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BIOQUÍMICA

Unidade II
5 LIPÍDIOS

5.1 Estrutura e função dos lipídios

Os lipídios são substâncias químicas relativamente apolares e, por isso, apresentam a característica
de serem solúveis em substâncias apolares (lipossolubilidade); ao mesmo tempo, não são solúveis em
água (hidrofóbicas), porque a água é um solvente polar. Em geral, os lipídios são solúveis em solventes
orgânicos, como acetona, álcool isopropílico, éter, clorofórmio e benzeno.

Quimicamente, pode-se conceituá-los como sendo ésteres de ácidos graxos, ou seja, substâncias
químicas obtidas a partir da reação entre um ácido graxo (composto orgânico que contém um
grupamento carboxila (COOH ou COO-) na extremidade da cadeia carbônica que o caracteriza como
um ácido carboxílico cujo número de átomos de carbono na cadeia carbônica é maior ou igual a 4 e um
álcool (compostos orgânicos que possuem pelo menos uma hidroxila ligada a um carbono).

O organismo humano tem uma elevada capacidade de armazenar gordura em seu tecido adiposo.
E uma das várias funções dos lipídios é reservar energia. Além disso, funcionam como: componentes
estruturais, como os fosfolipídios e os esteróis que fazem parte da membrana plasmática; coenzimas,
na forma de vitamina A e K; hormônios, na forma de vitamina D e prostaglandinas; transportadores na
forma de lipoproteínas; isolante térmico e protetor do organismo contra injúrias mecânicas.

Os lipídios também funcionam como solventes das vitaminas lipossolúveis A, D, E e K e são divididos
em ácidos graxos, triacilgliceróis, glicerofosfolipídios, esfingolipídios e esteroides.

Os ácidos graxos apresentam como grupamento funcional a carboxila, que é característico da função
orgânica ácido carboxílico.

C OH

Figura 78 – Grupo carboxila e função orgânica ácido carboxílico

Além do grupo carboxila, os ácidos graxos têm uma cadeia carbônica que pode variar entre 4 e 36
átomos de carbono. Os ácidos graxos são compostos anfifílicos ou anfipáticos, pois o grupo carboxila
representa a parte polar da molécula, e a cadeia carbônica, a parte apolar.

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A cadeia carbônica é a responsável pela baixa solubilidade do ácido graxo em água. Quanto mais
longa ela for, menor será a solubilidade. O grupo carboxila é o responsável pela pequena solubilidade
apresentada por ácidos graxos de cadeia curta.

Os ácidos graxos podem ser saturados, ou seja, só apresentar simples ligações entre os átomos de
carbono; ou insaturados, ou seja, ter uma ou mais duplas ligações entre átomos de carbono.

As cadeias carbônicas dos ácidos graxos saturados são flexíveis e distendidas, já os ácidos graxos
insaturados apresentam dobras rígidas na molécula em que existe uma dupla ligação.

A. B.
O 0- O 0-

C C

Figura 79 – A) ácido graxo saturado; B) ácido graxo insaturado

As propriedades físicas dos ácidos graxos – por exemplo, o ponto de fusão – dependem do tamanho
da cadeia carbônica e da ocorrência ou não de insaturações.

Observação

A bainha de mielina é encontrada nos axônios das células nervosas e


contém grande quantidade de um tipo de lipídeo chamado esfingolipídio,
que permite a rápida transmissão dos impulsos nervosos. Caso ocorra
perda ou diminuição da eficiência da bainha de mielina, a transmissão
dos impulsos nervosos fica prejudicada. Na doença autoimune esclerose
múltipla, que afeta o sistema nervoso central (cérebro, nervos ópticos e
a medula espinal), o sistema imunológico do corpo confunde as células
saudáveis do corpo humano, no caso os neurônios, com intrusas, e as
destrói de forma progressiva, degradando a bainha de mielina.

Não se sabe ao certo a causa dessa doença, mas há indícios de que


a predisposição genética, a exposição a algum agente ambiental e até a
exposição a alguns vírus podem ter relação com o início da doença.
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Aquelas moléculas com maior cadeia carbônica têm maior quantidade de interações e, portanto, o
maior ponto de fusão (figura a seguir).

Menor cadeia carbônica Maior cadeia carbônica


Menor quantidade de ligações Maior quantidade de ligações
intermoleculares intermoleculares
Menor ponto de fusão Maior ponto de fusão

Figura 80 – Relação entre o tamanho da cadeia e o ponto de fusão

Já as cadeias com maior quantidade de insaturações têm menor quantidade de interações entre as
moléculas e, portanto, possuem menor ponto de fusão (figura a seguir).

Cadeia saturada Cadeia insaturada


Maior quantidade de ligações Menor quantidade de ligações
intermoleculares intermoleculares
Maior ponto de fusão Menor ponto de fusão

Figura 81 – Relação entre a presença ou não de insaturações e o ponto de fusão

Resumindo, pode-se dizer que a temperatura de fusão diminui com o número de insaturações e
aumenta com o comprimento da cadeia.

A nomenclatura desses compostos especifica o tamanho da cadeia carbônica e a quantidade de


duplas ligações separadas por dois pontos. Por exemplo, o ácido palmítico pode ser representado
por 16:0, pois tem 16 átomos de carbono e é um ácido graxo saturado; o ácido oleico é representado por
18:1, pois tem 18 carbonos e uma dupla ligação. As posições das duplas ligações são representadas com
um delta seguido por números subscritos que indicam a posição da dupla ligação. Se um ácido graxo
tem 20 carbonos e uma dupla ligação entre os carbonos 9 e 10 e outra entre os carbonos 12 e 13, será
representado da seguinte maneira: 20:2∆9,12.

Existem certos ácidos graxos (AG) que não são fabricados pelos animais, mas são extremamente
necessários para várias funções, por exemplo: constituir membranas. São poli-insaturados, com duplas
ligações cis da família -3 ou -6, necessitando obrigatoriamente serem ingeridos pela alimentação.

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Por essa razão, são chamados de essenciais. Em termos de número de instauração, as gorduras insaturadas
se subdividem em gorduras monoinsaturadas (ômega-9) e poli-insaturadas (ômega-3 e ômega-6).
As fontes e funções desses ácidos graxos estão melhores descritas a seguir:

• Ômega-3 (OM-3): são ácidos graxos que apresentam diversas ligações duplas e poli-insaturadas,
sendo que a primeira ligação dupla pode ser encontrada nos terceiro e quarto átomos de carbono
(a primeira insaturação está entre 3 ºC e 4 ºC a partir do radical metil), tendo como ponto de partida
a extremidade oposta do grupo funcional, grupo ácido carboxílico, que é a parte final da cadeia
carbônica. De modo geral, ela abaixa os triglicerídes e LDL-colesterol e aumenta o HDL-colesterol,
controlando doenças cardiovasculares inflamatórias e hipertensão.

• Ácido alfa-linolênico (poli-insaturado): também chamado de ácido α-linolênico (ALA), é


descrito como (C18H30O2): CH3-CH2-CH=CH-CH2-CH=CH-CH2-CH=CH-CH2-CH2-CH2-CH2-CH2-
CH2-CH2-COOH. Entre as diversas moléculas de OM-3 existentes, as mais importantes sob o ponto
de vista de manutenção do estado de equilíbrio dinâmico e da saúde em seres humanos são:
ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosahexaenoico (DHA). No que diz respeito às cadeias
carbônicas, as moléculas de OM-3 possuem cadeias carbônicas curtas ou longas. Entre os alimentos
que contêm os OM-3 de cadeia curta, podem-se destacar os encontrados em vegetais verdes
(brócolis, rúcula, couve, espinafre e alface) e óleos vegetais (soja, girassol, milho e sementes de
linhaça e nozes); já as longas são encontradas nos peixes de águas frias (salmão, truta, sardinha,
óleo de fígado de bacalhau).

• Ômega-6: encontrados na castanha de caju, na semente de uva, no amendoim, no óleo de milho, de


algodão, de soja, de girassol e nas nozes. São identificados com as siglas AL e AA. Ácidos graxos n-6,
conhecidos como ácidos graxos ω-6 ou ácidos graxos ômega-6, são uma família de ácidos graxos
insaturados que têm em comum uma ligação dupla carbono-carbono na posição n-6, ou seja, na sexta
ligação a partir de sua terminação (a primeira insaturação está entre o 6 ºC e 7 ºC a partir do radical
metil). O ômega-6 reduz o colesterol ruim (LDL) e os triglicérides, prevenindo doenças cardiovasculares,
pois, dessa forma, evita o depósito de gordura (colesterol) nas paredes das artérias (aterosclerose), uma
das principais causas de infarto do miocárdio e de derrames. Também atua positivamente no sistema
imunológico, na regulação da temperatura corporal e na perda de água pelo corpo. Deve haver a ingestão
equilibrada de ômega-3 e ômega-6, pois este último pode desencadear efeitos inflamatórios devido
à conversão de ácido araquidônico (20:4n-6) em eicosanoides como prostaglandinas, prostaciclinas,
tromboxanos e leucotrienos, mediadores inflamatórios.

• Ômega-9: ácido graxo monoinsaturado, ou seja, possui apenas uma insaturação entre o 9 ºC e
o 10 ºC. Não é um ácido graxo essencial, já que pode ser sintetizado pelo organismo humano a
partir da ingestão do ômega-3 e ômega 6. O nome ômega-9 significa uma ligação dupla C=C
no nono carbono a partir da extremidade oposta à carboxila. É importante para a regulação da
temperatura do corpo, para a produção de hormônios sexuais como o estrogênio e a progesterona,
e também para o aumento da absorção de vitaminas A, D, E e K no corpo. Os alimentos que os
contêm são: semente de girassol, avelã, macadâmia, óleo de soja, azeite, amêndoa e noz. Um dos
mais importantes é o ácido oleico (18 carbonos). O ômega-9 é muito indicado para quem pratica
exercícios regularmente, pois é ótima fonte de energia.
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Diversos estudos publicados demonstraram que dietas ricas em OM-3 são capazes de diminuir a
intensidade do processo inflamatório (efeito anti-inflamatório) e as disfunções e sequelas cardíacas
causadas pela ocorrência de infarto do miocárdio. Além disso, observou-se que tais substâncias
reduziram a taxa de mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca, assim como também houve
redução da concentração plasmática de diversas citocinas inflamatórias como, por exemplo, o fator
de necrose tumoral ou tecidual (TNFα) e as interleucinas (IL-1 e IL-6), relacionadas à morte súbita em
modelos animais de epilepsia.

Os glicerídeos ou acilgliceróis são compostos nos quais há a união de uma molécula de glicerol e
ácidos graxos. Entre eles estão os triacilgliceróis, triglicerídeos ou triglicérides (TG). Esses ésteres são
formados por moléculas de glicerol (álcool) ligadas a uma, duas ou três moléculas de AG. Nos animais
vertebrados, ficam armazenados no tecido adiposo, principalmente sob a pele, já que os lipídeos são
ótimos isolantes térmicos.

Também podem ser armazenados nas sementes de muitas plantas com a função de fornecer energia
para a germinação. A vantagem de armazenar triacilgliceróis em vez de polissacarídeos glicogênio e
amido é que fornecem mais energia, e como são hidrofóbicos, não há água ao seu redor (água de
hidratação). Possuem a função de reserva energética, e independentemente do tipo de AG que têm, seu
valor calórico é de 9 kcal/g.

Em função de seu elevado teor energético e por serem insolúveis em água, o organismo é capaz
de armazená-los em quantidade muito maior (e em volume mais compacto) do que o glicogênio. Caso
os TG tenham apenas AG saturados, podem ser chamados de gordura – a qual é de origem animal e
sólida ou pastosa à temperatura ambiente. Caso tenham AG insaturados, podem ser chamados de óleos.
São líquidos em temperatura ambiente (25 ºC) e podem ser de origem vegetal (soja, milho, girassol,
canola, oliva) ou animal (óleo de peixe).
A.
CH2 CH2 CH2

OH OH OH
B.
Ácido graxo
Glicerol

Ácido graxo
Ácido graxo
C.
CH2 CH2 CH2

O O O
O C O C O C

Cadeia carbônica dos ácidos graxos


Figura 82 – A) glicerol; B) representação esquemática da molécula de triacilglicerol;
C) representação da ligação entre o glicerol e as moléculas de ácidos graxos

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A ligação entre a molécula de glicerol e as moléculas de ácidos graxos ocorre através do grupo OH do
glicerol e do grupo carboxila dos ácidos graxos, resultando em grupo funcional da função orgânica éster.
Como o grupo OH do glicerol, que forma ligações de hidrogênio com a água, está envolvido na ligação
com as moléculas de ácido graxo, a solubilidade da molécula de triacilglicerol diminui.

As moléculas de ácidos graxos podem ser iguais, formando os triacilgliceróis simples, ou podem ser variadas,
formando os triacilgliceróis mistos; sendo que estes últimos constituem a maioria dos triacilgliceróis naturais.
Os triacilgliceróis, nos animais vertebrados, ficam armazenados nos adipócitos, células que constituem o tecido
adiposo, e preenchem quase a totalidade da célula. O tecido adiposo se encontra sob a pele, na cavidade
abdominal e nas glândulas mamárias. Os triacilgliceróis também são armazenados nas sementes de muitos
tipos de plantas, fornecendo energia para a germinação. Armazenar triacilgliceróis é vantajoso se comparado
ao armazenamento dos polissacarídeos glicogênio e amido, pois eles fornecem mais energia e também são
armazenados sem a presença de água de hidratação, pois são hidrofóbicos.

Os óleos, que são líquidos à temperatura ambiente, são constituídos principalmente por triacilgliceróis
com ácidos graxos insaturados. O óleo de oliva, por exemplo, tem uma alta proporção de ácidos graxos
insaturados de cadeia longa. Os triacilgliceróis com ácidos saturados são sólidos em temperatura ambiente.
A gordura bovina apresenta uma alta proporção de ácidos graxos saturados. Os óleos podem ser convertidos
em sólidos por meio do processo de hidrogenação, o qual reduz ligações duplas a ligações simples.

Os compostos saturados são mais prejudiciais do que os insaturados. Atualmente, existe uma
tendência a trocar os compostos saturados por insaturados. A manteiga, de origem animal, que é rica
em gordura saturada, foi substituída pela margarina, que é obtida pelo processo de hidrogenação parcial
de óleos vegetais.

Durante esse processo, ocorre a quebra de duplas ligações, formando ligações simples, porém algumas
duplas ligações permanecem e, além disso, mudam sua conformação de cis para trans (figura a seguir).

CC C CC C

H H H
cis trans

Figura 83 – Transformação da conformação cis para a conformação trans

O objetivo da hidrogenação parcial é a redução das insaturações do óleo e, consequentemente,


a diminuição do ponto de fusão; além disso, esse processo aumenta a durabilidade dos alimentos.
Entretanto, a gordura trans causa malefícios à saúde, pois age como uma gordura saturada, aumentando
os níveis de colesterol ruim e diminuindo os do bom, ademais, aumenta a chance de formação de placas
de gordura e favorece a obesidade.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) determina que os produtos industrializados


devem conter as informações sobre a quantidade de gorduras trans, porém permite que, se a porção
tiver menos que 0,2 gramas, a quantidade de gordura trans pode ser omitida.
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BIOQUÍMICA

Saiba mais

O texto a seguir descreve um processo alternativo ao de hidrogenação parcial.

RIBEIRO, A. P. B. et al. Interesterificação de gordura trans. Química


Nova, v. 30, n. 5, set./out. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/qn/
v30n5/a43v30n5.pdf. Acesso em: 3 dez. 2019.

Além disso, acessando o link a seguir, você assistirá a um debate promovido


pela TV Cultura em janeiro de 2014 sobre o uso de gorduras trans.

JORNAL da Cultura debate sobre gordura trans. Produção Fundação


Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e TV Educativas. São Paulo:
Tv Cultura, 2014. Disponível em: https://tvcultura.com.br/videos/3033_
jc-debate-sobre-gordura-trans-17-01-2014.html. Acesso em: 3 dez. 2019.

Exemplo de aplicação

Agora você já pode escolher se quer ou não consumir gorduras trans. Quando for ao mercado,
observe os rótulos e faça a sua escolha.

Os cerídeos são lipídeos compostos por um álcool de cadeia longa (chamado de álcool superior) e
AG. Podem ser fabricados por plantas (presentes em frutos e folhas) e animais (abelhas, aves aquáticas
e outros animais). No caso dos vegetais, a função primordial é de impermeabilização, ou seja, a de evitar
a perda excessiva da água no processo de evaporação (por exemplo: C15H31 – COOC26H53 palmitato de
cerila encontrada na cera de carnaúba).

Em animais como as aves, a função é de impermeabilizante das penas das aves aquáticas para
permitir que elas nadem sem afundar; para os seres humanos, o cerume (cera de ouvido) protege contra
a proliferação de microrganismos e nas abelhas encontradas nos favos das colmeias (C25H51 – COOC15H31
– cerotato de cetila, formadora da cera de abelhas). As ceras podem ter outras aplicações práticas, como
a fabricação de velas, ceras de assoalhos, graxas para sapato, moldes dentários etc.

Os lipídios que constituem a membrana plasmática são anfipáticos, ou seja, apresentam uma região
polar (hidrofílica) e uma região apolar (hidrofóbica). As interações hidrofóbicas entre as moléculas e sua
interação com a água organizam a membrana plasmática como uma bicamada. Os três tipos de lipídios
que constituem a membrana plasmática são: glicerofosfolipídios, esfingolipídios e esteróis.

Os glicerofosfolipídios são derivados do glicerol, que contêm fosfato na sua estrutura – aos carbonos
1 e 2 do glicerol estão ligados a ácidos graxos. Os glicerofosfolipídios diferem entre si pelo tipo de ácido
graxo ligado aos carbonos 1 e 2. Geralmente a posição 1 é ocupada por um ácido graxo saturado, e a

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posição 2, por um ácido graxo insaturado. Na molécula de glicerofosfolipídio, o grupo fosfato e seus
constituintes compõem a parte polar da molécula, e as cadeias carbônicas dos ácidos graxos, a parte apolar.

Ácido graxo

Glicerol
Ácido graxo
P Álcool

Figura 84 – Representação esquemática da molécula de


glicerofosfolipídio, em que P representa o grupo fosfato

Os esfingolipídios não apresentam glicerol em sua estrutura, em vez disso, são compostos de uma molécula
de aminoálcool de cadeia longa, que, mais frequentemente, é a esfingosina. O grupo amino da esfingosina
liga-se a um ácido graxo por meio de uma ligação amídica, originando ceramida, precursora dos esfingolipídios.

Os esfingolipídios podem ser classificados em esfingomielinas, cerebrosídios e gangliosídios.


Nas esfingomielinas, presentes nas células nervosas, a porção polar é uma fosforilcolina. Nos cerebrosídios,
a ceramida liga-se a um açúcar, que pode ser glicose ou galactose, e os gangliosídios apresentam uma
região polar composta por oligossacarídeos. Os cerebrosídios e os gangliosídios são classificados como
glicolipídios (figura a seguir).
Esfingolipídeos
Glicolipídeos

Esfingomielinas Cerebrosídeos e gangliosídeos


Esfingosina

Esfingosina

Ácido graxo Ácido graxo

P Álcool Açúcar

Figura 85 – Os esfingolipídios são classificados em esfingomielinas, cerebrosídios


e gangliosídios, sendo que os dois últimos são classificados como glicolipídios

A presença do grupo fosfato tanto nos glicerofosfolipídios como nas esfingomielinas coloca esses
dois compostos num mesmo grupo, chamado de fosfolipídios (figura a seguir).
Fosfolipídeos

Glicerofosfolipídeos Esfingomielinas

Ácido graxo
Esfingosina
Glicerol

Ácido graxo
Ácido graxo
P Álcool P Álcool

Figura 86 – Os glicerofosfolipídios e as esfingomielinas são classificados como fosfolipídios

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Os esteróis fazem parte da estrutura da membrana plasmática, sendo, portanto, um lipídio com
função estrutural. Os esteroides são compostos por quatro anéis fundidos: três anéis com seis carbonos
e um com cinco. O principal composto desse grupo é o colesterol, por ser componente da membrana
plasmática e precursor para a síntese de todos os esteróis, que incluem hormônios esteroídicos, sais
biliares e vitamina D.

O colesterol é caracterizado como um tipo de gordura, pois suas características físico-químicas


são semelhantes às dos lipídeos, mas, literal ou bioquimicamente falando, ele não o é. O lipídeo
é um éster de ácido graxo por definição, enquanto o colesterol é um álcool policíclico de cadeia
longa, composto por 27 átomos de carbono, possuindo o núcleo ciclopentanoperidrofenantreno,
sendo o principal esterol sintetizado pelos animais e classificado como esteroide. É encontrado
nas membranas celulares e transportado no plasma sanguíneo de todos os animais. Os vegetais
sintetizam um esterol parecido com o colesterol, chamado fitosterol, e os fungos produzem o
ergosterol, que é um esterol precursor da vitamina D2.
CH3
CH3
CH CH2 CH2 CH2 CH
CH3 CH3

CH3

HO
Colesterol

Figura 87 – Estrutura química do colesterol

Como o colesterol não pode ser dissolvido ou solubilizado pelo sangue, proteínas chamadas
lipoproteínas o transportam pelo sangue até vários órgãos.

Aproximadamente 70% do colesterol é endógeno, isto é, sintetizado principalmente no retículo


endoplasmático das células do fígado, mas também pelas glândulas suprarrenais, pelos intestinos e
pelas gônadas. Os outros 30% encontrados no corpo humano provêm da ingestão da dieta. Todos os
alimentos de origem animal possuem colesterol, sendo que as principais fontes de colesterol na dieta
incluem carne vermelha, carnes processadas, salsicha, linguiça, vísceras, ovos, carne de vaca, de galinha
(principalmente a pele) e de porco (principalmente bacon), queijos amarelos, frutos do mar, sorvetes
cremosos e biscoitos recheados.

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Unidade II

Tabela Nutricional Tabela Nutricional


Porção 30 g (três biscoitos) Porção 30 g (cinco biscoitos)
Quantidade por porção % VD (*) Quantidade por porção % VD (*)
Valor energético 141 Kcal 7% Valor energético 130 Kcal 7%
Carboidratos 21 g 7% Carboidratos 19 g 7%
Proteínas 2,0 g 3% Proteínas 3,1 g 3%
Gorduras totais 5,7 g 10% Gorduras totais 4,7 g 10%
Gorduras saturadas 2,8 g 12% Gorduras saturadas 0,7 g 12%
Gorduras trans Não contém - Gorduras trans Não contém -
Fibra alimentar 0,7 g 3% Fibra alimentar 1,3 g 3%
Sódio 88 g 4% Sódio 77 g 4%
* Valores diários com base em uma dieta de 2.000 Kcal, ou * Valores diários com base em uma dieta de 2.000 Kcal, ou
seja, 8.400 kj. Seus valores diários podem ser maiores ou seja, 8.400 kj. Seus valores diários podem ser maiores ou
menores dependendo da sua necessidade energética. menores, dependendo da sua necessidade energética.
Gorduras saturadas: encontradas nas gorduras das carnes Gorduras trans: são formadas a partir de processos
vermelhas, nas carnes brancas e nas peles. São encontradas químicos, nos quais óleos vegetais passam por alta
também nas manteigas, no creme de leite, em alimentos pressão e temperatura, dando origem à gordura sólida,
integrais e em queijos amarelos. Esse tipo de gordura deve ótima para a fabricação de alimentos industrializados,
ser ingerido em pequenas quantidades. pois transforma-os em alimentos mais cremosos, mais
saborosos ao paladar.

Figura 88 – A tabela nutricional aponta que não há a substância


colesterol designada, porém tal componente é somado nas gorduras totais

Alimentos ricos em fibras, como frutas, verduras e legumes, alimentos integrais, aveia, amaranto,
quinoa e chia; ricos em ômega-3 (linhaça e peixes como sardinha, atum e salmão); azeite de oliva
extravirgem e óleo de coco; e tubérculos, como inhame, mandioquinha e batata-doce apresentam
quantidade de colesterol baixa, além de protegerem o corpo contra os efeitos deletérios do colesterol.

Produtos vegetais – como a linhaça e o amendoim – também contêm compostos como o colesterol,
os fitoesteróis, sugeridos para diminuir os níveis de colesterol no sangue, pois, por conta de sua
semelhança com o colesterol, o corpo humano entende que já tem a quantidade correta da substância
e não a sintetiza.

Observação

O colesterol pode ser sintetizado no organismo humano em grandes


quantidades, mesmo com uma dieta vegetariana ou pobre em colesterol,
como resultado de distúrbios no metabolismo, ou seja, as enzimas
responsáveis por essa síntese não obedecem ao controle celular, produzindo
sempre esse composto continuadamente. Portanto, as elevações pequenas
nos níveis de colesterol devem ser inicialmente tratadas com mudança dos
hábitos alimentares, mas hipercolesterolemias severas geralmente exigem a
associação com tratamento farmacológico e mudanças de hábitos.
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BIOQUÍMICA

O corpo utiliza o colesterol para produzir hormônios esteroides, que são agrupados em três classes:

• Glicocorticoides: os principais são o cortisol, além da cortisona e da corticosterona, que agem


no metabolismo das proteínas, carboidratos e lipídeos. O cortisol é considerado o hormônio do
estresse, pois é liberado em situações de medo ou emergências, quando respostas rápidas do corpo
devem ser iniciadas, como o aumento da pressão arterial e a glicose no sangue (por isso pode
ser chamado de diabetogênico), com a função de elevar a energia muscular. Porém, como essas
funções estarão ativas, outras serão paralisadas ou ficarão muito lentas, como a recuperação, a
renovação e a criação de tecidos, e até mesmo interferência no sistema imunológico, ou seja,
a produção de anticorpos (por isso é chamado de imunossupressor).

Observação

O cortisol, na sua forma sintética oral ou injetável, chama-se


hidrocortisona, importante anti-inflamatório usado principalmente no
tratamento para reações alérgicas severas e como imunossupressor.
O ritmo circadiano ou relógio biológico é o período de 24 horas em que
se verifica a liberação de cortisol e melatonina. O ritmo circadiano está
diretamente relacionado à iluminação do ambiente (claro/escuro), sendo
que a desregulação no relógio biológico pode se manifestar pela insônia,
irritabilidade e dificuldade de concentração. Durante a noite, no escuro,
os níveis do hormônio melatonina aumentam e, com a claridade, baixam.
Já o cortisol funciona de forma contrária, tem seus níveis mais altos pela
manhã e os níveis mais baixos à noite. Depressão, estresse psicológico
(em situações de estresse fisiológico), como hipoglicemia, febre, trauma,
cirurgias, medo, dor, exercícios físicos e temperaturas extremas influenciam
a quantidade de cortisol, que não só afeta o comportamento humano, mas
também atua na redução da temperatura corporal, da pressão sanguínea e
da osteogênese.

As pessoas cegas geralmente apresentam problemas com o relógio


biológico, já que não podem obter os sinais de claridade, assim obedecem
a um padrão de vigília em livre curso, tendo que ter hábitos alimentares
e exercícios físicos em horários regulares para ajustar o ciclo sono-vigília
para ser de 24 horas.

• Mineralocorticoides: sendo o principal a aldosterona, agem no transporte de eletrólitos e


equilíbrio na concentração de íons de potássio, sódio e cloreto no líquido extracelular e sangue
e na distribuição de água nos tecidos.

• Sexuais: atuam sobre as características sexuais masculinas (testosterona) e femininas (progesterona


e estrógeno), como mostra a figura a seguir.

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Unidade II

OH OH
CH3 CH3

CH3

HO O
Estradiol Testosterona

Figura 89 – Hormônios sexuais feminino e masculino derivados do colesterol

Além dos hormônios, o colesterol é um importante componente das membranas plasmáticas


eucarióticas pois, devido à conformação de seus anéis que diminuem a mobilidade da barreira da
bicamada lipídica, impedem as cadeias carbônicas de interagirem, tornando-as menos fluidas.

A vitamina D é chamada de hormônio, pois o corpo a produz, além de ter funções regulatórias,
ativando ou inibindo muitos outros hormônios. A vitamina D é produzida pelo organismo, porém em
pequenas quantidades e, portanto, é obtida pela alimentação.

A vitamina D pode ser obtida por meio da síntese endógena a partir do colesterol. A vitamina D3 é
produzida nos seres humanos quando as células da pele recebem radiação ultravioleta (UVB) do sol. Após
ser formada, é transportada para ser modificada pelo fígado e depois é convertida no rim em forma ativa,
dihidroxivitamina 1,25-D3. A vitamina D3 também é encontrada em óleos de fígado de peixe (como o
bacalhau e o atum), sardinhas, fígado de mamíferos, ovos e produtos lácteos, principalmente o leite.

A vitamina D2 tem origem vegetal e pode ser encontrada em cogumelos (shitake e shimeji, por
exemplo). Durante muito tempo, os pesquisadores acreditavam que as vitaminas D2 e D3 fossem
equivalentes e intercambiáveis, mas aparentemente a D2 possui uma bioeficácia menor do que a
vitamina D3, embora ambas ajudem a prevenir os efeitos de falta de vitamina D, como: problemas
cardíacos, osteoporose, mesmo câncer, gripe e resfriado, e doenças autoimunes, como esclerose múltipla
e diabetes tipo 1. Em mulheres grávidas, a deficiência de vitamina D aumenta o risco de aborto, favorece
a pré-eclâmpsia e pode elevar as chances de a criança ser autista.

Observação

Apesar de a vitamina D ser sintetizada na pele, para sua ativação, deve


ocorrer exposição da pessoa à luz ultravioleta. Dessa forma, os níveis de
produção variam consideravelmente em resposta a fatores geográficos,
culturais e estilo de vida, e, de acordo com a estação do ano, por exemplo,
o inverno, as concentrações de vitamina D em alimentos e em pessoas são
mais baixas.

92
BIOQUÍMICA

Os brasileiros apresentam nível de incidência solar alto, entretanto,


apesar de viver em um país tropical, mais de 90% da população tem
deficiência de vitamina D, muito provavelmente devido às mudanças de
estilo de vida e à maior preocupação com os efeitos da exposição solar,
como envelhecimento e câncer de pele.

Países com pouca exposição ao sol, como Inglaterra, Islândia, Suécia,


Rússia, Dinamarca e Noruega relacionam a deficiência de vitamina D com
casos de depressão e suicídio.

Os ácidos biliares são a principal forma de excreção do colesterol, além de apresentarem funções digestivas.
Aproximadamente 95% dos ácidos biliares agem nas porções iniciais do duodeno. Eles têm função de
detergência, ou seja, emulsificam ou envolvem os triglicerídeos da dieta, diminuindo sua tensão superficial para
que ocorra a quebra ou hidrólise pela lipase pancreática e sejam liberados ácidos graxos e glicerol. Os ácidos
biliares são produzidos exclusivamente no fígado a partir do colesterol e agregados à bile, podendo ser ligados
aos aminoácidos glicina e taurina, formando os sais biliares e, depois disso, armazenados na vesícula biliar.

Lembrete

O colesterol é excretado pela bile, que é produzida no fígado e consiste


na mistura de várias substâncias, entre elas o colesterol, responsável por
cerca de 80% dos casos de formação de cálculos ou pedras na vesícula
biliar. Devido a um desequilíbrio na concentração das substâncias da
bile, quando o colesterol ou os sais biliares são produzidos em excesso
pelo fígado, ocorre a precipitação em pequenos cristais que se juntam,
formando pedras (processo chamado de litíase biliar). Algumas pedras, por
serem grandes, podem ficar presas nos ductos, impedindo a passagem de
bile ao intestino e, dependendo da situação, impedindo a passagem de suco
pancreático, que volta para o pâncreas e pode digeri-lo, ocasionando um
quadro grave chamado de pancreatite.

Pouco solúvel em água, o colesterol deve ser transportado na corrente sanguínea com a ajuda de
proteínas, as chamadas apolipoproteínas, que são solúveis em água e levam tanto o colesterol como
os triglicerídeos para vários órgãos. As primeiras lipoproteínas a serem formadas após a absorção de
triglicerídeos se chamam quilomícrons (QM) e são formadas após os ácidos graxos passarem pelo
intestino e se ligarem à proteína chamada de apo B-48. Quando os QM chegam ao fígado, liberam a
proteína apo B-48 e se ligam à proteína apo B-100, se transformando em lipoproteínas de densidade
muito baixa (VLDL), liberadas no sangue. Após chegarem ao fígado novamente, são transformadas em
lipoproteínas de baixa densidade (LDL).

Quanto mais tempo o LDL fica no sangue, mais se oxida (LDLox), e mais se liga aos receptores das artérias,
que invaginam essas partículas. Por isso é chamado de mau colesterol, pois diminui o tamanho do interior das
artérias, dificultando a passagem do sangue. Os monócitos, que compõem um dos tipos de glóbulos brancos
93
Unidade II

presentes no sangue, atraídos pelas partículas de gordura, invaginam-se e penetram na parede dos vasos.
Na tentativa de proteção ou remoção dessas substâncias, transformam-se em macrófagos e fagocitam o LDLox,
mas não conseguem digeri-lo, incrementando essa placa de lipídeo (chamada de ateroma), que diminui a luz do
vaso, aumentando a pressão arterial no início do processo de arteriosclerose, até bloquear a passagem de sangue.

6 METABOLISMO DOS LIPÍDIOS

6.1 Digestão, absorção e transporte dos lipídeos

Os triacilgliceróis são os lipídios mais abundantes na dieta. Além dos triacilgliceróis, estão presentes
na nossa alimentação o colesterol livre, os ésteres de colesterol e os fosfolipídios. Para serem absorvidos
através da parede intestinal, precisam ser convertidos em micelas microscópicas.

Em recém-nascidos, cuja alimentação predominantemente é o leite, a digestão dos triacilgliceróis


começa no estômago, no qual atuam as enzimas lipase lingual e lipase gástrica. No adulto, o processo
de digestão ocorre predominantemente no intestino.

Os sais biliares, sintetizados no fígado a partir de colesterol e estocados na vesícula biliar, são liberados
no intestino delgado após uma refeição rica em lipídios. Eles são anfipáticos e convertem os lipídios da
dieta em micelas contendo sais biliares e triacilgliceróis. A ação dos sais biliares torna os lipídios mais
acessíveis à ação da lipase pancreática. Essas enzimas convertem os triacilgliceróis em monoacilgliceróis,
diacilgliceróis, ácidos graxos livres e glicerol. Os ésteres de colesterol e fosfolipídios são quebrados por
enzimas específicas, liberando colesterol, ácidos graxos, monoacilgliceróis e glicerol.

Os ácidos graxos e outros produtos da hidrólise são absorvidos pela mucosa intestinal e convertidos
novamente em triacilgliceróis, os quais se associam ao colesterol, proveniente da dieta, e às proteínas
presentes na corrente sanguínea, chamadas de apolipoproteínas, formando agregados lipoproteicos.

As apolipoproteínas combinam-se com diferentes tipos de lipídios, formando diferentes classes de


partículas lipoproteicas, às quais são agregados lipídeos esféricos com lipídios hidrofóbicos no centro e
na superfície as cadeias proteicas hidrofílicas e os grupos iônicos dos lipídios. Esses diferentes agregados
apresentam densidades diferentes, variando dos quilomícrons e de lipoproteínas de densidade muito
baixa até lipoproteínas de alta densidade.

As diferentes lipoproteínas podem ser separadas por ultracentrifugação e são classificadas nos
grupos listados a seguir:

• QM: quilomícrons;

• VLDL: lipoproteínas de muito baixa densidade (very low density lipoproteins);

• LDL: lipoproteínas de baixa densidade (low density lipoproteins);

• HDL: lipoproteínas de alta densidade (high density lipoproteins);


94
BIOQUÍMICA

• IDL: lipoproteínas de densidade intermediária. Essas lipoproteínas são transitórias e estão


relacionadas à transformação de uma lipoproteína em outra;

• HDL2 e HDL3: variedades da HDL, caracterizadas por diferentes teores de apoliproteínas;

• AGL – albumina: ácidos graxos livres associados à albumina.

A tabela a seguir mostra a composição das lipoproteínas do plasma humano:

Tabela 1 – Composição das lipoproteínas


Porcentagem de lipídeos totais
Proteínas Total de Ésteres de Colesterol Ácidos
Fração Fonte Triacilgliceróis Fosfolipídeos
(%) lipídeos (%) colesterol livre graxos livres
QM Intestino 1-2 98 - 99 88 8 3 1 0
VLDL Fígado e intestino 7 - 10 90 - 93 56 20 15 8 1
IDL VLDL 11 89 29 26 34 9 1
LDL VLDL 21 79 13 28 48 10 1
HDL2 Fígado e intestino 33 67 16 43 31 10 0
HDL3 57 43 13 46 29 6 6
AGL e albumina Tecido adiposo 99 1 0 0 0 0 1

Fonte: Ferreira; Jarrouge e Martin (2018, p. 48).

Quanto maior a quantidade de proteínas, maior sua densidade e sua solubilidade, facilitando o
transporte pela corrente sanguínea.

Pela tabela anterior, podemos observar que a fração mais rica em colesterol é a LDL.

Porções proteicas das lipoproteínas são reconhecidas por receptores que estão na superfície das
células. Os quilomícrons, que contêm a apoliproteína C- II (apoC-II), movem-se da mucosa intestinal para
o sistema linfático, de onde saem para a corrente sanguínea e são transportados para os músculos e
para o tecido adiposo. Nos capilares desses tecidos, a enzima lipase lipoproteica é ativada pela
apoliproteína C. A enzima lipase lipoproteica quebra os triacilgliceróis em ácidos graxos e glicerol.
Os ácidos graxos são captados pelos músculos e oxidados para a obtenção de energia ou são captados
pelas células do tecido adiposo e armazenados na forma de triacilglicerol.

Os quilomícrons remanescentes apresentam maior quantidade de colesterol, de ésteres de colesterol e


de fosfolipídios e menor quantidade de triacilgliceróis. Eles voltam ao fígado e dão origem à lipoproteína
VLDL, que é lançada na corrente sanguínea. A VLDL tem o mesmo destino que os quilomícrons, ou seja, cai
na corrente sanguínea, e os ácidos graxos são retirados pela ação da lipase lipoproteica. Após esse processo,
a VLDL fica mais rica em colesterol e ésteres de colesterol e passa a ser chamada de IDL. A IDL combina-se
a novas proteínas dando origem à LDL. A LDL transporta o colesterol para os tecidos extra-hepáticos; ele
então pode se depositar em placas de ateroma, sendo, por isso, conhecido como o “mau colesterol”.

A HDL retira o colesterol dos tecidos extra-hepáticos e o conduz novamente ao fígado, por isso ele
é conhecido como “bom colesterol”.

95
Unidade II

6.2 Degradação dos triacilgliceróis

A mobilização dos estoques de triacilgliceróis dos adipócitos é feita pela ativação hormonal da
enzima lipase dos adipócitos. Essa enzima hidrolisa as ligações ésteres dos triacilgliceróis, formando
ácidos graxos livres e glicerol (figura a seguir).

O
H2C O C R H2C OH
O O

H2C O C R + 3H2O Lipase H2C OH + 3 R C O- + 3 R H+


O
Ácidos
H2C O C R H2C OH graxos
Triacilglicerol Glicerol

Figura 90 – Hidrólise de uma molécula de triacilglicerol com a formação de uma molécula


de glicerol e três moléculas de ácido graxo. O R representa a cadeia carbônica do ácido graxo

Os ácidos graxos obtidos pela hidrólise dos triacilgliceróis são liberados na corrente sanguínea e, por
serem insolúveis em água, principal molécula presente na corrente sanguínea, associam-se à albumina,
uma proteína que perfaz quase metade das proteínas presentes na corrente sanguínea. A associação
entre os ácidos graxos e a albumina se dá por ligações não covalentes. Nos tecidos que precisam de
energia e que podem utilizar ácidos graxos como sua fonte (como músculo esquelético e coração), os
ácidos graxos dissociam-se da albumina e difundem-se para o citosol da célula na qual serão oxidados.

O glicerol é liberado na corrente sanguínea e, no fígado e em outros tecidos que tenham a enzima glicerol
quinase, é convertido em glicerol 3-fosfato pela ação da enzima glicerol quinase. Posteriormente, é transformado
em diidroxiacetona fosfato, um intermediário da glicólise ou da gliconeogênese (figuras a seguir).

H2C OH H2C OH
Glicerol quinase
H2C OH H2C OH

H2C OH H2C O P
ATP ADP+H+
Glicerol Glicerol 3-fosfato

Figura 91 – Conversão de glicerol em glicerol 3-fosfato pela ação da enzima


glicerol quinase e com gasto de uma molécula de ATP

H2C OH H2C OH
Glicerol 3-fosfato
desidrogenase
H2C OH H2C O

H2C O P NAD+ NADH + H+ H2C O P


Glicerol 3-fosfato Diidroxiacetona
fosfato

Figura 92 – Conversão de glicerol 3-fosfato em diidroxiacetona fosfato, intermediário da


glicólise ou gliconeogênese, pela ação da enzima glicerol 3-fosfato desidrogenase e da coenzima NAD+

96
BIOQUÍMICA

Observação

Os adipócitos não têm a enzima glicerol quinase e, portanto, o glicerol


não pode ser reaproveitado por essas células.

Os ácidos graxos são ativados e transportados para a matriz mitocondrial, local onde estão as enzimas
responsáveis pela degradação dos ácidos graxos. Essa reação de ativação é catalisada pela enzima
acil-CoA sintase, a qual está associada à membrana externa da mitocôndria:

ácido graxo + ATP + CoA → Acil-CoA + AMP + PPi

Nessa reação, ocorre a formação de uma ligação tioéster entre o grupo carboxila do ácido graxo e o
grupo tiol (-SH) da coenzima A. Simultaneamente, o ATP é quebrado em AMP (adenosina monofosfato)
e pirofosfato inorgânico (PPi), o qual posteriormente é hidrolisado em 2 Pi, numa reação irreversível,
tornando a ativação do ácido graxo também irreversível.

Existem diferentes enzimas acil-CoA sintases, que agem em ácidos graxos de cadeia curta,
intermediária e longa.

As moléculas de acil-CoA formadas não atravessam a membrana da mitocôndria e, por isso, precisam
de um transportador que, no caso das moléculas de acil-CoA, é a carnitina. O grupo acil do ácido graxo
liga-se à carnitina formando acil-carnitina; essa reação é catalisada pela enzima carnitina aciltransferase I,
que está presente na face externa da membrana interna da mitocôndria. A molécula acil-carnitina atravessa
a membrana por difusão facilitada e, na matriz mitocondrial, o grupo acil liga-se à coenzima A, e a carnitina
é liberada. Essa reação é catalisada pela enzima carnitina aciltransferase II, que está ligada à face interna da
membrana mitocondrial interna. Dessa maneira, a molécula acil-CoA entra na matriz mitcondrial, e a carnitina
retorna para o espaço intermembrana, podendo ligar-se novamente a outro grupo acil (figura anterior).
O
Espaço
intermembranoso R C Carnitina + CoA

Carnitina
aciltransferase II

O O

CoA + R C Carnitina Carnitina + R C CoA

Carnitina
aciltransferase I
O

R C CoA
+ Matriz
Carnitina mitocondrial

Figura 93 – Transporte dos ácidos graxos para a matriz mitocondrial

97
Unidade II

Uma vez na mitocôndria, a fim de degradar os ácidos graxos, eles sofrerão a ação das enzimas
presentes na matriz mitocondrial.

6.3 Degradação dos ácidos graxos

A degradação dos ácidos graxos ocorre em três estágios: o primeiro é a β-oxidação, que consiste
em remoções sucessivas de dois átomos de carbono na forma de acetil-CoA. A remoção dos átomos
de carbono ocorre pela extremidade carboxila do ácido graxo. Por exemplo, o ácido palmítico, que tem
16 carbonos, formará 8 moléculas de acetil-CoA (figura a seguir).

H3C

H2C

H2C

H2C

H2C

H2C

H2C

H2C

H2C

8 Acetil-CoA
H2C

H2C

H2C

H2C

H2C

H2C

C O-

Figura 94 – Remoção dos átomos de carbono do ácido palmítico e formação de oito moléculas de acetil-CoA

98
BIOQUÍMICA

O segundo estágio da degradação é o ciclo de Krebs, e o terceiro estágio é a cadeia de transporte de


elétrons e a fosforilação oxidativa (figura a seguir).

H3C

H2C

H2C
β-oxidação
8 Acetil-CoA
H2C Primeiro
estágio

H2C Ciclo de
Krebs

H2C

H2C
Segundo
estágio
H2C

H2C

H2C

NADH
H2C FADH2

H2C

H2C Terceiro
estágio
Cadeia de transporte de elétrons
H2C e fosforilação oxidativa

H2C

C O-
ATP
O
Figura 95 – Os estágios da oxidação dos ácidos graxos

99
Unidade II

Lembrete

O segundo e o terceiro passos da β-oxidação são os mesmos para a


oxidação de carboidratos. Observamos, portanto, o ponto de convergência
entre o metabolismo de lipídios e o de carboidratos.

Agora analisaremos mais detalhadamente o primeiro passo da β-oxidação, já que o segundo e o


terceiro passos já foram analisados anteriormente neste livro-texto.

6.3.1 Oxidação de ácidos graxos saturados com número par de carbonos

Quatro reações são necessárias para a oxidação de ácidos graxos saturados e com número par
de carbonos.

A primeira reação é uma desidrogenação que produz uma dupla ligação na conformação trans entre
os carbonos 2 e 3, também chamados carbonos α e β.

Lembrete

O carbono 1 pertence ao grupo carbonila.

Esse primeiro passo é catalisado por três isozimas da acil-CoA desidrogenase. Uma das isozimas age
em ácidos graxos com 12 a 18 átomos de carbono, e as outras duas agem em ácidos graxos com 4 a 14
átomos de carbono. Essas enzimas têm FAD como coenzima e, portanto, nessa etapa, ocorre a formação
de FADH2 (figura anterior).
O OH O
2 1 Enoil-CoA-hidratase
R CH CH C CoA R CH CH2 C CoA
Acil-CoA-α-b-insaturado
H
H 20 b-hidroxiacil-CoA

Figura 96 – Desidrogenação de um ácido graxo com n carbonos por meio


da ação da enzima acil-CoA desidrogenase e da coenzima FAD

No segundo passo, ocorre a adição de uma molécula de H2O à dupla ligação de conformação trans,
numa reação catalisada pela enoil-CoA hidratase (figura a seguir).

100
BIOQUÍMICA

O OH O
2 1 Enoil-CoA-hidratase
R CH CH C CoA R CH CH2 C CoA
acil-CoA-α-b-insaturado
H
H20 b-hidroxiacil-CoA

Figura 97 – Hidratação do acil-CoA-α-β-insaturado

O terceiro passo é outra reação de desidrogenação, catalisada pela enzima β-hidroxiacil-CoA


desidrogenase, sendo que o NAD+ é o aceptor de elétrons, resultando na formação de NADH
(figura a seguir).
OH O b-hidroxiacil-CoA O O
desidrogenase
R CH CH2 C CoA R CH CH2 C CoA

H
b-hidroxiacil-CoA NAD+ NADH + H+ b-cetoacil-CoA

Figura 98 – Desidrogenação do β-hidroxiacil-CoA por meio da ação


da enzima β-hidroxiacil-CoA desidrogenase e da coenzima NAD+

O último passo é catalisado pela enzima acil-CoA acetiltransferase, também chamada de tiolase,
e resulta na formação de acetil-CoA e de uma molécula de acil-CoA com dois carbonos a menos
(figura a seguir).

O O O O
Tiolase
R CH CH2 C CoA R CH CoA + CH3 C CoA

acil-CoA com 2
Coenzima A Acetil-CoA
b-cetoacil-CoA carbonos a menos

Figura 99 – Quebra da molécula β-cetoacil-CoA pela ação da tiolase resultando


em uma molécula de acil-CoA com 2 carbonos a menos e 1 molécula de acetil-CoA

A sequência de reações que ocorre na β-oxidação tem como objetivo quebrar a molécula de
ácido graxo, liberando moléculas de acetil-CoA, que serão posteriormente oxidadas pelo ciclo
de Krebs. Essas quatro reações da β-oxidação se repetem até que toda a molécula de ácido graxo
seja transformada em acetil-CoA. Quando o número de carbonos da molécula de ácido graxo for par,
a última volta na β-oxidação será iniciada com uma acil-CoA de quatro carbonos, a butiril-CoA, e,
nesse caso, são produzidas duas moléculas de acetil-CoA, uma molécula de NADH e uma molécula de
FADH2 (figura a seguir).

101
Unidade II

acil-CoA com número par


de carbonos (16 carbonos)
Primeira volta

+
acil-CoA com 2 carbonos a menos (14) acetil-CoA
Segunda volta

+
acil-CoA com 2 carbonos a menos (12) acetil-CoA
Terceira volta

+
acil-CoA com 2 carbonos a menos (10) acetil-CoA
Quarta volta

+
acil-CoA com 2 carbonos a menos (8) acetil-CoA
Quinta volta

+
acil-CoA com 2 carbonos a menos (6) acetil-CoA
Sexta volta

+
acil-CoA com 2 carbonos a menos (4) acetil-CoA
Sétima volta

+
acetil-CoA acetil-CoA

Figura 100 – Esquema da degradação de uma molécula de ácido graxo de 16 carbonos.


Para a oxidação desse ácido, são necessárias sete voltas na β-oxidação e são formadas 8 moléculas de acetil-CoA

A partir da figura anterior, podemos calcular a quantidade de moléculas de ATP formada pela
oxidação de um ácido graxo de 16 carbonos, o ácido palmítico. Para a oxidação total desse ácido graxo,
são necessárias sete voltas na β-oxidação. Como em cada volta da β-oxidação são formados uma
molécula de NADH e uma de FADH2, temos a formação de sete moléculas de NADH e sete moléculas
de FADH2. Além disso, também através da β-oxidação, são formadas oito moléculas de acetil-CoA, as
quais serão oxidadas pelo ciclo de Krebs. Nesse ciclo, para cada molécula de acetil-CoA, são formadas
três moléculas de NADH, uma de FADH2 e uma molécula de GTP, a qual, posteriormente, será convertida
em ATP. Todas as moléculas de NADH e FADH2 provenientes da β-oxidação e do ciclo de Krebs serão
oxidadas na cadeia de transporte de elétrons e formarão ATP por meio da fosforilação oxidativa.

Baseado no exposto, temos:

• Produtos da β-oxidação: 7 NADH, 7 FADH2 e 8 acetil-CoA.

• Produtos da oxidação de 8 moléculas de acetil-CoA no ciclo de Krebs: 24 NADH, 8 FADH2 e 8 GTP.

102
BIOQUÍMICA

• Total:

— 7 + 24 = 31 NADH;

— 7 + 8 = 15 FADH2;

— 8 GTP.

Na cadeia de transporte de elétrons e na fosforilação oxidativa, são formadas três moléculas de ATP
para cada molécula de NADH e duas moléculas de ATP para cada molécula de FADH2, portanto, temos:
31x 3 + 15 x 2 + 8 = 131 moléculas de ATP.

Dessas 131 moléculas de ATP, deve-se subtrair a quantidade de moléculas de ATP gastas no processo
de ativação do ácido graxo. Nesse processo, uma molécula de ATP é quebrada em AMP e, portanto,
temos o consumo de duas ligações ricas em energia, o que equivale a um gasto de duas moléculas de
ATP. Portanto, 131 – 2 = 129 moléculas de ATP formadas.

Exemplo de aplicação

Faça o cálculo da quantidade de moléculas de ATP formadas caso o ácido graxo degradado tivesse
14 átomos de carbono.

6.3.2 Oxidação dos ácidos graxos saturados com número ímpar de átomos de carbono

Os ácidos graxos com número ímpar de átomos de carbono também são oxidados pela β-oxidação,
porém, nesse caso, na última volta da β-oxidação, a molécula de acil-CoA tem cinco átomos de carbono
e, nessa última volta, são formadas duas moléculas, uma de acetil-CoA e outra formada por três átomos
de carbono, chamada propionil-CoA (figura a seguir).

Última volta

+
Propionil-CoA Acetil-CoA

Figura 101 – Última volta da oxidação de um ácido graxo saturado


e com número ímpar de átomos de carbono

A molécula de acetil-CoA é oxidada pelo ciclo de Krebs, e a molécula de propionil é transformada na


molécula succinil-CoA, a qual age como um intermediário do ciclo de Krebs, sendo, portanto, também
oxidada por ele (figura a seguir).

103
Unidade II

Acetil-CoA

Última volta
Oxaloacetato Citrato
+
Propionil-CoA Acetil-CoA Malato Isocitrato

α-cetoglutarato
Succinil-CoA
Fumarato

Succinil-CoA
Succinato

Figura 102 – Relação entre a oxidação de ácidos graxos saturados e


de número ímpar de átomos de carbono com o ciclo de Krebs

Observação

Os ácidos graxos saturados e com número ímpar de átomos de carbono


constituem uma fração minoritária dos ácidos graxos da dieta.

6.3.3 Oxidação de ácidos graxos insaturados

Grande parte dos triacilgliceróis apresenta insaturações nos ácidos graxos que os constituem.
Na maioria dos casos, as ligações estão na configuração cis e não podem ser substrato da enzima
enoil-CoA hidratase, a enzima que catalisa a adição de uma molécula de água em uma dupla ligação com
conformação trans. Para que os ácidos graxos insaturados possam passar pelo processo de β-oxidação,
são necessárias duas enzimas adicionais, uma isomerase e uma redutase.

6.3.4 Formação de corpos cetônicos

Nos hepatócitos, as moléculas de acetil-CoA podem ser oxidadas pelo ciclo de Krebs ou formar os
corpos cetônicos por meio da condensação de moléculas de acetil-CoA.

Os corpos cetônicos são acetoacetato, β-hidroxibutirato e acetona. O processo de produção


desses compostos é chamado de cetogênese. A acetona produzida é exalada, e o acetoacetato e o
β-hidroxibutirato são liberados na corrente sanguínea e aproveitados como fonte de energia pelos tecidos
extra-hepáticos, principalmente pelos músculos esqueléticos e pelo coração. O cérebro normalmente
utiliza glicose como fonte de energia, porém, em jejum prolongado, pode utilizar o acetoacetato e o
β-hidroxibutirato.

A síntese dos corpos cetônicos ocorre na matriz mitocondrial, em que, na primeira reação, duas
moléculas de acetil-CoA originam acetoacetil-CoA por meio da ação da enzima tiolase (figura a seguir).

104
BIOQUÍMICA

O O O O
Tiolase
H3C C CoA + H3C C CoA H3C C CH2 C CoA
Acetil-CoA Acetil-CoA Acetoacetil-CoA
Coenzima A

Figura 103 – Primeira reação da formação de corpos cetônicos.


Formação de acetoacetil-CoA por meio da ação da enzima tiolase

A molécula de acetoacetil-CoA reage com outra molécula de acetil-CoA, formando 3-hidróxi-3-


metilglutaril-CoA (HMG-CoA) (figura a seguir).
O O O O OH O
HMG-CoA
H3C C CH2 C CoA + H3C C CoA sintase -
O C CH2 C CH2 C CoA
Acetoacetil-CoA Acetil-CoA
CH3
H20 Coenzima A
HMG-CoA

Figura 104 – Segunda reação de formação de corpos cetônicos.


Formação de HMG-CoA por meio da ação da enzima HMG-CoA sintase

A clivagem do HMG-CoA gera acetoacetato e acetil-CoA (figura a seguir).


O OH O O O O
HMG-CoA
O
-
C CH2 C CH2 C CoA liase H3C C CH2 C 0- + H3C C CoA
Acetoacetato Acetil-CoA
CH3
HMG-CoA

Figura 105 – Terceira reação da formação de corpos cetônicos.


Formação de acetoacetato e acetil-CoA por meio da ação da enzima HMG-CoA liase

O acetoacetato produz a acetona e o β-hidroxibutirato (figuras a seguir).


O O O

H3C C CH2 C 0- H3C C CH3


Acetoacetato Acetona
CO2

Figura 106 – Formação de acetona a partir de acetoacetato

O O OH O
b-hidroxibutirato
desidrogenase
H 3C C CH2 C 0- CH3 C CH2 C O-
Acetoacetato CH3
NADH + H+ NAD+
b-hidroxibutirato

Figura 107 – Formação de β-hidroxibutirato a partir de acetoacetato

105
Unidade II

A produção dos corpos cetônicos possibilita a contínua degradação dos ácidos graxos, mesmo que
estes não possam ser utilizados pelo ciclo de Krebs. Em condições normais, os destinos das moléculas
de acetil-CoA são a oxidação pelo ciclo de Krebs ou a síntese de lipídios, porém, quando a degradação de
ácidos graxos não é acompanhada pela de carboidratos, a síntese dos corpos cetônicos é elevada.
Na ausência da degradação de carboidratos, os níveis de piruvato são diminuídos e, consequentemente,
acontece o mesmo com os níveis de oxaloacetato, sendo assim, o acetil-CoA fica impedido de ser oxidado
pelo ciclo de Krebs, condensando-se e formando os corpos cetônicos (figura a seguir).

Glicose

Glicose 6-fosfato

Frutose 6-fosfato

Frutose 1,6-fosfato

Diidroxiacetona + Gliceraldeído
3-fosfato

Gliceraldeído
3-fosfato

2 (Gliceraldeído 3-fosfato)

2 (1,3-Difosfoglicerato)

2 (3-Fosfoglicerato)

2 (Fosfoenolpiruvato)

2 (Piruvato)

Lipídeos 2 Acetil-CoA Corpos cetônicos

2 Oxaloacetato 2 Citrato

2 Malato 2 Isocitrato
Ciclo de
Krebs
2 α-cetoglutarato
2 Fumarato

2 Succinil-CoA
2 Succinato

Figura 108 – Com a diminuição da oxidação de glicose, diminuem os níveis


de piruvato e os de oxaloacetato, com isso, a formação de corpos cetônicos é favorecida

106
BIOQUÍMICA

Essa situação acontece quando ocorre a redução do metabolismo da glicose, por exemplo, no jejum
ou no diabetes.

Quando a produção dos corpos cetônicos é maior que a necessidade de energia dos tecidos extra-hepáticos,
estabelece-se a condição de cetose, caracterizada por uma concentração elevada de corpos cetônicos no
plasma (cetonemia) e na urina (cetonúria). Além disso, nessa situação, o indivíduo fica com o hálito com odor
de acetona, e o pH sanguíneo sofre uma diminuição, já que acetoacetato e β-hidroxibutirato são compostos
ácidos, resultando em acidose.

6.4 Síntese de ácidos graxos e de triacilglicerol

A síntese de ácidos graxos ocorre quando a carga energética é alta, ou seja, quando a relação ATP/ADP
é alta. Ela ocorre no citosol das células adiposas e é a molécula precursora da síntese é acetil-CoA,
proveniente do piruvato.

Como a molécula de acetil-CoA é sintetizada no interior da mitocôndria, e a síntese ocorre no


citoplasma, ela deve ser transportada da matriz mitocondrial para o citoplasma. Uma vez que a membrana
interna da mitocôndria é impermeável à acetil-CoA, essa molécula é transportada na forma de citrato.

A molécula de acetil-CoA, produzida a partir de carboidratos e proteínas, reage com oxaloacetato,


formando citrato, o qual, em condições em que a relação ATP/ADP é alta, não pode ser oxidado pelo
ciclo de Krebs devido à inibição da enzima isocitrato desidrogenase. Nessas condições, a molécula de
citrato é transportada para o citosol. Nele, a molécula de citrato sofre uma reação, formando novamente
oxaloacetato e acetil-CoA, sendo que a última é utilizada na síntese de ácidos graxos. O oxaloacetato
sofre ação da malato desidrogenase, formando piruvato e NADPH (figura anterior).
Carboidratos e proteínas

Mitocôndria Citossol
Piruvato

Acetil-CoA

Oxaloacetato Citrato Citrato


Inibida
Oxaloacetato Acetil-CoA
Malato Isocitrato
Isocitrato
desidrogenase
α-cetoglutarato
Fumarato
NADPH Ácido graxo
Succinil-CoA
Succinato Piruvato

Figura 109 – Transporte de acetil-CoA para o citosol

107
Unidade II

No citosol, a molécula de acetil-CoA pode ser utilizada como substrato para a síntese de ácidos
graxos, que é realizada pela adição de dois átomos de carbono, sendo que os dois primeiros átomos de
carbono são provenientes da molécula de acetil-CoA, e os outros da molécula de malonil-CoA, formada
por carboxilação da molécula de acetil-CoA.

Os ácidos graxos combinam-se com o glicerol, formando triacilgliceróis.

6.5 Síntese do colesterol

A síntese do colesterol ocorre no citosol, e o precursor dessa síntese é a molécula de acetil-CoA.


O primeiro passo para a síntese de colesterol é uma reação de condensação entre duas moléculas
de acetil-CoA com a formação de acetoacetil-CoA, a qual condensa-se com uma outra molécula de
acetil-CoA, formando β-hidroximetilglutaril-CoA, HMG-CoA. Através da redução de duas moléculas
de NADPH, ocorre a conversão de HMG-CoA em mevalonato. Essa é a reação mais importante para a
síntese do colesterol, pois a enzima HMG-CoA redutase, a qual catalisa essa reação, pode ser ativada ou
inibida, controlando, dessa maneira, a síntese de colesterol.

Saiba mais

O texto a seguir descreve a classe das estatinas, que são fármacos que
inibem a enzima HMG-CoA redutase.

CAMPO, V. L.; CARVALHO, I. Estatinas hipolipêmicas e novas tendências


terapêuticas. Química Nova, v. 30, n. 2, p. 425–430, abr. 2007.

Os destinos do colesterol são: excreção fecal, sob a forma de coprostanol e colestanol; conversão
em sais e ácidos biliares, os quais participam do processo de emulsificação de gorduras; conversão em
vitamina D e conversão em hormônios esteroides.

Resumo

Os lipídios são compostos que possuem baixa solubilidade em água


e alta solubilidade em compostos orgânicos. Os lipídios têm função
energética, estrutural e regulatória. Eles são divididos em ácidos graxos,
triacilgliceróis, glicerofosfolipídios, esfingolipídios e esteróis. Os ácidos
graxos apresentam a carboxila como grupo funcional e, portanto,
pertencem à função orgânica ácido carboxílico, a qual constitui a parte
polar da molécula; a parte apolar dos ácidos graxos é constituída por
uma cadeia carbônica de tamanho variável.

108
BIOQUÍMICA

Os ácidos graxos podem ser saturados ou insaturados. O tamanho


da cadeia carbônica e a presença ou ausência de insaturações ditam o
ponto de fusão e, portanto, o estado físico em temperatura ambiente.
Os triacilgliceróis são formados por uma molécula de glicerol ligada a três
moléculas de ácidos graxos, e essas moléculas constituem a nossa reserva
energética, que fica estocada nas células adiposas.

Por meio do processo industrial de hidrogenação, ocorre a formação


da gordura trans, que aumenta os níveis de colesterol ruim e diminui os
níveis de colesterol bom. Os glicerofosfolipídios são derivados do glicerol,
que contém fosfato na sua estrutura; aos carbonos 1 e 2 do glicerol estão
ligados ácidos graxos.

Os esfingolipídios são classificados em esfingomielinas, cerebrosídios


e gangliosídios. Os esteroides são compostos formados por quatro anéis
fundidos, três anéis com seis carbonos e um anel com cinco carbonos.
O principal composto desse grupo é o colesterol, que é componente da
membrana plasmática, precursor para a síntese de todos os esteróis, sais
biliares e vitamina D.

Os triacilgliceróis são os lipídios mais abundantes da dieta. Eles são


emulsificados pelos sais biliares e sofrem a ação da enzima lipase pancreática.
Os ácidos graxos obtidos por meio da hidrólise dos triacilgliceróis são
ativados e transportados para a matriz mitocondrial, local onde estão as
enzimas responsáveis pela degradação dos ácidos graxos. O glicerol, também
obtido da hidrólise dos triacilgliceróis, é convertido em diidroxiacetona
fosfato, um intermediário da glicólise ou da gliconeogênese. A degradação
dos ácidos graxos ocorre pelo processo de β-oxidação, o qual consiste na
remoção sucessiva de moléculas de acetil-CoA.

Quando a degradação de carboidratos é ausente, devido ao jejum


prolongado ou ao diabetes, e a degradação de triacilgliceróis está ativa,
ocorre a redução dos níveis de oxaloacetato, o que impossibilita a
degradação das moléculas de acetil-CoA pelo ciclo de Krebs, ocasionando a
formação dos corpos cetônicos.

As vias metabólicas devem estar de acordo com as necessidades do nosso


organismo, sendo assim, existem pontos de regulação nas vias metabólicas.
Para a glicólise, a enzima mais importante é a fosfofrutoquinase, a qual é
inibida por ATP e citrato e ativada por AMP e frutose 2,6-bifosfato.

Na gliconeogênese, as enzimas que sofrem regulação são as


enzimas piruvato carboxilase, fosfoenolpiruvato carboxiquinase, frutose
1,6-bifosfatase e glicose 6-fosfatase. As enzimas mais importantes do
109
Unidade II

ciclo de Krebs, em relação à regulação, são a citrato sintase, a isocitrato


desidrogenase e o complexo da α-cetoglutarato desidrogenase.
Na glicogênese, a enzima mais importante é a glicogênio sintase, a qual
é ativada por glicose 6-fosfato e insulina; no processo de glicogenólise, a
enzima mais importante é a glicogênio fosforilase, a qual é ativada pelo
hormônio glucagon.

Os processos de lipogênese e lipólise são antagônicos, sendo que a


insulina é um hormônio lipogênico, ou seja, estimula a lipogênese, e o
glucagon é um hormônio lipolítico, ou seja, estimula a lipólise.

Exercícios

Questão 1. (UCPel 2006) Os lipídeos são moléculas apolares que não se dissolvem em solventes
polares como a água. Com relação aos lipídeos, podemos afirmar que:

I – São moléculas ideais para o armazenamento de energia por longos períodos.

II – Importantes componentes de todas as membranas celulares.

III – Estão diretamente ligados à síntese de proteínas.

IV – Servem como fonte primária de energia.

V – A cutina, a suberina e a celulose são exemplos de lipídeos.

É correto apenas o que se afirma em:

A) I, IV e V.

B) I e III.

C) II e IV.

D) II e V.

E) I e II.

Resposta correta: alternativa E.

110
BIOQUÍMICA

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: tais moléculas armazenam grande quantidade de energia e não são facilmente
eliminadas (hidrofóbicas).

II – Afirmativa correta.

Justificativa: as membranas celulares têm composição lipoproteica.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: os aminoácidos são as unidades formadoras das proteínas e, para a síntese proteica,
não há participação de lipídios.

IV – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a fonte primária de energia para a célula é a glicose.

V – Afirmativa incorreta.

Justificativa: celulose não é lipídio.

Questão 2. (UCS 2012) Acredita-se que 75% das mortes no mundo são causadas por doenças
crônicas, como diabetes, câncer e complicações cardíacas (diet, nutrition and the prevention of cronic
diseases). A comida, sobretudo a industrializada, tem sido apontada como a principal causa dessas
enfermidades. A molécula de colesterol, considerada prejudicial em grandes quantidades, e as moléculas
constituintes dos lipídios considerados “bons” para a saúde são, respectivamente:

A) Colesterol HDL; ácidos graxos insaturados.

B) Colesterol HDL; ácidos graxos saturados.

C) Colesterol HDL; ácidos graxos poli-insaturados.

D) Colesterol LDL; ácidos graxos saturados.

E) Colesterol LDL; ácidos graxos linoleico e oleico.

Resposta correta: alternativa E.

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Unidade II

Análise da questão

O colesterol considerado ruim é o LDL (colesterol de baixa densidade), uma vez que pode acumular
na parede dos vasos sanguíneos e formar as placas de ateroma, que dificultam o fluxo sanguíneo.

Já os ácidos graxos mono e poli-insaturados são considerados bons para a saúde. O ácido oleico,
presente no azeite de oliva é um exemplo de monoinsaturado, enquanto o ácido linoleico (também
chamado de ômega-6) presente no óleo de soja, milho e girassol é um exemplo de ácido graxo
poli-insaturado.

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