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Pieces Back Together), in Bioenergetic Analysis, vol. 9, n 1 ,1998, pg. 43-65.
3. Constrição:
A constrição está relacionada com a capacidade da consciência da pessoa
para suportar o trauma. “Quando uma pessoa está inteiramente sem forças, e toda
forma de resistência é inútil, ela pode entrar num estado de rendição. O sistema de
auto-defesa fica inteiramente impotente. A pessoa impotente escapa da sua situação
alterando o seu estado de consciência, em vez de apelar para uma ação no mundo
real”. (p.42)
Fréchette, Louise: Distúrbio de Stress Pós-Traumático Complexo: Recuperação (Putting the 3
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Pieces Back Together), in Bioenergetic Analysis, vol. 9, n 1 ,1998, pg. 43-65.
1. Apego patológico:
As crianças vítimas de abuso tendem a desenvolver apegos patológicos, ou seja,
apegos que “...elas se esforçarão para manter mesmo com o sacrifício do próprio
bem-estar, de sua própria realidade, ou de suas próprias vidas”. (p.98). Isto
acontece porque elas não tinham outra escolha senão aliar-se aos seus
cuidadores abusivos e aprender a jogar o jogo deles, para poderem sobreviver.
2. Vigilância “congelada”:
Crianças que “... embora num estado constante de hiper-vigilância autonômica
precisam ficar ao mesmo tempo quietas e imóveis, evitando qualquer
demonstração física de sua agitação interior. O resultado é aquele estado
peculiar, agitado de “vigilância congelada”, que se observa nas crianças vítimas
de abuso”. (p.100)
3. Isolamento social
Crianças vítimas de abuso sentem-se num vácuo social porque suas famílias são
geralmente socialmente isoladas, e porque elas são “....também profundamente
limitadas pela necessidade de manter aparências e preservar o clima de
segredo.” (p.100) E como todo o conjunto do padrão de comunicaçao é
normalmente patológico no seu ambiente mais próximo, elas também ficam
isoladas dos outros membros da própria família.
4. Sentimentos de abandono
Com freqüência, o “outro” adulto, aquele que não é o agressor, não fez nenhuma
intervenção. Assim, a “criança sente que foi abandonada ao seu destino, e este
abandono é muitas vezes um sentimento pior do que o abuso em si”. (p.101)
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5. Pensamento duplo
Herman faz um relato impressionante da “enorme tarefa de desenvolvimento”
que aguarda a criança vítima de abuso: ela terá que aprender a formar apegos
primários mesmo quando o seu cuidador é uma pessoa perigosa; ela precisa
desenvolver um senso de confiança básica e de segurança, embora seus
cuidadores não sejam dignos de confiança e representem um perigo; ela precisa
desenvolver um sentido de self quando está se relacionando com pessoas que
são cruéis, sem afeto ou impotentes; ela tem que desenvolver capacidade para
um auto-controle corporal, num cenário em que o seu corpo está à disposição
das necessidades de terceiros; ela precisa desenvolver sua capacidade de auto-
consolo, num ambiente sem carinho confortador; ela precisa desenvolver sua
capacidade de iniciativa numa situação que exige conformidade com as
necessidades daquele que comete o abuso; ela precisa desenvolver uma
capacidade para a intimidade quando todos os seus relacionamento íntimos são
corruptos e finalmente ela precisa desenvolver uma identidade dentro de um
ambiente que a define como uma prostituta e como uma escrava. E junto com
isso tudo, a “tarefa existencial” igualmente enorme, de preservar esperança e
significado dentro de um ambiente em que ela é abandonada “a um poder sem
piedade”.
que “não mais é amado” , ao mesmo tempo que precisará resistir à tentação de
desempenhar o papel de salvador (pois isso iria enfraquecer o (a) paciente, e
serviria apenas para defender o terapeuta contra o desamparo, a raiva e/ ou
desespero). Os terapeutas poderão mesmo começar a sentir sintomas do distúrbio
de stress pós-traumático, e podem ficar tentados a representar seus impulsos
sadistas e a se tornarem abusivos em muitos aspectos.
É por isso que é tão importante que o terapeuta faça um trato com o (a)
paciente, de modo a providenciar um cenário, um “container” , que irá ajudar a
gerenciar a intensidade das reações de transferência e contra-transferência.
Kernberg também insiste neste aspecto, quando explica como operar
terapeuticamente com pacientes borderline (que tenham sido vítimas de abuso na
maior parte de suas vidas). Devido ao efeito da transferência traumática, é
igualmente importante que o terapeuta tenha cuidados com sua própria saúde
emocional, integrando-se num sistema de apoio de colegas e/ ou professores, que
possam ajudá-lo a manter bons limites e desenvolver um senso de perspectiva com
relação à situação terapêutica. Como terapeutas, precisamos saber que é
necessário cuidar destes aspectos, se queremos que o processo de recuperação
ocorra dentro de um cenário saudável e seguro.
Hermann define 3 estágios de recuperação importantes para os sobreviventes
de situações traumáticas (tenham sido elas por tempo limitado, ou prolongadas):
• estabelecimento de segurança
• recordação e experiência da tristeza que sofreu (LUTO)
• restabelecimento da conexão com a vida normal.
Na próxima parte do meu artigo irei explicar sobre cada um desses estágios,
dentro da perspectiva bioenergética, e direi qual tipo de trabalho terapêutico pode
ser utilizado com os sobreviventes de abuso sexual na infância, em cada estágio, do
ponto de vista da bioenergética.
Pude observar, com diversas clientes minhas que tinham sofrido abuso
sexual, como se sentiam mais fortes quando eu as aconselhava a não ignorar os
próprios sentimentos e sensações, na crença de que era “loucura” sentir-se dessa
maneira. Para ajudá-las a legitimar tais sensações e sentimentos, eu conversava
sobre isso como se fossem diferentes “versões” da sua história. Dizia que embora
sempre exista uma “versão oficial” (geralmente a versão da família), existe também
uma versão “oculta (ou perdida)” enterrada dentro das próprias vítimas, em seus
corpos, e que precisavam emergir para a luz. Depois de repetir muitas vezes para
elas, que não deviam ignorar suas sensações, sofrimentos, emoções ou
pensamentos, com relação ao seu passado, minhas pacientes acabavam finalmente
conseguindo construir uma nova e diferente “história”, muito mais conectada com a
que elas sempre tinham sentido como “verdadeira”. Mesmo nesta fase inicial, de
diversas maneiras simples, a criança traumatizada busca romper a barreira para
contar a sua história a alguém que possa ouvir, e quanto mais o terapeuta dá
legitimidade a esta voz interior, tanto mais a paciente consegue reconhecer e dar
espaço para a criança traumatizada.
-Restabelecendo o controle:
É também crucial para o processo de recuperação o restabelecimento do
controle, primeiro no corpo, e depois no entorno mais imediato. Herman sugere que
em certos casos o uso de medicação pode ser adequado, para reduzir a reação e a
hiper-excitação. Ela também aconselha o emprego de técnicas comportamentais, ou
de bastante exercício para reduzir o stress. Por fim, a autora ensina o/ a
sobrevivente a mapear seus progressos dia-a-dia, a anotar seus sintomas e
respostas adaptativas, e a desenvolver planos concretos para adquirir senso de
segurança.
-Estabelecendo um ambiente seguro:
De acordo com Herman, o/ a sobrevivente vai gradualmente alterando o foco
do controle do seu corpo para o controle do ambiente que a cerca. Por isso o
terapeuta deve ajudar o/a paciente a estabelecer um ambiente seguro, por meio do
cultivo de relacionamentos carinhosos. O terapeuta também deve cuidar para
desenvolver um plano para a proteção futura, com os pacientes que tendem a se
colocar em perigo novamente, inadvertidamente. No caso de sobreviventes de
situações prolongadas e repetidas de trauma, Herman nota que “As fontes de perigo
podem abranger auto-agressão, passividade que impede a pessoa de se proteger,
dependência patológica para com o agressor. (...) No processo de estabelecer uma
segurança básica e uma auto-preservação, o (a) paciente é incentivado a planejar e
dar início a um programa de ação, e a confiar em seu próprio julgamento. A medida
que começa a exercer suas capacidades, que tinham sido minadas pelo abuso
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repetido, a paciente vai fortalecendo sua sensação de ser competente, sua auto-
estima e sua liberdade”. (pp 166-167).
para tirar a roupa, mas esta resistência também deve ser compreendida como
uma tentativa se proteger contra futuras exposições a perigo e a abusos. É
necessário que parta delas a decisão de tirar a roupa. Tenho uma paciente
muito desejosa de cooperar, que em criança foi vítima de abuso sexual, e que
está disposta a fazer trabalho corporal e na realidade até trabalha muito bem,
mas ela não consegue fazer os exercícios em roupas do tipo maiô ou roupa
de baixo. Ela prefere fazer os exercícios usando shorts e top. Nós duas
percebemos claramente que o fato dela insistir em usar esse traje, resistindo
à minha proposta inicial de que fizesse os exercícios em traje de banho, é
parte do processo de recuperar o poder sobre o seu corpo. Ela simplesmente
está dizendo com isso que recusa qualquer coisa que possa parecer abusiva
para ela. Nós todos sabemos que os sobreviventes de abuso na infância têm
uma imensa necessidade de serem amadas e aprovadas e muitas dessas
pessoas não têm uma noção clara de seus limites. É por isso que precisamos
ter cuidado nesta questão da roupa. Geralmente, precisamos fazer com que
aquela paciente que não percebe os seus limites tome consciência de que
quando concordar em tirar a roupa, um procedimento normal, ela está como
que entregando seu corpo ao terapeuta, seja para conquistar o amor e
aprovação de uma figura parental, ou para ser magicamente curada por
alguma figura endeusada e onipotente, ou ainda simplesmente porque ela
sente que seus próprios sentimentos e opinião podem ser ignorados. Se
desprezarmos este aspecto, pouco iremos conseguir com a terapia corporal,
porque provavelmente a paciente irá se dissociar. Mas quando ela voltar para
casa, será provavelmente invadida por sentimentos de abandono, raiva e
vergonha, e poderá sentir-se incapaz de lidar sozinha com esses sentimentos.
viagem do terapeuta, tudo isso surgem como “falhas” que despertam raiva, pânico,
ou tristeza profunda. Através dessas situações de crise , no entanto, a história vai
sendo recontada, mas desta vez, ao invés de deixar o (a) paciente enfrentar sozinho
a intensidade dos seus sentimentos, o terapeuta está ali para ajudar a analisar e
conter a experiência.
É porisso que eu digo que o conceito-chave bioenergético para este estágio
de recuperação é o conceito de contenção, e existem na Bioenergética diferentes
modos para ajudar o (a) paciente a recuperar memórias traumáticas e desenvolver
maior capacidade de contenção:
Aprender a lutar
Aprender a lutar pode significar um curso de auto-defesa, ou também como
enfrentar pressão social que possa manter o/ a sobrevivente no papel de vítima no
tempo presente. Também poderá incluir uma confrontação com o perpretador do
abuso e com a família, mas, conforme Herman nota, tudo isso tem que ser “muito
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• Recuperando a sexualidade
A sexualidade é o ponto central da personalidade. E como os(as)
sobreviventes de abuso na infância geralmente foram profundamente agredidos
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CONCLUSÃO
Embora o livro de Herman nos forneça os marcos para indicar o caminho que
devemos percorrer no processo de auxílio ao paciente que sofre de distúrbio do
stress pós-traumático complexo, nós deveremos também descobrir um caminho para
cada paciente individualmente.
Certamente precisamos ser inventivos e adaptar nossa abordagem
terapêutica pois o processo de recuperação desses pacientes pode apresentar
imprevistos. Embora Herman defina os estágios da recuperação, ela também diz no
final do seu livro: “A recuperação não segue um curso de simples progresso, mas
também apresenta desvios e regressões, com revisão de questões que já tinham
sido tratadas muitas vezes, para aprofundar e expandir a integração do(a)
sobrevivente no significado da sua experiência”. (p.213)
Eu gosto de ter sempre em mente que embora estes estágios de recuperação
se sucedam, falando em termos amplos, o(a) paciente provavelmente irá percorrê-
los num movimento de espiral. A qualquer momento, durante o processo, poderá
haver um regresso aos primeiros estágios da terapia, quando o(a) paciente enfrenta
experiências estressantes em sua vida presente, e depois ele(a) pula para a frente
quando se sente mais seguro(a). O mais provável é que haja micro-seqüências
ocorrendo dentro de uma seqüência maior. A vida também não segue uma rota
linear pré-determinada.
Talvez seja melhor assim, porque assim o terapeuta se vê obrigado a
responder ao sofrimento de seu(sua) paciente de forma pessoal, única, com seus
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Notas de rodapé
O que chamo de “história verdadeira” não é aquela que ocorreu na realidade.
Trata-se antes de como a criança sentiu o que estava sendo feito com ela, e como
eram os verdadeiros sentimentos dela diante da situação de abuso.