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PSIQUIATRIA

LAWRENCE
/CLÍNICA
C, RC,LB
Esta 14 ediçúo em português é traduçao e adaptaçúo da 80 ediç{o do original
Modern Clinicai Psychiatry, by Lawrence C. Kolb
Copyright @ 1973 by W. B. Saunders Company

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"Os medos que conhecemosBAOde n'O
Capítulo 24 conhecerm
w. R. Auaen

Neuroses

As psiconeurosescompreendem um grupo meiras etapas do desenvolvimento.Em


de distúrbios da personalidade freqüentemen- cas palavras, eles representam seja umapou-
te descritoscomo sendo um grupo intermediá- re-
gressão a um mais primitivo tipo de conduta
rio ou aquele que constitui um traço de co- mais gratificante, ou a um fracasso no
nexão entre as várias estratégias adaptativas senvolvimento, pela fixação em de-
um nível
inconscientes utilizadas em do
média pelo psi- desenvolvimento que certamente foi
quismo, até o ponto extremo daqueles outros inapro-
priado e inadequado em face das responsa-
métodos desorganizados que se observam nas bilidades da vida ulterior. As adaptações
psicoses. neu-
róticas nunca são totalmente satisfatórias,
L As desordens psiconeuróticas
da persona- uma vez que secundariamenteelas
conduzem
lidádé surgem de um esforço para lidar com a sentimentos de inadequação, vergonha
os problemas psicológicos específicos internos culpa. Nas
e
psiconeuroses, portanto, os fenó-
e privados e com as situações de stress que o menos clínicos sintomáticos em geral, não sio
paciente é incapaz de dominar sem tensão ou significativos
por si mesmos, mas tão-somente
por meio psicológicoperturbado, causados pe- indicam que a ansiedade produzida por situa-
Io surgimento da ansiedade.Muitos consideram ções significativasestá perturbando o pacien-
o estado afetivo da ansiedade como a fonte di- te. Embora os sintomas observados nas
psico-
namica comum das neuroses. Os sintomas neuroses sejam descritos neste capitulo,
essas
dessas desordens consistem se¯jana manifes- desordens mentais poderão ser mais bem com-
taçao da ansiedade, diretamente sentida e preendidas sob um ponto de vista sintomáti-
expressa, ou no esforço para controlá-la por co. Muitas vezes, é verdade, o sintoma pode
meio de defesas tais como: a conversão,a fornecer indícios da natureza do problema
sub-
dissociação, os deslocamentos, fobias ou atos jacente, mas a compreensão da neurose
depen-
e pensamentos repetitivos.
É muito comum de do reconhecimento do inconsciente e do
que a repressão, tendo como suporte úteis for- propósito neurótico a que ele serve.
mações reativas, socialmente aceitas, impossi- A forma das neuroses é amplamente de-
biliteo indivíduo de manejar confortavelmen- terminada pelo tipo de medida defensiva que
te os sentimentos e situações que tendem a o paciente emprega para controlar a ansieda-
criar a ansiedade. Nas psiconeuroses,entre- de. Poucos pacientes, relativamente, limitam-
tanto, a repressão nunca é suficientemente se a um simples tipo de medida defensiva.
completa para prevenir ambas as coisas, o sen- Muitos psiconeuróticos, por isso, mostram tra-
timento e as manifestações de ansiedade as- cos mistos. Os sintomas dos pacientes repre-
sim como a formação das técnicas repetitivas sentam a sua reação defensiva, ante uma si-
inconscientes de controle.Estes sentimentos e tuação produtora de ansiedade, que ele con-
manifestaçõesde ansiedadeou os métodos de sidera imanejável por outros meios. Obser-
adaptação (defesas) constituem os sintomas vando a forma que elas podem assumir, é pos-
das neuroses. sível agora compreender que os sintomas neu-
Os métodos de adaptação utilizados por róticos do paciente são inteligíveis somente em
aqueles que sofrem de psiconeurose, acrescen- termos psicológicosou, melhor, em termos psi-
tado a isto o seu caráter repetitivo e imutá- cobiológicos.
vel,são consideradoscomo os representantes As relações entre os conflitosemocionais
dos traços psicológicos,afetivos e do compor- e as situaçõesperturbadorase a perturbação
tamento, os quais foram satisfatóriosnas pri- do funcionamento da personalidadenão são

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NEUROSES 377
conhecidas pelo paciente.
pode, sem nenhuma Por exemplo, ele mente organizada. as psiconeuroses,as expe-
razio aparente e sem um
conteúdo ideativo, riências internas nio transtornam o compor-
desenvolver um ataque de tamento exterior em grande extensão ou de
ansiedade, uma reaçio
multidão ou a ansiedade do tipo de pânico de uma forma anormal, assim como ocorre nas
abertos. Outras vezes, sentida nos espaços psicoses. No indivíduo psicótico, a capacidade
sem
mento de suas funções nenhum reconheci- de discriminar a experiênciasubjetiva e a rea-
çio, o paciente pode superficiaisde prote- lidade pode estar muito prejudicada. No in-
que indica um escape apresentar uma invalidez divíduopsiconeurótico,não há grave interfe-'
Outro paciente pode das situações difíceis. rência com os testes da realidade; o ego per-
te persistência de umexperimentar a recorren- manece sintónico e se há alguma evasão da
horrível ou repugnante realidade ela é parcial e, em termos de com-
pensamento ou sentir uma
ção para a repetição,ou repentina imposi- paração,ela é feita muito pouco às expensas
de atos com aparência para a representação da personalidade. Como assinala Freud: "O
para desviar a ansiedade.ritualística que servem neurótico não nega a existência da realidade,
os desejos hostis podem A agressividadeou ele simplesmente tenta ignorá-la; o psicótico
tomar-se
çadores que o paciente tem que tão amea- nega a realidade e tenta substituí-la por al-
gum mecanismo neurótico para empregar al- guma outra coisa."
Estas defesas muitas
manejá-los. O psicótico cria um novo ambiente ao qual
vezes estorvam tanto o
ego que elas se tornam onerosas
ao
ele atribui as forças e propriedadesda rea-
Muitas pessoas que apresentam esta paciente.
varieda- lidade. Ele pode distorcer ou falsificar a rea-
de de sintomas, e que são conhecidospelo lei- lidade na forma de um delírio ou das aluci-
go com termos tais como "inválidos nervosos", nações. O ambiente do psiconeurótico perma-
sofrem de desordens psiconeuróticas.O termo nece imutável, ainda que certos elementos
"nervoso" é eufemísticoe evasivo, uma vez que, possam est4r investidos de valores afetivos
de fato, não há distúrbiosfisiológicosdo siste- anormais. O pensamento no psicótico pode ser
ma nervoso. Cada caso é um problemade di- dereístico, um tipo de pensamento que não
namica emocional. acontece com o psiconeurótico. O conteúdo do
pensamento no psiconeuróticopode estar tem-
porariamente restrito por causa das idéias pre-
Psiconeuroses Versus Psicoses valentes; no entanto, uma verdadeira forma-
çáo delirante não aparece. As associaçõeses-
Têm sido sugeridos muitos critérios para tão freqüentemente perturbadas no psicótico
diferenciação entre as psicosese as psiconeu- e nos psiconeuróticoselas não estão danifica-
roses. As grandes variações nestes pontos de das. Os desejose os motivos são freqüente-
vista, indicam que eles são superficiais. Alguns mente projetados pelo psicótico; mas, nos psi-
autores designam as psicoses como "reações coneuróticos,eles não são assim tão exteriori-
maiores" e as psiconeurosescomo "reações zados, ao ponto extremo de produzir delírios.
menores"; a distinção é feita pela extensão No psicótico, a repressão pode ser destruída, e o
do envolvimentoda personalidade. ego se torna tão diferente que ele tolerará os
De um modo geral, o diagnóstico de psicose impulsos reprimidos ou as fantasias sem ne-
implica em maior severidadedo distúrbio da nhuma crítica, ou então fracassa em reconhe-
personalidade, em relação ao que ocorre nas cer que elas surgem dele mesmo. Nas psiconeu-
psiconeuroses. As defesas psiconeuróticas con- roses, a repressão parece ser mantida, mas
tra a ansiedade são amplamente substitutivas sernunca um material reprimido retorna, a não
ou simbólicas; as defesas psicóticassão mais
numa forma distorcidaque é aceita pelo
ego.
severas e de grau mais extremo,regressivase
totalmente desligadas da realidade. Existem A conação pode estar profundamente per-
diferenças nos vários aspectos do aparecimen- turbada no psicótico, mas somente em ligeiros
to destas reações com relação à integridade graus ela aparece como sofrimento do psico-
da personalidade. 8as psicoses,a distorção ou neurótico. No psicótico,as mudanças de afe-
a desorganizaçãoda personalidadeé grande tos podem ser grandes e a labilidade afetiva
e o seu funcionamentosocial está altamente está freqüentemente diminuída, enquanto que
perturbado, enquanto que, nas psiconeuroses,a as modificações afetivas do psiconeurótico são
personalidade normalmente permanece social- leves e a labilidadeé mantida. Se há algum
378 NEUROSBS

sinal de depressão na psiconeurose,evidencia- Aqui sugere Kubie que o processo


se que isto está determinado por fatores am- tico envolve o indivíduo numa cadeia neuró
bientais e ela está acompanhadapor maior torção progressiva na qual o enfermode dig-
grau de insight e por uma ausência de retar- redado e apanhado de uma maneira é en_
dação. O psiconeurótico normalmente perma- tiva por pulsões inatingíveis. Quando contli-
nece com os seus interesses voltados para o cesso vai mais longe e a ele ac este pro-
mundo externo e é sensivel a mudanças na os sintomas que são também rescentam-se
conflitantes e
irreconciliáveis, o indivíduo torna-se
estar perdido. O psiconeurótico conforma-se vel à desorganização do ego ou à vulnerá-
psicose.Assim
mais facilmente com as normas sociais em o sujeito pode ficar preso a um
seus relacionamentos; ainda que a regressão ambicioso impulso para o êxito e conflitivo
o desejo e
no psicóticopossa ser extrema, ela não é um ser cuidado. Muito pouco gratificado de
importante mecanismo no psiconeurótico que área ou tentando secundariamente numa
nunca, se a consciência é clara, regride ao es- ódio, o paciente pode então elaborar, reprimir o
tágio infantil de lidar com seus excrementos. jugado pela ansiedade e desenvolverser sub-
Em termos gerais o psicótico não reconhe- vamente fobias contraditórias no sentido sucesst-
ce que está doente e, por isso, não tem nenhum eliminar os desejos originais. É nesse de
desejo de mudança de seu estado subjetivo. O que pode resultar a regressão psicótica. sentido
psiconeurótico, de modo geral, pelo contrário,
é capaz de sentir com precisão o seu sofrimen-
to subjetivos e deseja conscientemente ficar Classificação das Desordens
bom, ainda que seus desejos inconscientes mais Psiconeuróticas
fortes contradigam isto.
O psiconeurótico, especialmente o histéri- As desordens psiconeuróticas são classifi-
co, freqüentemente explora seus sintomas pa- cadas como se segue:
ra o "ganho secundário", enquanto que o pa- Ansiedade
ciente psicótico não adquire nenhum ganho Histéricas
secundário de sua doença. Tipo de conversão
Não há limites precisos entre as psiconeu- Tipo dissociativo
roses e as psicoses maiores. Elas emergem Fóbica
umas nas outras, através de estágios interme- Obsessivo-compulsiva
diários que mal se percebem. As diferenças são Depressiva
puramente descritivas e uma questão de graus. Despersonalização
Enfatizar os fatores psicogênicos,num deter- Hipocondriaca
minado caso individual, pode conduzir a de- Outras
fesas e reações caracterizadas como psiconeu-
róticas e, em outra pessoa, classificadas co- Os assim chamados "tipos", não são entl-
mo psicóticas. Frequentemente uma reaçáo dades mórbidas em sua génese, seus mecanis-
que poderia ser classificada como neuróti- mos ou em suas manifestações.As psiconeu-
ca poderá, mais tarde, assumir uma forma roses podem ser vistas como sendo uma série
descritivamente psicótica. Isto não significa de vários tipos de reaçño que surgem de múl-
que um tipo de doença mental está sendo tiplos fatores causais, os quais variam de caso
substituídopor uma outra forma que é, fun- para caso. Quanto mais uma reaçio neuróti-
damentalmente, diferente por sua natureza. ca for cuidadosamente examinada, mais fre-
É de fato a opinião de alguns psiquiatras que qüentemente nós descobriremos que não há
se a história vital de um paciente que sofre uma clara e definida linha de demarcação en-
de uma psicose que não está associada com tre os vários tipos de neuroses. É raro, por
fatores orgânicos tóxicos for totalmente co- exemplo, encontrar uma histeria "pura" ou
nhecida, ela evidenciará sempre que preexis- uma neurose obsessiva "pura". Freqüentemen-
tia uma síndrome neurótica não tratada ou te as necessidades neuróticas mostram, em
inadequadamente tratada, de onde surge a vários graus, manifestações histéricas, obsessi-
psicose. vas, ansiedade e até mesmo manifestações psi-
Nos casos considerados como limítrofes, cossomáticas. Assim, uma conclusão definitiva
observam-se ambos os mecanismos, neuróti- em relação a um certo tipo pode ser dificil e
cos e psicóticos. arbitrária. Uma ansiedade não camuflada, por
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exemplo, ainda que seja o mais notável e ca- problemasda personalidade e da conduta.
racterístico sintoma do estado de ansiedade, Estes sintomas da infância podem ser vistos
é muitas vezes um importante quadro noutras como evidência de que conflitos específicos e
formas. Ê exatamente por isso que a distin- fatores situacionais produziram a ansiedade e
ção entre as psiconeurosese as psicoses não que eles podem induzir a sintomas neuróticos
está claramente definida, como também aque- ou a traços de caráter. É necessário, no en-
Ia entre as psiconeurosese muitos traços ca- tanto, não somente examinar o background
racterológicosda assim chamada "pessoa nor- infantil, as circunstâncias especiais pelas ci-
mal" que persistentementeutiliza-sede "pro- catrizes remanescentes da primeira infância,
cessos neuróticos" para desviar a ansiedade. mas também estar alerta para o descobrimen-
Quando os traços caracterológicosdo distan- to dos sentimentos de culpa, conflitos incons-
ciamento vão mais além da realidade eles são, cientes, para acontecimentos significativos da
na verdade, formações neuróticas reativas que vida, tensões e stresses recorrentes, cumulati-
servem como defesas. Os ajustes neuróticos vos, ligados a dificuldades de relacionamento
sindrómicos dos padrões da personalidade de interpessoal,e para os stresses diários da vida
um individuo estão relacionados com as técni- cotidiana familiar, inclusive os problemas ma-
cas que ele empregou em toda a sua vida para trimoniais e sexuais. O papel que cada um de-
o manejo de suas situações. sempenha no estabelecimento da distorção pri-
múria do processoneurótico,no aparecimento
secundário do estado de ansiedade, culpa e
Causas vergonha e as defesas terciárias de negar, de
acordo com o estilo de vida, através de de-
Quando investigamos as causas das psico- fesa sintomática, somente são compreensíveis
neuroses, concluímos que as emoções e os fa- através de um cuidadoso e detalhado estudo
tos significativos desempenham um papel pre- dos processos consciente e inconsciente da vida
dominante e em um sentido mais amplo,tal- de um paciente.
vez, um papel exclusivo. Freqüentemente o
psiconeurótico, desde os primeiros anos de sua É também muito importante considerar
imediata não são
vida, mostra traços de personalidade que estão que os fatores da realidade etiológicos,
tão profundamente enraizados no quadro in- sempre fatores fundamentalmente Freqüentemente
dividual que alguns autores referem-se a eles mas causas precipitantes.
como constitucionais. Provavelmente estes tra- vê-se que um
ajustamento superficial está
encobrindo tempestuosos problemas que já
cos são adquiridos em determinadas condições preexistiam, há muito tempo, sob a superfície.
que impressionaram o enfermo durante anos,
estando em restrita associação de dependên• Esta é a razão pela qual uma reaçáo neu-
cia com tais acontecimentos e com as relações rótica pode-se manifestar subitamente, seja
do indivíduo com vários membros de fami- na meia-idade ou, ulteriormente, na idade
lia. Muitos padrões neuróticos de reaçáo são avançada. Conseqüentemente, assim nos pa-
basicamente dependentes dos conflitos, senti- rece possível que o compulsivo e bem sucedido
mentos e atitudes que surgiram na infância; trabalhador de nossa cultura ocidental pode
por isso, para compreender uma neurose de ser erivolvido pela ansiedade e depressão em
um paciente, pode-se fazer a tentativa de co- face de uma aposentadoria obrigatória ou pela
nectar os sintomas presentes com uma deter- perda daquelas habilidades necessárias para a
minada situação infantil não resolvida.Pode- manutenção do seu desempenho.
mos concordar com Freud quando ele diz que Quaisquer que sejam os determinantes de
o analista trata da cicatriz e não lida com a suas personalidades, parece-nos que os indivi-
ferida aberta. duos especialmente sensíveis às tensões, e aos
Muitas vezes a infância do psiconeurótico conflitos da vida, sio pessoas que nunca, na
enfrentaram os seus problemas e são
foi caracterizada por distúrbios tais como so- verdade,
especialmente propensas a resolver suas ten-
nambulismo, terror noturno, enurese, distúr-
bios da fala, idiossincrasiasalimentares,delí- sóes, desejos e conflitos através de reaçóes de-
rio concomitante com ligeira elevação da tem- feituosas ou neuróticas. Ainda que a eficiên-
peratura, destrutividade, excitabilidade emo- cia de muitas pessoasseja diminuída, enfra-
cional, maldade, fobias, convulsões, timidez, quecida, pelas tendências neuróticas, muitos
trabalhos do mundo são feitos
roer unha e outros distúrbios encarados como dos melhores
NEUROSES
380

sultado disso, a defesa contra as


como uma expressão de desordens neuróticas. ansiedades
na forma dos sintomas neuróticos,é mais
arte
Isto acontece, particularmente, no caso da qüente na mulher que no homem. A fres
e da literatura. Vida pst
cossexual,com os seus inúmeros tabus
do desen- e
Em relação às causas imediatas dizer
trições sociais, é sem nenhuma dúvida o
pode-se
volvimento das psiconeuroses,
vezes,
fator etiológico, desde que seja neceúnico
que elas podem ser encontradas, muitas consjruir-se uma barreira defensiva em
na necessidade de reprimir, distorcer
ou des-
da expressãode uma força fundamental
lugar
ou
locar as emoções de hostilidade ou ódio daqueles desejos que seriam gratificantes ou
dependência, porque
os impulsos sexuais e de sendo assim, é desta maneira que surgem
eles emergeme conflituam com a ordem e a sintomas neuróticos.Os sentimentos de
os
paz da personalidadedo paciente. Estes e ou- culPA
as situações sociais ou as relações irritativas
nature-
tros fatores semelhantes que, por sua que distorcem a habilidade do ajustamento, o
za, produzem conflitos, criam a ansiedade, a casamento, com as suas novas responsabilida-
qual é a mais comum e a mais importante des são exemplos dos muitos fatores que
ansie- po-
fonte de desordens psiconeuróticas. A dem contribuir para uma neurose. No caso de
dade advinda de um superego muito severo
uma mulher casada, a insatisfação matrimo-
e exigente, talvez estimulada por uma situa- nial crónica e o desapontamento podem con-
cio externa, mobiliza as defesas da persona- tribuir para o desenvolvimentode uma psico-
lidade. neurose. Pode acontecer que o marido não dê
Como já indiquei, a maneira pela qual o provas de ser aquele companheiro ideal da ex-
paciente se adapta a sua ansiedade, que é al- pectativa da mulher, fracassandonas deseja-
como sendo o mais
gumas vezes Caracterizada das demonstrações de afeto,ou então o casa-
desprazeroso dos estados emocionais subjeti- mento pode ser um fracasso,no sentido de
vos e tenta mobilizaras defesas da personali- não ser aquele romance permanente que a es-
dade contra ela, determina o tipo de reaçao posa sonhou e desejou que fosse; a mulher
psiconeurótica.Se a ansiedade é sentida e ex- poderá negar tal insatisfação e somente terá
pressa diretamente, ela é uma ansiedade "li- conhecimento disso se ela enfrentar com fran-
vremente flutuante",não está ligada a uma queza as suas emoções. Em um outro caso, a
situação definida ou objetiva,fala-se então mulher está interessada em negócios ou na
que a neurose é um estado de ansiedade ou carreira profissional,e evita demonstrarqual-
uma neurose ansiosa. Se os desejos reprimi- quer interesse para um indivíduo do sexo
dos ou os impulsos causais da ansiedade são opôseoque a levaria ao casamento, deixa isto
"convertidos"em sintomas funcionaisdos ór- de lado, até que chega a uma idade na qual
gáos ou de partes do corpo, o quadro clínico as oportunidades para o matrimónio são in-
é o da histeria de conversão.Se a ansiedade freqÜentes. O sentimento de frustração e de
inunda e controla temporariamente o indiví- um certo vazio da vida pode levar a uma rea-
duo, o quadro clínico é de dissociação histé- cão heurótica. Outra causa é o períodoinvo-
rica,um quadro de estupor,fugas ou amné- lutivo,com as suas relutantes e conhecidas
sia. Nas neuroses compulsivas,o paciente con- implicações psicológicas que podem trazer a
trola a sua ansiedade por meio de uma ati- ansiedade, depressão ou a irritabilidade que
vidade repetitiva. Esta atividade ou ritual pro- facilmente se convertem em sintomas funcio-
tege o paciente contra as ameaças dos impul- nais.
sos reprimidos.Nas fobias,a ansiedade é con-
Noutra ocasião uma psiconeurosepode de-
trolada por causa da sua vinculação com algu- senvolver-secomo resultado indireto de uma
ma idéia ou situação e pelo deslocamento, doença física de longa duração. Em tais ca-
transformando-se no medo de algum objeto sos, a doença,
talvez uma doença grave, pode
específicoou de uma situaçãoque serve comc
ameaçar o sentimento de segurança do pacien-
símbolo disto.
te, compeli-loa suspender as suas atividades
As psiconeurosessão mais freqüentemente e os interessesmais estimados ou então com-
diagnosticadasna mulher que no homem e prometer a habilidade funcional do individuo
isto se deve, em parte, ao fato de exigir-se mais em seu nível anterior. Esses fatores podem es-
rigidamente da mulher a repressão das ne- timular uma ansiedade que anteriormente foi
cessidades biológicas e instintivas e, como re- manejada sem dificuldade.
NEUROSES
Muitas neuroses
se dos adultos
entre a adolescência desenvolvem-
tardia e os 35 passar do tempo, uma neurose
anos. complexa e irradia-se para muitos torna-se mais
fronta com os aspectos da
problemas
responsabilidades. Este dos ajustamentos e vida do paciente.
se estabelecem é o período
as no qual
ciais, económicas satisfatórias situações so- Prevalência
tes campos e sexuais.
importantes podem Frustrações nes-
conflitos e ansiedades conduzir aos Certamenteas psiconeurosessio as mais
próprios dos mecanis- encontradiças das desordens que afligem o
homem. A prevalência exata é incerta e isto
Os elaborados
medos que não têmdisfarces, inclusive aqueles definições
lidades imediatas e óbvia relação com as rea- várias atitudesque existem entre os psiquiatras, às
duta do neurótico que fazem com que a con- culturais em relação a certos
seja mais ou menos
preensível para ele incom- e os vários métodos utilizados para
os traços da condutamesmo e para os coligir os
outros são dados. Um recente
notam. Uma explicaçãoneurótica que mais se glesa, feito por Taylor estudo em uma cidade in-

duta aparentemente razoável para a con- que em 330 por mil e Chaves, demonstrou
ininteligível será dada mas dos residentesos sinto-
quando a sua psicodinâmica neuróticos foram insuficientes
observamos também é estudada. Nós var o paciente para le-
que as síndromes a solicitar atenção médica. Oi-
ticas tendem a ajustar-se neuró- tenta e um por mil
procuraramajuda do clí-
nos da personalidade, aos padrões inter- nico geral para tais sintomas,44 por mil
padrões estes já esta- ram fo-
belecidos e que se tornam atendidos por um departamento psiquiá-
cas que o indivíduo empregou aliados das técni- trico ambulatorial e
1,9 por mil foram admiti-
vida para manejar as suas em toda a sua dos ao hospital para um período de tratamen-
situações difíceis. to.Em vários estudos em
Em algumas reaçóes ambulatórios dos ser-
viçosdos hospitais gerais, assim como por in-
cularmente nos estadospsiconeuróticas, parti-
de ansiedade, o pa- formes da prática do médicogeral, vê-se que
ciente freqüentemente tem medo acima de 30 a 40 por cento dos pacientes que
uma doença física séria, ainda de que haja vieram para tratamento foram considerados
dos sintomas sejam, de fato, que as causas como tendo uma psiconeuroseseja como pri-
puramente psi-
cogênicas. Em tais casos é comum que meiro diagnóstico,
ou em conjuntocom uma
ciente não aceite a garantia de uma boao pa- outra doença. Um recente estudo de médicos
de física que lhe dá o psiquiatra a nãosaú- residentes,internos de um hospital na cida-
que o médico faça primeiro um cuidadoso ser
de de Nova York, descobriu que aproximada-
exame físico e se mostre aberto, convencido mente IO por cento dos pacientes examinados
e interessado naquilo que concerne
à possível na primeira visita referida pelos práticos ge-
existênciade uma doença física, como se isto rais tinham doença mental, psiconeurose ou
pudesse levar o paciente a aceitar o que foi desordens da personalidade; provavelmente a
estabelecido pelo médico, quanto a não haver grande maioria era psiconeurótica.
uma base orgânica para os seus sintomas. Po-
der-se-ia enfatizar, no entanto, que o diagnós-
NEUROSE DE CARATER
tico de psiconeurosenão pode ser feito mera-
mente pela exclusão dos fatores orgânicos; Ainda que os esquemas oficiais de classi-
ele somente pode ser feito quando positiva- ficaçãodas neuroses designem as subvarieda-
mente se descobrem fatores da esfera psicoló- des em termos de
defesas psicológicaspredo-
gica suficientemente pertinentes para oferecer minantes, geralmente reconhece-se pela prá-
uma explicação lógica para os sintomas. Evi- tica psiquiátricaque cada paciente psiconeu-
dentemente isto será encontrado pelo estudo rótico tem uma estrutura de caráter distinta.
da personalidade do paciente, objetivado por Esta estrutura caracterológicahoje é usual-
uma análise do quadro que se apresenta e uma mente designada como neurose de caráter.
reconstrução da seqüência das experiências Serve como meio de conter a ansiedade,de
psicológicas que influenciaram o desenvolvi- reprimi-la naquele movimento contínuo de
mento da personalidadee a sua estrutura. individuo em sua transação interpessoal.Este
Com freqüência nós observamos que, com o caráter é traído pelas atitudes mais ou menos
382 NEUROSES

fixas, afetações e maneirismos e uma porção soquistas,constrangidos ou inibidos


na defesa
de traços parasitários variáveisdo relaciona- de seus dotes, ou então insistentesem
mento do individuoconsigomesmo e com os rigidos de conduta sob a qual está meios
uma apa-
outros, assim como pelos afetos profundos rente busca de um objetivo irreal ou
arraigados que foram mantidos pelo individuo tico.Alguns deles são compulsivamente
idealis-
desde a sua infância. Estas manifestações ca- gidos para a atividade, outros para uma diri-
racterológicas das neuroses são percebidas repetida de auxílio para o seu estado busca
de an-
com dificuldade, a não ser que se tenha opor- siedade através de meios sensuais,
numa Ion-
tunidade de se relacionar com o paciente de ga série de esforços orais e sensuais.
A neces-
forma muito íntima e por períodos de tempo sidade de dominar, no sentido de
suprimir
por demais prolongados.Elas raramente são a ansiedade da insegurança, pode ser expres-
o assunto da queixa no período em que o psi- sa no impulso de acumular riqueza ou posi-
coneurótico se apresenta para o exame; no ção, em exceder os outros no dar e no des-
início ele expõe os seus problemas em termos pender ou superavaliar coleções de fatos
dos prováveis sintomas que expressam a an- idéias.
siedade ou as defesas psicológicascontra ela; Hoje nos centros onde os conhecimentos
sua família, os amigos íntimos e aquelas
de psiquiatria dinâmica são muito divulgados
outras pessoas que o vêem freqüente e re- e inúmeros psicanalistas são úteis, um
gularmente, reconhecem a rigidez e as pe- número
crescente dos indivíduos com psiconeuroses
culiaridades de sua conduta, que constitui a se apresenta para tratamento dos distúrbios
fachada neurótica ou o caráter. Alguns traços de caráter, antes das dissoluçõesdas defesas
caracterológicos servem para descarregar as do ego e a emergência franca dos sintomas
pulsões ou os impulsos, enquanto que outros psiconeuróticos.
são reativos. Os últimos são algumas vezes
referidos como "armadura caracterológica", a
qual protege o indivíduo contra o despertar REAÇôES ANSIOSAS
dos conflitosatravés das suas atitudesde ne-
gar ou atitudes de oposição. Como previamente indiquei, a ansiedade
pode ser descrita como uma dolorosa dificul-
As situações ambientais que a personali- dade mental, um estado de muito alta tensão,
dade encara com uma intensidadeou duração acompanhado de um inexprimível temor, um
não usual ou com inesperadasexpressõesde sentimento de expectativa apreensiva.Pode
stresses são aquelas que rompem a "armadu- surgir em qualquer situação que constitua uma
ra caracterológica" do ego. Daí então a per- ameaça à personalidade. A emergência do
sonalidade responde com uma expressão aber- material reprimido é particularmente capaz
ta de sintomas reconhecidos nas várias neuro- de produzir ansiedade. A ansiedade pode sur-
ses. gir, por exemplo, quando as próprias exigên-
Certas personalidades neuróticas, com cias de segurança da personalidade estão
são descritasno
suas atitudes características,
ameaçadas pelo perigo da ruptura da repres-
sio dos desejos sexuais proibidos, ou então
Capítulo 6, como, por exemplo, a personali- tentativa do indivíduo se des-
surge naquela
dade histéricae a obsessiva.Em algumas fi-
xações neuróticas de caráter nós vemos a
viar da solidão pela dependência ou por emo-
ções inconscientes hostis e agressivas. Noutras
atuação de típicas dependências excessivas
ocasiões a ansiedade, com suas apreensões
ou a submissão a outrem e muitas surgem de
obsessivas, pode surgir associada com as frus-
um sentimento permanente de insignificân-
traçóes ou com os dilemas que surgem diante
cia pessoal,o qual leva à supervalorizaçãodos de algum problema maior da vida, relacionado
outros. A atitude autodepreciadora acompa- com tópicos tais como o ajustamento voca-
nhada às vezes de demandas de afeto e apre-
ciação, representam uma forma deste caráter. cional, sexual ou matrimonial.
Outros podem demonstrar a sua defesa em Em outras reaçóes psiconeuróticas, algu-
repetitivase persistentestendências a des- mas formas específicas, auxiliares, de meca-
confiar de seus companheiros ou dominá-los, nismos psicológicosde defesa são idealizadas
ou em insistirna sua auto-suficiência;por para controlar a ansiedade. Nas reaçóes an-
isto eles se destacam. Outros caracteres são siosasno entanto,não há taismétodos espe-
aqueles dos indivíduos auto-sacrificadores ma- cíficos de defesa. A repressão, por si só, não
NEUROSES 383

é suficiente para controlar a ansiedade. Como pânico com duração de poucos momentos até
resultado disto, a ansiedade, não sendo deslo- uma hora. O paciente queixa-se de um rá-
cada como no caso das reaçóes fóbicas, nio pido batimento cardíaco, palpitações, descon-
sendo "convertida" em sintomas funcionais, forto precordial, náusea, diarréia, desejo de
como no caso da histeria, não sendo descarre- urinar, dispnéia e uma sensação de abafamen-
gada por meio de uma grave desorganização to ou sufocação. As pupilas estão dilatadas, a
da personalidade, tal como a dissociação, fuga face ruborizada e há sudorese; o paciente
ou amnésia e não sendo automaticamente apresenta parestesias e tremores, sente verti-
controlada por um pensamento ou ato repe- gem ou desmaio e freqüentemente tem uma
titivo, permaneee difusa e incontrolável e, sensação de fraqueza e de morte iminente A
como resultado disto, o paciente fica em um inquietude e os tremores são agudos. Os me-
estado de constante expectativa ansiosa. Ê canismos de hiperventilação descritos talvez
por isso que a reaçio ansiosa é algumas vezes sejam a causa desses sintomas, na maioria das
considerada como sendo a forma mais sim- crises de ansiedade. Outras expressões fisio-
ples de neurose. lógicas da ansiedade aguda talvez ocorram
do siste-
Se a ansiedade difusa não é tão doloro- pela ativaçáo dos vários segmentos supra-re-
sa, ela pode ser expressa ou controlada atra- ma nervosoautónomo e da medula agudo de
vés de certos traços de personalidade. Os in- nal e suas secreções.Num ataquepode estar
divíduos que estão constantemente como que reaçâo ansiosa, o quadro clínico
Isto
"cercados ou sitiados" pela ansiedade são ca- matizado por uma situação traumática. das
racteristicamente tensos, tímidos, apreensivos, é bem ilustrado nó ataque de ansiedade
neuroses de combate.
sensíveis à opinião dos outros e facilmente se
embaraçam e se afligem. Muitas pessoas com O paciente que está sujeito a um ataque
tais sensações constantes de ansiedades são de ansiedade aguda normalmente sofre tam-
autodistantes, dadas a sentimentos de infe, bém de um estado crónico de ansiedade. Ele
rioridades, experimentam dificuldade em to- experimenta dificuldade de conciliar o sono,
mar decisõese são temerosos de cometer qual- é perturbado por pesadelos, sofre de tremores
quer erro. Comumente eles são escrupulosos, ou "estremecimentos" e queixa-se de uma sen-
superconscienciosos,ambiciosos e sentem que sação desagradável como se tivesse uma faixa
devem viver ou proceder de acordo com a au- apertada em torno da cabeça, ou de um aba-
to-imposição de pesados padrões. Ainda que Io ou "aperto" no estômago.Ele se sente au-
tais pessoas sofram aflições moderadas devi- sente, com a sensação de cabeça vazia e pa-
do à apreensão e aquelas outras tendências rece atormentado sem saber acerca de quê e
previamente descritas, a tensão de modo geral por quê. Ele queixa-se de que sua mente está
não é intolerável.Se, no entanto, a ansiedade constantemente atordoada e que não é capaz
Ele está
torna-se mais perturbadora, ela pode-se ex- de controlar os seus pensamentos.
pressar em sintomas tais como a apreensivo e tem medo de ficar só, ainda que
insónia, irritabilidade, inquietude, uma para- não deseje conversar. O paciente sente-se mui-
lisadora indecisão e distúrbios psicossomáti- to cansado para tentar alguma coisa construti-
cos, explosões de agressividade, va e continuamente procura uma explicação
crises de cho-
ro e sensação de inadequaçãoe inferiorida- física para os seus aflitivos estados mentais.
de, acompanhados, talvez, por uma atitude Os médicos, carecendo de uma apreciação
paranóide. Habitualmente o paciente com rea- dos fatores psicológicosda produção dos sin-
ções ansiosas sente-se cronicamente fatigado tomas, têm em certas ocasiões errado pela fa-
e se queixa de incapacidade de concentração. lha de reconhecer que os fatores precipitan-
Alguns expressam o medo de já estarem "fi- tes os quais induzem ao ataque de angústia,
cando loucos". são psicológicose não fisiológicos. Têm eles
diagnosticado estes estados como doenças do
CriSesde Ansiedade coração, tireotoxicose, hiperinsulinismo ou
desinsulinismo.

Somado ao estado crónico dé tensão e As reações ansiosas estão muito frequen-


leve ansiedade do paciente com neurose an- temente associadas com defesas fóbicas que
siosa, pode aparecer um terrível estado sub- são muitas vezes deixadas de lado. Não trata-
Jetivo agudo, como um estado exarcebado de do, o estado fóbico de ansiedade, freqüente-
NEUROSES
384
cilmente pelo método simples de pedir ao pa-
mente designadocomo "histeria de angústia", ciente para respirar fundo por um períodode
pode estender-se, seja com o desenvolvimen-
2 minutos, como está descrito no Capítulo 25,
to da ideação obsessivae o desaparecimento
isolamento sobre a síndrome de hiperventilação. Em se-
da reação aguda ansiosa ou a um guida as queixas somáticas podem ser cuida-
fóbica, o
progressivo, associado com difusão das ou negligenciadase o exame do coração
e iso-
estado de desamparo
a um
qual conduz não precisa ser repetido. O paciente não de-
lamento que simula uma regressão. verá ser levado a acreditar que a sua condição
entrada no hospital, quel-
patológicaé mais física que emocional,atra-
Uma mulher de 27 anos dá vés do uso de drogas, não é preciso aconselhar
xando-se de múltiplos medos. Ela se assustava demais
tinha medo de ir ao cinema repouso e nem ser o seu reasseguramento pes-
nas conduçóes ou ônibus,
Também tinha soal repetido a um grau que ele constante-
ou de sair de casa pa'a ag refeiçóes.as expectativas
medo de que n'O pudesse satisfazer de suas capa- mente necessite dele.
acerca
de sua mae, estava em dúvida era uma situaçLo O tratamento da neurose de base pode
cidadese dizia que o seu casamento
anteriormente do começar com uma tentativa de aliviar o so-
dificil e que ela havia 83 separado
seu marido por 18 meses.
Informou que o seu único frimento sintomático por meio do uso de hip-
ela apresen-
filho "molhava na cama". Além do mais, com palpi- nóticos ou tranqüilizantes menores. Estes me-
tava os sintomas de uma ansiedade aguda dicamentos por si só são suficientes, a não ser
cau-
taçóes, sudorese, vertigem e uma respiraç{o curta que a ansiedadeseja produzida por um transi-
sada pela síndrome de hiperventilaçúo.
tório stress social.
Com um breve questionário elucidamoe as infor-
maçóes acerca da sua mãe, a qual havia sido uma Ao mesmo tempo poder-se-á dirigira
na
batia atenção para se descobrir as irreconhecíveis
pessoa aborrecida, sódica, que gratuitamente
de
paciente e no seu irmáo quando eles deixavam fontes de ansiedade, para a ação dos fatores
um indivíduo man-
obedecer as suas ordens. O pai era psicodinâmicos, para os seus ajustamentos e
soe submisso e raramente ficava em casa. A paciente
foi uma criança quieta, obediente, embora
medrosa, para a reeducação, Menor atenção pode-se
habitualmentetímida e retraída, que sentia que devia dar ao ataque de ansiedade do que ao estudo
estar su-
sempre aquiescer aos desejos dos outros ou da personalidadedo paciente e às atitudes e
Seita as suas críticas e perdas de afetos. situaçõesque causam a frustração e a tensão.
O diagnóstico,neste caso, foi por muito tempo o Ainda que seja mais desejável uma análise
de neurose de angústia, associada com a síndrome de formal na neurose ansiosa grave, muitos pa-
hiperventilação e um estado fóbico. Os ataques de an-
cientes com casos mais leves podem ser aju-
Biedade ocorriam regularmente em situaçóes nas quais
o marido da paciente, a mãe ou mesmo o médico fa- dados pela psicoterapia no nível consciente e
ziam alguma coisa ou diziam algo que fazia despertar por uma discussão "face-a-face". Considera-
nela 0 medo da separação, associado com um desejo ções podem ser feitas acerca do significado
irado de vingança. Ela n'O podia permitir-se a si mes-
ma exprimir mais do que críticas e rejeições. Ainda dos sintomas, do papel das emoções, o stress
que os ataques de ansiedade quase tenham cessado das circunstâncias presentes e o efeito das ex.
ela não
após muitos meses de tratamento psiquiátrico, periêpcias passadas e rememoradas que estão
ficou inteiramente livre de seus sintomas, até decorri- moldando as atitudes atuais e os hábitos do
do um ano de Visitasregulares.
pensamento e das emoções. A demonstração de
uma correlação entre o tempo de apareci-
Tratamento mento da ansiedade e certos acontecimentos
precedentesda história vital do enfermo po-
Duas fasesde reação de ansiedadereque- dem trazer um suficiente esclarecimento para
— uma, o ataquede ansiedadeproduzir considerável alívio. Um desejo de
rem atenção
aguda, outra, a neurose ansiosa.Durante o violar os rígidos padrões auto-impostos pode,
ataque, a rapidez do pulso e a sensação de neste período, ser descoberto. Problemas se-
opressão e peso no coração levam o paciente xuais perturbadores,inclusivealguns quesur-
a acreditar que somente uma crise do cora- gem de falsas técnicas contraceptivas, podem
ção poderia produzir tal estado de aflição. ser ajustados. O paciente poderá ser encoraja-
Após ter sido feito um exame do coração e do a continuar os seus exercícios físicos e a
de outros órgãos e nenhuma outradesordem recreação. Se os estados de tensão crónica es-
física ter sido descoberta, o paciente poderá, tãoassociados
com doresmusculares no pes-
confidencialmente, serassegurado dequenão coço ou nos ombros, a fisioterapia é útil.
tem doença do coração. Freqüentemente, a Os meprobamatos, as várias fenotiazinas
rausadossintomas
podeserdemonstrada
fa- e os barbitúricos podem ser usados para pro-
NEUROSES 385
porcionaralívio dos sintomas crónicos da
an- evitava a exposiçãoda hostilidadee o medo
siedade.
da "retaliação" e lhe permitia reter o seu amor
Para os estados crónicos de ansiedade para com seu pai.
associadoscom fobias, juntamente
com as
psicoterapias dinâmicas, descritas acima,
em fensiva pela qual o paciente tenta lidar com
formw breve, recentemente têm sido feitas
tentativas de terapias do comportamento. sua ansiedade,destacando-a de uma idéia es-
Ambas são descritas nos capitulos finais pecífica,um objeto, ou situação de sua vida
do diária e deslocando-a para algum outro obje-
livro.Os estados de ansiedade de longa du-
ração,permanentes e incapacitantes,têm sido to associadoa ela, uma situação ou idéia, na
beneficiados com lobotomia pré-frontal quan- forma de um medo neurótico específico. Ainda
que o paciente conscientemente reconheça
do todas as outras medidas fracassam.
que não existe nenhum perigo real, se ele for
exposto a um objeto específico,simbólico, es-
REAÇÕES FOBICAS timulante da fobia, ou a uma situação, ele
estará sem forças e viverá a experiência com
Ainda que as fobias sejam os sintomas uma intensa
intensa sensação de medo. A
mais comuns na população de pacientes que sensaçãointerna de aflição e apreensão asso-
reconhecidamente sofrem de uma incapacida- ciada com os objetos e situações consciente-
de e invalidez psiquiátrica, a reação fóbica, mente temidas é derivada no momento atual
por si só, não é, relativamente, diagnosticada de outras fonteS — fontes das quais o pa-
com freqüência. Dados figurativosmostram ciente não tem conhecimento. A defesa contra
nos relatórios das clinicas psiquiátricas dos a ansiedade que surge desta fonte desconheci-
Estados Unidos que o achado é de aproxima- da é suprida pelos mecanismos de desloca-
damente 3 por cento. O fato de não se rela- mento e simbolização. Por estes meios, a ansie-
tarem freqüentemente as reaçóes fóbicas se dade é destacada de sua fonte real incors-
deve talvez à freqüente associação deste sin- ciente, tendências proibidas, impulsos, por
toma com a ansiedade e também à ocorrência exemplo— é deslocada para alguma situação
de sua associação com outros sintomas psico- ou objeto que habitualmente é simbolo das
neuróticos. As fobias, associadas com os seus tendênciase desejos ameaçadores.Uma gran-
dinamismos e o tratamento, serão discutidas de variedade de fobias tem sido descrita.En-
na próxima seção. As fobias são duas vezes tre elas estão o medo da sujeira, de bactérias,
mais comuns entre as mulheres que entre os de certos animais, de viajar em certo tipo de
homens. veículos. Muitas delas são denominadas com
Comomencionei na seçao anterior deste palavras gregas como agorafobia, o medo dos
capítulo, as fobias estão presentes em um espaços abertos, ou claustrofobia, o medo de
grande número de pessoas cronicamente espaços fechados. Uma claustrofobia pode,
apreensivasque sofrem de ataques de ansie-
por exemplo, impedir que o indivíduo ocupe
um beliche de um vagão-leito.
dade. Esta tríade de sintomas, em certa época
tão bem descrita por Freud em seus escritos Quandoexpostoa uma situação especifica
originaissobre a neurose de angústia, foi de- que evoca o seu medo, o fóbico experimenta
signadahisteria de angústia. Foi no estudo do desmaio, fadiga, palpitações, sudorese, náusea
"pequenoJoão" relatado em "Análisede uma e tremor. Este é o típico ataque de ansiedade
Fobia de um Menino de 5 Anos" e sobre ele aguda que habitualmente é expresso na hi-
que Freud deixou patentes os elementos da perventilação.Ele pode ficar incapaz de con-
compreensãopsicodinâmica das reações fóbi- tinuar com os seus afazeres e sentir-se assal-
cas. Freud interpretou o medo de Joãozinho tado de pânico. O enfermo pode controlar a
sair à rua por temer que um cavalo pudesse sua ansiedade se ele evita as situações ou os
mordê-lo como um deslocamento do medo que objetos fóbicos.Se o paciente é levado a exe-
tinha do seu pai. Este medo levou Freud a cutar a atividade temida, inconscientemen-
deduzircomo tendo por origem a expectativa te, significa para ele que está executando
de punição ou castigo por causa da hostilidade aquelas atividades proibidas que fazem surgir
do menino em relação ao pai em
inconsciente a terrível ansiedade. Ele também pune cons-
sua competição com ele pelo amor da mie. tantemente a si mesmo por suas tendências
Daí o deslocamento do medo ao cavalo, o qual inconscientese os seus impulsos por meio de
386
NEUROSES

im- estão à beira de algum sucesso pessoal.


angustiantes restriçõese dos sofrimentos
tarde um desvio parcial do sucesso competi-
postos por sua fobia. tivo pode ser seguido por um período de rea-
Um componente importante da reação fó- çáo depressiva como um substituto da ansie-
bica é o padrão da anulação ou fuga. Ainda dade que poderá acontecer no momento
que o fato de se evitarem as situações, pes- que uma posição desejada é conquistada.
soais e idéias temidas permita um controle A defesa contrafóbica, ainda que seja
parcial da ansiedadee por um certo período aparentemente muito diferente da conduta de
de tempo possa afastar o medo, a anulação fuga ou de anulação do enfermo fóbico co-
fóbica freqüentemente fracassa e o paciente mum, traz consigo também uma relação di-
apresenta uma incômoda e aflitivaansiedade
além dos medos. Então nâmica. Neste caso o paciente tenta dominar
em outras situações,
o deslocamento é generalizado para novas si-
a sua ansiedade pela confrontação repetitiva
alguns com um objeto fóbico e, se for bem sucedido,
tuações e envolve fobias adicionais. Em
enfermos a generalizaçãoda reação fóbica gradualmente evolui para a repetição grati-
está tão intensamente propagada que as suas ficante A bravura compulsiva e sem sentido
atividades tornam-se circunscritas a poucos a distingue da confrontação livrede ansieda-
quartos e eles se tornam socialmente isolados. de.

Em termos de diagnósticodiferencial,
as
A manutenção da fobia depende, muitas
fobiaspodem ocorrerem associaçõescom mui-
vezes, dos ganhos secundários obtidos através
tos outros sintomas e síndromes psiquiátricas.
do controle que os sintomas podem exercer
Estes são discriminados dos pensamentos
sobre aqueles com quem o paciente vive. A
obsessivos pelos estados afetivos que estão a
esposa fóbica, então, deixa a sua vida do lar
eles associados. Nas fobias a afetividade é an-
somente na companhia do marido e, somente
siosa com culpa obsessiva. Muitos adultos so-
com o riscodo aparecimento de um ataque de
frem de medos menores de uma certa natureza
ansiedade,ele pode deixá-la só. Este é o emocional que podem transitoriamente,impe-
aspecto da reação fóbica que é tão conspícua
dir,mas não afetar sua função social.De
na fobia à escola das crianças, que requer tra-
acordo com Marks, podem-se classificaras
tamento para as pessoas ccmprometidas na
fobias do adulto naquelas relacionadas com as
simbiótica perpetuação dos sintomas.
situações externas, das quais a síndrome ago-
O doente fóbico freqüentemente vem de rafóbica é a mais comum e a mais aflitiva,
uma família na qual a mãe é cheia de medo ou naquelas resultantes das situações inter-
da sua própria agressão, é ela mesma fóbica nas. A síndrome agorafóbica relaciona-secom
e incapaz de ter uma conduta exatamente de os estados irracionais e repetitivos de apre-
conformidade com isto,exceto através de ati- ensão e ansiedade, iniciando-se na vida adul-
tudes de insistência aborrecida para com as ta, relacionada ao medo de entrar em lugares
crianças e até mesmo para com o pai. Se o públicos ou de sair sozinho. Estes estados são
pai se conforma abertamente com as insistên- sujeitosa tratamento com psicoterapias di-
cias fóbicas da mãe, ainda que pareça firme, namicas e do comportamento. Alguns autores
algumas das crianças podem tornar-se fóbi- informam que eles podem ser aliviados por
cas desde que isto se torne a adaptação do- meio de uso de medicações antidepressivas.
minante de controle.As associações simples
As fobias do estímulo interno, relaciona-
são consideradas por muitos como aquilo que
das com supostas doenças tais como o câncer,
determina a escolha do objeto fóbico e para doenças do coração, doença venérea e outras
o qual ocorre o deslocamento.A teoria psica- semelhantes,muito frequentemente têm um
nalítica, entretanto, sugere que a escolha do caráter obsessivo e são descobertas nos
objeto fóbico é feita na base dos seus signifi- estados
neuróticos hipocondríacos ou como
cados simbólicos. sintomas
da esquizofrenia incipiente.
A fobia do sucesso é uma súbita expressão As fobias de animais são habitualmente,
desta reação. O homem ou a mulher com esta medos monossintomáticos incomuns
fobia, inconscientemente, temem que se
a "retalia- iniciam na infância antes da idade
cão" por causa das aspirações agressivas e so- dos 8 anos.
Marks afirma que os pacientes com tais con-
frem ansiedadenaqueles momentos em que dições fóbicas são diferentes dos pacientes fó-
NEUROSES 387
As fobias de animal,
bicosadultos. freqüente- seqüentes a este período. A diferenciaçáo en-
mente, respondem bem às técnicas conduti- tre uma amnésia organica e a dissociativa
dessensibilização,em contraste
vistasde agorafóbicas dos adultos. com será feita pelo fato de que o súbito retorno da
síndromes
as memóriaindica que a sua perda é dissociati-
va. O ataque da amnésia dissociativa é tam-
NEUROSES bém súbito.
As reaçóes dissociativas são caracterizadas
weaçóesDissociativas por sintomas mentais que envolvem os distúr-
bios da consciência.Estes distúrbios podem ser
Em certo momento a ansiedade pode em forma de estupor ou das várias formas de
inundar tanto a personalidade e desorganizá- "estado crepuscular". Freqüentemente os úl-
alguns dos seus aspectos ou funções
1a que se timos sugerem o delirium. Tais estados de de-
dissociados uns dos outros. Em alguns
tornam lírios psicogênicossão habitualmente precedi-
casos, a personalidade pode estar tão desor- dos de exposições a experiências emocionais
zada que os mecanismos de defesa gover- marcantes e consistem em estados oníricos
nam a consciência e a memória e, tempora- acompanhadosde um estado mais ou menos
riamente, até mesmo todo o indivíduo, com confuso,posturas e atitudes dramáticas e um
pequena ou nenhuma participação da parte excessivofluir de uma linguagem que parece
conscienteda personalidade. Em tais casos o sem sentido, mas na qual há referência de
paciente pode parecer psicótico. No passado experiências afetivas muito fortes. O delirium
as reaçóes dissociativas foram classificadas dissociativo, muitas vezes, representa, como
comoum tipo de conversão histérica. no sonho, a realização de um desejo ou um
CV a das reaçóes mais comuns estimula dramático reviver, na fantasia, de uma expe-
das pela ansiedade, defensivas e dissociativas, riência afetivamente traumática. A obnubila-
é a amnésia. O esquecimento é um expedien ção da consciênciae a presença de ilusões e
simples.Não é surpreendente, por isto,que as alucinações excluem a realidade do mundo
amnésiasobliterem ou apaguem as lembran- externo, pode falsificá-la de acordo com os
ças, particularmente períodos de tempo defi- motivos profundos e os desejos insatisfeitos.
nidos e circunscritos A amnésia dissociativa Ocasionalmenteum paciente enreda fantásti-
não é, no entanto, um mero esquecimento.
cas histórias. Tais casos representam, habi-
Ela é um processo ativo, um apagamento da tualmente, um esforço para prover romance e
consciênciadê fatos desagradáveis. Os perio- drama a uma vida desprovida de satisfações
dos de estupor ou os estados crepusculares emocionais.
podempreceder a amnésia, a qual tende en- Para serem diferenciados do delirio dis-
tão a tornar-se seletiva e limitada ao elemen- sociativo estão aquelas súbitas rupturas do
to particular ou à experiência que a evocou. funcionamento do ego que surgem de stresses
Entre as experiências que suprimem a habili- emocionais severos nas personalidades histé-
dade para levar à consciência os dados perti- ricas. Estas condições referidas como psicoses
nentes aos fatos, estão aquelas que envolvem histéricas são transitórias e raramente persis-
grande terror, como as da guerra, ou as que tem mais do que três ou quatro semanas. Ha-
encobrem períodos e atividades ou condutas bitualmente a erupção dessas experiências
relacionadascom a vergonha, culpa ou outras delirantes-alucinatórias agudas surgem dra-
emoçõesintensas. A maneira pela qual uma maticamente após um periodo de importantes
amnésiaexerce satisfatoriamente a sua fun- frustrações num relacionamento pessoal im-
ção protetora e/ou seu propósito de escape é portante. Muitas vezes os acontecimentos im-
demonstradapela maneira imperturbável pela portantes da ansiedade são ocorrências da
qual o paciente aceita a sua perda de memó- percepção de uma ameaça ou perda de um
ria.Muitas vezes, no entanto, as amnésias relacionamentoimportante e significativo, a
dissociativasapagam períodos longos da vida morte ou algum ato de agressão. Na análise,
do indivíduo ou até mesmo, algumas vezes, descobre-se que as experiências alucinatórias
toda a vida anterior do paciente. Em tais ca- e delirantes podem estar representadas pelos
sos, há uma reversão para um período mais familiares, preocupações ou persistentes ansie-
precoceda vida do paciente, com amnésia dades. Elas estão, como estabelecem Richman
retrógrada para aqueles acontecimentos sub- e White, sintonizadas com a família. A con-
388 NEUROSES

dição resolve-se rapidamente, particularmen- mática, inconsciente, incontrolável. Em certos


te se as forças dinâmicasda ruptura são tra- estudos recentes têm-se visto que o estado de
zidas à tona e o paciente é levado,através da fuga é precedido por depressão e que ele pode
interpretação, a compreendê-las.Ela deve ser ser visto como tentativa de desviar
diferenciada da esquizofrenia aguda. A perso- afeto. O modelo para um certo número deeste
nalidade do psicótico histérico não é esquizói- tados de fuga tem sido fornecido pela lesio
de e nem se evidencia a desordem esquizofré- cerebral prévia, com a resultante amnésia, ou
nica do pensamento. os estados amnésicos induzidos pelo álcool
ou
Noutras ocasiões, o "escape" psíquico pode as identificações com outros que sofrem de
ser feito sob a forma de uma fuga dissocia- reaçóes dissociativas.
tiva. Neste caso há uma modificação brusca
ou mudança no estado da consciência, duran-
te o qual -o paciente pode ser impelido pelas Síndrome de Ganser
forças inconscientes a executar complicadas
atividades que implicam, talvez, fazer via- Esta rara síndrome, com suas combina-
gens a longas distâncias. Neste periodo o pa- Góes do Cinstintivo, racional, propositais ele-
ciente pode parecer quase que normal a um mentos enganadores e conduta teatral, é
observador casual. Em alguns casos há uma uma alteração da consciência, aliada
perda da identidade pessoal. Na fuga o pa- simulação e aos estados oníricos dissociati-
vos. Nesta síndrome, primeiramente
ciente entrega-se a atos ou fantasias que es- des-
tão em conflito com o seu superego,e a fun- crita como uma ocorrência entre os de-
çáo da fuga é permitir levar a cabo estes atos tentos à espera do processo, o paciente
ou fantasias. Um mecanismode defesa adi- está numa situação que poderia ser resolvida
cional torna-se necessário e assim o paciente ou mitigada pela irresponsabilidade,desejos
tenta proteger o seu ego, esquecendoo seu inconscientes de o indivíduo parecer irres-
nome e a sua história passada, isto é, perden- ponsável, não tendo ele consciência disto e
do a sua identidade. Em muitos casos, não na qual realmente pode haver o desenvolvi-
há uma perda da Identidade pessoal, mas uma mento de distúrbios mentais. Muitos traços
notáveis desta desordem consistem em um in-
modificação nela. Em tais casos, o paciente
assume um nome falso e identifica-se, as- fantilismo, execuçõesridículas de atos simples,
sim, com a pessoa cujo nome ele toma. A dos quais a execução correta é inteiramente
suposição do nome falso está associada com as conhecida do paciente. As respostas do pa-
fantasias inconscientes responsáveis pela gê- ciente às perguntas são erradas, mas não tan-
nese da fuga. O. Henry apresentou um inte- to, e contêm uma óbvia relação com a per-
ressante quadro de uma fuga dissociativa em gunta formulada. Suas respostas mostram que
sua pequena história mal denominada Um ele compreende o significado das perguntas,
Caso de Afasia. Como Fisher* aponta, a fór- mas não atina totalmente com o assunto e
mula psicológicaé como se o paciente disses- só fornece respostas aproximadas — fenóme-
se: "Eu não cometi este crime porque eu não no conhecido como paralogia ou "Vorbeire-
sou/eu; eu sou uma outra pessoa." den". Então se perguntamos há quanto tempo
ele está no hospital, pode replicar assim: "Eu
Ao término da fuga o paciente pode ter cheguei exatamente agora, não foi?" Ou, se
uma amnésia completa da sua viagem até que perguntado sobre a cor da sua camisa, ele po-
a lembrança dela é restaurada através da derá responder dizendo uma outra cor e não
hipnose ou por outros meios psíquicos.
a cor correta. O propósito da conduta do pa-
O exame do paciente feito seja sob narco- ciente parece tão obviamente irresponsável
se com amital sódico ou por outros meios de que ele poderá parecer que está dqente. Des-
se averiguar os conteúdos mentais subcons- de que as circustàncias sob as quhis ocorre
cientes,habitualmente revelam os fatos emo- a síndrome de Ganser são tais que as van-
cionais pessoais que incitam um mecanismo tagens que poderiam ser obtidas pela inca-
de escape na forma de uma "retirada" auto- pacidade mental são muito maiores do que
aquelas obtidas pelas desordens fisicas, a rea-
* Fisher, C. : Amnesic states in war neuroses. The
ção tem lugar em termos da precedente e não
Psychogenesis of fugues Psychoanalytic Quart., 14:460,
da histeria de conversão.Comoem outras rea-
1945. çóes dissociativas, a proteção contra a total
389
NEUROSES
da si-
realização da sua situação dá ao paciente uma determinada por alguma característica
relativa liberação da ansiedade que de outra tuaçao a que se quer chegar.
maneira poderia ser intolerável. conscientemente
Se uma pessoa estiversintoma físico de
Em uma recente revisão de Whitlock dos simulando algum sinal ou o propósito de
casos relatados, mais um estudo adicional de algum distúrbio mental, com nós diremos
seis pacientes que considera como portadores atingir um objetivo particular,é necessário o
da síndrome de Ganser, sugere ele que po- que ela estava "fingindo". Não intentos, no
de-se ver com mais propriedade a condição reconhecimento consciente dos proposital.
como psicótica. Em muitos dos casos relata- entanto, para que a conduta sejasintomas pro-
dos a paralogiaxou"Vorbeireden"seguiu-se a Na histeria de conversão, os forma ou ex-
um traumatismo cerebral agudo ou apareceu porcionam ao enfermo algumaproblemas, sem
no curso de uma psicose de natureza esqui- tensão da solução aos seus
conhecimen-
zofrênica. Sua ocorrência tem sido notada que o paciente, em parte, tenha certo alívio
muitas vezes em pessoas que não estão pre- to, e fornece ao enfermo um situação per-
sas. Whitlock conclui que o elemento básico para a ansiedade envolvida na histéricossão
turbadora.Alguns fenómenos
é um distúrbio da consciência,o qual separa as rea-
a condição da pseudodemênciahistérica. Ele fronteiriços,marginais, e estão entre
Saber onde
restringe o diagnóstico aos pacientes que de- ções psiconeuróticas e a simulação. demar-
exatamente está delineada a linha deé, no en-
senvolvem obnubilação da consciência com pa-
ralogia seguida de trauma cerebral ou com
caçãoentre a simulaçãoe a histeria uma sú,-

tanto, algo arbitrário. Em ambasinconscientes.
reaçáo psicótica aguda, nas quais pode-se no- bita interferência de fatores propó-
tar alucinaçõesem um certo número de sin- Ambas estão relacionadas com algum que é,
tomas de conversão.A condiçãotambém pode sito definido, habitualmente protetor surpre-
terminar abruptamente. por sua natureza algo desejado. Não his-
pensamento
ende que a diferença entre o
REAÇOES DE CONVERSÃO térico, a realidade e a fantasia seja muitas
vezes vaga.
Numa reação de conversão,ua ansiedade,
ao invés de ser experimentada conscientemen- Causas
te,seja difusamente, como nas reações ansio-
sas, ou deslocada, como nas fobias, ela é "con- O fator imediato na produção de uma rea-
produtora
vertida" em sintomas funcionais dos órgãos ou çáo de Conversão é alguma situação
as fre-
de partes do corpo que são inervadas pelo sis- de ansiedade.Com exceção feita para
Os sintomas de
tema nervoso sensoriomotor. qüentes histerias traumáticas, verificamos que
conversãoservem para evitar ou diminuir al- as reações de conversãoda vida civilizada ten-
guma consciência,a sensação de ansiedade e em uma
dem a desenvolver-se certa persona-
habitualmente simbolizam o conflito mental lidade cujo "background" é caracterizado pela
subjacente que produz a ansiedade.A reação imaturidade nos campos psicossexuale emo-
habitualmente está ligada com alguma ne- cional.Os tipos mais comuns de personalida-
cessidadedo paciente e por isto ela serve não des sujeitosa expressar os sintomas de con-
versão são os tipos histéricos,mas aquelas per-
somente como uma defesa contra a ansiedade,
como também subministraalgum "ganho se- sonalidades com desordens do tipo passivo-
cundário" mais ou menos óbvioe fenómeno agressiva,assim como certos indivíduos obses-
discutido neste capítulo. Vistos um pouco di- sivos e esquizóides,também tendem a desen-
ferentemente, os sintomas histéricospodem ser volver tais sintomas. Por isso,hoje em dia, o
consideradoscomo uma expressão de um con- diagnóstico de "reação de conversão" não é
flito ou idéia em forma simbólica.Pode por sinónimo da designação de "personalidade
exemplo, "converter"um conceitomental em histérica", ainda que a maioria dos enfermos
um sintoma corporal significativo como a pa- com sintomas de conversão tenha tal aparen-
ralisia histérica de um braço, que exprime um te personalidade.
desejo de fazer um ato proibido,ainda que Aceitando o fato de que as reaçóes de con-
ambivalentementea sua realização seja im- versão ocorrem em muitos outros tipos de rea-
pedida. A forma do sintoma de conversão é ção da personalidade que não a histeria e ain-
390 NEUROSES

da aplicando critérios diagnósticos como se ricos, com as suas características


de per
deseja em termos da expressão dos sintomas
lidade imatura, raramente reagem
tais como aqueles exigidos por Woodruff,
peito, reverência, admiração ou piedade.
Clayton e Guze, ao estabelecer o diagnóstico exibem autodepreciaçio, remorso ou
isto é porque estas emoções pena,
de histeria eles encontraram uma prevalên- são as
cia de 2 por cento na populaçãofeminina em lhes dão o ganho de maior atenção que
melhor lhes dão um domínio ou
geral. desejado que
A puberdade é um período favorável para o seu ambiente. Estas são as sobre
característic
o aparecimento das reaçóes de conversão. O que muitas vezes fazem com que estas as
que se pode chamar de características psiqui- soas sejam pacientes "especiais"
nos h08P1.
cas normais deste período, muitas vezes são tais.
sinais que persistem na vida mental do adul- Os pacientes histéricos são
to que está sujeito à conversão. Os impulsos sugestionáveis e os seus sintomas
notadamente
tendem
amadurecidos, por exemplo, podem permane- mar a feição daquele período a to.
estágio in-
particular de
cer como que presos, detidos num suas vidas. Hoje, raramente se vêem
as
fantil do desenvolvimento,num estado para ticas posturas que foram comunsnadramá-
o qual contribui um fracasso para se atingir de Charcot ou a astasia-abasia das clínica
uma independência emocional dos pais. Os im- vitorianas. Elas são contudo,
mulheres
freqüentemente
pulsos, sentimentos e outros traços básicos da imitações de açóes ou incapacidades
vista ou da leitura. Se um paciente seja da
tema harmónico. Alguns indivíduos,apresen- for confrontado com alguma dificuldadehistérico
com uma situação desprazerosa e observa ou
personalidade, são basicamente pessoas hos- outra pessoa consegue evadir-se dela, que
tis e agressivas. este pa-
ciente de modo semelhante pode
Ainda que já tenha sido feita referência os mesmos sintomas como meio de desenvolver
ao tipo de indivíduo que parece predisposto à imitações de sintomas foram tãoescape.Tais
histeria, pode-se fazer uma menção adicional na Primeira e Segunda Guerra freqüentes
de algumas características da personalidade, foram feitas tentativas para se Mundialque
freqüentemente observadas nos histéricos. Mui- servação de seus companheiros
isolar da ob-
aquelessolda-
tas vezes pode-se ver que as evasões e os me- dos que haviam escapado do combate,
canismos da "retirada" estratégica foram ha- de incapacidades histéricas. através
bituais desde as primeiras etapas da vida. O
narcisismo,que tende a caracterizar a parada Na vida civil ordinária, desejos, esforços
e
do desenvolvimento da personalidade, torna- desapontamentos associados com a vida se-
a inclinada a uma exibição que é expressa, xual, especialmente na mulher, formam um
freqüentemente, no infantilismo e por•meios dos mais importantes grupos de experiências
dramáticos. As pessoas de tipo de personali- que produzem a forma maior da histeria. Os
dade histérica desejam uma gratificação ime- impulsos sexuais, ainda que muitas vezesati-
diata para os seus desejos, mas evitam o es- vos, podem fracassar no desenvolvimento em
forço para atingir o seu objetivo.Elas estão direçio a um objetivo natural e ser gratifica-
absorvidasconsigo mesmas, se ofendem com dos na fantasia e nos hábitos auto-eróticos.
bagatelas e são dependentes em suas atitu- Muitas vezes há uma mistura confusa dos de-
des; elas pedem simpatia e atenção e são da- sejos sexuais e aversões de sentimentos eró-
das a gestos suicidas. Tais atos não são feitos ticos e atitudes de pudor. Freqüentementeas
com a intenção de morrer. A ameaça ou o cho- fantasias eróticas contrastam com expressões
que da aparente tentativade morte servem conscientes de medo e repugnância em rela-
para obter atenção, para provocar simpatia cão à sexualidade.Entre os problemasque,na
ou provocar nos outros a submissão. Muitos mulher, podem fazer surgii• a histeria, estão
buscam nas doenças circunstanciais a piedade os acontecimentosde amores mal sucedidos;
e a compaixão. Tais pessoas exageram qual- ciúmes, advindos do casamento de uma irmã;
quer sintoma físicoreal e, até mesmo, precipi- o medo da gravidez; dificuldades no ato se-
tadamente, desenvolvem sintomas de nature- xual; ou um casamento infeliz. Muitas de tais
za única ou crítica. Obtida a atenção, as quei- mulheres são sexualmente frígidas.
xas do ganho secundário são comuns. Craig
As históriasdo desenvolvimento de tais
chamou a atençao para o fato de que os histé-
mulheres tornam evidentes as fontes da psi-
391
NEUROSES
teve algum signifi-
cossexualidade desordenada. Em contraste pode ter sido trivial, mas
paciente. Algumas ve-
com os conceitos anteriores de que a desordem cado especial para o pode ter alguma
resulta de distúrbios no período edipiano, ela zes a situação precipitante precedente.
ocorrência
semelhança com uma esclarecer qual foi
que é necessário
mento entre mãe e filha.Em muitos casos, a É por isto ambientais, no
mãe é claramente histérica, rejeitante, provo- o "setting", as circunstâncias
aparecimento da reaçao
o
cando aparecimento, na criança, de fanta- periodo de tempo do
qual era o es-
Sias retaliatórias que foram reprimidas. A de conversão e também saberneste período. A
mãe, muitas vezes é reconhecidamente nega- tado emocional do paciente precoces que
tivista em relação ao sexo, dependente e ape- natureza das experiências mais acontecimen-
gada a seu filho, para o qual tem ambições dão um significado especial aos do pacien-
especiais.O pai de tais pacientes é desajusta- tos precipitantes e a predisposição
mecanismo seleti-
do, reprimindo isto através seja do alcoolis- te para responder com um ser determi-
mo ou da passividade, e habitualmente é "eli- vo de conversão, somente podem muitas lem-
que
minado pela mãe". Esta situação familiar, for- nadas pela psicanálise, ainda estados hipnóti-
ca a criança a perceber a sua mãe ambivalen- branças possam emergir em
narcossíntese ou nar-
temente como "boa" ou "má" — muitas vezes cos ou nos estados de
"boa" no sentido de oferecer gratificação du- coanálise.
rante a doença, fixando padrões idealísticos
para a repressãosexuale a atividadeagressi- Sintomas
va. Ela, no entanto, é "má" na falta de ternu-
ra e interesse, exagerando os sentimentos de histéricos está
A natureza dos sintomas
ciúme e rivalidade na criança em relação ao vezes determinada por alguma neces-
pai e aos outros irmãos. O filho rejeita-se a muitas ou característica da situação que os
sidade útil
si mesmo, inveja o pai ou os irmãos do sexo
masculino, que ele considera receberem tra-
produziue o tipo de incapacidade mais
para satisfação daquele propósito inconsciente
tamento preferencial da mãe. Fixada à mãe, para os quais eles estão voltados. De modo
ainda que invejando o pai e os irmãos, a cri- geral, quanto mais turbulentas as subcorrentes
ança se mostra traquinas, apresenta enurese, emocionais e quanto maiores os distúrbios das
alteração da menstruação e, mais tarde, difi- forças impulsivas,tanto mais agudas e abrup-
culdades de aceitar o papel feminino, o qual tas as manifestações e maior a evidência
é demonstrado na frigidez, vómitos da gravi- da ansiedade.
dez, ou hostilidadepara com os homens. Em
Os sintomas físicospodem ser sensoriais
todas essas reações, os sintomas histéricos ex-
pressam simbolicamenteo conflito e a con- ou motores. Os distúrbios motores na histeria
fusão em relação com as identificações se- são vários. Em todos eles, a função está per-
xuais. turbada e demonstra modificações fisiológi-
No homem, as ameaças à auto-estima, ao cas ou anatômicas. As paralisias podem ser
sucesso económicoou à autopreservaçao, re- na forma de monoplegia, hemiplexia ou pa-
presentam, com mais freqüência, as situações raplegia,as quais ainda podem ser espásticas
ou flácidas.Reflexos profundos não estio au-
das quais o "escape" é feito através dos sinto- formas flácidas; eles podem estar
sentes nas
mas histéricos.Muitos homens são de perso-
exagerados nas formas espásticas,mas não há
nalidade imatura, com forte ligação de de-
um verdadeiroclonus ou um sinal de Babins-
pendência à mãe.
ki. Na hemiplegia, a paralisia dos músculos
Impressionantes formas de reaçóes histé- proximais é maior do que dos periféricos
ricas, tais como incapacidades funcionais e sendo neste sentido o contrário daquela que
sintomas com aspectos histriónicos ocorrem persiste na hemiplegiaorgânica; a perna, na
amplamente entre as pessoas jovens. Tais es- circunduçño,se arrasta ao invés de balançar.
tados histéricosacontecem durante ou após a Não há apreciável comprometimento das ex-
meia-idade, período no qual se estabelecem tremidades paralisadas. A manutenção das
mecanismos de proteção menos dramáticos e reaçóes elétricas normais na paralisia flácida
mais permanentes. é diagnosticada pela ausência de sintomas ve-
Preqüentemente o fator ou o aconteci- sicais ou pela tendência às escaras, como no
mento que precipitou a reação de conversão caso da paraplegia. As contraturas não são
392 NEUROSES

incomuns. Uma forma bastante freqüente é rem à incapacidade funcional.


aquela do punho cerrado com força. Nas pa- freqüentesestão as anestesias, Entre os
ralisias histéricas, os músculos em questão po- gueira ou surdez. As anestesias
dem ser usados num movimento voluntário e seguem a distribuição do nervo, histéricas
mas
não em outro. Uma tentativa para exercitar a uma extremidade que está abaixo
função paralisada é acompanhada por uma nha bem definida, acima da qual de uma II
a
demonstração de excesso de esforço. Um sin- é normal.Ela segue aquilo que o sensação
toma de conversão que não é incomum na mu- dita ser a distribuição normal paciente
do nervoacres
lher é o da retenção urinária. Pacientes com é representada na mente do que
este sintoma carecem de conhecimento de uma unidade funcional. A metpaciente corno
anatomia e função urogenital, sentem muita pode ficar anestesiada, casos nosade do corpo
quais
os sen»
— audição, olfato,
e freqüentemente identificam-se com outros são — podem estar ausentes do paladar
membros da sua familia que apresentam sin- As anestesias histéricas podem semesmo lado
tomas urinários, devido a causas orgânicas ou uma grande área em virtude do estender
psicogênicas. sugestivo
cedimento de repetição do exame pro-
Tiques, tremores, habitualmente grotescos médico. A anestesia, provavelmente,feito pelo
em sua aparência, movimentos coreiformes e ser produzida de novo pelo exame não pode
médico,
clónicos podem ocorrer. Afonia na qual o pa- da que Babinski acreditasse nisto. A ain-
ciente não pode emitir a fala, mas em que o grau da extensão da anestesia podemárea e
continua tossindo como antes fazia, não é rara. de um exame a outro. Os distúrbios variar
Ao passo que na afonia o paciente não encon- da visão são de várias formas, sendohistéricos
tra dificuldade em se comunicar por cochichos, comuns a cegueira e o estreitamento doos mais
o paciente com mutismo histérico não pode campo
visual. A cegueira histérica, normalmente,
proferir nenhuma palavra, ainda que ele se de aparecimento súbito. As pupilas é
comunique facilmente e corretamente pela es- a reagir à luz e, habitualmente, mas continuam
não sem.
crita — ponto de diferenciação com afasia. pre, o paciente evita os objetos que
Um paciente que desenvolveuum mutismo feri-lo se ele colidisse com eles. O poderiam
histérico na prisão sonhou que a instituição acometi-
mento está intimamente relacionado seja
para doentes mentais para a qual havia sido uma experiência visual incómoda ou com
transferido estava em chamas; neste instante aflitiva
ou com uma óbvia relação simbólica e
gritou, mas, em seguida, passou a conversar signi-
ficativa.
normalmente. Queixas de dor são muitas vezes, por
As neuroses ocupacionais, tais como a sua
natureza, histéricas e podem algumas vezes
cãimbra dos escrivães, habitualmente estão ser alucinatórias. Este sintoma de conversão
entre as reaçóes histéricas. Um tique histé- é talvez a expressão mais comum da doença,
rico consiste em uma contratura espasmódi- no momento atuai, e é freqüentemente mal
I ca, de movimentos coordenadosde um peque- diagnosticado e mal tratado. Como em outros
no grupo de músculos funcionalmente correla- sintomas histéricos, o paciente apresenta um
cionados. Ela pode tomar a forma de uma con- número sem conta de sintomas que não são
tratura dos músculos faciais, ou o piscar das facilmente reconheciveis como resultado de
pálpebras, súbitas rotações da cabeça ou cer- doenças fisicas comuns, ou ele pode exagerar
tas gesticulações no movimento das mãos. Taj.s a dor de um distúrbio fisico relativamente me-
tiques podem representar a dramatização de nor. A despeito da sua insistência acerca da
experiências psíquicas. Em virtude de sugerj- severidade e da natureza incapacitante do sin-
rem a defesa que eles manifestam, eles po- toma e os pedidos de medicação e cuidado,
dem parecer propositais. Cuidados precisam nós observamos que o paciente parece indife-
ser tomados para não se confundir os tiques
rente e imperturbável pelo sintoma. Os pla-
histéricos com os mais complexos e coordena- cebos podem aliviar os sintomas. Há muitas
dos movimentos semelhantes a eles,observa- vezes uma história intermitente da sua ocor-
dos após encefalites epidémicas e certas ou- rência e podem-se encontrar exacerbaçõesre-
tras doenças orgânicas do cérebro. lacionadas com o surgimento de conflitos emo-
Sintomas sensoriais. Assim como outros clonais. Ao fazer a história clinica, o exami-
distúrbios físicos, estes normalmente se refe- nador pode induzir muitos pacientes histéri-
393
NEUROSES
a
ser expressosno sentido de obterna
cos, aparentemente indiferentes aos sintomas, to podem aceitação, negadas
a queixar-se quando o psiquiatra toca no pon- desejada afeição e a
to referente às perturbações nas relações emo- realidade.
cionais e em algum incidente da vida do en-
fermo. Se o psiquiatra desistir da tarefa de Fatores Orgânicos
tomar nota dos dados da história clínica do e Reações de Conversão
enfermo, dissuadido disto porque, durante a orgânicos não
entrevista, o enfermo apresenta queixas, uma A existência de sintomas
de uma conversão.
oportunidade valiosa e significativa no indí- exclui a presença também ainda que seja
cio da conotação do sintoma com os pertinen- Os sintomas de uma doença,
ou os sinto-
tes estados emocionais é perdida. A reintro- orgânica,podem ser exagerados,depois que as ba-
duçao de tópicos que libera a ansiedade ou de mas podem persistir ainda
já não exis-
temas associados com isto, muitas vezes fa- ses orgânicas há muito tempodescobrimos que os
zem surgir novamente as queixas de dor. O tem. Em tais casos, nós
doença serviram
surgimento das queixas de dor pode ser visto, sintomas produzidos pela para terem
talvez como as mesmas dores alucinatórias. para algum propósito psicológico, causa da sua
Isto pode acontecer no decurso da psicanálise, valor por eles mesmos. Por escape
quando o paciente associa informações perti- utilidade, proporcionando proteçao,
inconscientemente
nentes, simbolizando as necessidades confliti- ou vantagens, eles são
Os sintomas histé-
vas que subexistem aos sintomas. exagerados e prolongados.
particular-
As determinações das queixas de dor pa-
ricos desta natureza aconteceme de seguro
traumáticas
mente nas neuroses
recem que resultam de algumas das seguintes industrial, mas não são confinados a
elas,
interaçóes pais-criança. nas quais
uma vez que há muitas situações
Supersolicitudepor parte da mãe, segui- podem servircomo uma fun-
os sintomas físicos
orga-
da de experiência de dores menores, pode es- çáo útil. Em outras ocasiões, a doença tal
tabelecer a predisposiçãopara obter gratifi- nica pode impor um adicional stress de
cação em face do conflito, por meio de quei- forma que os problemas emocionais não po-
xas de dor na vida ulterior. A observação, jun- dem, por muito tempo, ser manejados de uma
to com o sentimento de inveja pela atenção maneira realística. A exaustão, quer seja por
dada a outro irmão ou um membro do lar, resultado da fadiga ou da ansiedade, resul-
algumas vezes, desperta fantasias de sofrimen- tante de indecisão prolongada ou de conflito
to que são reprimidos até um período confli- emocional,pode predispor à "retirada" histé-
tivo mais tardio e então são despertados como rica de uma situação que poderia ser encon-
um meio substitutivo de acalmar ou aliviar a trada de outra maneira mais facilmente. A
ansiedade. De muito maior importância são pessoa que já teve alguma doença orgânica
as experiências infantis de dor que conduzem poderá, muitas vezes, selecionar um sintoma
ao sofrimento masoquistico,no sentido de ob- relacionado com a doença orgânica com a qual
tenção de respostas afetivas gratificantes. Em ela está familiarizada.Os sintomas orgânicos,
alguns casos, os pais sentem culpa em punir podem confundir-se, imperceptivelmente,nos
a criança por delitos e depois prodigalizam sintomas histéricos.
generosas manifestações de afeto como um
meio de acalmar a própria ansiedade. Se este
é o meio pelo qual a criança repetidamente Psicodinamismos
obteve satisfação emocional, fica estabelecido
o posterior padrão masoquísticode dor e so- Não é surpreendente que as teorias formu-
frimento. Um outro método, descrito por ladas tendo em conta a etiologia e a nature-
Freud, tem a ver com a culpa sofrida pela za do distúrbio de uma personalidade que se
criança após satisfazer-se secretamente com manifesta em sintomas de aparência pura-
a punição de um irmão ou irmã invejados. mente física, possam ser várias. Como se pode
Para suavizar esta culpa, ela necessita sofrer esperar, estas teorias têm sido influenciadas
alguma aflição. Em todos estes casos, o expe- pelos conceitos que prevaleceram durante di-
diente básico é o desejo de afeto a aceitação ferentes períodos de tempo, relativos aos fe-
por parte dos pais ou substitutos destes. Com nómenos naturais em geral, e a conduta hu-
a expressão masoquística, a dor e o sofrimen- mana em particular. Entre estas teorias estão
394 NEUROSES

os ensinamentos de Hipócrates de que a histe- to, inteiramente bem sucedida e o desejo, por
ria era causada pelo deslocamento do útero isto, se expressa em uma forma disfarçada,
dentro do corpo procura de umidade, a pela "conversáo" ou na transformação em
crença do século XVII de que as suas mani- sintomas. Então a natureza e a localizaçio
festaçóes impressionantes observadas neste dos sintomas produzidossão mais do que eles
período, fossem o resultado de bruxarias e de simbolizam ou fornecem as expressões disfar-
possessões demoníacas e a convicção agora çadas do desejo reprimido e ao mesmo tempo
geralmente aceita de que ela é uma técnica de proporcionam algum grau do seu cumprimen-
ajustamento ao qual a personalidade pode to ou do alívio do estado emocional conflitivo.
recorrer. Muitos psiquiatras que aceitam o papel da
Entre aqueles que mais têm contribuido repressão na produção dos sintomas histéri-
para o nosso entendimento da conversão e cos hesitam em aceitar a crença de Freud de
das reaçóes dissociativasestão Charcot, Janet, que o complexo de Édipo reprimido é uma
Bernheim, Babinski, Morton Prince e Freud. condição essencial para o desenvolvimentoda
Ainda que seus pontos de vista sejam inteira- histeria.
mente neurológicos,Charcot foi o primeiro a
demonstrar que as manifestações dramáticas No presente momento, a explicaçáo mais
da histeria poderiam ser produzidase acalma- amplamente aceita dos mecanismos conhe-
das pela sugestão hipnótica. Ele assim de- cidos como conversão, é que os impulsos e
monstrou que as influências psicológicaspo- os elementos desajustados, reprimidos, da
deriam afetar os mecanismoscorporais. Ainda personalidade, altamente carregada de emo-
que com a sua fraca aptidão para a investiga- çáo, são os produtores da ansiedade. A an-
çáo psicológica,ele presumiu que a degenera- siedade é então mitigada e dispersada, sendo
çáo hereditária era um pré-requisito essen- "convertida" em sintomas funcionais mani-
ciai para o fenómeno histérico ou hipnótico. festos na musculatura voluntária ou em sis-
Sua descoberta, no entanto, deixou os funda- temas especiais dos órgãos dos sentidos. O
mentos para um trabalho de investigaçãoa processo exato envolvido nesta "conversão" é
outros. incerto.
Bernheim expressou a opinião de que to- Na histeria de conversão encontramos
dos os sintomas histéricoseram o resultado uma excelente ilustração de ambos os ganhos,
da sugestão. Babinski acrescentou a opinião o ganho primário e o ganho secundário. O
os fenómenos his-
de que não apenas poderiam mecanismo de conversão produz um ganho
téricos ser produzidospela sugestão, mas tam- neurótico primário através da sua função de
bém que eles poderiam ser removidos pela per- defesa contra a ansiedade. Ele também pro-
suasio. porciona um ganho secundário dando algu-
Hoje, universalmente, concorda-se que a ma coisa bem vantajosa ao paciente. Uma pa-
histeria de conversão e as reaçóes dissociati- ralisia histérica, por exemplo, pode capacitar
vas são de origem psicogénica.A maior in- uma pessoa a fugir de uma situação que ela
fluência para a criação deste ponto de vista se sente incapaz de dominar.
está nas contribuições de Freud. Muitas das A maneira pela qual a conversão ou um
teorias psicogénicas,tais como a da natureza conflito emocional que produz ansiedade se
da histeria de conversão,retrocedem ao con- transformam num sintoma especifico,o modo
ceito de conflito e de repressão. De acordo pelo qual pode ser aliviada a ansiedade cau-
com Freud, o desejo ou um outro material re- sada pelos desejos conflitivos do paciente e
primido ao qual não se permite a expressão ao mesmo tempo produzir um ganho secundá-
franca é realizado numa forma disfarçada, rio que incapacita o enfermo a fugir de uma
através dos mecanismos de conversão, por situação extremamente desprazerosa é ilustra-
meio dos quais o conflito psíquicoé transfor- do pelo caso seguinte:
mado num sintoma físicoou mental. Freud
M., um jovem que havia sido dançarino e acrobata
explicou os sintomas histéricos como causa- de circo, alistou-se no exército durante de
dos por um conflito entre o superego e algum paz. Ele achou a disciplina rígida, seus deveres fas-
desejo que, em virtude de sua natureza, é re- tidioscz e sua experiência monótona. Ele aspirava a via-
primido pelo superego, sendo conscientemen- das
lar, as excitaçóes,a atençaoe a oportunidade
te objetivado. Esta repressão nio é, no entan- exibiçóes gozadas em sua vida anterior. A situaçAo
395
NEUROSES
tornou-se quase que intolerável, mas
ria que ele poderia ser tratado deixar significa- a si mesmo a verdadeira natureza da sua
Uma reaçáo de conversao histérica,
como um desertor.
induzida por dois doença, esforço que é bem sucedido desde
conflitivos, um deles, conformar-se
com as que a personalidade consciente nio tenha
exigências da vida militar, ou outro,
de uma situaçao odiada, forneceu a escapar seguro acesso à causa da doença. Ê também univer-
permitiu atingir O seu próprio soluçao que lhe sal a tendência de projetar as próprias difi-
modo
objetivo final, que
era obter imunidade das experiências
e tarefas despra- culdades em alguma coisa tangível. De
zerosase ao mesmo tempo o alívio da sua ansiedade, semelhante, uma base física para a explica-
e a manter sua auto-estima. Quando
ele chegou ao çáo do sintoma é algo bem recebido e
a ela
hospital, para o qual tora transferido,n'O podia nem papel.
andar, nem ficar de pé e suas pernas estavam anes- é atribuído um importante
tesiadas até mesmo para uma vigorosa picada de agu- Em conexão com as reaçóes de conversão,
tais cómo a citada, é. necessário lembrar que
lha. Ao mesmo tempo exibia, uma significativa atitude
de tranqUilidade Ia bene inddiftérence) com referência
as suas incapacidades,ainda que pelo que ele achava, muitos fatores, habitualmente, desempenham
elas eram totais e incuráveis. A sua ausência de preo- o seu papel na determinaçãoda natureza es-
cupaçaoé explicadapelo fato de que a penalidadeera pecífica da reaçáo neurótica. Esta concorrên-
menor do que o ganho, ainda que n'O se pode con- integração das funções adaptativas
cluir se este balanço de vantagens e desvantagens cia e a
era obJeto da sua reflexáo consciente. Uns poucos
inconscientes, desempenhadas pelos sinto-
meses mais tarde, o hotnem foi desligado do exército mas, são conhecidas como superdeterminaçáo.
por meio de um certificado de incapacidade dada por Através desse processo, um sintoma simples
um cirurgiáo. Logo as funçóes motoras e sensoriais
suspensas retornaram. Persistentes esforços para andar
ou a reaçáo neurótica pode ser uma com-
foram gradualmente,com sucessoe em três me- plexa formação de compromisso, para cuja
ses ele deixou o hospital praticamente bem. produção contribuem, inconsciente e simulta-
neamente, várias necessidades.Se um pro-
cesso superdeterminativo for analisado, vere-
No caso deste soldado pode-se ver como mos que em muitas neuroses há valores ate-
um mecanismo psicológico"converteu" a an- nuantes de ansiedade que foram produzidos
siedade estancada nos impulsos hostis repri- pelos sintomas, junto com maiores vantagens
midos contra a autoridade e o seu desejo de do que as que o paciente tira secundariamen-
se livrar do serviço militar, num sintoma aber- te da sua doença quando ela se estabelece.
to e incapacitante que, no entanto, produziu
um ganho secundáriodefinitivo.
Como já indiquei, estas duas séries de
valores derivados da neurose são os ganhos,
A reação histérica de conversãopermite primário e secundário. O ganho primário é
ao paciente com uma defesa contra a ansie- a defesa contra a ansiedade suprida pelo sin-
dade, ser capaz de manter o seu auto-respei- toma. O ganho secundário é uma vantagem
to e, ao mesmo tempo, cumpre algum propó- material acrescentada pelo sintoma. No caso
sito, cuja aquisição seria, de outro modo, proi- do soldado aqui mencionado, o sintoma de
bida. Ela pode tornar possível um "escape" conversão (paralisia histérica) aliviou-o da
de uma situação intolerável; pode fornecer ansiedade em relação aos seus desejos ambi-
os recursos para uma exoneraçãode si mes- valentes. Também forneceu aquilo que era
ma, uma desculpa para as próprias fraquezas, para ele um importante ganho secundário; o
serve como expediente para obter a atenção sintoma tornou-o incapaz para exercer o ser-
ou possibilita à pessoa fugir de algum dever, viço militar e por isso tornou necessária a sua
evitar uma responsabilidade,expressar algum descarga, ou desligamento. As reaçóes de con-
despeito ou rancor ou realizar algum propó- versão, habitualmente,se juntam a alguma
sito que não seria suportado num exame de necessidade imediata do paciente e, por isso,
consciência. estão associadas com um mais ou menos óbvio
A histeria tem os seus análogos em mui- "ganho secundário".O ganho secundárionem
tos atos da vida diária, quando muitos pro- sempre é material, mas pode ser emocional
cessos psicológicos, considerados como nor- ou social, por exemplo,conseguir amor, sim-
mais, ocorrem sem a total consciência dos patia ou consideraçãode outras pessoas.Ha-
seus métodos e motivos, particularmente se bitualmente, o elemento do "ganho secundá-
há alguma razão para se ocultar a verdade rio" assegurado pelos sintomas perturbadores
de si mesmo. O histérico nunca deseja revelar da conversão, vistos na prática diária geral
396 NEUROSES

da medicina, é menos aparente do que no da vez mais intolerável.A necessidadede con-


caso do soldado. Frequentemente, quando os tinuar trabalhando, em virtude de compromis-
sintomas da ansiedade estão presentes, o ele- sos financeiros, além da sua capacidade fisica
mento do ganho secundário pode ser de fato e mental, ou o fato de não poder tirar qual-
pequeno. quer satisfação do próprio trabalho, podem
predispor o indivíduo à neurose de compensa-
No caso do soldado, comentários podem çáo ou à neurose traumática. Qualquerganho
ser feitos no que concerne à atitude de ina- resultante de uma injúria, como escapar de
dequação emocional manifesta em relaçüo à uma condição de trabalho monótonoe can-
sua incapacidade. Essa indiferença prazero- satlvo, pode ser um fator importante que con-
sa, de tranquilidade patológica, caracteriza- tribui para Isso.
da por Janet como Ia belle indifférence, é de A supersolicitudepor parte da família do
significação diagnóstica numa reação de con- paciente ou uma observação imprudente do
versão, representando como se fosse o carac- médico, feita nos primeiros dias ou semanas
terísttco uso da negação como meio de de- após uma injúria, no que concerne sua se-
fesa. Tendo sido resolvido o conflito e libe- veridade, pode criar na mente do enfermo o
rada a ansiedade, através da conversãodos medo e a predisposição ao desenvolvimento
impulsos e desejos reprimidos em um sintoma de uma neurose. Experiências conectadas com
funcional, segue-se uma calma superficial, o desvalimento corporal, distúrbios nos negó-
mesmoque o sintoma produzidoseja tão de- cios, resultantes do acidente ou a preocupa-
sagradável que possa, presumivelmente, ser çáo sobre a sua cura, podem conduzir a esse
fonte de grande inquietação ou preocupação. desenvolvimento neurótico. Não somente o
desejo do ganho financeiro, mas também a
convicção por parte do enfermo de que ele
Neurosede Acidente ou tem o direito de esperar a indenizaçáo,po-
de Compensação dem ser fatores de motivação. Os costumesso-
ciais e a opinião pública tendem a encorajar
Os acidentes industriais, nos quais surgem o desenvolvimentodas neuroses de acidente
questões de indenização para uma incapaci- por meio de certas atitudes com respeito à
dade presumida ou real, são frequentemente questão da responsabilidade.
seguidos por uma reaçao psiconeurótica de-
finida. Assim, elas aparecem, muitas vezes, co- A probabilidade de desenvolvimento de
mo conseqüência da ocorrência dos números uma neurose de compensação que se segue a
crescentes de acidentes de automóveis.Os tra- uma injúria relativamente pequena é maior do
ços que essas reaçóes apresentam são os de que se o dano fisico for de tal modo incapa-
ansiedade, hipocondria, sintomas de conver- citante que a compensaçãose torna óbvia,
são, ou tipos mistos. Frequentemente, os sin- Resíduos traumáticos mais leves podem tor-
tomas de conversão são suficientemente proe- nar-se supergraves quando passados por alto,
minentes e, por isso, as neurosesde compen- nas elaborações histéricas. As neuroses trat-
saçño muitas vezes são classificadas entre as maticas ou de acidentes, raramente ocorrem
histéricas. Acreditava-se antigamente que o quando a vítima da injúria tem de arcar com
desejo que o paciente considerava como uma a responsabilidadeflnanceira do acidente, co-
adequada compensação fosse o fator principal, mo no caso das lesões produzidas nos espor-
senão o exclusivo,na produção das neuroses tes. Há, habitualmente, um periodo de incu-
que se seguiam aos acidentes na indústria. Nos baçao entre a injúria e o aparecimentodos
anos recentes, estudos apurados da persona- sintomasmentais por ela determinados.Esse
lidade do paciente têm mostrado que outros intervalo antes do desenvolvimentodas inca-
fatores também são, habitualmente, importan- pacidadescrónicasé de grande valor para se
tes, do ponto de vista dinâmico. excluir uma origem organica. Ele é ocupado,
normalmente, pelas ruminações vagas que se
As pessoas com tendências paranóides, transformam naquela maneira imaginativa,
aquelas inseguras,as que anelam simpatia e afetiva, ressentida, sugestiva, determinada
atenção, são predispostas às neuroses de com- pelos desejos.
pensaçio. O mesmoé válido para os indiví-
duos que se encontram numa tal situaçio que Sintomas. Os sintomas das neuroses de
o seu trabalho se torna progressivamenteêa- acidentes sio vários, mas elas não diferem em
397
NEUROSES
como auto-
seus traços essenciais de outras, exceto no percompensados e experimentados
que diz respeito à indenização. Freqüentemen- piedade.
do trabalhador e
te, os sintomas incluem a irritabilidade, obs- Os atos de compensaçãoindústria, têm au-
tinaçio, discussões, acessos de choro, ansie- o seguro de acidentes naneuroses de compen-
dade, depressão, insónia, dor de cabeça e ver- mentado a incidência das trabalhador a
tigem. O paciente fala sobre bagatelas, quan- sacão. O efeito que exerce no compensa-
do descreve os seus sintomas e pode queixar- prática comumde se esperar uma mental recep-
se de perda da memória e incapacidadepara cão da injúria, cria tal estado a injúria, segue-se
concentrar-se. Se o capataz, o "médico da tivo que quando acontece compensação. Isso
de
companhia" ou o agente de seguro levantam a um desejo inconsciente que um trabalhador,
entanto,
questão da veracidade dos sintomas ou da va- não significa, no
de trabalho, queixando-se
lidade das queixas de que a injúria aconteceu após um acidentebases orgânicas, •esteja fin-
com
enquanto ele trabalhava, o paciente quase de sintomas doente, ou que a compensação
que está
sempre reage com indignação ou ressentimen- gindo merecida. A incapacidade, é verdade,
seja
to que agravam e prolongam os seus sinto- não injú-
não teria acontecido se os resultados da be-
mas. O fato de que uma reaçáo histérica pode
ria não proporcionassem,de certa forma,
sobrepor-se a um dano físico que passou des- neficios em potencial. A infelicidade é que a
percebido não deve ser esquecido. Algumas injúria na histeria do "prejuízo-ajustado"
vezes os sintomas neuróticos não se tornam ocorreu numa pessoa predisposta psicologica-
seriamente incómodos,até que o paciente re- mente a uma reação neurótica. A existência
torne ao seu emprego, ocasião em que se agra- de litígio tende a manter o foco do paciente
vam tanto que o enfermo tem de deixar de na sua injúria, particularmente,se os proces-
no
trabalhar. sos legais são prolongados. Contrariamente,
Tremores, paralisias, outros sintomas mo- entanto, à crença freqüente, o fim do litigio
tores e sensoriais de conversão podem ocorrer. nem sempre acaba prontamente com os sinto-
pode normalmente
Em outra hora, a forma especificae necessá- mas. O término do litígio
sobre os sintomas, removen-
ria do tratamento da injúria original pode ser ter efeito salutartendia a manter a atenção do
que
o instrumento que sugere a incapacidade de do o fatorfocalizada em si mesmo.
uma pessoa do tipo histérico. A imobilização paciente
com talas de uma extremidade quebrada, por É necessáriofazer referência às neuroses
numa grande propor-
exemplo, pode ser seguida de paralisia. Como de ocupação, as quais, aquelas caracterizadas
em outras psiconeuroses,os sintomas podem çáo e particularmente são vistas como histéricas.
ser fixados, firmemente, num superexame ou pelos espasmos, paciente, ao tentar executar
num supertratamento, baseados em premissas Nestas neuroses, o especializado num trabalho
erradas. O desenvolvimentodos sintomas atra- algum movimento coordenação de um grupo de
vés da sugestão não está, naturalmente, de que requeira espasmos dos músculos en-
modo algum limitado às neurosesde acidente músculos, sofre A função deles permanece
ato.
que envolvem questões de compensação. A re- volvidos nesse quando tenta empregar os
petição do exame físico pode agravar os sinto- sem debilidade
músculos na execução de qualquer ou-
mas quando existe uma doença orgânica e mesmos
pode produzi-la quando não há nenhuma do- tro ato.
ença. O fato de as palavras do médico terem
efeito sugestivo sobre o paciente, acarretam- Diagnóstico das Reações de Conversão
lhe uma responsabilidade especial. Naqueles
casos nos quais a indenização é motivo parti- Juntamente com a diferenciação entre
cipante do sintoma, o paciente permanece des- outras reações neuróticas, quadros dos quais
conhecendo tais influências e nega que muitas vezes a histéria é parte, esta deve ser
a compensação, declarando que ele, prazero- diferenciada das desordens orgânicas, da si-
samente, se absteria de qualquer satisfação mulação ou do fingimento para fugir de uma
financeira se pudesse ter a saúde restaurada. obrigação,da esquizofrenia e das reaçóes psi-
Queixa-se de seus sintomas, mas raramente cofisiológicas.Uma reaçño de conversão pode
pergunta como poderia libertar-se deles. Sen- simular uma tal variedade espantosa de sin-
timentos de culpa subjacentes podem ser su- tomas que faz com que seja necessário ter-se
398 NEUROSES
em mente certos principiospara se fazer a di- o histérico poderia controlar os seus sintomas,
ferenciação. Pode-se, naturalmente, verificar caso quisessem. Discrepâncias, contradições e
se os sintomas sensoriaise motores são perti- exageros dos sintomas são mais freqüentes
nentes com os fatos anatómicos e fisiológicos naqueles que pretendem parecer doenteg, que
conhecidos no que diz respeitoà distribuição fingem, para escapar ao trabalho ou ao de-
e à função do sistema nervoso central e pe- ver. Aquele que simula, habitualmente expres-
riférico.
Os sintomas de conversão modificam- sa muita inquietação no tocante aos seus sin-
se de tempos em tempos e através da suges- tomas. A utilização de testes psicológicos
tão. Os reflexos e os distúrbios tróficosnão apropriados, tais como o Minesota Multifási-
acompanham os distúrbios histéricos, a não ser co, pode sugerir a tendência à mentira, à im-
nas modificações que podem ocorrer do crô- postura ou à fraude. Na forma clássica de
nico desuso que se segue à paralisia.Antes de histeria de conversãomaior, o paciente mani-
se decidir se um sinal físicoou sintoma ex- festa pouco interesse pelos seus sintomas, en-
presso somaticamente é de origem psicogêni- tretanto,devido a um considerávelcomponen-
ca, deve-se cuidadosamente, tentar verificar te de ansiedade que, muitas vezes,está acom-
se há uma incubação de insatisfaçõesafetivas panhando uma reação de conversão, recente-
preexistentes antes do aparecimento do sinal mente estabelecida, o paciente pode mostrar
e do sintoma. sinais de inquietação.Exames de surpresa ou
A atitude do paciente de prazerosa indi- observações das quais o paciente não tenha
ferença em relação à sua incapacidade e as conhecimento podem revelar a fraude, na si-
circunstâncias sob as quais surge a desor- mulação. As reações de conversão e simulação
dem são, amiúde, significativas.A coincidên-
têm muito em comum. A diferença
é grande
cia ou a seqüência imediata de um estado relativamente ao grau em que a consciência
emocional agudo e o aparecimento dos fenó- participa da reação. Na simulação há uma co-
menos físicossão sugestivos,especialmente se
nexão súbita de fatores conscientes e incons-
cientes.
a conexãoentre o fato psicológicoe o sinal
não é reconhecida pelo paciente. Na •doença Uma vez que pode haver, na esquizofrenia,
fisica atual, o paciente imediatamente aceita reaçóes extremamente semelhantes à histeria,
ou mesmo sugere a condição de que a sua in- o diagnóstico nem sempre é fácil. O tempera-
capacidadeé de origem mental. Por outro la- mento original do paciente pode ser algo in-
do, o paciente cuja invalidez é psicogênica dicativo; o da pessoa histérica foi sempre
procura ansiosamente por uma base física. caracterizado por uma mudança mais fácil
Ambos pacientes, naturalmente, estão real- dos estados emocionais. Na histeria,um afeto
mente tentando evitara verdade.É sempre dominante normalmente existe,não há in-
bom para o médico, perguntar a si mesmo se consistêncianos sintomas e nenhum distúr-
os sinais e os sintomas servem a algum propó- bio das associações,há maior resposta a uma
sito na vida do paciente, (ganho secundário) reação emocional vinda da parte de uma en-
e não deixar que a aparente perda ou o sofri- fermeira ou dos familiarese não há deteriora-
mento excluam da sua consideraçãoa histe- gio nos hábitos de vestir e nos de limpeza. Na
ria.Ao fazer o diagnóstico de histeriade con- histeria, aparecem os desejos de ser o centro
versão, também não se deve formulá-la so- da atenção e, habitualmente, verifica-se o fato
mente pela presença dos sintomas de conver- de que os pais, ou o cônjuge, estão acostuma-
são,mas é necessário também tomar em con- dos a exibir uma reação emocional exagerada
sideração o fato de saber se o paciente é pes- ou simpática em relação a qualquer doença
soa de tipo emocionalmente imaturo. É neces- do paciente. Aqui, a contribuição do psicólogo
Sário lembrar também que a incapacidade or- clínico pode ajudar mais, particularmente,
gânica e a reação de conversão não se excluem porque a entrevista diagnósticahabitual com
mutuamente. As incapacidadesneurológicas, o paciente histérico é distorcida pela sua ne-
orgânicas, não raramente, são complicadas gaçio não intencional e pela força da repres-
pela superposição dos fenómenos de conversão. são.

A confusão de uma reação de conversão Chamamos a atenção, no Capítulo 25, para


com a imitação é mais fácil de acontecer nas o fato de que as reaçóes de conversão podem
pessoas que consideram todos os histéricosco- ser distinguidas das reações psicofisiológicas,
mo simuladorese acreditam,erradamente que nas quais a tensão e a ansiedade surgidas de
NEUROSES 399

conflitos psicológicose de stress emocional


aliviadas, nio pelo processo da sua sio larmente, em grupos de pacientes diagnosti-
canaliza-
çáo através da musculatura voluntária e sis- cados como histéricos e seguidos durante anos
temas sensoriais especiais (conversão), mas depois da sua admissão inicial num hospital
através do sistema nervoso vegetativo, com mental. Por outro lado, em estudos seme-
sintomas viscerais dos órgãos e as queixas. lhantes de seguimentos de casos, realizados
os
Entretanto muitos pacientes mostram combi- num periodo de tempo maior do que uma dé-
nações de ambas as variedades de reaçáo. cada, daqueles pacientes que se apresentaram
num hospital geral ou dos pacientes externos
de clinicas, com conversáo monossintomática,
Prognóstico ficou claro que mesmo com o tratamento por
meio de medidas que visavam somente modi-
O grau em que os mecanismos de conver- ficar os sintomas, sem reestruturar a perso-
são podem ser eliminados depende do conside- nalidade, a maioria permaneceu bem com um
rável grau da extensão em que as evasões tor- excelente ajustamento social. A perspectiva é
nam-se habituais, desde cedo, na vida e dos melhor naquelas histerias monossintomáticas
padrões de maturidade e independência que ocorrem na vida do adulto em relação as
da personalidade. O prognóstico também de- que se apresentam na adolescência. Presumi-
pende da força ou fraqueza dos recursos da velmente, aqui a resposta surge em face de um
personalidadedo paciente em relação às exi- stress severo.
géncias do meio de outro stress aos quais
ele deve enfrentar. Se a capacidade do pacien- Tratamento
te para uma adaptação social for limitada,
se ele teve o hábito de lidar com dificuldades No tratamento da reaçáo de conversão, o
menores por meio de métodos evasivos, ou se psiquiatra tenta atingir o propósito dos sinto-
levou uma existência sem objetivo, sem dire- mas e descobrir os fatores que causam essa
çáo ou ambição, é provável que mais tarde em- ansiedade assim tão grande que somente pode
pregue defesas de conversão. A sintomatolo- ser manejada através dos mecanismos de con-
gia, por si só é um pobre guia para o futuro. versão em sintomas físicos e funcionais. Uma
Se o paciente foi anteriormente bem ajustado vez que a doença do paciente surge de causas
e a reaçáo de conversão surgiu por causa de mentais e através da operação dos mecanis-
um stress incomum, o prognóstico é favorável mos psíquicos,o tratamento será, basicamen-
e não é necessário retornar à situação precipi- te, a psicoterapia.
tante.
O paciente que conscientementepensava A natureza e a energia dos fatores dina-
micos que levaram aos sintomas estão ocultos,
que a maneira pela qual ele poderia resolver fora do reconhecimento do paciente e qualquer
as suas dificuldades seria a aparente chance explicação dos mecanismos subjacentes é fre-
de uma doença incapacitante pode, fácil e in- qüentemente recebida com resistência ou pro-
conscientemente,permitir que o pensamento
testo. A reaçáo de conversão também pode pa-
se transforme numa realidade. A presença da recer tão remota, em relação aos problemas
sensação de angústia, indicadora de que a rea- emocionais do paciente que somente uma pes-
çao de conversão não está provando ser a de- quisa analítica poderia descobrir as relações
fesa adequada, torna o prognóstico menos fa- existentes 'entre dois.
vorável. O paciente infantil, egocêntrico, que
se torna cada vez mais dependente de seus Antes de se iniciar a psicoterapia, o mé-
sintonLs de conversão, tem um pobre prog- dico necessita, primeiramente, fazer um esme-
nóstico.Sua reaçáo de conversão torna-se um rado exame físico. Se não for encontrada ne-
modo de vida mais ou menos permanente e nhuma evidência de doença física, não será
ele cresce cada vez mais dependente dos seus necessário fazer outros exames físicos, mesmo
sintomas. que novos sintomas ocorram. Exames conti-
A reação de conversão, em muitos casos, nuos e uma longa hospitalização podem cau-
está implantada numa personalidade de estru- sar o aparecimento de novos sintomas e os
tura basicamente esquizóide.Em tais pessoas, antigos fixam-se.
as reaçóes psicóticas eventualmente tornam- O psiquiatra precisa lembrar que ele deve
se aparentes. Isto acontece também, particu- lidar com dois problemasdistintos, ainda que
400 NEUROSES

relacionados um com o outro; um deles, remo- çáo rápida dos sintomas. Uma vez que a inca-
ver os sintomas, outro, aquele de capacitar o pacidade sintomática aguda é modificada, o
enfermo para entender a origemda sua an- psiquiatra então determinará o potencial para
siedade e o significado dos seus sintomas para a mudança caracterológica, através de uma
que possam formar um método de ação mais psicoterapia dinâmica. Se se considera que
construtivo. É muito mais fácil dissipar uma esse potencial existe, a psicoterapia psicoanalí-
conversão do que ajudar mais tarde o pacien- tica é recomendada como meio de evitar mais
te a adquirir um crescimentoemocional. tarde as recaídas sintomáticas. Esses méto-
dos de tratamento estão também descritos no
É importante fazer uma estimativa correta Capitulo 31.
da estabilidadee maturidadeda personalida-
de do paciente e de seus recursos intelectuais. A evidência da presença de distúrbios es-
Se as limitações da personalidade são relati- quizofrênicospode ser encontrada através de
vamente mínimas, o tratamento pode ser o cuidadosa avaliação da história do desenvol-
psicoterapêutico, baseado nos princípios ana- vimento do indivíduo. Histórias familiares de
líticos, com investigação dos fatores dinâmi- distúrbios psicóticos ou a informação da pre-
cos da repressão. Nas pessoas de inteligência existência de uma vida isolada, com fugas na
inferior e nos indivíduos instáveis que desen- fantasia e outras desordens da conduta podem
volvem uma reação de conversão diante de si- levantar suspeitas. Muitas vezes, por causa da
tuações não muito complicadas, a terapia negativa do histérico em apresentar desde o
principal terá que ser limitada à sugestão, inicio da entrevista a sua história, não são
hipnose e reeducação. Em nenhum caso deve obtidas informações válidas. Muitos conside-
o paciente ser acusado de desonestidade ou de ram que a ajuda dos testes psicológicos,parti-
falta de desejo de curar-se. cularmente os métodos projetivos, poderia
sempre ser solicitada em tais circunstâncias,
Quando os sintomas de conversão se apre- antes que os objetivos do tratamento sejam
sentam como uma forma maior de incapacida- determinados .e iniciada a terapia. Tais testes
de, incompativel com o retorno às atividades podem fornecer os indícios da potencialidade
sociais e vocacionais, deve-se ter isso em con- da grave regressão que exigiria tratamento
sideração para a sua redução rápida, através hospitalar se uma rápida remoção dos sinto-
dos métodos acima descritos. Ao fazer o jul- mas for o método de escolha. O autor
ficou im-
gamento clínico, o psiquiatra deve ter em pressionado com a freqüência de tais regres-
mente a natureza defensiva do sintoma e po- sões em pacientes que apresentaram inúmeras
derá desenvolver um conceito sobre contra o reaçóes de cor pura em suas respostas no
quê o sintoma serve de defesa. Com a sua re- Rorschach.
moção rápida, ele estará ciente de que pode-
rá ocorrer, tanto uma ansiedade aberta quanto No tratamento das neuroses de acidente
a sua substituição por outro sintoma, com o há certos fatores que requerem atenção espe-
equivalente significado simbólico. Cada uma cial. No caso de uma injúria, qualquer sugestão
dessas alternativas pode ser mais apropriada séria, deve ser evitada cuidadosamente. Se
do que os sintomas paralíticos maiores, ceguei- possível a pessoa que sofreu a injúria deve fi-
ra, estados coreiformes e a astasia-abasia. En- car excluída do trabalho, mas se suas condi-
tretanto naqueles casos em que a remoção rá- ções não• permitem isso, ela poderá retornar
pida dos sintomas provavelmente induz uma
a ele prontamente quando possível. Cuidados
séria erupção da auto-estima, com ansiedade, devem ser tomados para que o tratamento de
vergonha e culpa, associada com fenómenos qualquer complicaçãofísica não seja prolon-
regressivos, evita-se esse julgamento. Sérias gado. A atitude do médico em relação ao pa-
regressões desse tipo acontecem, provavelmen-
ciente que está sofrendo de uma neurose trau-
mática, não poderá nunca ser a de suspeitas ou
te, naquelas personalidades essencialmente es-
quizóides ou então há outros sintomas que
antagonismos. Se ele se relaciona com o pa-
indicam a existência de uma reação esquizo- ciente com atitude básica céptica, desdenhan-
do suas queixas, ele destrói qualquer possibi-
frénica subjacente.
lidade de relacionamento terapêutico, num
A narcossintese,persuasão ou a hipnose, exame superficial e pode, até mesmo, contri-
como estão descritas no Capítulo 31, são as buir para que mais adiante se desenvolvam
medidas terapêuticas de escolha para a remo- elaborações psicológicas.
NEUROSES 401

A espera da indenização do empregador


cujo paciente, uma pessoa instruida e bem
torna impossível para o enfermo, descuidar-se educada, persistentemente cavilava em torno •
das sensações desprazerosas das desagradá- de saber por que uma cadeira tinha quatro
veis experiências subjetivas ou ajustar-se a pernas, em vez de uma só, ruminações, preo-
elas. Em contraste com semelhante dano fisi- cupaçóes e especulaçõesem tópicos tais como
co sofrido por um atleta, o operário, cheio de a criação,o infinito, ou outras questões filo-
dúvidas e sem saber, está sempre muito mais sóficas e religiosas. A condição de estar
apto a exagerar do que ignorar os desconfor- obsessivamente preocupado com um assunto,
tos resultantes de sua injúria. A severidadee aparentemente indiferente, com marcante ex-
a falta de atenção pelas queixas do enfermo clusao de outros interesses é, freqüentemente,
dos representantes das companhias de segu- conhecida com um estado de obsessão-rumina-
ro, uma suposição do intento de enganar e a tiva. Quanto maior for o esforço para dissipar
demora e o tecnicismo do processo judicial, os pensamentos obsessivos,tanto mais obsti-
tendem a estimular padrões de reaçóes doen- nados eles retornam. Atividades ritualísticas
tias. Tais atitudes engendram ressentimentos podem ser realizadas num esforço para disper-
e desencorajamento e podem forçar a pessoa sar ou neutralizar esses pensamentos. Esses
lesada a recorrer a um modo primitivo (con- pacientes, praticamente, nunca levam a cabo
versão) de resposta. Se o prêmio compensató- a realizaçãodos pensamentos recorrentes que
rio garantido ao trabalhador que sofre uma sugerem um ato violento ou imoral, no entan-
neurose traumática é pago de uma só vez ou to, tornam-se muito apreensivos e têm medo
através de várias prestações, pouca diferença de realizar tais coisas. A inabilidade dos pa-
faz no que concerne à neurose. cientes em libertarem a si próprios desses
incómodos pensamentos pode, ocasionalmen-
REAÇÕES te, levá-los ao suicídio.
OBSESSIVO-COMPULSIVAS
Tipos de Obsessáo-Compulsiva
Nas reações obsessivo-compulsivas, a an-
do paciente está automaticamente FOLIE DU DOUTF„ Alguns pensamentos
siedade
controlada por sua associação com atos e obsessivosassumem a forma da folie du doute,
pensamentos persistentemente repetitivos. O caracterizadapor uma dúvida persistente, va-
paciente reconhece que os seus indesejados cilaçõese indecisões,geralmente com rumina-
pensamentos e seus atos ritualísticos são irra- çóes compulsivas que levam a atos repetitivos
cionais, mas é incapaz de controlá-los. A rea- com o objetivo de dissipar as dúvidas irracio-
çáo obsessivo-compulsivapode ser expressa de nais. Por causa delas, o paciente precisa, sem-
três formas clinicas: (l) a persistente recor- pre, verificar e rever os seus atos, mesmo os
rência de um pensamento mal acolhido e fre- mais simples. Ele pode, por exemplo, fechar
qüentemente desagradável; a mórbida e, a porta da rua à noite, mas tão logo chega
muitas vezes, irresistível necessidade de reali- ao seu quarto, cresce-lhe a dúvida acerca da
zar certo ato repetitivo, estereotipado; (3) um segurança da porta. Ele deve, por isso, retor-
pensamento obsessivamente recorrente, acom- nar e tentar passar a chave na porta. Mesmo
panhado de compulsão para executar um ato depois que estiver na cama suas dúvidas vol-
repetitivo. tam e exigem que se levante outras vezes para
verificar se a porta está trancada. Dúvidas
A ideação obsessiva pode ser relativa a obsessivase indecisões,não raramente, surgem
vários tópicos. Freqüentemente, o paciente tem nos casos de conflitos entre desejos opostos.
necessidade de lutar contra os pensamentos
Pensamentos insistentes, obsessivos,têm
que são repugnantes à sua consciência mo- propósitos defensivos. A idéia persistente não
ral e aos seus sentimentos estéticos, como os
pensamentos de blasfémias ou fantasias de deve ser considerada pelo seu valor aparente,
matar um membro querido da sua família. como se diz. Ela é um substitutivo de alguma
outra idéia e por isso serve como função pre-
Ainda que tais pensamentos sejam horríveis, ventiva da ansiedade. Outros estados afetivos
o paciente, entretanto, é incapaz de libertar-se
estão encobertos pelo conteúdo aparente. As
deles. Pensamentos intrusos .e constantemen-
te recorrentes, podem ser absurdos, sem fina-
fontes reais podem ser algum impulso, ten-
lidade, como os do caso descrito por Ireland, dência ou desejo que seria conscientemente
402 NEUROSES

intolerável para o paciente. Um sentimento de "Um menino de 11 anos de idade instituiu o seguinte
cerimonial obsessivo,antes de ir para a cama. N'O
culpa oculto não é uma fonte incomum. A dormia enquanto n'O tivesse contado sua rnúe, com
idéia recorrente e manifesta é o resultado de detalhes, todos os acontecimentos do dia:
um esforço para afastar alguma outra coisa nóo devia ficar nenhum pedaço de papel ou qualquer
da mente e é formada pelos mecanismosde pequeno lixo no tapete do quarto de dormir; a cama
devia ser colocada direita da parede; três cadeiras
deslocamento, simbolização e condensaçao. O deviam ser colocadasperto dela e a fronha devia estar
processo é muito semelhante ao que ocorre no estendida de uma maneira particular. Para poder con-
sonho, no qual o conteúdo latente, ou o ver- ciliar o sono, ele precisava primeiramente por-se nas
dadeiro conteúdo, está encoberto por esses pontas dos pés um certo número de vezes, com ambas
mecanismos de tal modo que a idéia, o desejo as pernas, e depois deitava-se de lado."
ou o impulso aparecem na consciência do so-
nhador numa forma distorcida e simbólica. A função dos atos compulsivosé também
ATOS COMPULSIVOS.Um segundo tipo a de aliviar ou reter a ansiedade.O ato com-
clínicode reaçio obsessivo-compulsivaé aque- pulsivo que o paciente executa tem, se for
le dos atos compulsivos.Neste, há uma repe- procurado, um significado simbólico.Este ato
tiçáo obrigatória de certo ato. As forças que simbólico serve como uma espécie de ritual
produzem o ato compulsivo são, naturalmen- mágico, pelo qual ele desfaz ou anula o pos-
te, inconscientes.Uma vez que os atos simbó- sivel efeito dos seus irreconhecíveis impulsos
licos não podem satisfazer adequadamente as e conseguea realização de uma satisfação dis-
forças que os produzem, eles são estereotipa- torcida, a autopunição e a expiação. Ele dis-
dos e repetitivos. Quando o paciente é pergun- sipa temporariamente a situação perigosa;
tado sobre a razão da sua conduta, ele pode tao logo isso possa ser feito, reduz-se a inten-
apresentar alguma explicação que sabe não sidade da ansiedade. Caso se resista à execu-
çao do ato ritualístico substitutivo ou seja im-
ter qualquer base racional ou então pode ad-
possivel a sua realização, a efetividade da de-
mitir que é absurda e fora de propósito. Em
fesa obsessivo-compulsivaprotetora é elimi-
geral, o enfermo, conscientemente, experimen-
nada e os desejos e impulsos proibidos desper-
ta certa rejeição e resistência em levar a tam a ansiedade. A necessidade da conduta
cabo o seu ato defensivo, mas a tensão e a ritualistica aumenta, desde que as forças in-
ansiedade aumentam até que a necessidade conscientes ameacem irromper na consciên-
da repetição se torna irresistível.Se o pacien- cia; mais e mais sintomas devem ser construi-
te está impedidode levar a cabo o seu ritual dos para fornecerem defesas contra as ten-
obsessivo,a angústia surge abertamente. Uma dências proibidas. Em muitos aspectos, os pa-
das formas mais freqüentes de rituais obsessi- dróes defensivos das compulsões se asseme-
vo-compulsivosé a de lavar as mãos, que tem lham a penitências, expiação, punição e res-
como propósito repelir a ansiedade. triçóes. De muitas maneiras, elas estão inti-
Muitos atos obsessivo-compulsivos são mamente relacionadas psicologicamente com
meramente atos simples e inúteis, como os de as cerimónias e tabus que os primitivos idea-
tocar ou contar ou outros excessivos,como os lizaram como proteçáo contra as forças demo-
de lavar as mãos repetidamente. Alguns, no niológicas ou outras forças sobrenaturais.
entanto, transformam-se em rituais ou ceri- Os atos compulsivosnão sio incomuns nas
monjais mais elaborados. Aparentam, superfi- crianças e nos adolescentes nos quais surgem
cialmente, formalidades sem sentido e somen- como cerimoniais expiatórios ou como meios
te são reconhecidoscomo cerimoniaisneuróti- aos quais, são atribuídos certas qualidades
cos quando uma necessidade de renunciar a quase mágicas, capazes de satisfazer um de-
eles está acompanhada por desconforto e an- sejo particular. Os atos depois instalam-se co-
siedade. mo hábitos, mas normalmente desaparecem
O cerimonial ritualístico, descrito por logo que as tensões reprimidas se acalmam e
Freud em um dos seus primeiros trabalhos quando são fixados ou estabelecidos os ajus-
(1896),intitulado "As Neuropsicosesde Defe- tamentos sociais mais adequados.
sa", frequentemente citado é uma excelente FOBIACOMCOMPULSÃO.O terceiro ti-
ilustração da complexidadea que podem che- po de reaçáo é aquela na qual uma fobia ou
gar esses estratagemas compulsivos destinados uma idéia obsessiva recorrente está associa-
a proteger o enfermo contra a ansiedade: da com a compulsãode executar um ato re-
NEUROSES 403
petitivo. Essa associação ocorre quando existe
de se ser subjugado reputaçúo." Quando alcançou os 18 anos, o paciente
o medo por intoleráveis passou a beber excessivamentepor um período de vá-
impulsos.Um dos exemplos mais
comuns rios meses. Depois, subitamente, parou e tornou-se
desse
tipo de reaçao é o ato de lavar as mios repe- tao contrário à bebida que, como cita sua esposa, "nLo
resultante podia tomar nem um gole, e lembro-me de que, uma
tidas vezes, do medo
obsessivo da
sujeira ou da impureza. Qualquer que
seja o uma casa onde serviam bebida porque era contrário
objeto em que toca, o paciente acredita se- a isto."
cretamente que contaminou a sua mão. Uma
Alistou-se na Marinha. Quando, depois de sua ad-
vez que não pode evitar tocar os objetos, ele missAoao hospital, foi-lhe perguntado o que o levou
necessitarepetidamentelavar as mãos. Como a ser voluntário, ele replicou: "Bem, eu me sinto um
objetos são possíveis fontes tanto constrangido com minha escrupulosidade. Eu
todos os de con-
taminaçao, o paciente necessita recorrer a nao era muito constrangido, mas pensei que, de
algum modo, o serviço militar poderia libertar-
meios complicados e incómodos para evitar mo disso". Perguntado sobre o que queria dizer
tocar nos objetos. Ele precisa abrir as portas com 'escrupulosidade', respondeu que "estava em dú-
com os cotovelos ou com objetos pequenos, usa vida acerca das minhas confiss6es". Perguntado se es-
luvas ou outros protetores. Um paciente, to- tava duvidando de que n'O havia confessado o bas-
dos os sábados, lavava o banquinho da igreja tante, sua resposta foi, "isso é certo; eu senti muita
tristeza pelos meus pecados". Quando o médico que
que esperava ocupar no dia seguinte. Por o admitiu perguntou-lhe sobre suas ocupaçóesou ta-
causa dessa tensão, as preocupações e o irre- refas no serviço militar, ele replicou: "Tinha a obri-
sistível desejo de lavar as mãos, sua capaci- gaçáo de limpar os mictórios. Eu provavelmenteestava
dade de conseguir emprego pode ser obstacu- muito bem. Tentei fazer um trabalho perfeito. Eu via
lizada ou destruída. cigarros, mas me mantinha limpando todo o tempo.
Aquilo poderia ser feito em duas ou três horas, mas
Aqui, também encontramos os mesmos eu trabalhava oito ou nove. Entrara voluntariamente
mecanismos de deslocamento e anulação. O para o serviço". Dois anos mais tarde, escreveu sua
noiva dizendo-lhe que desejava romper o noivado por-
medo real, naturalmente, não é da sujeira, que iria tornar-se sacerdote depois que desse a baixa
mas dos impulsos intoleráveis ou das forças do serviçomilitar. Seis meses mais tarde, escreveuno-
carregadas de culpa que foram deslocadas e vamente, dizendo que havia decidido n'O mais tor-
simbolizadas na constante preocupação com o nar-se pastor e pedia que, fosse reatado o noivado.
medo da sujeira. A ansiedade, em função da Vinte e quatro meses mais tarde estavam casados, mas
ele n'O teve relaç6es sexuais com sua mulher senáo
qual elas surgem, é aliviada temporariamen- 17 meses mais tarde.
te através da compulsiva lavagem e da sua Depois do seu desligaméntodo serviço militar, dois
significação simbólica de purificação. anos mais tarde, o paciente ingressou no colégio no
O caso seguinte ilustra muitos dos traços qual foi graduado, embora muitos meses antes da for-
de uma fobia mista com reação compulsiva. matura sua reaçLoneurótica tenha-se tornado tao in-
cómodaque foi incapaz de continuar os estudos nos
dois meses finais do último ano do curso.
S. K. foi admitido em um hospital psiquiátrico com
29 anos. A história familiar n'O revelou nenhum fato Logodepois da sua admissáo ao hospital, a esposa
significativo. Durante o segundo e terceiro graus, na foi solicitadaa informar sobre a história da doença

escola, "ele foi um problema para as freiras, por do paciente. Ela informou que ele havia mostrado
causa da sua gagueira. Elas precisavam pedir-lhe que há vários meses uma compulsiva lavagem das
lesse um parágrafo mais de duas ou três vezes". Nessa que se tornou cada vez mais séria. "Ele costumava Ia-
idade, por considerável período de tempo, "ele sentia var as maos e manter a água correntepor 15 minutos,
que tinha de benzer-se um certo número de vezes, da coda vez. Depois de acabar, fechava a torneira com
noite". Quando cursava o quarto ano e depois de os cotovelos.Ele tinha de lavar e limpar as suas múos
na
uma doença,"ele adquiriu o medo de dormir à noite, um certo número de vezes, contando-as. Se tocasse
temendo que pudesse morrer. Chamava por sua mae porta ou na fechadura, teria de voltar e lavar nova-
duas ou três vezes antes de dormir. Náo conseguia mente as máos. Uma vez, ele começou a lavar suas
dormir a n'O ser quando estivesse seguro de que
n'O múos uma hora da manhú. Depois de termos nos
morreria. Isso durou dois ou três meses". Ele roía movimentado em nossa própria casa, ele recusou-se a
as unhas até os 16 anos de idade. usar a porta da frente ou dar a volta na fechadura,
com medo de que pudesse haver germes ali. Costumava
Na época da admissáo,a mãe e a esposa foram Ir até a janela detrás e me chamava para abrir a
solicitadas a descrever as características de sua per- porta da frente para ele. Alcançava um ponto da ja-
sonalidade, como adulto. Ele era, como informaram, nela no qual pudesse subir e, desse modo, n'O preci-
par-
uma pessoa tranqüila, séria, honesta, económica, sava entrar pela porta." A esposa relatou também as
cimoniosa,obstinada e algo queixosa. "Era ambicioso. seguintes compulsóes: "Ele também tinha a impressao.
Desejavacursar o nível secundário e tornar-se mais quando caminhava, de que havia alguma coisa sob os
do que um simples trabalhador. No colégio, dedicava-se sapatos. Precisava parar e olhar a sola dos sapatos, mas
bastante aos estudos e era um estudante com boa
404 NEUROSES

nada havia ali. Preocupava-se,também, em verificar Sob terapia, o paciente gradualmente melhorou. Dota
se seus sapatos estavam ou n'O amarrados. Necessitava anos após a sua admissso, deixou o hospital para em-
pegar no pé e olhar para se tornar seguro disso. Pre- pregar-se numa fábrica de tijolos. Relatório recebido
cisava fazer isso um certo número de vezes antes de um ano mais tarde informou que, ainda que n'O esti-
ter a certeza absoluta de que estavam amarradc». Quan- vesse completamente bem. era um empregado muito
do andava pelo rua, se desse um pontapé numa pedra, bem sucedido no seu trabalho.
acbavL que deveria colocá-la de volta no mesmo lugar.
Se caminhasse em linha reta, depois teria de passar
em todas as rachaduras do passeio." Psicodinâmicas
Quando chegou ao relatou ao médico que
o Admitiu: "Eu gosto de lavar minhas maos muitas Psicogeneticamente, acredita-se que a
vezes ao dia para torná-las boas e limpas." Enquanto origem das condutas obsessivo-compulsivases-
talava ao médico, erguia os braços em flexóo, no sen- tá nos primeiros esforços ou na luta da crian-
tido de evitar que tocassem em alguma coisa. Imedia- ça em crescimento, entre seus impulsos diri-
tamente ele ficou sabendo que estava preocupado e
com medo de adquirir outras doenças. Como parecia gidos para uma onipotente auto-afirmação e
algo deprimido, foi-lhe perguntando acerca de pensa- a necessidade de conformar-se com as exigên-
mentos suicidas. Replicou que achava que a morte se- cias dos pais, no sentido de manter o amor e
ris melhor do que pensar nas coisas que pensava, mas o respeito deles. O período inicial do treina-
acrescentou que "realmente nunca" cometeria o sui- mento dos hábitos de higiene é o inicio do
cfdio. Depois acrescentou: "Quando eu digo as coisas,
devo fazê-lo de uma certa maneira. Se eu núo as digo
conflito. Muitas vezes, o futuro indivíduo
com propriedade, preciso pedir desculpas, ou fazer apo- obsessivoé educado por uma rígida e compul-
logias. Faço isso todo o tempo. Isso Irrita a minha mu- siva mãe que, insistentemente, exige a submis-
lher e é uma outra razAopela qual ela n'O podeviver são e ameaça tanto com a falta de amor ou
comigo.Eu legaria meus livros a ela para me descul- com várias formas de punição, pela criança
par, ou lhe faria apologias. FOI a 'apologlzaç'o• que fracassar em ter uma conduta apropriada. A
g contrariou, ela nunca está em paz. Penso que, se criança em crescimento está, pois, exposta a
esfrego minhas múcx 88 vezes, fecho e abro a água, e
depois volto novamente atrás, tudo correria certo. De- um repetido despertar de rancor, através das
po#s, penso que, talvez, n'O as tenha lavado 88 vezes." insistentes exigências de limpeza e submissão,

Um més após a sua admissáo, o médico de sua en- mas precisa reprimir-se para manter a rela-
fermaria registrou a seguinte nota no relatório clínico: çáo com seus pais. Muito cedo, aprende a en-
paciente tornou-se extremamente perturbado por carar os seus pensamentos ocultos de hostili-
sua ideaçLo obsessivo-compulsiva durante os últimos dade reprimida, como sendo tabus e, por isso,
dias. Ele interrompia seu médico em todas as opor- sujeitos a punição e exigindo penalidades.
tunidades e, repetidamente, perguntava as mesmas ques-
saber, observando os pais, que a sua con-
toes, às quais Incluía o seguinte: "Poderia eu lavar Deve
as minhas múos depois de ir ao banheiro e ter a cer- duta de desafios e oposiçãoprejudica a grati-
teza de ser o primeiro? Poderia lavar as minhas ficaçao da atenção dos pais, entretanto, ne-
quando for ao banheiro e tiver movimento Intes- cessita, ao mesmo tempo, então satisfazer os
tinal? Meu pénis toca o assento do vaso. Você acha desejos dos pais tão bem quanto levar a cabo
que poderia lavá-lo com sabáo e água para evitar que
se alastre a doença? Eu n'O gostaria que ninguém ad- um ato expiatório associado.Essa série de res-
quirisse esta doença. Há uma erupçúo aqui. Você n'O postas na conduta, derivadas de um relaciona-
quer dar uma olhada? Acredito que seja alguma es- mento contínuo, por muito tempo, com tais
pécie de doença. Etou com medo de que todo mundo figuras familiares, torna-se tão internalizado
Eu n'O sei, doutor, estou com medo
de que alguma coisa esteja para acontecer. Tenho um
e inconsciente que cada pensamento refletin-
pressentimento de que posso ficar doido ou qualquer do raiva ou hostilidade, põe em açao os trei-
coisa assim. Alguém me perguntou, se eu acreditava nos psicodinâmicosde uma balanceada ati-
que essas coisas eram absurdas e eu disse 'sim', mas tude ambivalente de contra-reaçño, simboli-
agora que penso nelas, n'O me parecem absurdas. Ea- zando rancor, gratificação, submissao e expia-
tou exatamente tentando explicá-las. Elas n'O me pa- ção.
recem realmente bobagens, do contrário eu n'O as faria
assim como faço." O paciente manifestou uma interes- No breve sumário que se segue estão as
sante incapacidade para tornar definitiva uma afirma- associaçõeslivres de uma jovem mulher, advo-
ç'o ou para tomar qualquer decisáo. Quando se dis-
cutia um certo assunto. ele poderia responder coisas gada, compulsivamente limpa e meticulosa,
como as seguintes: "Bem, doutor, é exatamente assim, dadas durante a psicoanálise e seguidas de
Bem, n'O, n'O é exatamente assim. Eu poderia dizer uma observação do terapeuta que disse pare-
que, de certo modo, isso está um pouco fora da ordem. cer ela ser confusa e suja no seu trabalho ju-
Bem, isso n'O é absolutamente certo para Tal-
vez eu pudesse colocar as coisas no seu lugar. mais rídico dado o modo com que deixava cair a
do que — uh bem, n'O, n'O é isso." cinza do cigarro nos móveis.
NEUROSES
••Ê dificil acreditar que eu faça 405
alguma sujeira para
mamae. Parecia-me que quando intimamenteligadospela semelhançae a rela-
limpando e criticando-me por n'Ominha mae estava cão com os símbolos vistos na esquizofrenia.
me
a maneira de aborrecer-me e ao ser limpa, essa era Costuma acontecer, não raras vezes, que aquilo
tinha outro meio de conseguirpapai. Sentia que n'O que se pensa, inicialmente, ser o estado de
Nunca senti tanto rancor contra dar-lhe um contra. tensão ruminativo-obsessivade um neurótico,
ninguém senao contra
minha múe. Ser suja era o meio que
lhe o contra ou rebelar-me.Uma aprendi para dar-
seja uma reaçáo esquizofrénica óbvia, habi-
o quanto ficava transtornada quandovez, ela me contou tualmente do tipo paranóide. Em geral, pode-
quer coisa de valor. Tornei-me eu quebrava quai- se dizer que por maiores que sejam as rumi-
quando estive no campo com Ruth.corno minha mae naçõese menores as tensões,é mais provável
que brilhava. Todas as pessoas Ela era tao limpa
gcxtavam dela e a aci- que a reação seja esquizofrênica.Um fracasso
miravam. Ela Infligia os seus padróes
mente, encontrei-a e pensei que a todos. Recente- por parte do enfermo para encarar as suas
ela era esnobe." fobias e compulsõescomo um absurdo e par-
ticularmente para atribuí-las a influência ex-
Prognóstico ternas, indica uma grave origem esquizofré-
nica. O neurótico compulsivonunca perde a
Quando o estado
tem o seu acometimento na obsessivo-compulsivo experiências
infância e no ini- subjetivas e a realidade, como no
cio da vida adulta, o curso é
crónico, mas variável e muitoshabitualmente nala Bleuler, o neurótico compulsivo luta
sofrem periódicos episódios de pacientes que contra as suas absessóes,enquanto que o pa-
agravamento ciente delirante luta com as suas idéias.
são capazes de adaptar-se socialmente.
reação não aumenta o risco do Essa
suicídio,homi- Outra hora, as genuínas depressões de
cídio ou abuso de drogas de qualquer uma psicose maniaco-depressivapodem estar
ou de hospitalização mais prolongada.espécie, acompanhadas de idéias obsessivas.Para a di-
cessidades do paciente compulsivo As ne-
freqüente- ferenciação desses casos com os estados com-
mente interferem seriamente com o pulsivos, pode-se perguntar qual apareceu
forto e eficiência. Em casos extremos,seu con- primeiro, a depressão ou a idéia obsessiva.
cupaçóes constantes com os rituais as preo-
torna-lhes impossivel a vida social. protetores
Tratamento
psiquiatras caracterizam as neuroses Alguns
sivas como estados intermediários entre obses-
as Quando estão completamente desenvolvi-
neuroses e as psicoses. Os estados obsessivo- das, as reações obsessivo-compulsivassão cada
compulsivosdas crianças habitualmente desa- vez mais refratárias ao tratamento do que os
parecem com o tempo, se não forem tomados estados mais leves. Por isso, é importante
a sério na sua presença. Tais compulsõesde- que o tratamento seja feito bem cedo. As neu-
senvolvem-se da ansiedade infantil, muitas roses obsessivo-compulsivas, habitualmente,
vezes de uma angústia simples.O prognósti- desenvolvem-se nos indivíduos caracterizados
co é muito mais sério, se o ataque ocorre du- por traços compulsivosde sua personalidade.
rante a adolescência ou no início da vida A neurose é, em muitos casos sentida como um
adulta. exagero e uma caricatura desses padrões. Por
isso, devem ser feitos esforços no sentido de
se descobrir os fatores que, através de suas
Diagnóstico ações dinâmicas, levam primeiramente à dis-
posição da personalidade e, depois, às neuro-
Um diagnóstico entre a esquizofreniapre- ses. O tratamento então poderá ser psicoterá-
coce e as neuroses obsessivo-compulsivasé, pico e consistir em uma psicoanálise formal ou
algumas vezes, extremamente difícil. O pensa- baseada em princípios analíticos. Guiado pelo
mento obsessivodo psiconeuróticopode não terapeuta, o inconsciente do paciente é explo-
ser diferente das ruminações subjetivas do rado e os seus medos, aparentemente irracio-
esquizofrénico e o ritual compulsivodos pri- nais, e suas compulsões,adquirem novo signifi-
meiros pode sugerir os maneirismos dos últi- cado quando compreendidoscronologicamente
mos. O simbolismo, visto nos atos compulsi- em termos das primeiras experiências e do di-
vos do indivíduo neurótico,assim como a na- namismo do inicio da vida. Em todos os casos,
tureza substitutiva das fobias, estão, ambos, particularmente nas personalidades rígidas e
406 NEUROSES

naquelas de desenvolvimentointelectual limi- reaçóes incluem os muitos casos de dor ou


tado, medidas reeducativas podem ser empre- pesar patológicos,ou um prolongado luto que
gadas. O paciente poderá ser encorajado a substitui e segue a morte de um membro mul-
avaliar a importância relativa dos assuntos e to íntimo da família. Em muitos casos, a
a aprender que a indecisãoe o perfeccionis- crise de depressão reativa segue-se imediata-
mo podem ser contornadosmesmo à custade mente após uma perda significativa e eviden-
erros e mediocridades. Atitudes como culpa te, pela morte ou separação ou, então, surge
excessiva e superconsciênciapoderio ser dis- como conseqüênciade um fracasso na vida so-
cutidas. Cultivar os interesses latentes pode cial, económica ou pessoal. Essas crises podem
ajudar a reduzir os pensamentos ruminati- dever-se ao rompimento de um noivado; um
vos aos quais esses pacientes estão freqüente- namoro; divórcio; a morte do cônjuge, de uma
mente ligados. Preocupações consigo mesmo e pessoa amada ou dos pais ou a repentina per-
auto-análise devem ser desencorajadas. da da fortuna, de um bem apreciável ou de
A leucotomia pré-frontal tem sido, algu- uma função valiosa. Menos comumente, a de-
mas vezes, seguida de melhora. É necessário, pressão segue-se conquista de uma posição
no entanto, que Seja indicada para os casos desejada, a chamada depressão do sucesso.
muito graves, nos quais o paciente está prati- Em todos os casos, a perda induz ao estado
camente confinado à sua casa e incapacitado afetivo de tristeza e também à ansiedade e,
para qualquer atividade utilitária, em virtude freqüentemente, à culpa ou à vergonha. As
das suas compulsões. Os resultados são muito respostas, em geral, nio diferem de maneira
melhores quando há evidência da persistência alguma daquelas descritas anteriormente nas
dos impulsos e Auando os sintomas obsessivos reaçóes afetivas psicóticas. Nas depressões
estio acompanhados por considerável ansie- neuróticas, no entanto, os sintomas de uma
dade. regressão somática profunda como, anorexia,
perda de peso, constipação, impotência sexual,
HIPOCONDRIA excessivo retardo e agitação não sio vistos.
Por outro lado, podem surgir outras modificas
caracterológicas reativas, como os recur-
O termo hipocondria, ou reação hipocon- Góes as gratificações orais. O choro parece
que têm sido,há mui- sos para
dríaca,é um dos termos
mais freqüente nas depressõesneuróticas
to tempo, aplicadosa um grupo de sintomas ser nas psicóticas.
psiconeuróticos.A reaçáo é caracterizadapor do que
uma preocupação obsessiva e uma inqUietaçao A reativaçáo depressiva, habitualmente,
do indivíduo acerca de seu estado
de saúde ocorre naqueles indivíduosde estrutura neuró-
Amiúde, o pa- tica.Então, há o excessivamente tímido e au-
ou da condição dos seus órgãos.
ciente expressa uma multiplicidade de quei- todepreciativo, o soberbo ou arrogante e o com-
xas sobre diferentes órgãos ou sistemas
corpo- pulsivamente autojusticeiro. Quando tais pes-
rais que, reiteradamente, afirma deva ser uma soas se deparam com uma perda, há uma ex-
doença incurável. O hipocondríaco somen- pectativa de tristeza, com luto e autodepre-
te está ciente das várias sensações
que mui- ciação, acrescida, habitualmente, de culpa e
tas pessoas desprezam, mas também exagera ansiedade, devido ao surgimento de um ina-
a intensidade das sensações
de fadi- ceitável sentimento de ódio e agressividade em
pa- relação ao objeto perdido. Algumas vezes o
ga, etc. Em muitos casos, a hipocondríase
rece ser um deslocamento da ansiedade para deprimido tenta superar a ansiedade, a culpa
o corpo, resultando daí, as queixas somáticas, e a tensão, recorrendo ao álcool ou a drogas.
Algumas reaçóes hipocondríacas podem tor- Outros buscam um suporte de dependência
nar-se excessivamente persistentes e obses- nas queixas hipocondríacas. Os deprimidos
sivas com o desenvolvimento
associado das reativos são comuns nas clínicas médicas ge-
compulsões. rais com seus sintomas de dores, queixas, do-
res nas costas e preocupaçõescom as várias
funções dos órgãos. Outros, em menor núme-
REAÇOES DEPRESSIVAS
ro, tentam resolver o seu estado de rancor e
a angústia ansiedade, através de vários acting out im-
Nas depressões psiconeuróticas,
pulsivos, anti-sociais, como promiscuidade e
torna-se mascarada por uma conduta de au- indulgências com uma variedade de excessos
to-depreciaçáo e sentimentos depressivos. Tais
NEUROSES
sexuais, A maioria, no
entanto,
fadiga, lassidio e dificuldade queixa-se
para dormirde dois tipos de
estados
e imediatos e os de pós-traumáticos: aqueles
simistas e autopiedosos; mas, ocorrência retardada.
uma precária continuidade em geral, loq•a.m
caso da perda de um parceiro, de suas çáo fantasiosa
vidas) No de aniquilação
mente querido, as virtudes ambivalente- nio conduzem,
necessariamente, às desorganizações
esposa são exaltadas, e os do marido ou da nas síndromes
neuróticas
do ego
prolongados, quadros e rituais de luto são tas condições,as de stress. Sob cer-
lembranças exibidos situações
levam ao crescimento indutoras de stress
com ostentaçio e visivelmente
da personalidade e au-
quanto que as desarmonias sãocomentados en- mentam o potencial
do ego para o controle
todas negadas. emocional.Numa série de
As depressões que
surgem depois
presumidoposto de responsabilidadeque um imediatas ao stress agudo estudos das reaçóes
cies, Janis descreveu de diferentes espé-
quistado, cumprem o objetivo foi con- um espanto obsessivo,
de preservar a com olhar inicial,
pessoa que sofre da fobia do fixo,
ao desastre. Tal espantorígido, como resposta
siedade associada à ascensão sucesso, da an- é também observado
a uma posição naqueles que convergempara a cena do de-
de autoridade e proclamam sastre. Ambos,
necessidadede firmeza e aceitaçãointernamente a a vítima
tio preocupadoscom e os observadores, es-
pensa, expóem o enfermo ao medo da recom- pensamentos e fantasias
acerca do que lhes poderia ter
taliatório e da inveja, atitudes que do ódio re- rante o desastre ou o que lheacontecido du-
teve no passado, em relação às ele próprio poderá acon-
autoridades. tecer no futuro. Quando os sofrimentos
A psicoterapia é o método ou a
terapêutico que
mais freqüentemente proporciona o se estendem por
mais do que alguns meses,
emocional desejado e, quando combinada suporte como no caso de doença prolongada
ou nas
o entendimento psicodinâmico, dará quasecom experiências sádicas dos campos de prisão, o
a resoluçãoda culpa e da vergonha patológi- que processo do trabalho através da elaboração
cas. As drogas antidepressivas, iniciando-se é prolongado e pode-se notar profundas mo-
preferencialmente, com as imipraminas dificações de atitude. Como Janis reviu, pes-
com um de seus análogos, como está descrito ou quisando neste campo, o "trabalho da ansie-
no Capitulo 32, poderio ser tentadas em todos dade" parece evidenciar ser um meio de au-
os casos, aindaque a sua administração
mentar o nivel de tolerância para uma subse-
tenha qüente ameaça ou sinal de perigo. Numa sé-
provado ser muito menos efetiva nestes
casos rie de experiências ele constatou que, por mais
do que no tratamento das psicoses afetivas. que tenham
Os hipnóticos, geralmente, sido completos os temores preli-
são necessários minares e antecipados, a apreensão e a ansie-
para a insónia. dade, será grande a auto-segurança do indi-
víduo no teste da realidade e provavelmente
REAÇOES A GRANDE STRESS ele exibirá um maior controle diante da amea-
ça de stress ou de privação no momento atual
Em seqüência a uma grave ameaça à vida, de sua vida. Quando o stress é tão repentino
como conseqüênciado stress da vida civil em que elimina o potencial da ansiedade e nio é
casos de catástrofes, acidentes, inundações, obtida uma adequada e antecipada previsão do
furacões ou erupções vulcânicas, ou de opera- desastre ou quando é dado ao indivíduo uma
Góes militares,de combate ou dos horrores da falsa segurança ou ainda quando ele tenta
vida nos campos de concentração, resulta uma suprimir a ansiedade antecipada por meio da
desordem bem definida da personalidade. negação, de um hiperotimismo, ou pela ati-
Essa condição, conhecida muito cedo na lite- tude de evitar o que se pode prevenir, a sub-
ratura alemã como neurose de espanto
seqüente reaçáo induzida do stress será muito
mais profunda do que naqueles indivíduos
(schreck),e na inglesa como neurose traumá-
tica, pode ocorrer como um distúrbio isola- preparados pelos temores antecipados.
do ou complicar uma desordem da personali- Talvez o modelo experimental mais inti-
dade preexistente. Nos Estados Unidos, ela mamente relacionado com as reaçóes agudas
provavelmente ocorre mais comumente e é de stress ou com as neuroses traumáticas seja
com maior freqüência irreconhecível depois a resposta emocional condicionada, induzida
dos acidentes de automóveis. Adler diferencia nos animais e estudada extensamente por
408 NEUROSES

Hunt e Brady. Nessas condições,a resposta çóes agudas ao stress. As síndromes dos cam-
emocional é muito maior ao estimulo condi- pos de concentração, de modo semelhante,
cionante do que ao incondicionado; isto é, são descritas como sendo síndromes crónicas.
para ser colocadoem termos do pensamento
humano, qualquer pensamento perceptivo ou Neuroses de Combate
outras associações ao trauma, continuam e
aumentam a resposta de ruptura das funções Presumivelmenteas neuroses de combate
do ego. O autor refere-se à revisão de Hunt, têm sido, há muito tempo, associadas às ope-
dos estudos sobre respostas emocionais con- rações militares, ainda que sua verdadeira na-
tinuadas, como está assinalado no Capítulo 3 tureza e sua psicopatologianão foram relati-
e particularmente ao seu ensaio dos vários vamente reconhecidas, senão recentemente.
efeitos dos psicofármacos e do eletrochoque Durante a Guerra Civil, DaCosta descreveu o
no controle dessas respostas. "Irritável Coração dos Soldados". Isso era in-
Na nomenclatura corrente, essa síndrome dubitavelmente uma neurose induzida pelo
não está registrada entre as neuroses, mas stress e ansiedade do combate e muito intima-
entre os Distúrbios Transitórios Situacionais mente semelhante ao quadro da "Atividade
da Personalidade, como "reaçóes a grande Desordenada do Coração", 80.000casos dos
stress". Essa classificaçãoé insatisfatória por- quais, dizem, ocorreram entre os soldados bri-
que o acúmuld de evidências de ambos os estu- tânicos durante a Primeira Guerra Mundial.
dos, o dos veteranos da guerra com neurose Ê interessante o fato de que essa alta inci-
de combate e dos sobreviventes dos campos de dência não foi relatada na Segunda Guerra
concentração, têm mostrado a persistência Mundial, presumivelmenteporque a sua na-
continua e demorada da ruptura das funções tureza tornou-se bem reconhecida e foi desig-
da personalidade.Kardiner e Spiegel defini- nada como neurose.
ram como suportável a ruptura das funções Na I Guerra Mundial,o fogo de artilharia
do ego nos veteranos americanos da Primeira alcançou nova intensidade com tal potencial
Guerra Mundial à qual eles referiram como de produzirmedo que nunca fora atingido an-
sendo uma psiconeurose, na crença de que um teriormente pelas armas de guerra. Foi noti-
severo stress efetuou uma desorganizaçãodos ciado que, com aqueles terríveis bombardeios,
processos fisiológicos responsáveis pela função quase sempre combinadosao fato de inspira-
integradora do ego. Mas a investigação dos rem medo de ataque aéreo, os soldados desen-
sobreviventes das experiências dos campos de volveram uma variedade impressionante de
concentração onde, em massa, homens e mu- sintomas, incluindo paralisias, grandes tremo-
lheres aos milhões foram expostos, durante res, mutismos, cegueira, confusão ou intensa
anos, à iminente ameaça de morte, repetidas angústia. Na ausência aparente de outros fa-
brutalidades, separação e perda do suporte tores etiológicos, concluiu-se primeiramente
emocional dos familiares e amigos e privações que o cérebro devia, de alguma maneira in-
físicas das mais extremas naturezas, estabele- determinada, suportar a ferida de uma con-
ceu a existência de um estado crónico de cussâo por um explosivo,quando se acompa-
stress. O estudo de Eitinger da síndrome do nha bem de perto a explosãode uma bomba.
campo de concentração fornece hoje o estudo O termo "shell shock" foi então aplicado para
mais completo dessas suportáveis fragmenta- designar essas casualidadespsiquiátricase foi
çóes no funcionamento da personalidade, pe- prescrita,para o seu tratamento, hospitaliza-
Ia exposiçãoa inundantes emoçõesou sobre- cão prolongada. Atualmente, reconhecemos
carga de stress. que a "shell shock" era, primeiramente, um
Uma vez que o quadro clinico em ambas problema psicológico.Mais tarde, na guerra,
as formas, aguda e crónica, da reaçio de tornou-se claro também que essa hospitaliza-
stress simula, muito amiúde, a neurose de an- çáo prolongada não fazia mais do que alimen-
gústia, essas condiçõesestio aqui descritas, tar e fixar os sintomas mentais, os quais im-
Em relação às respostas ao combate, na guer- pediam o retorno ao combate e ofereciam uma
ra, as que têm sido mais completamenteexa- pensão de compensação, fornecendo até mesmo
minadassio as reaçóesagudas de stress, por um considerávelganho secundário.
isso estipulou-se ampliar a sua discussão e Antes do fim da II Guerra Mundial,tor-
compreensLocomo sendo o protótipo das rea., nou-se claro que a incapacidade funcional
409
NEUROSES
provavelmente seria muito menor o
te com uma neurose aguda, induzida se pacien- viço Militar é acompanhada pela perda repen-
na ba- tina dos suportes emocionais providos pelos
talha, fosse tratado perto da linha
de frente e familiares e amigos, a privação de companhia
retornasse às suas atividades, tão
to possível. Notou-se também cedo quan- feminina e perda da individualidadee da pri-
que a percenta- vacidade. Freqüentemente, o soldado intem-
gem de recuperação seria pior se a atitude do
pestivo tem também um sentimento de não
psiquiatra indicasse não haver nenhum dano
orgânico e se o nome pelo qual a neurose
ser apreciadoe nutre ressentimentos resultan-
fosse tes de modificaçõesdos padrões relativamente
conhecida pelo soldado implicasse ser a sua
flexíveise permissíveisda vida civil para su-
incapacidadetemporária e recuperável. jeitar-se a uma restrita disciplina,regimenta-
O medo extremado e repetido das ba- cão e subordinação.
talhas, com uma constante ameaça de morte,
mais a intensa fadiga, são fatores precipitan- Os stresses e os conflitos aos quais o solda-
tes na produção das neuroses de combate.A do está expostodurante o período de treina-
mento são relativamente suaves e manejados
exaustão física, por si só, não é suficientepara
por muitos exercíciossem o desenvolvimento
produzir neurose, mas serve para diminuir a
sintomas de protestos em forma das síndro-
resistência de tal modo que as forças psicodi- de neuróticas e psicóticas.Ainda que o pe-
mes
namicas são mais facilmente desprendidas.
Por maiores que sejam, no entanto, os elemen-
ríodo de treinamento não seja acompanhado
dos perigos do combate, renuncia-se às gra-
tos que fazem diminuir a eficiência física re- tificaçóes normais e os objetivos destrutivos
sultante da fadiga, falta de alimento e sono, substituem aqueles construtivos da vida civil
ou doença intercorrente, tanto mais facilmen- anterior. Novos relacionamentos que poderiam
te ocorre um colapso emocionale tanto maior vir ao encontro das necessidadesemocionais
é a probabilidade de o soldado não poder re- do soldado num estado anormal e estranho
tornar ao seu posto na ativa. têm de ser estabelecidos.Sob estas circuns-
Os fatores da personalidadetambém pre- tancias, as relações emocionaismais constru-
dispõem às neuroses de combate. Não é fá- tivas são as identificaçõesdo soldado consigo
cil selecionar o homem que poderá manter um mesmo, como parte integrante da sua unida-
equilíbrio emocional em combate e eliminar de como parte dele próprio. Deverá confiar
aquele que provará ser inadequadopor causa em sua unidade,no caráter, na capacidadee
do stress. Não é sempre o homem instável e na bravura do seu líder. Com a formação das
neurótico, como seria de se supor, o que per- relações mais profundas com o seu líder e seus
de a resistência no terror que acompanha um camaradas, seus sentimentos de segurança e
prolongado e intenso combate. Em geral, é poder são aumentados e seu moral ou atitudes,
a pessoa tímida e passiva,que não pode mo- sentimentos e crenças que produzem a parti-
bilizar e externar a sua angústia, que reage cipação em um esforço unido, são promovi-
agressivamente contra o inimigo e depois des- dos.
carrega sua tensão, aquela que provavelmen- O medo, lembremos, é uma experiência
te desenvolverá uma neurose de combate. emocional em resposta a um estímulo que tem
Muitos homens, entretanto, por patrio- uma realidade no momento atuai, que cons-
tismo, tornando suas as exigências de seu país, titui a ameaça presente ao indivíduoou in-
são induzidos a ingressar nas forças armadas, dica um perigo real. A angústia, por outro
sem que haja uma forte e conscienteinclina- lado, é uma expectativa de perigo, um estado
gio para a vida militar ou para as experiên- emocionalde apreensão, incerteza e insegu-
cias de combate. Muitos deles,nos períodos de rança que pode ser produzido por uma situa-
indução, são até mesmo emocionalmente de- çao simbólica de um perigo externo ou por
pendentes de suas famílias, talvez superpro- conflitos internos e as tensões presentes no
tegidospor suas mães e intimidadospor pais inconsciente. Freqüentemente irrompe das
cruéis. Estabeleceu-setambém que um gran- ameaças da hostilidade reprimida agressão
de e injustificável número de neurose de ou ressentimento. Ainda que essa distinção
combate ocorreu em indivíduos vindos de lares entre o medo e a angústia possa ser feita, nas
desfeitos ou malformados, desfavoráveis ao situações de guerra elas operam conjuntamen-
desenvolvimento de uma personalidade ama- te. A tonalidade das suas emoções e as ex-
durecida e bem integrada. A indução ao Ser- pressõesfisiológicasque as acompanham sio
410 NEUROSES
1,

as mesmas. Entretanto, a angústia real surge convicçãoda necessidadede lutar, tudo isso,
da ameaça interna, atribuída a (projeção)al- predispõe à neurose de guerra. Um sentimen-
guma fonte externa, real. Nas neuroses de to de culpa sobre a expressão de hostilidade e,
guerra, essa projeçáoé feita sobre uma situa- às vezes, um fator psicogênico.A regimenta-
cão externa, perigosa e também provocadora cão e a frustração da vida serviçal,a separa-
de medo. Ambos, o medo e os sentimentos de çáo do lar e a existência de dificuldadesdo-
apreensão e insegurança, característicos da mésticas são, freqüentemente, de muito maior
angústia podem, por isso, ser vistos como tendo significação do que os acontecimentos dramá-
uma fonte comum. Nas situações de batalha, o ticos.
medo e outras poderosas forças externas e A necessidadede que o homem "tem que
emocionais atuam sobre as tensões e ameaças suar" em circunstâncias ambientais hostis,
internas e sobre as fontes inconscientes da an- contínuas, resulta quase que inevitavelmente,
siedade. Dessas fontes de stress emocional do por si só, em algum grau de angústia. Há tam-
combate, o medo é o mais potente e seus efei- bém certos fatores, tanto internos como exter-
tos somáticos e fisiológicos transformam-se nos, que tendem a aumentar a angústia.Um
em fonte de grande fadiga. Sob as circunstân- desses problemas internos é o manejo pelo sol-
cias de combate, os vários stresses internos e dado da sua hostilidade.Durante a vida civil,
externos conspiram para produzir o conflito ele foi educado para inibir qualquer impulso
que se pode tornar intolerável. As defesas psi- hostil ou agressivo. Ao passo que, anteriormen-
cológicas do ego, nesse período, efetivas, co- te, ele se impressionavacom o valor de uma
lapsam com o conseqüentedespertar da an- vida humana, agora o soldado está na expecta-
gústia e a emergência de padrões infantis de tiva de matar tantos homens quanto possível.
conduta, os quais constituem o quadro neuró- Sua hostilidade que, através de longa inibi-
tico. A angústia e o seu manejo constituem, cão, tornou-se, bem reprimida, está agora pa-
por isso,um dos problemas básicos da neurose ra ser posta em ação para matar homens co-
de guerra. mo ele mesmo. Essa realização da hostilidade
FATORES QUE CONTRIBUEM PARA AS e dos impulsos agressivos, nas suas expressões
NEUROSES DE GUERRA. Como já indiquei,mais destrutivas, evoca a angústia. O problema
o medo e um enfraquecimento na habilidade do controle dos impulsos agressivos é prova-
de reprimir as reações de medo, são altamente velmente uma das cargas psicológicasmais pe-
estimuladores da angústia. Uma quebra do sadas do soldado. A situação do combate de-
moral do grupo ou uma atitude derrotista den- manda a realização da agressão, qualquer que
tro da unidade de combate, aumentam gran- seja a sua origem,quaisquerangústias e ten-
demente a fadiga e o esforço psicológico.Tais sões que sejam acrescentadas às cargas do
perdas de moral estão sujeitas particularmen- ego enfraquecem suas funções defensivas e
te a aparecer nos casos de falta de fé nos ofi- aumentam a possibilidadede uma neurose.
ciais comandantes,na ausência de identifica- Frustrações, como tratamento parcial, tendo
ção com a própria unidade, ou durante uma em vista a promoção, excitações ou licenças
retirada. A qualidade da liderança é um dos para saídas, também fazem vir à tona os res-
fatores mais importantes na incidência do sentimentos, a hostilidade e a angústia.

colapso neurótico em qualquer unidade. Pro- Os sentimentos de culpa provocam an-


longados períodos de forçada inatividade du- gústia,como se sabe. Tais sentimentos podem
rante os quais os homens são expostos ao pe- surgir dos pensamentos do soldado de que foi
rigo, predispõem a uma reação de angústia. ele o responsávelpela morte de alguém mais,
Assim como a solidão do "buraco de raposas", talvez de civis, assim como a de um inimigo.
a luta com a habitual incapacidadede comu- Outra vez, a morte de um camarada, por quem
nicação com os companheiros. Os escapes re- o paciente entretinha sentimentos ambiva-
petidos, apertados, as altas perdas no comba- lentes ou havia identificado como um rival,
te e a exposiçãorepetida à mutilaçãoe à mor- pode criar sentimento de culpa, com ansie-
te de amigos íntimos, aumentam a apreensão dade e depressão. Uma hostilidade incons-
e estimulama culpa e a angústia. O medo de ciente pode levar à convicção,por parte do
tornar-se um covarde ou de perder o próprio paciente, de que no momento atuai ele causou
controle na realização de uma responsabilida- a morte de um companheiro. Outra hora, de-
de com relação à vida dos outros e uma insu- pois da morte de um companheiro,o indivi-
ficiente compreensãoda guerra ou a falta de duo desenvolve um sentimento de culpa na
411
NEUROSES
crença de ter fracassado ao tomar
seus amigos. Freqüentemente,
conta de também o hábito da obediência e da conduta
mi-
companheiro ou de um oficial
a perda de um disciplinadaestabelecidapelo treinamento
criando aquele sentimento de ter respeitado,
ficado so-
litar.
zinho, em ajuda e desertado, privam Um fator adicional que indubitavelmente
guerra
dado do suporte emocionale leva o sol- auxilia na prevenção das neuroses de de
gústia suportável. a uma an- é a educação através de uma série
leituras concernentes à natureza do medo.
Um •importante fator, portanto, da pre-
disposição às neuroses de combate é a mobi- Ela dirá que o medo é uma emoção normal
lização excessiva das emoções que sempre fo- na batalha e que experimentá-lo não será
ram importantespara a personalidade,mas considerado como uma ocasião para censura
que anteriormente não forçaram ou não so- ou autodepreciaçño.Ao soldado serão dadas
informações simples concernentes às suas ma-
brecarregaram as forças de controle. A an- nifestaçõesfisiológicase à natureza das rea-
gústia neurótica na batalha pode estar enrai-
Góesnervosas que elas produzem. O seu reco-
zada na passividade, na hostilidade ou na nhecimento do medo e o seu esforço para lidar
agressividade e no caráter das defesas da per- tendem a mi-
com ele,num nívelconsciente,
sonalidade construídas contra ela desde o ini- nimizar a sua influência estimuladora da an-
cio da vida. gústia.
FATORES PREVENTIVOS DAS NEURO- REAÇOES NORMAIS DA BATALHA. Para
SES. Um dos mecanismos mais importantes proteger-sea si mesmoda ameaça à própria
do fortalecimento do ego contra os fatores existência,o organismo está total e continua-
produtores de angústia e outras reaçóes neu- mente alerta. Isso leva a um estado de tensão
róticas são as identificações do soldado com emocional grave e contínuo. A despeito dos
a sua unidade. Por esses mecanismos ele trans- vários fatores que ajudam na prevenção das
fere uma considerável parte do seu amor pró- neuroses de combate, stresses tais como exaus-
prio para a afeição e o orgulhode seus equi- tão, excitações e os inevitáveis terrores mortais
pamentos. Os sentimentos de lealdade e obri- produzem reações que poderiam ser conside-
gação, tendo suas fontes nesse mecanismos, radas anormais numa situação civil, no en-
se sobrepõem ao egoísmo»ao interesse pessoal tanto, não são tão incapacitantes a ponto de
e fornecem uma das mais fortesmotivações exigirem a remoção do combate. A não ser que
para o combate e uma das mais efetivas pro- sejam extremas, tais reações devem ser con-
teções contra qualquer expressão dos seus con- sideradas, em tais circunstâncias,dentro dos
flitos. limites do normal. Muitas dessas reaçóes re-
Os relacionamentos de grupo com seus presentam respostas psicossomáticas ao stress
vínculos emocionais estão entre as forças mais
e ao medo.Entre elas estão as sensações de
construtivas e integradoras do indivíduo. De arranco, puxões ou pressão atrás da cabeça e
modo semelhante, uma imensa lealdade recí- do pescoço,tensão muscular, sacudidelas e tre-
proca, da parte de homens que estão lutando mor. Em alguns casos, o soldado pode ficar
e seus líderes imediatos, levanta o moral e transitoriamente imobilizado. Uma excessiva
eleva o limiar da angústia. Uma resoluta mo- transpiração é comum e alguns soldados ex-
tivação pessoal, uma boa moral, sustentada perimentam anorexia, náusea, um vago des-
pelo orgulho de sua própria organização, conforto abdominal, leve diarréia e poliúria.
uma boa liderença, o respeito pelos oficiais e Amiúde, aparecem taquicardia, palpitações,
os soldados companheiros, a confiança no dificuldades respiratórias uma sensação de
equipamento, a sensação de estar sendo trei- opressão torácica e desmaios junto com fra-
nado a propósito, e a boa qualidade da alimen- queza muscular generalizada e lassitude. Mui-
tação, aliada à possibilidade de adequadas tos soldados experimentam dificuldade de
saídas recreacionais são de grande importân- dormir e têm repetidos pesadelos da batalha
cia na prevenção das neuroses de guerra. Ou- e reações de alarma ("startle") aos ruidos
tros fatores que ajudam na prevenção da an- ameaçadores. A batalha contínua de longa du-
gústia são os desejos de evitar a perda da es- ração e o ressentimento é comum entre aque-
tima do grupo por falta de coragem ou falhas les que perderam os amigos e suportaram pri-
em outras exigências da tradição militar e vagões e perigos.
412 NEUROSES
Um radioperador da Marinha, com 18 anos de idade, uma reaçáo a um grande stress e como sendo
foi admitido ao hospital com sintomas de angústia e
depressúo.
a linha básica de onde podem ser avaliadas as
reaçóes. As neuroses de combate consistem
O paciente era o filho mais jovem de uma família
feliz. com quatro filhos. Ele era o favorito e durante portanto, de graus patológicos das reações
sua infancia n'O apresentou nenhum sinal de ins- mencionadas.
tabilidade. Na escola, foi um estudante mediano e A forma mais freqüente de neurose de
mais tarde presidiu o grémio de sua classe e se tornou
um jogador de futebol bastante conhecido. Quando combate é o estado de angústia. Esse estado
irrompeu a guerra, alistou-se no serviço naval com representa acima de 75 por cento das neuro-
o consentimento de seus pais e imediatamente após ses agudas de guerra. Nas angústias modera-
ter completado o seu treinamento de recruta, foi des- das ou nos estados leves de ansiedade,
o pa-
tacado para bordo de um destróier, onde o moral era ciente mostra tensão, tremor apreensão,
alto. Fez muitos amigos íntimos e os assistentes dos
oficiais de comunicaçáo ajudaram-no no aprendizado choro, depressão, sentimento de culpa, verti-
do trabalho de ródio e ele fez rápidos progressosna gens, zumbido nos ouvidos e urina com fre-
transmissáo. qüência, tem insónia, repetidos pesadelos e
O destróier era parte de uma esquadra de proteç'o sonhos do trauma da batalha.Menos freqüen-
de um porta-avióes carregado, engajado na Batalha do temente do que na I Guerra Mundial e habi-
Mar Coral, parQ o ataque aéreo às ilhas Gilbert e tualmente no homem de pobre integração, a
Marshall e, mais tarde, na Batalha de Midway. Em
cada ataque de ocupaçáo,o paciente sentia-se apreen- neurose poderá consistirem uma reação de
sivo,mas uma conversão, com paralisia, perdas sensoriais,
vez que se iniciavao fogo, se compu-
nha interiormente e estava atento aos seus deveres. afonia, fraqueza, cegueira parcial ou total, de-
Enquanto o destróier prosseguia ao lado do porta- feitos da fala, astasia-abasia, uma postura
avióes, em seguida a um bombardeio, durante a Ba- fixada ou parada, rígida, conhecida como
talha de Midway, o paciente viu "o movimento de
um torpedo", aproximando-se do navio; reassumiu o "camptocórmia" e, ocasionalmente, uma per-
seu posto até que, subitamente, foi lançado fora do sistenteamnésia. Tais pacientes exibem muito
seu lugar quando o torpedo explodiu debaixo dele. pouco uma visívelangústia e podem manifes-
Ele mergulhou, e alcançou uma balsa que estava pró- tar "Ia belle indifférence". Nas reações emo-
xima e depois foi levado para bordo de outro des- cionais mais severas,a crise é aguda e súbita.
tróier.Entáo, tomou conhecimento de que o seu me-
lhor amigo, o seu chefe imediato e os oficiais encarre- Um tremor grosseiro,
não é incomum. Pode ser
gados das eomunicaç6es, todos, tinham morrido. De- difícil e até mesmo impossível estabelecer
pois de tomar o seu lugar no navio, desmaiou e em contatocom o paciente.
Mesmo que não tenha
seguida ao seu retorno à base naval, soube-se que permanecido por muito tempo sob o fogo, ele
fora ferido, durante a explosáo,no peito e no abdome, pode convencer-se de que ainda está na
o que, eventualmente, exigiria a ressecçáo Intestinal.
Durante a convalescençada operaçEo,inicialmente so- batalha e conduzir-se de acordo com isso.
fria de terríveis pesadelos, nos quais várias cenas re- Ele pode, com expressões de terror, cha-
lacionadas com o afundamento do destróier, eram con- mar os seus amigos para procurar as bombas.
tinuamente repetidas, durante as quais, despertava em Alguns mostram reaçõesintensamentedramá-
estado de angústia. Súbitos ruídos também produziam
uma apreensío incomum.
ticas e. espantosas e exagerados padrões de
respostas aos estímulos da luz. Em casos ex-
N'O havia nenhuma evidência de doença física,
mas insônia, anorexia, constipaçáoe fadiga eram ob- tremos, a conduta do soldado é aquela da rea-
servados e por isso, entáo, os estudos psiquiátricos cão de pânico, na qual há, aparentemente,
foram requisitados. O paciente estava desinteressado, completa ruptura da organizaçãoda persona-
desanimado, abatido e lábil emocionalmente. As dis- lidade. Suas reações incontroladas, catastrófi-
cussóes acerca de suas experiências na batalha eram-
lhe incómodas e ele descreviacom detalhesa sua sen-
cas, podem variar do selvagem a impossíveis
sibilidade aos ruídos e às várias cenas do combate "vôos" no congelamento, ou regressões primi-
em quadros emocionantes. Os últimos estímulos, in- tivas com estupor, catatonia ou mutismo.
variavelmente, levaram-no à angústia. Depois de um
Alguns casos de neurose de combate assu-
mês de tratamento no serviço psiquiátrico, tornou-se
mais enérgico e contente, dormia bem, começou a ali- mem a forma de depressão, habitualmente
mentar-se, ganhou certo peso e desejou retornar ao precedidade angústia. A depressão,particular-
seu posto. Os pesadelos tornaram-se infreqüentes e mente, pode não ser óbvia senão depois que
os ruídos n'O mais o perturbavam. fracassa o esforço para controlar a angústia.
A depressão é freqüentemente precipitada pela
REAÇOES NEUROTICAS. Como foiindica- morte de um camarada, por cuja perda o sol-
do, sintomas iguais aos já descritos, sendo de dado foi incapaz de reconciliar-se consigo
grau moderado, podem ser consideradoscomo mesmo. Os conteúdos mentais inconscientes
413
NEUROSES
e ag
sáo dominados por idéias de fracasso, culpa dade e ele, morbidamente, examinou o seu corpo
mesmo
no
e autocondenação.O paciente está convencido pernas feridas de um marinheiro, ferido
de que deixou seus companheiros sem bombardeio.
ajuda ou quáo tenso e ansioso se
que, de algum modo foi o responsável por sua Depois, deu-se conta de teve dificuldade em
morte. Freqüentemente as depressões sentia e, nas semanas seguintes,
despertado por sonhos nos
surgem dormir. sendo repetidamente
nos casos em que o paciente teve ou que estava te-
sentimento quais o seu navio era torpedeadoa bordo do porta-
ambivalentes diretamente dirigidosao seu ca- rido nas pernas. Quando estava
marada. Depois da morte do seu companheiro, avióes. voltando para casa, ele e og homens da sua
compartimento dianteiro.
a hostilidade inconsciente que existia nesse divisáo foram alojados num o grupo repeti-
sentimento, estimula a convicção de que, no Durante uma prolongada tempestade, do convés, em
damente e às pressas ia até o bote batia com vio-
momento atual, causou a morte dele. Isso evo- pânico, quando uma escotilha frouxa 30 dias de
ca a culpa, depressão e autopunição. Os sin- lência acima deles. Ele receberia uns modifica-
tomas clínicos são caracterizados por uma face cença após a chegada em seu país, mas as sua
rígida, como a de uma máscara, por lentidão coes em sua personalidade eram tao evidentes og ser-
família que sua máe, imediatamente, solicitcu
dos movimentos e pelas idéias de auto-acusa- viços médicos e conselhos concernentes
aos seus sin-
çao e autodepreciação. tomas,
queixa-
Ao retornar às suas obrigaçóes, o paciente
va-se de dores de cabeça e vertigem e foi transferido
Um marinheiro de 17 anos esteve por sete meses
numa tarefa ativa, antes de ser admitido ao hospital para o hospital para exames. Como n'O havia nenhuma
evidência de doença orgânica. foi pedido o exame
com um suposto diagnóstico de ferida intracraniana. psiquiátrico. Sua excessiva inquietação, em crescendo,
Era o terceiro de quatro rapazes de uma família a agitaçaoe a falta de atençáoe irritação eram, no
com seis filhos. Seu pai era um veterano, "shell- momento, aparentes. Ele estava incapaz de concen-
shocked" (chocado por bomba), da I Guerra Mundial, trar-se, exprimia o medo de morrer e apresentou uma
agora um alcoólatra e lamentador crónico. A mae so- história de pesadelos e sensibilidade aos ruídos, rema-
fria de constantes dores de cabeça. O lar era discor- nescentes do combate. O seu sono era interrompido,
dante por causa das querelas entre os pais: entretanto, quase toda a noite, por terríveis sonhos. Com sedaçSo
o paciente, embora de natureza retraída e quieta, ajus- houve alguma diminuiçáo no desassosse-
e psicoterapia.
tou-se bem à escola, foi aceito pelos seus colegas de go, na insónia e na sua resposta ao alarme. Ele read-
classe e não era considerado como de temperamento quiriu seu peso, mas continuava a queixar-se e insistia
instável. estar incapacitado para retornar aos seus deveres. Era
evidente que n'O poderia tornar-se novamente ajusta-
Em seguida ao alistamento no serviço militar, ele do ao serviço e, em virtude disso, sugeriu-se o seu
recebeu três semanas de treinamento básico e foi des- desligamento.
tacado para bordo de um transporte em exercicio de
operaçóes anfíbias. O paciente esperava que seu ser- Esse jovem marinheiro, criado num lar conflitivo,
viço fosse a bordo de um navio de combate da linha por causa de um pai neurótico. alcoólatra e uma múe
muito tensa, náo revelou nenhuma evidência de ins-
de frente. Três semanas antes da partida dos comboios tabilidade emocionalantes das suas experiências trau-
para se engajarem na África do Norte, ele foi transfe- máticas de combate. Depois, desenvolveu pesadelos. uma
rido para cutro navio. Ali, ele somente conheceu seus reaçáo de alarme e modificaçóesna sua personalidade
ncvcs companheiros de embarcaçáo quando a ocupa- com marcante agitaçio, ansiedade e preocupaçáo, quei-
cio foi aberta. O seu chefe imediato era visto por xag de dores de cabeça e vertigem. O estudo do caso,
ele com pouco respeito, como um "homem velho".J O ilustra a importanciana determinaçso da reaçáo neu-
marinheiro ficava apreensivo quando o navio se apro- rótica, da vida num lar desajustado com a possibili-
ximava da praia, durante as operaçóes, mas rapida- dade das identificaçóes neuróticas e os fatores contri-
mente reccnquistava a compostura quando nio estava buintes de um inadequado treinamento, a indiferença
exposto ao fogo. Nos dias seguintes, sentia-se tão áSSUS- à liderança e moral fraco. Os pânicos repetidos du-
tad0 e com tanto medo a ponto de acreditar que suas rante a viagem de volta ao lar, provavelmente, mais
pernas tinham ficado paralisadas quando. um avião iní- tarde, serviram para aprofundar a angústia do paciente
migo atacou violentamente o navio e atirou-o para pelo processo de condicionamento.
o convés. No quarto dia, o navio foi subitamente tor-
pedeado. Ele ficou em estado de exaustão, indo de
enccntro à parede divisória do porão do navio, BO- SINTOMAS PSICOFISIOLÓGICOS. os sin-
frendo golpes na cabeça: mas náo fol ferido, e rapida- tomas físicos, amiúde associados com angústia,
mente saltou para a rede de um tanque que estava
embaixo. Enquanto arremessava as cordas para os constituem uma forma freqüente de incapaci-
homens que lutavam dentro da água, ficou fascinado dade psiquiátrica no serviço militar. Tais sin-
pelos seus gritos e espantava-se por ver alguns dei- tomas podem referir-se a qualquer parte do
xarem de lado as jaquetas salva-vidas. Depois corpo e podem aparecer no periodo de treina-
do ter ajudado um hcmem a bordo, o paciente sen- mento do soldado ou podem ser precipitados
tiu-se táo fraco que se deitou,no convés e, mais
teve que ser socorrido no desembarque. Nos dias se- ou agravados pelo stress da batalha. Algumas
guintes, um aviúo matou uma mulher francesa no ci- vezes eles sio referidos a áreas do corpo que
NEUROSES
foram previamente o locus de uma doença, fe- ses objetivos, que o tratamento seja tao pre-
rida ou injúria. O soldado,entúo, sofre a dor coce quanto possível. Tanto quanto for prati-
ou um outro desconforto, fora de qualquer pro- cável, aos soldados que mostrarem sintomas
porçáo com o sinal tisico. Em outros casos, o de casualidades psiquiátricas no campo
de
soldado sobrecarregado emocionalmente diz- talha, deve ser dado, primeiramente, o ba-
se "doente" com tipos de incapacidade reu- que se
pode chamar de ajuda psiquiátrica, dos
mática, asténica, gastrintestinal que sáo acei- bros da sua própria unidade de combate.mem-
táveis no seu grupo como sendo originadas nio os oficiais companheiros levantam o Aqui
das faltas dele mesmo, mas como provenien- pelos conselhos,a segurança, a exortaçãomoral,
tes de um escape de uma situaçáo psicoló- liderança. Os soldados ea
com queixas relativa-
gica, relativamente intolerável que náo foi pu- mente menores podem,
muitas vezes, ser pre-
nido. As manifestações somáticas discutidas venidos de entrarem nos
neste parágrafo podem ser vistas de um modo de se ata a dissoluçao canais médicos, on-
do grupo e os fatores
muito melhor como expressões físicas da an- do ganho secundário
gústia do que como fenómenos de conversio. fixar os sintomas. e da sugestão tendem a
Se tais casos súo submetidos a um prolongado Se sua motivação for razoavelmente
estudo e tratamento, os sintomas podem fi- o paciente com boa,
exaustão do combate, respon-
xar-se e o paciente pode transformar-se num derá melhor ao
manejo terapêutico propria-
militar permanentemente inválido. mente. Se o tratamento médico formal é
re-
ESTADOS PSEUDOPSICOTICOS.Em al- querido, o paciente é evacuado para o acampar
guns casos, o soldado, em angústia e reaçáo mento do batalhão de socorro. Aqui, muitos
de pânico ao stress do combate, está tão fora dos pacientes sio aqueles que sofrem de leves
do contato com a realidade e tão confuso e a moderados estados de angústia, complica-
dissociadoe sua conduta é tão bizarra que pa- dos com a exaustão física e os efeitos da ex-
rece psicótico. A crise é habitualmente súbi- posição. Eles estão, comumente, molhados,
ta e o quadro clínico sugere esquizofrenia. Mui- frios,sujos, fisicamente alquebrados.
Se o es-
tos pacientes estio desorientadose fracas- tado de ansiedade não é mais do que
um es-
sam nas respostas a simples questões. Alguns tado moderado, o paciente fica no acampa-
casos se assemelham ao estupor catatónico; mento de socorro por 24 horas onde lhe é
outros sugerem uma excitação catatónica. Es- feita uma limpeza, lavado, sedado adequada-
tes quadros semelhantes aos psicóticos ocor- mente com 7,5 a 10g de amital sódico,
rem nos indivíduosque não foram psicóticos oralmente. Por suas maneiras e observa-
nas suas reaçóes anteriores ou que não têm çóes, o cirurgião do batalhão indica se
traços psicóticosna estrutura básica da sua ele deve aguardar um pronto retorno à ati-
personalidade. Tais psicoses de curta dura- vidade de soldado depois de descansar. Mui-
cão, vividas em "três dias", normalmente de- tos dos pacientes, evacuados para o acampa-
saparecem quando os pacientes são removidos mento do batalhão de socorro estão simples-
da situação traumática. Algumas vezes, a se- mente sofrendo de reaçóes normais de medo,
dação ou o tratamento eletroconvulsivantesão com manifestações somáticas e fisiológicas
medidas prudentes.
desse estado. O paciente, quase sempre, fica
alarmado com os sintomas que interpretou
PROGNOSTICO E TRATAMENTO. Ao se como sendo aqueles de desordens cardíacas,
lidar com essas neuroses, nas Forças Armadas, gastrintestinais, ou de outras doenças físicas.
a ênfase é colocadana preservaçãoda disci- Um exame físicocuidadoso é feito.Se não se
plina médica, um tratamento precoce e vigo- encontra o envolvimento de nenhum órgão, a
roso, curto periodo de hospitalização e evitar causa dos sintomas é cuidadosamente explica-
uma desnecessária atmosfera hospitalar e a da ao soldadoe lhe é asseguradoque nio ha-
promoção, no paciente, da expectativa de re- verá efeitos duradouros ou incapacidades.De-
torno completo às suas atividades. Nesse tra- pois de 24 horas de repouso e psicoterapia,
tamento, cuidados devem ser tomados para consistindo em reasseguramento, suporte e
se preservar a identificação do paciente com exortações, muitos pacientes ficam bastante
o seu grupo de combate, para diminuir o da- melhores, a ponto de poderem retornar dire-
no secundário da doença neurótica e evitar tamente aos seus deveres.
alguma sugestão de doença e incapacidade. Aqueles indivíduos com
reaçóes mais se-
Ê um principio básico, para a obtenção des- veras, pseudopsicóticas são inconvenientes pa-
415
NEUROSES
em casos
tratamento no acampamento do batalhão combate. Agora, é usado
somente

de socorro e são transferidos então para a di- selecionados.


visáo de
esclarecimento. Esses
pacientes exi- dever, o mais cedo possível
estados de extrema O retorno ao sintomas neuróticos,
bern marcantes angústia, previne a progressão dos
agitação e
tensão, pânico ganho secundário
agudo, manifesta-
histéricasou sintomas de psicose aguda.
diminui o aparecimentodo efeito terapêu-
çóes e exerceum desejado e válido relação à separa-
seguida à chegada na divisão de esclare- tico, eliminandoa culpa em
cimento, inicia-se um tratamento psiquiátri- ção do grupo.
é
co ativo. A sedação feita de uma só vez pa- pacientes psiquiátricos, na
ainda não a receberame eles Ainda que os
ra aquelesqueem tendas, convenci-
área de combate, estejam facilmente fisica ou
colocados em enfermarias ade-
dos de que estão seriamente doentes, depois
quadas,providas de camas e recebem alimen- psiquiatricamente, é importante
que,
abundante e quente. ser as-
taçáo de um exame físico apropriado, devam séria
O psiquiatra combina uma atitude de res- seguradosde que não têm doença física temporá-
peito e simpatia
para com o paciente, sem e que a incapacidadepsiquiátricaé qual o
deixar de ser firme, decisivo e também rea- ria, uma reação àquela situação na nenhu-
lista. Não permite
que qualquer dúvida surja soldadofoi colocado,que ela não tem have-
paciente de que possa retornar
na mente dototal, depois ma relação com "insanidade", e que nãoexplicado
ao combate de breve descanso. rá, depois, efeitos permanentes. É
Se ao paciente é
permitido ventilar os seus me- ao soldado que os seus sintomas psicológicos
resultado
dos,
esperanças e ressentimentos muitas vezes, e somáticosnão são mais do que o ba-
segue-se imediatamente o alívio sintomático. normal, freqüente e essencialdo medo da
Uma vez que a lealdade e o sentido do de- talha.
ver para com os seus camaradas estão entre Uma vez que quando uma doença neuró-
os suportes
mais importantes dos soldados tica ocorre no campo de batalha, coloca o pa-
em combate,
uma ajuda é dada no sentidode
ciente numa situação de por-se a salvo do
fortalecer essas forças. Motivações para que combate,é importante que o elemento do ga-
quanto
se reúna ao seu equipamento e ao dever ativo nho secundário seja evitado, tanto paciente
sio fortalecidas.
Tenta-se evitar qualquer su-
possível. Caso se determine que um
gestão de doença
na organização e na atmos- não retornará ao combate, ele será informado
para
fera dos acampamentos de tratamento, na ati- dessa decisãoe lhe serão dadas as razões
tude e na ação
do psiquiatra.Muito cuidado acreditar que esse é o final. A tensão e a
de um
deve ser tomado para se evitar a sugestão de pressão que acompanha a antecipação elimi-
doençapsiquiátrica séria, assim como qualquer possívelretorno ao combate são então
doença física. nadas, junto o esforço adicional incons-
ciente de ganho secundário da doença. Tal
Em ambas as situações, no acampamento
soldadopoderá, no entanto, retornar a outro
do batalhão de socorro e na divisão de esclare- tipo de dever, tão logo quanto possível, para
cimento,para enfatizar o papel precipitante que o repousoprolongadoe a inatividade num
da exaustão física, para promover uma rápi- confortávelambiente hospitalar não se trans-
da melhora depois de breve descansopara evi- forme numa oportunidadepara ele ficar cis-
tar que se dê a impressão de doença mental mando, uma ocasião para fixar as neuroses e
incurável, o termo exaustão é usado para as levarà desmoralização e à invalidez.Tais me-
casualidadespsiquiátricas. didaspoderão ajudar a prevenir neuroses per-
Em certo período da II Guerra Mundial, manentes, muitas das quais se seguiam às neu-
a narcose intravenosa com barbitúricos foi ex- roses de combatesque ocorreram na I Guerra
tensamente utilizada nos estados severos de Mundial.É necessário lembrar que o peso da
angústia e nas reações de conversões histéri- culpa que o soldado pode assumir, caso seja
cas. Durante a narcose, fortes sugestões fo- evacuado do combate por motivos que não são
ram empregadas com o resultado emocional excelentespode, em alguns casos, causar o sur-
da liberação,durante a qual o paciente revi- gimento de uma intolerável e persistente an-
via suas experiências da batalha. Poucos pa- gústia, em função da qual a personalidade po-
cientestratados por esses métodos melhoraram de ficar morbidamente influenciada ou da qual
a um grau tal que permitisse o retorno ao resulta a neurose.
416
NEUROSES
Reações Crónicas ao
Stress personalidade, particularmente
cessos bem sucedidos para o aqueles
Aqueles sobreviventes das experiências dos controle das
gências das emoçõesda vida
civil ordinária
dial sio, hoje em dia, o maior grupo de enfer- Os enfermos da síndrome
mos com reações crónicas ao stress. Outros de- concentração queixavam-se de do campo de
les são os veteranos do combate ou grupos ci- fadiga, enfraquecimento da uma imensa
vis que foram expostos a catástrofes, coleti- dade de concentração, memória, diticul,
labilidade emocional
va ou individualmente. Como a síndrome do amargura, depressão, falta de
campo de concentração é o evento clínico mais prazer em qual.
quer esforço, apatia e indiferença
amplamente reconhecido, ela é descrita aqui. distúrbios persistentes do sono, aos outros
Aqueles milhões de pessoas confinadas correntes, preocupações diárias pesadelos re-
e fantasias das
nos campos de concentração consistiam experiências passadas, irritabilidade,
em tacão e dores de cabeça. inquie-
grupos expostos a diferentes espécies de
inten-
sidade de stress. A ameaça de morte O desassossegoou inquietação,
iminente a tensão e
ou do encarceramento permanente foi a angústia crónica com
por todos. A intensidade das
sofrida inabilidade para es-
ameaças era va- quecer ou deixar de lado as
riável. Aqueles que foram expostos a lembranças das
perseguições nos
e abertas brutalidades, às matanças francas
e exe- muitas vezes conduzem
campos de concentração,
o enfermo a
cuçao dos outros prisioneiros e que foram socialmente do seu ambiente
isolar-se
re- como meio de
quisitados para participar das perseguições eliminar as associações que
nos campos de prisão e nos enterros, enquan- ses sintomas.
intensificam es-
Os inúmeros sintomas
to sobreviviam à separação dos membros físicosre-
de presentam as expressões psicossomáticas
sua família e de amigos, sofreram de da
um mo- angústia. Agora, temos alguma
do diferente daqueles encarceradose priva- indicação de
que os sobreviventes dos
dos fisicamente, campos
concen- de
em virtude de severastração
trições de alimentos, vestimentas, da casa, da dições estão muito mais sujeitos àquelas con-
res-

atividade e das oportunidades para o necessário associadas com o dano específico teci-
dual, como a úlcera péptica.
contato humano, suporte emocional e
estímu-
Io. A grande maioria daqueles sobreviventes Os outros, que perderam as suas famílias,
que agora têm sintomas de debilitação do fun- lares, profissões, são apáticos, indiferentes,
cionamento de suas personalidades,tiveram, deprimidos e com sentimentos de culpa. Su-
no mais alto grau, experiências terrorificas e portando uma pesada culpa como resposta
desesperadoras: assaltos de todas as espécies subseqüente, o enfermo sofre por
ser o único
às suas pessoas, percepções de brutalidades e membro sobrevivente de uma família ou de um
matanças de outrem, profanaçio de corpos,se- grupo ou até mesmo por ser ele um único pa-
paraçao de suas famílias e amigos,doenças fi- rente. A culpa, muitas vezes, é uma resposta
Sicas e privações. Muitos transformaram-se ao sentido da implicação na morte dos outros.
em "cadáveres vivos" nos campos de concen- Aquelesindivíduoscom predisposiçãopara as
psicoses, ou que sofreram psicoses anteriores,
traçáo.
expressam sintomatologia com defesas carac-
Aqueles que sobreviveram, conseguiram- teristicas de estilo ou feitio de suas personali-
no através da mobilização de uma variedade dades. Alguns, desenvolveram atitudes perse-
de defesas psicológicas e de adaptações como cutórias paranóides. Aquelesque ficaram ex-
também através do expediente de viver for- postos aos campos de concentração, quando
tuitamente entre o grupo, salvo pelas circuns- ainda muito jovens, muitas vezes exprimem
tancias. As adaptações e as defesas mobiliza- as suas restrições de personalidadeem condu-
das são consideradas como tendo sido cha- tas anti-sociais. Entretanto, o psiquiatra ano-
madas a desempenhar o seu papel enquanto tará os sobremontantes sintomas expressivos
que as atitudes estáveis do ego e do superego das reaçóes crónicas do stress. Essas reaçóes
sofriam erosões ante uma contínua barreira emergem da preocupação permanente com o
de chantagens exaustivas. Esse stress rompia, passado, dos temores da experiência, da reca-
sucessivamente, os processos integradores do pitulaçáo dos pesadelos e da inquietação ou
ego, processos esses que haviam evoluído du- desassossego,da irritabilidade, irascibilidade,
rante os muitos anos do desenvolvimento da apatia, desesperança, desespero e indiferença.
NEUROSES 417

psicodinamicamente, essas expressões sin- gústia, assim como a freqüente agressão ao


têm sido interpretadas
tornáticas como uma terapeuta é utilizada como uma defesa contra
ego e das funções do superego. Com
erosão do o envolvimento e o angustiante desamparo de
ao ego e a perda das relações com um abandono em potencial.
a ameaça o sentido da identidade
os
outros, pessoal é
Para a psicoterapia ser bem sucedida, mui-
enfraquecido e ocorre a despersonalização. Isso tos acreditam que ao paciente deve-se ofere-
pela irrupção de intensa
é seguido quais giram em torno das angústia cer oportunidades válidas para exprimir rea-
os primiti- agressivos. Isso
e terror e defesas psicológicas,
listicamente os seus impulsos
vas
adaptações como a está de acordo com os achados de Ostwald e
assividade, traços sadomasoquistas e a iden- Bittner de que o sucessoda adaptação vital
com o agressor. Esses modos infantis
tificaçáo dos sobreviventesdos campos de concentração
e defesa permaneciam mesmo
de adaptação
remoção do campo. A capacidade
nazistas, muitas vezes, foi baseado nos impul-
depois da defesas
sos agressivossimplesmentepensados em rela-
redesenvolver as e os processos
cão à externalizaçãodesse objetivo. Em muitas
para
adaptativos parece enfraquecida ou perma- dessas pessoas não tratadas os estados de ex-
nentementedanificada. Há perda de uma vo- ternalização bem sucedidos dos impulsos
amadurecida, da cognição e dos
lição mais agressivos, obscurecem a depressão, as angús-
afetivos. tias subjacentes e as defesas hostis contra os
processos
outros.
Há razão para se acreditar que essa forma
da personalidade é irreversível, em O tratamento, para muitas delas será en-
de ruptura particularmente naqueles que tio dirigido para a melhoria dos sintomas,
muitos casos, cerebrais e
sofreraminjúrias outras incapa- através de manejos emocionalmente suportá-
ou físicas como resultado das veis e do uso de drogas apropriadas.
cidadescerebrais
privações.
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