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A SAÚDE MENTAL

NO TRABALHO
BASSLER, Ana Cristina

SST A saúde mental no trabalho / Ana Cristina Bassler

Ano: 2020

nº de p. 10

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A SAÚDE MENTAL
NO TRABALHO

APRESENTAÇÃO
Neste momento, iremos estudar a saúde mental no ambiente do trabalho e as
suas consequências. Para isso, precisamos compreender todos os aspectos
relacionados a saúde mental, ou seja, devemos ver a pessoa como um todo,
(físico, social e econômico). Abordaremos mais adiante o conceito de saúde e as
mudanças que ocorreram ao longo do tempo.
Em seguida conheceremos os estigmas que abordam a saúde mental; veremos a
importância de cuidar da saúde mental dos colaboradores para o desenvolvimento
das empresas; conheceremos a terceira causa de incapacidade no trabalho no
Brasil; observaremos a importância do trabalho na vida das pessoas e a sua
influência na saúde; e por fim, conheceremos os fatores que afetam a saúde mental
dos funcionários nas organizações.

A SAÚDE MENTAL NO TRABALHO: UM


TERRENO EM EXPANSÃO
Segundo a Organização Mundial de Saúde (1946), em sua carta de constituição, a
palavra saúde é definida como “um estado de completo bem-estar físico, mental e
social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”.
Assim, o entendimento do que é saúde ultrapassa a compreensão de que ser
saudável pressupõe a ausência de doença; mais que isso, está relacionada com a
relação do sujeito com o meio em que vive, o equilíbrio com o físico e o mental. Desse
modo, a saúde abrange um olhar diferenciado sobre o sujeito, o local onde vive, com
quem convive e o meio ambiente, pois somos afetados também pelo social.
Saúde e bem-estar

Fonte: Plataforma Deduca (2020)

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O conceito de saúde apresentado traz consigo uma série de mudanças ocorridas ao
longo do tempo sobre o termo. O que isso quer dizer? A definição de saúde é:

[...] reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural. Ou seja:


saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas. Dependerá
da época, do lugar, da classe social. Dependerá de valores individuais,
dependerá de concepções científicas, religiosas, filosóficas. O mesmo,
aliás, pode ser dito das doenças. Aquilo que é considerado doença varia
muito (Scliar, 2007, p. 30).

Observe que, segundo o autor, a utilização do conceito de doença dependerá de


inúmeros fatores, tais como: conjuntura social, econômica, política e cultura,
valores e concepções de modo geral. Assim, com base nessa afirmativa, podemos
analisar que o cuidado com a saúde esteve presente, ao longo dos tempos, em
todos os espaços e foi tema de estudos e pesquisas; desde a filosofia, passando
pela religião, até chegar à medicina (SCLIAR, 2007). Ainda assim, a Saúde Mental foi
discutida e apontada do ponto de vista clínico que a saúde mental é:

[...] ocorre pela presença ou não de sintomas que classificam uma situação
de mau funcionamento psíquico com alterações da personalidade, do
pensamento, da percepção, da memória, da inteligência, entre outras
(Vasconcelos; Faria, 2008, p. 455).

Desse modo, a Saúde Mental, como uma subárea da saúde – mas não menos
importante, aponta que o funcionamento psíquico não vai bem. Aspectos como:
atenção, memória, percepção e sensopercepção fazem parte de uma avaliação
sobre a saúde mental de um indivíduo. Os sintomas mais comuns, muitas vezes, não
partem de uma alteração física/corporal e, por isso mesmo, a ideia ou consenso sobre
a Saúde Mental é ainda permeada por preconceitos e concepções de que esta área é
somente para pessoas com “transtornos”, ou ainda, pejorativamente, para “loucos”.

A SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES


Nesta linha de pensamento, Barreto (2009, p. 3) destaca que desde o século XIX até
os dias atuais, a saúde mental continua sendo objeto de estigma e incompreensão;
mais que isso, a autora alarga a discussão, atentando para o fato de que “saúde
mental não é simplesmente ausência de transtornos”, pois os afetos (humor,
sentimento em relação ao outro) são importantes variáveis para refletir sobre o
estado de bem-estar.

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Assim, não podemos deixar de apontar que a Saúde Mental reconhece a presença
de um sofrimento e um mal-estar envolvendo um sujeito e o contexto no qual ele
está inserido. Nesta linha de pensamento, o campo da saúde do trabalho tem se
voltado, desde a década de 1950, a realizar pesquisas sobre a possível relação
estabelecida entre o trabalho e o sofrimento psíquico (VASCONCELOS; FARIA, 2008).

Após isso, muito se tem produzido de material a respeito da relação saúde


mental e trabalho. Mas você pode estar se perguntando: qual o fundamento de tal
preocupação? Vejamos alguns dados e a origem dessa relação tão importante e
significativa para sua atuação como gestor.

Atenção
Segundo dados do Ministério da Saúde, Trabalho e Previdência
Social, o 1º Boletim Quadrimestral sobre Benefícios por
Incapacidade (BRASIL, 2017), analisou os benefícios concedidos e
constatou que os transtornos mentais e comportamentais foram
a terceira causa de incapacidade para o trabalho, entre os anos de
2012 e 2016, totalizando 668.927 casos; ou ainda, 92% do total em
análise sob a concessão auxílio-doença.

Além disso, o Boletim aponta que os agravos mentais são comumente associados
aos afastamentos temporários e não relacionados à atividade do trabalhador,
justamente pela “resistência ao reconhecimento da relação do

trabalho com a doença mental” (BRASIL, 2017, p. 11); mais que isso, confirmar
que a organização do trabalho é disfuncional e produz agravos psíquicos ao
trabalhador.

Nesse aspecto, é importante ficarmos atentos ao lugar que o trabalho ocupa na vida
das pessoas, não é verdade? Refletindo sobre tal questão, podemos indicar que o
“ocupa, também, um lugar fundamental na dinâmica do

investimento afetivo das pessoas.” (BRASIL, 2001, p. 161). Por quê? Há sonhos,
expectativas, planos, vínculos que são formados, status social etc., tudo isso faz
parte do investimento afetivo de uma pessoa no seu trabalho.

Desse modo, devemos compreender que o reconhecimento da visibilidade quanto à


saúde mental dos trabalhadores, seja na saúde pública ou na esfera organizacional
privada, demonstra uma preocupação devido às mudanças ocorridas com a

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globalização, ajustes econômicos, flexibilidade no mundo do trabalho, altos índices
de desemprego, terceirização, inserção de novas tecnologias. (SCHMIDT, 2010).

Todos esses fatores impactam consideravelmente na psiquê humana, afetos e


o modo como os colaboradores percebem a si mesmos; mais que isso, por meio
de um processo robotizado, mecânico, sem reflexão ou, ainda, que lhes prive da
possibilidade de se desligar do trabalho (atividades excessivas para além do
local de trabalho), podem desgastar o bem-estar e o emocional dos sujeitos,
impossibilitando-os de “serem” sujeitos autônomos (expressão, participação e
reflexão sobre o trabalho e sua organização).

Diante disso, sintomas gerais, como: faltas, atrasos e atestados frequentes


são exemplos de sintomas organizacionais que apontam um clima a ser
investigado e não somente o trabalhador como culpado pelo atraso, mas
a organização do trabalho e como este impacta no clima organizacional e,
consequentemente, na produtividade.

Adoecimento pelo Trabalho

Fonte: Plataforma Deduca (2020)

Por outro lado, condições que promovam oportunidades de demonstrar e utilizar


habilidades e aptidões, bem como o controle deste pelo trabalho; uma comunicação
saudável e pautada no respeito, na qual haja uma abertura para reclamações e
sugestões de modo espontâneo sobre o ritmo e organização do trabalho favorecem
um ambiente no qual é possível promover saúde mental aos seus colaboradores.
(BRASIL, 2001).

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A ORGANIZAÇÃO E OS FATORES
QUE AFETAM A SAÚDE MENTAL DOS
COLABORADORES
Você já deve ter escutado, em algum momento, um antigo e muito conhecido ditado
popular que esclarece: “o trabalho enobrece o homem”. Nessa perspectiva, somos
levados a reconhecer os efeitos positivos que o trabalho

oferece aos indivíduos, não é verdade? Assim, os aspectos que já comentamos: a


socialização, a remuneração, o desenvolvimento de habilidades e competências,
são alguns desses benefícios.

Entretanto, não somente há benefícios, mas fatores que comprometem o bem-estar


e a saúde dos trabalhadores; ou ainda, de modo específico, a saúde mental dos
colaboradores. Iniciaremos tratando da organização do trabalho e suas implicações
psíquicas. Você sabe do que se trata? Vejamos!

O primeiro ponto que iremos abordar é o significado e espaço que o trabalho


ocupa na vida dos seres humanos: grande, não é verdade? Muitas pessoas são
reconhecidas socialmente por sua profissão e atividades que realiza: a professora,
o mecânico, o psicólogo, a assistente social etc. Assim, o trabalho não somente tem
um significado monetário, mas, também, refere-se ao prazer pelo qual ele beneficia
e causa bem-estar ao sujeito (PATRÍCIO et, al., 1999).

Atenção
Desse modo, devemos pensar que o significado de prazer e
bem-estar direcionado ao trabalho pressupõe que as atividades
profissionais propiciem uma relação de trabalho e prazer. Contudo,
não podemos deixar de apontar grandes mudanças advindas dos
efeitos da globalização.

A fim de indicar o quanto o modo/organização de trabalho atual influencia na psiquê


humana, Barreto (2009) aponta as mudanças ocorridas ao longo dos anos devido
à reestruturação do mundo do trabalho, permeada por: foco na redução de custos,
controle da qualidade, aumento dos resultados, intensificação do ritmo de trabalho,
aumento de terceirizações e aumento do número/banco de horas, o que desgasta as
energias do colaborador em função de maior produtividade com menor custo.

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Pressão no trabalho

Fonte: Plataforma Deduca (2020)

Ainda assim, uma das referências sobre o assunto foi o psiquiatra francês
Christophe Dejours, o qual desenvolveu uma nova visão a respeito da relação
estabelecida entre a organização do trabalho e os efeitos nos trabalhadores,

denominada de “Psicodinâmica do Trabalho”. Ele observou o quanto a organização


do trabalho (controle, repetição das tarefas, entre outros) produzia nos operários,
bem como a produção de fragilizações sobre o corpo; com isso, foi possível notar o
aparecimento de mecanismos de defesa presentes no uso do álcool com a intenção
de aliviar a realidade à qual estavam expostos. (VASCONCELOS; FARIA, 2008).

Mais que isso, a saúde mental está referenciada a uma pressão constante por
uma maior produtividade, na qual o sujeito deve estar disponível e sempre pronto
a adaptar-se às exigências do mercado de trabalho; nesse ponto, constrói-se um
ambiente no qual o medo de não mais estar empregado suscita temor e sujeição
às atividades e funções demandas pela gestão, causando um ambiente de trabalho
acirrado e altamente competitivo para demonstrar agilidade, perspicácia e “ser o
melhor de todos”. (VASCONCELOS; FARIA, 2008; BARRETO; 2009).

Atenção
Existem, também, os riscos psicossociais que se referem às defi-
ciências na concepção, organização e gestão do trabalho, preo-
cupando-se com a psiquê e o social no ambiente organizacional.

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Com isso, a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (2017), aponta
os principais riscos que afetam a saúde mental, como:

• exigências contraditórias e falta de clareza na definição das funções;


• falta de participação na tomada de decisões que afetam o trabalhador e falta
de controle sobre a forma como executa o trabalho;
• má gestão de mudanças organizacionais, insegurança laboral;
• comunicação ineficaz, falta de apoio da parte de chefias e colegas;
• assédio psicológico ou sexual, violência de terceiros;
• cargas de trabalho excessivas.

Você pode perceber que o ambiente de trabalho, com os fatores sociais acima descritos,
pode ser gerador de intenso sofrimento, despersonalização, controle desmedido,
desrespeito à condição de humanidade, bem como violação de direitos. Com isso,
cumpre-nos verificar que tipos de transtornos estas situações podem acarretar.

Fechamento
Estudamos a interferência da saúde mental do trabalhador e seu desenvolvimento
no trabalho. Vimos que o conceito de saúde vai além da ausência de doença, e que
saúde é um estado de bem-estar, físico, mental e social. Compreendemos que o
ambiente em que se convive possui influência direta sobre a saúde das pessoas.
E estudamos que a definição de saúde pode ser mudada conforme a conjuntura
social econômica, política e cultural.

Observamos que desde a década de 50 existem pesquisas e estudos no campo


da saúde do trabalho. Esses estudos e preocupações se devem ao fato que os
transtornos mentais e comportamentais são a terceira causa de incapacidade no
trabalho no período de 2012 e 2016. Percebemos que a pressão constante por
maior produtividade afeta a saúde do trabalhador. Estudamos também os principais
riscos que abalam a saúde mental e física do trabalhador.

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Referências
BARRETO, Margarida. Saúde Mental e Trabalho: a necessidade da “escuta” e olhar
atentos. Caderno Brasileiro Saúde Mental, v. 1, n.1, jan/abr. 2009

BENEVIDES-PEREIRA, Ana Maria Teresa. Burnout: o processo de adoecer pelo


trabalho. In.: BENEVIDES-PEREIRA, Ana Maria Teresa. Burnout: quando o trabalho
ameaça o bem-estar do trabalhador. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. p. 21-92.

BRASIL. Ministério da Fazenda. MINISTÉRIO DA FAZENDA DO BRASIL. Adoecimento


mental e trabalho: a concessão de benefícios por incapacidade relacionados a
transtornos mentais e comportamentais entre 2012 e 2016. Brasília, 2017. Disponível
em <http://www.previdencia.gov.br/wp-content/uploads/2017/04/1%C2%BA-
boletim-quadrimestral.pdf> Acesso em: 08 maio. 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de


procedimentos para os serviços de saúde/Ministério da Saúde do Brasil, Organização
Pan-Americana da Saúde no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde do Brasil, 2001.

BRASIL. Organização Mundial da Saúde. Constituição da Organização Mundial da


Saúde (OMS/WHO) – 1946. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.
php/OMS-Organiza %C3%A7%C3%A3o--Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-
organizacao-mundial-da--saude-omswho.html>. Acesso em: 08 maio. 2020.

PATRÍCIO, Zuleica Maria et al. Qualidade de vida do trabalhador: uma abordagem


qualitativa do ser humano através de novos paradigmas. Florianópolis: Editora do
Autor, 1999.

SCHMIDT, Maria Luiza Gava. Saúde e doença no trabalho: uma perspectiva


sociodramática. – São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.

SCLIAR, Moacyr. História do Conceito de Saúde. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de
Janeiro, v. 17, n. 1, p. 29-41. 2007.

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