuso Muitas vezes, colaboradores recorrem a superio-
e negativo, pois considera o normal a partir do res ou serviços médicos das empresas quando
que ele não é), normalidade ideal (estabelece já estão bastante afetados pelas dificuldades
utopicamente uma forma ideal do sadio e evolu- vivenciadas que contribuíram para produção do
ído), normalidade estatística (o normal é aquilo sofrimento mental.

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ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL Módulo 2

Sobre a história do contexto organizacional e suas


funções, assista o vídeo de Roger Koeppl, “O tra-
balho não precisa ser uma tortura”: https://www.
youtube.com/watch?v=ooP7-INanVA.

Fonte: https://vivasaude.digisa.com.br/bem-estar/doencas-ocu-
pacionais-saiba-quando-o-trabalho-faz-adoecer/5753/

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Unidade III
Principais
transtornos e
reações emocionais
frente aos processos
de adoecimento
Adoecer, segundo o dicionário Aurélio, significa Normalmente não nos damos conta disto.
“1. Ficar doente; 2. Tornar-se doentio”.1 Isto é, pas- Quanto menor a gravidade da doença, menos
sar de uma condição de não doente (saudável) nos damos conta. Mas, vejamos: pensemos em
para a condição de doente. Onde queremos numa gripe, processo tão comum – não estamos
chegar com estas quase obviedades? Simples: falando do resfriado, que é um quadro bem mais
ao adoecer (processo de adoecimento), ocorre leve. A gripe vem acompanhada de febre, queda
uma ruptura, uma quebra, uma mudança que do estado geral, dores no corpo etc. Dificilmente
vai muito além da mudança de status (saudável não nos afastará das nossas atividades habitu-
x doente). ais, sejam elas acadêmicas, laborais ou outras.

1  FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa 3.ed. totalmente revista e ampliada.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

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Mas, e se você tiver prova da faculdade nestes tivas, otimistas, ou entre pessoas pessimistas?,
dias? E se for a prova de um concurso? Se você que ao primeiro sintoma já pensam em algo
estiver escalado para uma reunião importante, grave, ou que tomam remédio por qualquer
uma viagem, uma palestra? Veja como uma coisa. A maioria de nós tem alguém assim na
“simples” gripe afeta nossa vida. família, não é mesmo?

Mas, e quando é algo mais? Uma febre prolon- Ademais, naturalmente, a nossa estrutura psí-
gada de origem desconhecida? Sintomas persis- quica tem grande importância.
tentes para os quais não se encontra a causa?
E aqui entramos propriamente nos tipos de rea-
Um diagnóstico de tuberculose? Um nódulo a
ções emocionais ante o adoecimento.
esclarecer (tumor benigno? maligno?).
Falamos em Reações Vivenciais Normais e Rea-
Podemos colocar aqui virtualmente qualquer
ções Vivenciais Anormais.
doença conhecida pela Medicina, inclusive as
raras, e até alguma ainda não descrita. Segundo Schneider, “Uma reação vivencial é a
resposta emocional, motivada por um sentido, a
Mas o objetivo deste texto não é apavorar nin- uma vivência. Tristeza com, arrependimento por,
guém com a perspectiva de adoecer e, sim, cons- medo de...”
cientizar para os modos de cada um para lidar
com o processo de adoecimento. As reações vivenciais anormais distinguem-se
das normais sobretudo devido à sua intensidade
Adoecer é, portanto, uma quebra na nossa (bem maior), desproporção ou duração.
rotina. Podemos falar mesmo em crise. E, even-
tualmente, até uma mudança na curva de vida, Assim, podemos imaginar uma escala entre as
à qual podemos nos adaptar, claro. Reações normais e as anormais, com uma zona de
transição entre umas e outras difícil de delimitar.
Como reagimos ao adoecimento?
Ademais, esta avaliação também depende
Isto, naturalmente, tem a ver com uma série de de quem observa: por exemplo, para algumas
fatores: e, provavelmente, o primeiro deles não é pessoas é difícil entender como outras vivem
a gravidade real da doença. Há pessoas que se verdadeiro luto pela perda de seu bichinho de
apavoram ao primeiro sinal de febre. Então, quais estimação. Para as que têm relações parecidas
fatores importam? Além da gravidade e inten- com os animais isso seria muito natural.
sidade da doença, importa a nossa cultura, a
Assim, por exemplo, podemos reagir de maneira
nossa criação, a nossa estrutura psicológica etc.
ansiosa, de maneira depressiva, reagir com
Assim, algumas culturas valorizam mais a medo, com raiva, etc.
doença que outras.
Podemos ainda reagir com negação – meca-
Por outro lado, existe a cultura da nossa casa, o nismo muito comum entre alcoolistas, por exem-
meio no qual fomos criados. Entre pessoas posi- plo, que passam a vida dizendo que, quando

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quiserem, param, mas isso nunca vem, a des-


peito dos inúmeros prejuízos: físicos, financeiros
sociofamiliares etc.

Podemos reagir de maneira explosiva etc.

Quanto aos modos de reagir a uma doença


grave, são clássicos, por exemplo, os estudos de
dra. Elizabeth Kluber Ross, sobre as reações dos
pacientes ao diagnóstico. Assim, ela descreveu
cinco tipos (na verdade, fases) após receberem o
diagnóstico: em um primeiro momento, a nega-
ção (a pessoa continua agindo como se não
estivesse doente); passado um tempo, em que
já não é mais possível negar, a raiva (“Por que
comigo?”, às vezes mesclado com sentimentos de
inveja – de quem está saudável), em seguida, a
barganha (tentativa de ganhar tempo), seguida
pela depressão, e, finalmente, a aceitação.

Seja qual for o tipo e a gravidade da doença,


importante é, sempre, estarmos atentos ao
nosso modo de reagir, percebendo este funciona-
mento e procurando entendê-lo, particularmente
nas reações vivenciais anormais, por exemplo,
quando de nossas respostas desproporcionais.

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Unidade IV
Adoecimento
psíquico secundário
à doença
A OMS dedica quase um capítulo inteiro, na atingir intensidade e/ou duração tal que, para
Classificação de Transtornos Mentais e de Com- além de uma reação vivencial anormal, isto pode
portamento (a CID 10),2 aos chamados “Transtor- se transformar num Transtorno.
nos relacionados ao estresse e somatoformes”.
Assim, temos, por exemplo, a Depressão Reativa:
E assim se refere a eles: “Associação de uma
um quadro de Depressão, que se instalou após
substancial (embora incerta) proporção desses
evento importante – no nosso caso aqui, uma
transtornos à causação psicológica”.
doença – por isto, Reativa, isto é, como reação
A isso chamamos de Transtorno Psicogênico ou ao evento estressor, ao adoecimento (seja seu,
Doença Psicogênica, isto é, cuja gênese (origem) seja de um ente querido).
está aliada a um fator psicológico.
É fácil entender a reação a algum tipo de perda
Na unidade anterior, falamos das Reações Viven- que, de modo amplo, implica uma reação de
ciais Normais e das Anormais e dos diferentes luto. Entretanto, se este quadro tiver duração
modos de reagir frente aos processos de adoe- ou intensidade maior, pode estar presente não
cimento. Muitas vezes, este modo de reagir pode mais um luto e, sim, uma depressão. Todo qua-

2  ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) (Coord.). Classificação de transtorno mentais e de comportamento da CID 10: descrições clínicas
e diretrizes diagnósticas. trad. Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

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ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL Módulo 2

dro reativo depende muito de fatores individuais, Processos de somatização típicos (não quer dizer
como já vimos, e, por isso, falamos que o estres- que sempre são somatizados): epigastralgia (dor
sor deve ser importante o suficiente para aquela no estômago), alguns processos respiratórios,
pessoa, naquele momento de sua vida. como bronquite, por exemplo, e muitas derma-
toses (doenças de pele).
Entre os quadros mais comuns, estão a Reação
ao Estresse Grave e o Transtorno de Ajustamento. Esses processos, em geral, são autolimitados e
Em face da doença, algumas reações tomam não costumam ser graves. Todo quadro reativo
conta do indivíduo. deve cessar uma vez cessada a causa. Eventual-
mente, quando o comprometimento é maior, seja
Na Reação ao Estresse Grave, ante um fator
pela ansiedade, seja pela redução da concentra-
estressor intenso – por exemplo, sentir que a
ção, pode ensejar rápido afastamento do traba-
doença lhe ameaça gravemente – o indivíduo
lho. Invariavelmente não requerem medicação.
reage de maneira mal adaptada. Assim, sinto-
Muitas vezes, um aconselhamento psicológico
mas como ansiedade, dificuldade de concentra-
ou uma psicoterapia bastam.
ção e alteração do sono são comuns. Também
sinais e sintomas físicos, como taquicardia, Como dito no texto anterior, o importante é se
sudorese e rubor. Tal quadro costuma ser breve observar, estar atento a suas reações e senti-
– poucos dias. mentos. O autoconhecimento é fundamental
para uma boa saúde mental. E a psicoterapia é
Já no Transtorno de Ajustamento, os sintomas
excelente caminho para se chegar lá.
podem demorar um pouco mais a surgir e, por
outro lado, tendem a permanecer por mais
tempo. Às vezes podem evoluir para um quadro PARA SABER MAIS:
de Depressão Reativa.
Vídeos:
No Transtorno de Ajustamento, os sintomas são
https://www.ted.com/talks/robert_waldinger_
mais variados, atingindo mais esferas do psi-
what_makes_a_good_life_lessons_from_the_lon-
quismo. Assim, podem estar presentes, além do
gest_study_on_happiness?language=pt-BR#t-688
citado na condição anterior, humor deprimido,
incapacidade maior para as tarefas diárias, e https://www.youtube.com/watch?v=UwyE_XIQ7DA
outros.
https://www.youtube.com/watch?v=DW8zUM3
Outra forma de adoecimento psíquico habitual M8z0
em face de doenças é a chamada somatização
https://www.youtube.com/watch?v=LfmbOiPS_vc.
– hoje já bem conhecida.

Em uma explicação bem sumária, seria a trans-


formação do sofrimento psíquico em um sintoma
físico.

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ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL Módulo 2

Referências bibliográficas
DEJOURS, Christophe. Subjetividade, trabalho e ação. Production, vol. 14, n. 3, p. 27-34, 2004. Disponível
em: <https://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132004000300004>.

HOLT-LUNSTAD, J.; SMITH, T. B. Social Relationships and Mortality. Social and Personality Psychology
Compass, vol. 6, n. 1, p. 41-53, 2012. doi: 10.1111/j.1751-9004.2011.00406.x

HOLT-LUNSTAD, J.; SMITH, T. B.; LAYTON, J. B. Social Relationships and Mortality Risk: A Meta-analytic
Review. PLoS Medicine, vol. 7, n. 7, 2010. e1000316. doi:10.1371/journal.pmed.1000316

SOARES, C.; SABOIA, A. L. Tempo, trabalho e afazeres domésticos: um estudo com base nos dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2001 e 2005. Rio de Janeiro, 2007. Disponível em:
<encurtador.com.br/ilpE3>.

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