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FACULDADE DE PSICOLOGIA

DISCIPLINA: TRABALHO E SAÚDE MENTAL

BRENDA CARDOSO ALAOR


CARLA MILENA L. CORRÊA
GABRIELA M. T. SOARES DE FIGUEIREDO
MARIANA FELIX C. RIBEIRO

O SOFRIMENTO E O AMBIENTE DE TRABALHO

RIO DE JANEIRO
2022
1. INTRODUÇÃO
O sofrimento no trabalho decorre como uma das consequências da insistência do ser
humano em viver em um ambiente que lhe é adverso. A relação do homem com o trabalho
nunca foi fácil, a própria etimologia da palavra denota algo penoso e, até mesmo, indesejado
(“tripalium”, instrumento de tortura feito com três paus).

O trabalho é uma atividade em que o homem modifica a natureza, transformando a si


mesmo nesse processo interativo. É a produção e a reprodução das necessidades sociais em que
o próprio homem social é quem define historicamente suas necessidades, que são atendidas pelo
trabalho. Logo, o trabalho é o processo de transformação de um objeto em um produto,
realizado pela atividade humana.

O cenário que expressa o processo de saúde e adoecimento do trabalhador tem sofrido


constantes transformações relacionadas às novas modalidades de trabalho, à dinamização dos
processos produtivos, às inovações tecnológicas e às atuais estratégias de organização e gestão
do trabalho. Essas demandas, advindas do processo de acumulação capitalista, "centradas na
fratura das alteridades do trabalho" (Mota & Amaral, 2000, p. 30), acabam fragmentando os
coletivos de trabalho e a saúde mental dos trabalhadores expostos aos impactos da crise
econômica.

Segundo Dejours, o sofrimento começa quando a relação homem-organização do


trabalho está bloqueada, quando o trabalhador usou o máximo de suas faculdades intelectuais,
psicoafetivas, de aprendizagem e de adaptação.

O sofrimento no trabalho, pode aparecer de forma coletiva ou individual e são gerados


por sentimentos como: o medo, angústia e insegurança. Normalmente, esses sentimentos se
originam do conflito entre o desejo e a necessidade do trabalhador, reflexo de uma negociação
mal sucedida entre desejos, anseios individuais e da organização. Neste sentido, podemos
ressaltar que o sofrimento no trabalho é uma vivência intermediária entre a doença mental e o
bem-estar psíquico.

Para exemplificar algumas vivências de sofrimento, podemos citar o estudo realizado


por Marques et al. (2016), com bancários, ao longo de 10 anos, no Brasil, onde se destacam:(a)
a precarização do trabalho, quando os bancários são induzidos ao individualismo e à solidão;
(b) o assédio moral, que ocorre com muita frequência, torna o ambiente de trabalho destrutivo

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e desgasta psiquicamente o trabalhador; (c) o sentimento de perda de identidade, quando o
trabalhador perde sua capacidade de fala e não pode manifestar seus desejos, que o leva a agir
contra seus princípios éticos e morais; (d) as doenças de ordem física por esforço repetitivo,
apontadas como causa de muitos problemas da saúde no trabalho; (e) a discriminação e o
sofrimento dos trabalhadores adoecidos, especialmente daqueles diagnosticados com LER ou
DORT; (f) a escassez de direitos civis aos homossexuais; (g) a presença de depressão e risco de
suicídio; e (h) os sentimentos constantes de insegurança, frustração, pressão psicológica,
ansiedade, medo e angústia.

2. DESENVOLVIMENTO
Com o período de desenvolvimento do capitalismo industrial, veio o crescimento da
produção, o êxodo rural e a concentração de novas populações urbanas. Uma época em que não
havia direitos trabalhistas, preocupação com a saúde, a classe operária lutava apenas para
sobreviver. Com o passar do tempo e a criação de leis trabalhistas, a luta começou a ser pela
saúde do corpo. O desenvolvimento desigual das forças produtivas, trouxe à tona amplas
discussões sobre o objetivo do trabalho e sobre a relação homem-tarefa, acentuando a dimensão
mental do trabalho, fazendo surgir um sofrimento até então desconhecido.
Para estudar acerca da provável influência sobre o bem-estar e saúde dos trabalhadores,
já no final da II Guerra Mundial, um grupo de pesquisadores constituiu a disciplina
Psicopatologia do Trabalho. Em continuidade aos estudos, Dejours publicou na França em
1987, “A Loucura do Trabalho” dando início a uma nova fase da discussão sobre os efeitos do
trabalho sobre o aparelho psíquico, passando a ser chamada de Psicodinâmica do Trabalho.
Em um primeiro momento, a nova abordagem contextualiza-se como uma teoria voltada
para a análise do prazer no trabalho, do sofrimento e defesas, das patologias e busca pela saúde
do trabalhador, bem como dos mobilizadores sociais do sujeito frente ao trabalho. No momento
seguinte, Dejours explicita a Psicodinâmica do Trabalho como teoria das relações entre
subjetividade e trabalho, e no terceiro momento a localiza como uma antropologia relativa à
centralidade do trabalho na vida dos seres humanos.
Em suma, podemos dizer que a Psicodinâmica do Trabalho analisa as relações entre
condutas, comportamentos, experiências de sofrimento e de prazer do trabalhador. Igualmente,
verifica como o trabalho se organiza, bem como as estratégias e os mecanismos defensivos
elaborados pelos próprios trabalhadores no cenário do trabalho para enfrentar situações de
sofrimento.
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A teoria acredita que o sofrimento vem atrelado a história de vida, vivências e
experiências do trabalhador, analisando o indivíduo como um todo, qualitativamente e de forma
única. A noção de sofrimento é central, ela implica, antes de tudo, um estado de luta do sujeito
contra forças que o estão empurrando em direção à doença mental. O que definirá se o
sofrimento terá como designação a criatividade ou o adoecimento é a forma de lidar com os
impasses psíquicos provocados pelo confronto entre o prescrito e o real no trabalho.

O sofrimento pode ser patogênico ou criativo. O patogênico acontece quando não há a


possibilidade de se adequar o trabalho aos desejos intrínsecos, além disso, nenhuma das defesas
conseguiu o êxito esperado, sendo muitas vezes, apenas a favor da produtividade. Já o criativo,
é quando o indivíduo, por intermédio da sua criatividade consegue estabelecer algo positivo
para a sua identidade, preservando a sua saúde frente a organização do trabalho.

O trabalhador, por meio das estratégias defensivas, procura se manter saudável mesmo
estando em um ambiente patológico e, por isso, ele busca reorganizar seu ambiente de trabalho,
seja individualmente ou não. Assim sendo, a psicodinâmica destaca a normalidade e as
estratégias que o trabalhador institui com o objetivo de se manter saudável. Lembrando que
para Dejours, a psiquê se configura da mesma forma, dentro e fora do ambiente de trabalho, ou
seja, conflitos no ambiente de trabalho podem interferir nos momentos de descanso e lazer
pessoal. Fato comprovado por Marques et al. (2016), em seus estudos sobre os bancários, onde
os mesmos, consideraram sua atividade profissional responsável pelos constantes conflitos
familiares.

Objetivando o entendimento da inter-relação trabalho e saúde, a Psicodinâmica do


Trabalho busca, também, a análise da dinâmica organizacional, preocupando-se com os
elementos visíveis e invisíveis, objetivos e subjetivos, psíquicos e sociais, políticos e
econômicos que operam e interferem de algum modo no contexto de trabalho. A organização
do trabalho, é entendida como o “cenário” de atuação dos trabalhadores, pode ser definida como
representações relativas à natureza e divisão das tarefas, normas, controles e ritmos de trabalho.
De forma a gerenciar, controlar e impor ritmos de trabalho, presenciamos a inserção do
toyotismo, exigindo mais eficiência e agilidade do trabalhador. Por outro lado, a lógica
taylorista exigia que o trabalhador fosse controlado por outro. Nos dias atuais, há ainda uma
constante demanda pela melhoria dos processos de trabalho, pela inovação, pela mudança, pelo
fazer melhor, pelas boas práticas, pelo alcance do lugar de destaque. Ocorre a precarização
subjetiva, colocando o trabalhador em um estado de vulnerabilidade e de não-saber. Os

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principais efeitos do processo de precarização giram em torno de: mecanismos de intensificação
do trabalho, com consequente aumento do sofrimento dos sujeitos; enfraquecimento de ações e
movimentos coletivos contra a dominação e sofrimento no trabalho.

3. CONCLUSÃO
O trabalho em nossa sociedade tem um papel importante e, quando pensamos sobre essa
importância, conseguimos atribuir ao trabalho um lugar de subjetividade, o que nos dá espaço
para pensar nos efeitos sobre a saúde e também nos modos de adoecer dos trabalhadores.
A obra de Dejours é um divisor de águas no que tange a Psicopatologia do Trabalho,
ele consegue trazer as questões que podem ser tratadas em diversos aspectos quando falamos
de sofrimento no trabalho. Falar sobre esse sofrimento é falar da realidade de todos os
trabalhadores e da prática profissional do Psicólogo, tanto dos psicólogos em um espaço
organizacional, quanto aqueles psicólogos que atendem a essas demandas com seus pacientes.
Modificar a organização do trabalho não seria suficiente, o importante é chegar a raiz
destas questões. E essas questões estão no sistema, que vai abranger a parte econômica e a
forma de pensar contemporânea. Áreas como essas deveriam ser afetadas para dar lugar a novas
formas de pensar o mundo e assim pensar a forma de se trabalhar diferente.

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4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho. v. 5a ED
DIAS GUIMARÃES JUNIOR, S.; RIBEIRO DE OLIVEIRA, V.; ASSUNÇÃO MATOS, A.
Precarização do trabalho e efeitos subjetivos: interlocuções entre práticas de pesquisa.
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FLÁVIA CICERO CONDE, A.; MANOEL MENDES CARDOSO, J.; LEANDRO KLIPAN,
M. Panorama da Psicodinâmica do Trabalho no Brasil entre os Anos de 2005 e 2015. Gerais:
Revista Interinstitucional de Psicologia, v. 12, n. 1, p. 19–36, 2019.
GOMEZ, V. A.; CHATELARD, D. S.; ARAUJO, T. C. C. F. DE. Clínica do Trabalho:
Contribuições da Psicanálise para o Exercício Profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, v.
41, n. spe2, 2021.
KOLHS, M. et al. Psicodinâmica do trabalho: labor, prazer e sofrimento. Revista Eletrônica
Acervo Saúde, v. 10, n. 3, p. 1719–1726, 2018.
MARQUES, G. DA S.; GIONGO, C. R. Trabalhadores bancários em sofrimento: Uma análise
da literatura nacional. Revista Psicologia, Organizações e Trabalho, v. 16, n. 3, p. 220–235,
2016.
MOURÃO, L. Sofrimento no Trabalho e a Atuação de Psicólogos em Diferentes Contextos
Laborais. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 41, n. spe2, 2021.
RODRIGUES, P. F.; ALVARO, A. L. T.; RONDINA, R. Sofrimento no trabalho na visão de
Dejours. Revista Científica Eletrônica de Psicologia, v. Ano IV, n. Número 7, 2006.

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