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OLIGOMERIZAÇÃO DO BIODIESEL DE MAMONA DURANTE O PROCESSO PRODUTIVO

José Antonio Vidal Vieira 1, Luiz Silvino Chinelatto Júnior, Sonia Cabral de Menezes, Rosana Cardoso
Lopes Pereira, Flavio Cortinas Albuquerque, Felipe Augusto de Souza Fonseca
1Petrobras/Cenpes, vidalv@petrobras.com.br, isilvino@petrobras.com.br, soniac@petrobras.com.br ,
rosanacardoso@petrobras.com.br, albqq@petrobras.com.br, felipe.fonseca@petrobras.com.br

RESUMO -:Tipicamente, os resultados das análises cromatográficas de biodiesel de mamona


apresentam valores de diglicerídeos acima das expectativas decorrentes do processo produtivo e
valores de ésteres totais abaixo dessas expectativas. Até o momento, esses resultados têm sido
associados às dificuldades de adaptação do método analítico e de ajuste do processo produtivo ao
biodiesel de mamona, devido à presença da hidroxila na estrutura do ácido ricinoléico.
Estudo realizado no Centro de Pesquisa da Petrobras demonstrou que, durante o processo produtivo, a
hidroxila do ácido ricinoléico, em presença do catalisador de transesterificação, reage com a carboxila
dos ésteres formando oligômeros denominados estolides, mesmo sob temperatura ambiente. Uma
recente investigação da natureza química destes estolides revelou que eles são especificamente
dímeros e não oligômeros de maior massa molecular. Como, na análise cromatográfica, a presença de
dímeros se confunde com os diglicerídeos, os resultados ficam acima da expectativa de processo. Por
outro lado, a transformação do ricinoleato em estolide consome parte do éster, reduzindo seu teor no
produto final. Donde se conclui que o processo de produção de biodiesel de mamona precisa manter
sob controle a reação de dimerização, sob pena de perda de especificação do produto final.

Palavras-chave: biodiesel, mamona, transesterificação, estolides

INTRODUÇÃO
A análise cromatográfica (NBR 15342) do biodiesel produzido a partir de óleo de mamona por
catálise alcalina homogênea costuma apresentar dois tipos de problemas :
- teor de glicerina total, calculada a partir dos teores de glicerídeos mais o de glicerina livre, medidos
por cromatografia gasosa (CG), superior ao medido por titulação volumétrica (NBR 15344);
- teor de ‘não eluidos’ relativamente altos, a ponto de comprometer o teor mínimo de ésteres totais.
Mesmo quando a transesterificação aparenta ter atingido nível satisfatório de conversão (baixa
% de monoglicerídeos), é comum a CG acusar teores relativamente altos de diglicerídeos. Tal fato
sugere que o desvio na glicerina total por CG, seja devido a uma falha na medição dos diglicerídeos.
No caso dos ‘não eluidos’, quando os valores obtidos são muito elevados a explicação mais
lógica seria a retenção de compostos ‘pesados’ na coluna cromatográfica. Em termos de processo fica
a dúvida se esses compostos seriam oriundos do próprio óleo de mamona ou do processo de
transesterificação. Em termos de qualidade de produto a questão é qual o comportamento desses
compostos no motor. Em termos de especificação, quanto maior o teor de ‘não eluidos’ menor o teor de
ésteres e, a partir de julho de 2008, a ANP reprova um biodiesel com menos de 96,5% de ésteres.
O objetivo do presente trabalho foi investigar a hipótese de imputar as diferenças encontradas
nas análises por CG do biodiesel de mamona à formação de oligômeros durante o processo produtivo.

MATERIAL E MÉTODOS
As diferentes amostras de biodiesel de mamona usadas na pesquisa da presença de
oligômeros foram preparadas em três diferentes plantas piloto da Petrobras (25 l, 50 l e 600 l por
batelada) e na unidade contínua de bancada (10 l/dia).
Antes do início pesquisa analítica foi feita uma avaliação dos tipos de compostos possíveis de
serem formados nas condições do processo de produção de biodiesel de mamona. O resultado do
estudo foi então comparado com informações de literatura, para confirmar a viabilidade da avaliação.
A confirmação da presença da família de oligômeros considerada mais provável pela avaliação
inicial e a determinação do grau de oligomerização foram feitas com auxilio dos equipamentos do
Cenpes (Centro de Pesquisa da Petrobras) de análises por : RMN de 1H, 13C, 13C DEPT, HMQC, g-
HMBC no estado líquido, Cromatografia por Permeação em Gel, Cromatografia Gasosa acoplada a
Espectrometria de Massas e Espectrometria de Massas com Ionização por Eletrospray (ESI-MS).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

1. REAÇÃO DE TRANSESTERIFICAÇÃO X FORMAÇÃO DE ESTOLIES


A produção de biodiesel baseia-se numa reação de transesterificação, na qual um mono álcool
substitui a glicerina ligada aos ácidos graxos do triglicerídeo. Os mecanismos dessa reação são bem
conhecidos da química orgânica, tanto na catálise ácida quanto na catálise básica. Cabe, porém
observar que a hidroxila do ácido ricinoléico, principal ácido graxo presente nos triglicerídeos que
constituem o óleo de mamona (aproximadamente 88,5g/100 g de ácidos graxos totais), também possui
uma hidroxila, com relativa reatividade.
A Figura 1 apresenta a estrutura de uma molécula típica de triglicerídeo do óleo de mamona. A
Figura 2 apresenta a estrutura de uma molécula de ricinoleato de metila, principal componente do
biodiesel de óleo de mamona. A Figura 3, por sua vez, apresenta o mecanismo da reação de
transesterificação por catálise alcalina, entre um triglicerídeo genérico, constituído pelos ácidos graxos
R’COOH, R’’COOH e R”’COOH , e um álcool ROH.
Assumindo que a hidroxila do ácido ricinoléico, sob condições adequadas de temperatura,
tempo, tipo de catalisador e concentrações, é capaz de reagir como um álcool, segundo o mecanismo
apresentado na Figura 3, o produto da reação de transesterificação entre a ligação éster do ricinoleato
de metila e a hidroxila de outra molécula desse éster, seria o composto representado na Figura 4.
Buscando na literatura técnica exemplos da existência de reação similares, encontram-se a
produção de estolides a partir de óleos hidroxilados (mamona e lesquerella) e seus ésteres 1. Estolides
são poliésteres resultantes da formação de uma ligação éster entre a hidroxila ou a olefina de um éster
graxo e a carbonila terminal de outro éster graxo. Esses estudos baseiam-se na reação de
esterificação entre os óleos hidroxilados e seus ésteres com ácidos graxos diversos. Tais reações se
dão por catálise ácida ou sob condições de alta temperatura (180 - 200 °C) e vácuo. Apesar das
referências citadas, os estolides mais comuns são os formados a partir das duplas ligações existentes
na estrutura dos ácidos graxos insaturados 2. O grau de oligomerização de um estolide é dado pelo
Número de Estolide (NE), que é definido como o número médio de moléculas de ácido graxo
adicionadas sobre uma molécula base de ácido graxo. Por exemplo, o NE de um trímero é 2.

2. COMPROVAÇÃO DA FORMAÇÃO DE ESTOLIDES DURANTE O PROCESSO DE PRODUÇÃO


DO BIODIESEL DE MAMONA
Uma vez confirmado que a oligomerização por esterificação entre cadeias de ácidos graxos
hidroxilados ou entre ácidos graxos quaisquer e ésteres graxos hidroxilados é possível, resta verificar
se a transesterificação dos ésteres do ácido ricinoléico com a hidroxila de outras moléculas desses
mesmos ésteres, pode ocorrer nas condições da reação de produção de biodiesel. Para isso a equipe
de Química Analítica do Centro de Pesquisa da Petrobras empregou diversas técnicas analíticas,
usando amostras novas e reexaminando resultados antigos de bidioesel de mamona produzido pela
área de pesquisa de processo do Cenpes (Rota Óleo).
Análises de RMN de 1H, 13C, 13C DEPT, HMQC e g-HMBC no estado líquido comprovaram,
de forma irrefutável, a presença de estolide em varias amostras biodiesel de mamona, mas não todas.
Para avaliar o número de estolide do oligômero encontrado, foram realizadas análises de
Cromatografia por Permeação em Gel, Cromatografia Gasosa Acoplada a Espectrometria de Massas e
Espectrometria de Massas com Ionização por Eletrospray (ESI-MS), concluindo-se que o produto de
degradação do biodiesel de mamona é especificamente um dímero (NE=1/ C37H68O5) e não um
oligômero de maior massa molecular.

3. DÍMERO DE ESTOLIDE X DIGLICERÍDEOS


Uma vez confirmada a reação da Figura 4 e a presença do dímero resultante, ficou fácil
descobrir a razão dos resultados de CG do biodiesel de mamona tenderem a apresentar teores de
diglicerídeos acima da expectativa de processo e do sinalizado pelo método de glicerina total (NBR
15344). A massa molecular do dímero do éster metílico do ácido ricinoléico (C37H68O5) é de 592,51.
A massa molecular do diglicerídeo (C39H72O7) desse ácido é 652,99. Atualmente, o Centro de
Pesquisa da Petrobras está conduzindo alguns testes para avaliar a possibilidade de se ajustar um
sistema cromatográfico no qual não ocorra coeluição do dímero com diglicerídeos. Tal sistema
impediria que o resultado da CG continuasse expressando, de fato, a soma de dímero com
diglicerídeos, expressa em termos de diglicerídeos.

4. ETAPAS DE PROCESSO X FORMAÇÃO DE DÍMEROS


Foram analisadas, por RMN, amostras de óleo de mamona (antes e depois do tratamento de
neutralização), produtos do primeiro e do segundo estágio de reação e de biodiesel seco em diferentes
tempos de secagem. Os resultados revelaram que os dímeros se formaram predominantemente na
segunda etapa de reação. Essa conclusão é consistente com a hipótese da Figura 4, pois a segunda
etapa reação é a de maior severidade reacional, para o processo de transesterificação utilizado na
geração de amostras para esse teste.

5. FORMAÇÃO DE DÍMEROS EM CARGAS FORMULADAS A PARTIR DE MISTURA DE ÓLEO DE


MAMONA COM OUTROS ÓLEOS E CINÉTICA DA REAÇÃO DE DIMERIZAÇÃO
Testes realizados no Cenpes demonstraram que, quando o óleo de mamona é diluído com
outros óleos, para acertar a viscosidade e a densidade do produto, a dimerização ainda pode ocorrer,
porém em extensão bem menor e menos preocupante. Os resultados desses testes e de testes de
cinética da reação de dimerização ainda não estavam concluídos por ocasião da elaboração deste
artigo e serão apresentados posteriormente.

CONCLUSÃO
Durante o processo de produção de biodiesel a partir de óleo mamona, ocorrem também
reações paralelas de dimerização do biodiesel, que podem levar perda de especificação do produto
final. No entanto, a reatividade da hidroxila do ácido ricinoléico não constitui um impedimento para a
produção de biodiesel de mamona, desde que o processo produtivo seja configurado de modo a evitar
condições que favoreçam a dimerização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. CERMAK, S.C., BRANDON, K. B., ISBELL, T.A., Synthesis and Physical Properties of Estolides from
Lesquerella and Castor Fatty Acid Esters, Industrial Crops and Products, 23 54–64 (2006).
2. ERMAK, S. C., ISBELL, T. A., Synthesis and physical properties of estolide-based functional fluids,
Ind. Crops Prod, 18, 183-196 (2003).
O OH
9 10 18

H2C O 12
O OH

HC O
O OH

H2C O

Figura 1. Molécula típica de triglicerídeo do óleo de mamona (MW = 933,43) : C57H104O9.

OH O
18 10 9

12 OCH3

Figura 2. Molécula de ricinoleato de metila (MW = 312,27) : C19H33O3.


-
RONa
RO RO + Na +

R'COO - R'COO
OR
O O OR
R'"COO R" R'"COO R"
O -
O

R'COO R'COO O
O OR O- +
R
R'"COO R" R'"COO R" O
-
O ester

R'COO R'COO
-
O- + ROH OH + RO
R'"COO R'"COO
diglicerídeo

Figura 3. Mecanismo da reação de transesterificação por catalise alcalina.

OH O
18

12
10 9
OCH3
cat. alcalino /T
OH O
R 18

12
10 9
OCH3

R
OH O
18' 10' 9'

12' O O
18

12
10 9
OCH3 +CH,OH

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