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A influência do complexo materno na psicopatologia de Norman Bates

The mother complex influence in Norman Bates psychopathology

Muriel Georges El Assad [ª]

[ª] Aluna graduanda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná


(PUCPR), Curitiba-PR, Brasil. E-mail: muriel.assad@gmail.com

Resumo

O presente trabalho teve por objetivo desenvolver um estudo de caso sobre a série Bates Motel, a luz
da Psicologia Analítica, sobre o Transtorno Dissociativo de Identidade e sua relação com o Complexo
Materno, utilizando-se do caso do personagem Norman Bates. Para isso, buscou-se na literatura
conceitos relevantes descritos por Jung correlacionando-os com eventos ocorridos na série. Os
resultados mostraram que as informações encontradas durante a coleta de dados foram relevantes e
suficientes para responder a pergunta da pesquisa, podendo-se constatar que a psique do personagem
foi influenciada pelo Complexo Materno, do tipo negativo, forte e não resolvido que adquiriu
dominância e muita intensidade, fazendo-o perder o controle do seu psiquismo.

Palavras-chave: Complexo Materno; Dissociação Patológica; Transtorno Dissociativo de Identidade;


Psicose; Norman Bates.

Abstract

The aim of this paper was to develop a case study about the television show Bates Motel, based on the
Analytical Psychology theory, about the Dissociative Identity Disorder and their links with the
Mother Complex, using the case of the character Norman Bates. For this purpose, relevant concepts
described by Jung were searched in order to correlate them with events that occurred in the series. The
results have shown that the information found during data capture were relevant and suficient to
answer the study question. It can be evidenced that the psyche of the character was affected by the
Mother Complex, the negative type, strong and unresolved which has taken dominance and great
intensity, making him lose control of his psyche.

Keywords: Mother Complex; Pathological Dissociation; Dissociative Identity Disorder; Psychosis;


Norman Bates.
Introdução
Bates Motel foi uma série de televisão americana de drama, mistério e suspense,
desenvolvida por Carlton Cuse, Kerry Ehrin e Anthony Cipriano, produzida pela Universal
Television e exibida pela A&E. Foi lançada em 2013, inspirada no filme Psicose de
Hitchcock e na série Twin Peaks. A série teve 5 temporadas e foi finalizada em 2017. Aborda
a história do jovem Norman Bates e, embora seja um prólogo da trama de Psicose, foi
transposta para os dias atuais. A primeira temporada começa com a chegada de Norman e
Norma, sua mãe, a White Pine Bay, uma cidade litorânea do Oregon, seis meses após a morte
de Sam, seu pai. Lá, os dois adquirem um motel e uma casa para recomeçarem a vida
(SCHECHTER, 2013; PARRA et al., 2017).
A série fornece aos espectadores um olhar íntimo da construção do perfil psicológico
de Norman e do desenrolar do seu Transtorno Dissociativo de Identidade. Os fatos mostrados
ocorrem durante o final de sua adolescência e início da idade adulta e resultam na sua lenta e
tortuosa transformação em “Norma”, que através de seus surtos amnésicos ou “apagões”,
como os personagens chamam na série, toma conta da psique do personagem, desencadeando
situações violentas e perigosas (A&E, 2017; PARRA et al., 2017).
Este trabalho caracteriza-se como um estudo de caso do personagem Norman Bates,
analisado a partir da abordagem da Psicologia Analítica, a respeito da relação do seu
Transtorno Dissociativo de Identidade com o Complexo Materno. Para esse fim, será relatado
um breve histórico de como se originou a série Bates Motel, além da discussão de conceitos
relevantes da teoria de Jung correlacionados com eventos ocorridos na série. Este trabalho,
portanto, pretende responder a seguinte pergunta: O Transtorno Dissociativo de Identidade de
Norman Bates, sob a ótica da Psicologia Analítica, possui relação com o Complexo Materno?
A relevância social deste artigo baseia-se no fato do caso desse personagem ter sido
inspirado em uma história real, na qual a motivação dos crimes nunca foi revelada por seu
perpetuador, o serial killer Ed Gein. Seus crimes chocaram a sociedade de sua época e até
hoje este nome intriga pessoas interessadas em psicologia, criminologia e cinema, pois muitas
obras cinematográficas foram baseadas em sua história.
O estudo também possui interesse para o campo científico. Utilizando-se de uma
imagem midiática, visa-se a compreensão de um caso de psicose, mostrando que a arte
consegue exemplificar a complexidade da subjetividade humana em forma de entretenimento,
sem recorrer a estereótipos e clichês que contribuem para a marginalização das
psicopatologias. Além disso, a abordagem foi escolhida para sanar a falta de uma explicação
de viés analítico para a conduta do personagem, visto que outros enfoques já haviam sido
dados para este tema.
Diante do conteúdo exposto e da carência de uma discussão de viés analítico, este
trabalho objetiva desenvolver um estudo de caso sobre a série Bates Motel, a luz da
Psicologia Analítica, sobre o Transtorno Dissociativo de Identidade e sua relação com o
complexo materno. Para isso, será necessário analisar o relacionamento do personagem
Norman Bates com sua mãe, estabelecendo as semelhanças e diferenças do Transtorno
Dissociativo de Identidade com a Dissociação Patológica descrita por Jung a fim de
compreender a prevalência do complexo materno na psicopatologia do personagem.

Método
Será realizado um estudo de caso com base no personagem Norman Bates da série
televisiva americana Bates Motel. Para isso, a pesquisadora assistirá as cinco temporadas da
série, observando características presentes no relacionamento entre Norman e sua mãe, além
da sintomatologia do seu transtorno e as situações em que eles ocorrem. Após, buscará o
buscará o referencial teórico necessário, tanto para a coleta de dados quanto para sua
posterior análise, em artigos, monografias, teses, dissertações e livros nas seguintes bases de
dados: SciELO, PePSIC e Google Scholar, além da biblioteca física e virtual da PUCPR.
Como critérios de inclusão foram definidos artigos, monografias, teses, dissertações e
livros, em português e inglês, que envolvam os temas: Complexo Materno, Psicose na visão
Junguiana, Dissociação patológica e Transtorno Dissociativo de Identidade. Os critérios de
exclusão se referem a visão de outras abordagens, que não a Psicologia Analítica, sobre os
mesmos assuntos.

Resultados e Discussão
Após assistir a série, provou-se relevante a pesquisa de sua origem, no que diz
respeito à relevância social deste trabalho e da história real em que foi baseada. Bates Motel é
um prólogo contemporâneo do filme Psicose, baseado no romance de mesmo nome escrito
por Robert Bloch em 1959. O livro foi inspirado no caso real do serial killer Ed Gein. Ed
Gein era um recluso solitário de 51 anos que morava em uma fazenda de 160 acres em
Plainfield, Wisconsin, uma comunidade rural isolada com pouquíssimos habitantes. Tinha
uma figura materna dominadora, fanática religiosa, com quem tinha um relacionamento
muito próximo e que mesmo após sua morte, em 1945, ainda influenciava sua vida
fortemente (Sullivan, 2000; Rebello, 2013; Schechter, 2013).
Todas as pessoas da cidade o achavam meio excêntrico e estranhavam sua fascinação
por anatomia e pela cirurgia de mudança de sexo de Christine Jorgensen, a primeira
amplamente divulgada pela mídia. Em novembro de 1957, dois policiais desconfiaram de
Gein no caso do desaparecimento de Bernice Worden, uma popular comerciante da região, e
foram até sua fazenda investigar. Nada poderia ter previsto a surpresa dos policiais ao se
depararem com diversos móveis e roupas feitos de pele e ossos humanos, diversas cabeças e
crânios e uma geladeira cheia de órgãos humanos. Na garagem jazia o corpo de Worden,
pendurada pelos calcanhares, sem cabeça e estripada. Os policiais também encontraram
diversos livros de anatomia, revistas de terror, líquidos de embalsamento, além do quarto da
mãe de Gein intacto e imaculado (Rebello, 2013).
Calcula-se que foram encontradas partes de 15 corpos na propriedade de Gein. Foi
preso na hora e confessou este e um outro assassinato. Além disso, relatou que roubava
corpos do cemitério, sempre de senhoras que lembravam a sua mãe e que, durante a noite,
usava as roupas de pele para transvestir-se de mulher e andava de modo afetado pela fazenda,
fingindo ser sua mãe. Foi considerado apto para ir a julgamento e culpado pelos crimes, mas
mentalmente insano e enviado ao Hospital Central de Waupon. Em 1978 foi transferido para
o Instituto de Saúde Mental de Mendota onde morreu de velhice em 26 de julho de 1984. As
motivações para seus atos nunca foram descobertas (Casoy, 2014; Schechter, 2013).
Robert Bloch utilizou alguns elementos dessa história real em seu livro, além de
elementos da psicologia da anormalidade e do complexo de édipo, já que estes conceitos
eram muito populares na década de 50 (Rebello, 2013). O protagonista da história, Norman
Bates, assim como Gein, era um assassino solitário que vivia em uma localidade rural
isolada, teve uma mãe dominadora, construiu um santuário para ela em um quarto e se vestia
com roupas femininas. Norman, que gerencia um motel de beira de estrada, é um jovem
reprimido, afeminado e que nunca conseguiu diferenciar-se totalmente de sua mãe. A história
gira em torno da chegada de Marion Crane ao motel, que, após uma conversa, desperta
compaixão e luxúria em Norman e acaba assassinada. Na narrativa, o jovem, travestido como
sua mãe, mata mulheres que o atraem sexualmente, pois estes sentimentos provocam a ira e
os ciúmes descontrolados de “Norma” (Sullivan, 2000).
Alfred Hitchcock toma conhecimento do livro Psicose e imediatamente começa a
fazer manobras para transformá-lo em filme. Hitchcock comprou anonimamente, por onze
mil dólares, os direitos do livro de Robert Bloch, e depois comprou todas as cópias
disponíveis no mercado para que ninguém o lesse e, consequentemente, seu final não fosse
revelado. Com Hitchcock na direção e o roteiro nas mãos de Joseph Stefano, o filme foi
lançado em 1960. Custou 800 mil dólares e faturou 60 milhões de dólares nas bilheterias do
mundo inteiro. Foi aclamado tanto pela crítica quanto pelo público e foi indicado a diversos
prêmios importantes. Até hoje é considerado um dos filmes mais influentes de todos os
tempos do gênero terror e não há quem não se lembre da icônica cena do chuveiro (Rebello,
2013).
Buscando a compreensão da importância e da prevalência do Complexo Materno no
Transtorno Dissociativo de Identidade apresentado pelo personagem, serão discutidos os
elementos presentes no relacionamento dele com sua mãe. Além disso, com o intuito de fazer
um estudo de caso, necessitou-se recorrer à literatura para compreender alguns fenômenos
observados em Norman corroborados pela Psicologia Analítica. Para isso, uma revisão
bibliográfica de alguns conceitos se fez necessária. Buscou-se na literatura a definição do
Transtorno Dissociativo de Identidade e a visão de Jung de psicose, a fim de levantar dados
acerca do fenômeno da dissociação patológica para a Psiquiatria e para Carl G. Jung. Com
essas informações, estabeleceu-se a relevância dos complexos autônomos dentro dessa
patologia, o que justificou buscar profundidade neste tema. E, por último, através dos
acontecimentos da série no que diz respeito à importância do relacionamento entre mãe e
filho, levantou-se a hipótese da prevalência do Complexo Materno na psicopatologia do
personagem.

Relacionamento do personagem Norman Bates com sua mãe

A relação entre mãe e filho é a peça chave para um desenvolvimento saudável da


identidade. Norman e sua mãe, Norma, têm um relacionamento muito próximo. São
codependentes e superprotetores um com o outro. Percebe-se que não há limites muito bem
estabelecidos entre eles e, por isso, fazem tudo juntos. Todos os observadores externos da
relação percebem que o vínculo entre eles não é saudável, próximos demais para mãe e filho.
Norma tem um outro filho, Dylan, fruto de um estupro incestuoso com seu irmão,
Caleb. A relação com esse filho não é boa devido a como ele foi gerado. Após algumas
situações em que Dylan ajuda ou salva Norman, a mãe começa a ter um relacionamento
melhor com esse filho.
O pai de Norman, Sam, é descrito como alcoólatra, ausente, abusivo e violento.
Norman não tem muitas lembranças dele e sua mãe e seu irmão evitam de falar sobre ele.
O fato de Norman já estar no final da adolescência, traz uma perturbação no
relacionamento dos dois, pois, há uma certa procura de liberdade por parte de Norman, o que
faz Norma sentir o risco de uma iminente separação. Essa separação causa consequências
para ambas as partes.
Na série, percebemos que Norman não consegue manter relacionamentos duráveis
com outras pessoas, além de sua mãe. A razão dele não conseguir vincular-se adequadamente
acontece porque sua mãe não conseguiu distanciar-se o suficiente, impedindo que ele se
tornasse independente. As condutas codependentes de ambos os personagens perpetuam o
sentimento de abandono, pois este vínculo defeituoso está colocado na preocupação e no
medo do fim da relação, fazendo com que os dois sempre tentem manter e reparar seu
relacionamento. O codependente percebe os fatores externos a relação como perigosos,
fazendo com que a necessidade de proteger e o temor de ser abandonado sejam exacerbados,
antecipando uma possível separação e perda de amor, que pode ou não acontecer (Faria,
2003).
É possível observar esse aspecto em Norma. Ela não permite que o filho faça coisas
normais para a sua idade, como sair com colegas da escola, ir em festas e, principalmente,
relacionar-se com pessoas do sexo oposto que ela não aprove. Essa desaprovação vem,
especialmente, de aspectos sexuais ou que a personagem identifique como riscos para a
integridade de seu relacionamento com o filho. O grande medo dessa mãe é que Norman
descubra que pode ser livre e ter uma vida separada da dela. Muitas vezes, ela utiliza-se de
chantagens emocionais para sensibilizar o filho, comportamento que Norman também tem
com ela, fazendo com que ele aja da forma que ela deseja. Em poucos momentos, Norma
demonstra uma noção saudável de maternidade. Sua postura como mãe é de devoradora e
castradora, pois ela quer o filho somente para si. Essas formas de manipulação são típicas de
um complexo materno deturpado (Byington, 2013).
Existem ainda, outras condutas curiosas nessa relação. Em muitas cenas, é possível
notar como Norman sente ciúmes obsessivos dos parceiros sexuais de sua mãe. Isso pode
acontecer em função da perda do papel de mãe. Ele passa a vê-la como uma pessoa diferente,
sexualizada, o que o faz ter sentimentos ambivalentes em relação à Norma, muitas vezes,
também a desejando sexualmente, o que o faz sentir-se inadequado e culpado.
O ciúme possessivo pode ser visto como protetor da realidade emocional, agindo em
defesa do amor. O fortíssimo complexo materno denuncia a ausência de figuras masculinas.
Norman cresce, praticamente como filho único, seu pai e irmão são figuras ausentes. Porém,
sua mãe está sempre junto a ele. Essa mãe é idealizada e idolatrada pelo filho e ele se entrega
completamente ao seu amor, que não só tende ao incestuoso, como é contrário ao
desenvolvimento de sua personalidade masculina, impedindo sua diferenciação com a mãe
(Byington, 2013).
Há uma certa hipocrisia no comportamento de Norma. Após seu casamento com
Romero, na quarta temporada, Norman a confronta após ela exigir uma mudança de atitude
por parte do filho. Norma fala que há espaço no coração humano para amar mais de uma
pessoa e que isso não diminui o amor que já está lá. Norman diz a ela que, a vida toda, ela o
manteve tão perto que ele não conseguia nem respirar sem ela. Ele relata que Norma nunca
quis que ele tivesse uma namorada ou que se divertisse com pessoas da idade dele, fazendo-o
desistir de tudo isso por ela. E ele o fez de bom grado porque entendia o vínculo que eles
tinham um com o outro, pois o laço que eles têm é grande, sagrado e único. E agora ela diz
que isso não importa mais e que há sim espaço para mais alguém. A revolta de Norman é
compreensível, já que essa mãe pode ser mulher também, porém ela o limita a um papel
único de filho, não o deixando desenvolver uma identidade e sexualidade próprias, muito
menos a autonomia necessária para um jovem se tornar um adulto independente.
Em relações onde o vínculo é simbiótico e adictivo a uma só pessoa, o indivíduo pode
chegar a uma dependência tão grande a ponto de desencadear uma verdadeira síndrome de
abstinência, ou até apresentar outras reações extremas, como crises psicóticas, tentativas de
suicídio e/ou reações criminosas (Faria, 2003). Em vários momentos que os personagens são
separados ou estão brigados um com o outro, percebem-se crises dissociativas e psicóticas em
Norman, que, em muitas vezes, culminam em comportamentos criminosos e tentativas de
suicídio, muitas vezes expressando o desejo de levar sua mãe com ele, o que acaba tendo uma
consequência fatal, para Norma. E em Norma, reações extremas de desespero e raiva, como
na situação em que Dylan conta a ela que Norman saiu com uma garota e que ele não vai ser
só dela para sempre. Afirmação com a qual Norma responde o agredindo enfurecidamente.

O Transtorno Dissociativo de Identidade e a Dissociação Patológica

Norman é internado em Pineville, uma instituição psiquiátrica, devido a queixa


trazida por Norma sobre suas amnésias dissociativas recorrentes, ou “apagões” como os
personagens chamam. Enquanto está fazendo tratamento, é diagnosticado pelo Dr. Edwards
com o Transtorno Dissociativo de Identidade, após ele presenciar Norman, durante um
“apagão” se transformar em outra pessoa, “Norma”.
O personagem apresenta todos os critérios diagnósticos descritos no DSM-V. Este
transtorno caracteriza-se com a ruptura da identidade definida pela presença de dois ou mais
estados de personalidade distintos e envolve uma descontinuidade acentuada no senso de si
mesmo e do domínio das próprias ações, além de amnésias dissociativas recorrentes. Pode ser
acompanhada por alterações no afeto, comportamento, consciência, memória, percepção,
cognição e/ou funcionamento sensório-motor.
Pessoas com esse transtorno podem relatar escutar vozes, vivenciadas como fluxos de
pensamentos múltiplos, desconcertantes, independentes e incontroláveis. Emoções fortes,
impulsos e até mesmo a fala ou outras ações podem emergir repentinamente, sem um sentido
de domínio ou controle pessoal e costumam ser descritos como egodistônicos e enigmáticos.
Atitudes, opiniões e preferências pessoais podem mudar subitamente repetidas vezes e os
indivíduos também podem relatar que sentem seus corpos diferentes (por exemplo, como o
gênero oposto).
A amnésia dissociativa pode se manifestar de três maneiras: lacunas na memória
remota de eventos da vida pessoal; lapsos na memória normalmente confiável e; descoberta
de evidências de ações e tarefas cotidianas que eles não lembram terem feito. Fugas
dissociativas são comuns, dessa forma, esses indivíduos podem relatar que se encontraram de
repente em algum lugar sem lembrar de como lá chegaram. Essa amnésia não se limita a
eventos estressantes ou traumáticos, mas também com eventos cotidianos (American
Psychiatric Association, 2014).
Norman apresenta amnésias dissociativas em várias ocasiões e por diferentes motivos,
em brigas físicas, situações estressantes, que envolvam contextos sexuais ou que ofendam sua
mãe. A primeira menção aos seus “apagões” foi quando Norma conta ao filho que as vezes
ele entra em um tipo de transe, onde vê e ouve coisas que não estão realmente ali. Outra
alusão ao sintoma é quando Norma revela a Dylan sobre como a morte de Sam realmente
ocorreu. Ela relata que, em uma briga, o marido a bateu e Norman, vendo a situação, o atacou
para protegê-la, mas acabou matando o pai. Norma fez com que a morte de Sam parecesse
um acidente, para que Norman não fosse prejudicado, porém ele não tem lembranças do
ocorrido.
O reconhecimento da condição foi feito pelo médico, após ele conhecer “Norma”, a
versão da mãe de Norman que o mesmo criou em sua psique. O médico a descreve como
encantadora e muito protetora para com Norman. Ela aparece para o personagem como
alucinação e também assume seu lugar como “outra personalidade”. Em uma situação de
perigo, “Norma” fala para Norman: “Estou aqui com você. Estou sempre com você. Se
alguma vez se preocupar com algo, é só ouvir a minha voz dizendo que tudo ficará bem”.
Porém, observa-se uma versão deturpada de perigo e de proteção em “Norma”. Ela
geralmente recorre a violência e ao assassinato para preservar Norman de mais traumas,
porém, em situações que não representam um perigo aparente, em que ele busca liberdade ou
experimenta sua sexualidade, ela também intervém desta forma. Percebem-se muito
movimentos dessa outra personalidade para autopreservação, como os boicotes a terapia e a
medicação, e também para mantê-lo junto a Norma real.
Geralmente, o Transtorno Dissociativo de Identidade está relacionado com situações
de abuso, experiências devastadoras e eventos traumáticos ocorridos na infância. A
dissociação anormal da consciência funciona, dessa forma, como um mecanismo de defesa
resultante de agressões, abusos físicos, sexuais e/ou psíquicos. Esses eventos traumáticos
podem ocorrer em qualquer fase da vida, porém, o desenvolvimento desse transtorno está
diretamente vinculado a eventos ocorridos antes dos sete anos de idade (Faria, 2008).
Dr. Edwards explica o transtorno a Norman, dizendo que quando crianças passam por
um evento traumático, podem desaparecer dentro de si mesmas para lidar com ele. Isso cria
pessoas que podem aparecer e lidar melhor com o trauma. O médico o conta que quando ele
tem seus “apagões”, outra pessoa assume seu lugar, sua versão de sua mãe. O médico
investiga a infância de Norman e descobre que ele não lembra da maior parte de sua infância,
provavelmente por causa dos “apagões” frequentes. “Norma” relata ao médico um episódio
traumático de quando Norman tinha sete anos de idade. Para escapar dos abusos de Sam, ela
tentou fugir com Norman, mas Sam os achou e ameaçou matá-los com uma arma. Norman se
escondeu embaixo da cama do casal enquanto Norma, ao tentar acalmar Sam, é estuprada por
ele em cima da mesma cama. Norman segurou a mão da mãe enquanto isto acontecia.
Norman relatou lembranças que ocorreram após esse episódio, onde seu pai o segurou e
pediu desculpas, dizendo que o amava. Além disso, o personagem teve uma alucinação onde
estava embaixo de uma cama enquanto tudo ao seu redor cai em ruínas, o que corrobora este
sendo um de seus traumas.
O prejuízo do indivíduo varia bastante, dependendo do caso. Com o tratamento
adequado, muitos mostram melhora acentuada no funcionamento profissional e pessoal. O
tratamento de apoio prolongado pode aumentar lentamente a capacidade desses indivíduos de
controlar os sintomas e diminuir o uso de cuidados mais restritivos, como internações
psiquiátricas (American Psychiatric Association, 2014).
A primeira busca de tratamento para Norman partiu da escola, em uma ocasião em
que ele desmaiou e foi enviado ao hospital para exames neurológicos. A terapia também foi
sugerida pela escola, por problemas comportamentais que ele estava apresentando. Norma vai
junto com o filho a sessão de terapia, respondendo para ele as perguntas do terapeuta. Ao
final da sessão, ela dá uma desculpa para não deixar a sessão marcada para a próxima semana
e o terapeuta pede para conversar em particular com ela, pedindo para ver Norman sozinho da
próxima vez. Ela diz que não se sente confortável com isso e ele fala que ela tem uma
influência muito forte em Norman, o controla muito e precisa lhe dar mais liberdade. Norma
não reage bem a isso e ele indica terapia para ela também.
James, um psicoterapeuta familiar que Norma conheceu na faculdade também tenta
ter uma conversa com Norman, enquanto ele pratica taxidermia. Norman sabe que ele transou
com sua mãe e o confronta sobre isso. James acha estranho ele se importar tanto com quem a
mãe dorme e lhe pergunta se ele deseja dormir com ela também. Norman o ataca, dizendo:
“Como ousa vir à minha casa e dizer coisas horrorosas assim?”. James, depois dessa
altercação, pede a Norma para que ela procure ajuda profissional para o filho imediatamente.
Quando Norman está em Pineville, com sessões diárias de terapia, percebe-se uma
grande melhora em seu comportamento ao passo em que ele descobre as características de
seu transtorno. Após sua alta da instituição, o uso de medicamentos também foi relevante em
seu tratamento, pois interrompeu seus “apagões”, seus sintomas alucinatórios e a presença de
“Norma”.
Jung caracteriza esse transtorno como a dissociação patológica decorrente de uma
psicose. Jung entrou em contato com a psicose no Burghölzli, hospital psiquiátrico da
Universidade de Zurique em que trabalhou no início de sua carreira médica. Lá, ele realizava
a escuta dos pacientes denominados “dementes precoces”, que não possuíam, mesmo em
casos graves, praticamente nenhuma alteração anatomopatológica em seus cérebros. Fazendo
isso, percebeu que as diversas perturbações manifestadas pelos indivíduos submetidos à
experiência de associação de palavras eram relevantes, e que o conteúdo, muitas vezes
repetitivo, absurdo e “incoerente” da fala desses pacientes, deveria ser compreendido como
uma forma do inconsciente se comunicar, tendo assim significado simbólico. Além disso,
observou que os próprios sintomas indicam o conteúdo psicológico da doença, ou seja, todos
os sintomas psíquicos possuem um sentido passível de análise (Jung, 1986).
Para o teórico, esses sintomas não são predominantemente de origem funcional, mas
provenientes de um ou mais complexos afetivos que se fixaram de maneira duradoura.
Apesar de, muitas vezes, um afeto forte se encontrar no começo da doença, não é possível
determinar se o complexo precipita a psicose em pessoas predispostas ou se apenas surge no
momento da irrupção da doença, determinando então os sintomas (Jung, 1986).
Os principais sintomas da psicose são os delírios e as alucinações. Os delírios são
deslocamentos de afetos agudos pertencentes a um forte complexo reprimido. Eles são
produtos da inibição de qualquer outra percepção vinda de dentro ou de fora. Podem causar
bloqueios, privação do pensamento, e ideias obsessivas, irrupções súbitas do complexo na
consciência. Já a alucinação se trata de uma projeção externa de elementos psíquicos. As
psicoses acionam o mesmo mecanismo do sonho, utilizando fragmentos de um simbolismo
muito mais ampliado e distorcido do complexo. Muitas vezes, as alucinações trazem
nitidamente a marca do conflito interno (Jung, 1986).
É possível descrever a condição de Norman como uma psicose, o que justifica o título
do filme do qual a série é derivada. Quando foi internado para exames neurológicos, não
houve causa aparente para seus “apagões”, o que indica, provavelmente, causas
exclusivamente psicológicas. Norman também apresenta delírios de perseguição decorrentes
do ciúme obsessivo que sente de sua mãe, além de várias alucinações ao longo da série.
Quando Norman começa a rememorar acontecimentos que resultaram no assassinato
de pessoas, ele sempre vê “Norma” cometendo esses atos. Quando sua mãe real faz investidas
para ajudá-lo ou encaminhá-lo a um tratamento, ele acha que ela o está culpando de coisas
que a própria fez. A paranoia do personagem faz com que ele tenha sentimentos de
desconfiança e medo para com Norma e culmina em seu internamento em Pineville.
Norman tem várias alucinações no decorrer da série. Além de “Norma”, ele vê outras
pessoas, a professora Watson com a garganta cortada e sua cachorra morta, em diversas
ocasiões. Algumas situações alucinatórias também acontecem. Como quando sua mãe real o
abandona por uma noite, Norman alucina com borboletas e o quarto de sua mãe
desmoronando. Quando Norma decide interná-lo em Pineville, ele alucina com seu pai que se
desculpa por tudo o que fez para o filho, além de dizer que Norma é louca e que ela que o
matou. Ele diz a Norman para controlá-la antes que ela o destrua. Outra situação é quando ele
está beijando Madeleine e “Norma” aparece. Imediatamente ele alucina com a “mãe” a
matando, cortando sua garganta.
Em função das observações e intervenções psiquiátricas, Jung propôs sua teoria sobre
o inconsciente coletivo, pois as formas arcaicas de representação manifestadas na psicose o
levaram a perceber a existência de um inconsciente, não apenas constituído de elementos
originariamente conscientes, mas também estruturados com motivos mitológicos comuns à
toda a humanidade, as imagens arquetípicas. Porém, o fator patológico não reside nessas
imagens e sim na dissociação do consciente, que perde o controle sobre o inconsciente. A
patologia está na cisão do ego, que fica incapaz de reprimir os conteúdos inconscientes. A
dissociação da personalidade é, então, motivada por esta fraqueza do ego e pelos ataques dos
conteúdos que emergem do inconsciente, perturbando o ajustamento do indivíduo ao meio
(Jung, 1986).
Sobre essa dissociação da personalidade, Jung (2008) discorre sobre a “mudança de
caráter” em Um Caso de Sonambulismo com Carga Hereditária. O chamado “segundo
estado” está separado do primeiro por uma cisão amnésica que vem acompanhada de uma
interrupção na continuidade da consciência. Porém, em alguns casos, são encontradas
mudanças periódicas de personalidade sem essa interrupção amnésica. Outro dado importante
que ele relata, é que há certa conexão entre as perturbações de caráter e a mudança fisiológica
da puberdade, ou seja, nesse período de mudanças, a constituição do eu do sujeito é abalada
por novos estados mentais, sentimentos e variações de humor. Uma das hipóteses levantadas
pelo autor para a causa desse quadro clínico é a sexualidade emergente, ou seja, o sonho de
realização de desejos sexuais reprimidos.
Apesar de ter sido relatado que os sintomas de dissociação de Norman começaram na
infância, é importante ressaltar que a frequência deles aumentou durante a adolescência do
personagem, período descrito por Jung como relevante nesses quadros. A adolescência de
Norman, vista após sua mudança para White Pine Bay, revela o aumento do seu interesse
pelo sexo oposto e sua sexualidade emergente. Ele tenta ter relações com algumas garotas,
Bradley, Cody e Emma, porém sua mãe real ou “Norma” o impedem, na maioria das vezes.
A dissociação da personalidade é a dissolução da unidade da consciência devido a um
afeto violento ou choque nervoso, ou pela desintegração da personalidade na psicose (Jung,
2009). Se a separação entre a parte consciente e o conteúdo dos complexos for de um grau de
incompatibilidade extremamente acentuado, a dissociação se caracterizará uma psicose.
Nesse caso, a fragilidade ou aniquilação do ego faz com que os complexos ocupem a
estrutura psíquica, causando, assim, a dissociação patológica da personalidade. A dissociação
pode ser tão forte ao ponto de serem criadas personalidades secundárias, cada uma delas
dotada de autonomia e consciência própria, pois, a ligação entre o eu e os complexos se
encontra rompida, fazendo com que essa cisão seja absoluta e, geralmente, irreversível.
Segundo Bizarria, Tassigny, Oliveira & Jesuíno (2013), a dissociação patológica “ocorre
como a coexistência de diversos ‘eus’ sem conexão entre si, cindindo o centro da
personalidade do indivíduo” (p.163-164).
Portanto, algumas vezes, o valor energético do complexo supera o de nossas intenções
conscientes. Porém, normalmente, o eu possui energia suficiente para manter a consciência
íntegra, mesmo que temporariamente despotencializada. Por isso, os casos de dissociação da
consciência em personalidades múltiplas não são tão comuns, ocorrendo, somente, quando o
eu não viveu ou não conseguiu preservar minimamente seu processo de integração (Perrone,
2008).

Prevalência do Complexo Materno na Psicopatologia de Norman

Os complexos são constelações específicas de lembranças, experiências, fantasias e


expectativas frustradas, condensadas e ordenadas em torno de um tema básico semelhante e
carregadas com uma forte emoção e afetos da mesma qualidade. São naturais e
imprescindíveis para a vida de todos os seres humanos. Se manifestam no nosso viver e agir e
também nos símbolos, sendo que seu núcleo é arquetípico. Eles surgem a qualquer momento
da vida e partem da interação com as pessoas e de situações significativas ao sujeito. Quanto
maior a emoção e o campo de associação de significados correspondente, mais forte é o
complexo (Kast, 1997).
Os complexos provêm de uma esfera situada fora da vontade objetiva do consciente,
ou seja, são inconscientes, não dirigíveis e autônomos. Esses agrupamentos de ideias de
acento emocional são o reflexo da existência ativa da psique e são perturbações internas do
processo psíquico normal. Os complexos são capazes de fazer oposição ao eu, romper sua
unidade, de se separar e se comportar como se fossem “corpos estranhos” na esfera
consciente (Jacobi, 1990).
Quando se toca no assunto complexado, age-se de forma emocional e até
estereotipada. Isso acontece, pois mexeu-se em um conteúdo inconsciente de uma experiência
perturbadora ou de um segredo íntimo que a pessoa não quer aceitar ou revelar. A
constelação de um complexo faz com que o sujeito seja dominado por motivações
automáticas, incontroláveis e impulsivas. Os complexos provocam estranhamentos e
alienações, são como convicções, mais fortes do que qualquer lógica. Mas também estimulam
capacidades e encerram potenciais de desenvolvimento (Jung, 1986; Kast, 1997).
Esses comportamentos podem ser vistos em Norman, quando ele é questionado por
James sobre ter desejos sobre a sua mãe. Após essa conversa, Norman passa a ter condutas
estranhas para com sua ela. Ele a observa dormindo, passa a mão em seu corpo, faz
comentários de caráter sexual e a olha com desejo. Além disso, em situações em que outras
pessoas ofendem a integridade moral ou o pudor de sua mãe, Norman age agressivamente ou
tem explosões de raiva.
Os complexos que são reconhecidos conscientemente são mais fáceis de assimilar,
tendo mais chances de serem corrigidos e desaparecerem. Já os complexos dos quais não se
tem sequer ideia da sua existência, permanecem completamente fora do alcance do
reconhecimento, pois estão em estado de repressão. Nesse caso, eles são dotados do caráter
influenciável da ação autônoma, à qual o Eu fica entregue para o bem e o mal, e a sua
natureza promotora de dissociações destrói a unidade da psique, causando danos no
autocontrole de suas tendências, pensamentos, palavras e ações (Jacobi, 1990).
Enquanto está em Pineville, o trabalho com Dr. Edwards vai deixando a razão da
perturbação de Norman mais clara. Ao descobrir de onde “Norma” vem e por quais motivos
ela aparece, o personagem vai deixando de precisar dela para sua preservação.
Na última temporada da série, Norman compreende que não está bem mentalmente e
que “Norma” é produto da sua psique. Ele insiste em saber a verdade e “Norma” conta sobre
sua origem. Ela fala que, quando ele era pequeno, a mãe dele sofreu muito e que ele a criou
para que “Norma” o impedisse de sentir coisas ruins. Ela fala que quando seu pai ficava
violento, ele ficava tão assustado e com medo que a mandava para cuidar das coisas por ele.
Coisas que ele não aguentava porque eram muito dolorosas e ele, tão pequeno. Ela fala que
sempre esteve com ele para mantê-lo seguro, que eles são duas partes da mesma pessoa e que
ambas são muito reais. Porém, ela diz que, se ele descobrir a verdade sobre todos os seus
traumas, a dor que ela o impede de sentir, retornará a ele e o paralisará. Após Norman admitir
que matou sua mãe real, “Norma” desaparece, dizendo que ele não necessita mais dela, pois
sabe a verdade sobre tudo. Ou seja, seu complexo foi reconhecido conscientemente e
desapareceu.
A psique pode ser influenciada por um complexo forte que adquiriu muita
intensidade. Os efeitos mais fortes e persistentes encontram-se nos complexos de caráter
sexual, onde a tonalidade afetiva se mantém pela não satisfação sexual. Todas as energias
psíquicas se dirigem para o complexo em detrimento dos demais. A tonalidade afetiva se
torna inadequada causando um estado psicológico que pode ser descrito como uma obsessão
do complexo (Jung, 1986).
Além das atitudes sexuais inadequadas entre Norman e sua mãe já citadas, pode-se,
ainda, mencionar o fato das seduções que a mãe fazia, o beijando e pedindo para que Norman
dormisse com ela. É possível levantar a hipótese de que o complexo materno, nesse caso, tem
caráter sexual. A não satisfação sexual de Norman é decorrente da tentativa falha de se
libertar da mãe real e de “Norma” que não medem esforços para impedi-lo de caminhar rumo
a liberdade para desenvolver sua sexualidade.
Quando o complexo não consegue se afirmar, ele tenta sobreviver buscando outros
caminhos. Então, surge o deslocamento:
Na puberdade, por exemplo, pode adquirir a forma de fantasias sexuais relativamente
anormais, muitas vezes alternadas com fases de entusiasmo religioso
(deslocamentos). Nos homens, a sexualidade (não sendo diretamente vivida) é
deslocada para a febre de uma atividade profissional ou extravagâncias (esportes
perigosos, etc.) ou ainda para paixões especiais, hobbies (mania de coleção, etc.)
(Jung, 1986, p.42).

Em pessoas que sofrem alto grau de sensibilidade do complexo, esses mecanismos


são exagerados.
A decorrência da sexualidade não diretamente vivida de Norman é deslocada para seu
trabalho como gerente do motel e para seu hobbie de taxidermia. A taxidermia para o
personagem, é um meio de se isolar do ruído do mundo. Além da taxidermia, Norman tem a
mania de guardar objetos relacionados às mortes cometidas por “Norma” como recordação.
Observa-se que quanto mais intensos são os momentos de estresse vividos pelo personagem,
mais ele recorre a esses mecanismos de deslocamento.
O complexo predominante de Norman é considerado negativo por causa dos traumas
associados a ele e é a fonte da patologia do personagem. Os complexos constituem nossas
marcas. Se as experiências e lembranças de um tema básico específico forem boas, o
complexo se torna positivo. Se, pelo contrário, forem ruins e traumáticas, o complexo se
tornará originalmente negativo. Esse tipo de classificação marcará nossas relações e
expectativas com outras pessoas, com a vida, com o mundo e com os nossos interesses. Os
complexos, muitas vezes, dão margem a patologias, pois influenciam a estrutura psíquica do
sujeito. No caso da dissociação patológica, no qual o complexo toma conta da psique, o que
ocorre é o desconhecimento e a intensidade do determinado complexo autônomo (Kast,
1997).
As mães dos complexos não são exatamente iguais às mães concretas. O complexo
materno tem como base a figura arquetípica materna. A origem da perturbação que gera o
complexo, sua marca, não é provocada apenas pela mãe, mas por todo o campo materno.
Seus efeitos podem aparecer como grande cuidado e preocupação em satisfazer por medo de
perder o amor dos outros e um pouco de abandono de si mesmo (Jung, 2008).
Norman, consciente ou inconscientemente confunde a mãe real com a constelada pelo
complexo. Ele se mostra confuso em algumas situações em que achou que tinha falado com a
mãe, mas não falou ou que ela estava vestida de determinada maneira. Norman sempre age
em função de sua mãe, e não de acordo com suas vontades próprias, mesmo que isso o
prejudique, com medo de decepcioná-la e perder seu amor. Durante toda a quinta temporada,
quando Norma já está morta, ele tem uma relação com sua outra personalidade como se ela
fosse sua mãe real. Após se dar conta de que ela é apenas fruto de sua psique, ele a confronta
toda vez que ela tenta agir ou imitar a Norma real.
O complexo materno não resolvido diz respeito a perturbação do ego devido ao
excesso da presença materna, causando dependência dessa influência. Percebe-se isso em
Norman, além da não separação com sua mãe. Seu irmão, Dylan, muitas vezes tentou fazê-lo
enxergar a influência negativa da superproteção de Norma em sua vida.
No homem, isto pode causar dificuldades no seu relacionamento com a anima. A
anima é a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na psique do homem
e é geralmente projetada em mulheres. A anima representa, no homem, a sua voz interior e é
responsável pelo relacionamento com o inconsciente. A primeira mulher a receber essa
projeção é a mãe. Um atraso na dispersão desta projeção significa uma má resolução do
complexo materno. Essa mãe segurará a anima do filho numa relação infantil fazendo com
que seu ego não consiga se libertar, tornando-se fragilizado. O homem pode crescer incapaz
de desenvolver tanto o seu lado masculino, o ego, quanto o seu lado feminino, a anima,
tornando-se o dependente de sua mãe (Silva, 2008).
Essa superproteção de Norma com o filho o tornou muito dependente dela, o que fez
com que sua identidade não tenham uma separação muito bem definida. Além de fazerem
todas as suas atividades juntos, seus gostos e preferências são os mesmos, não permitindo um
desenvolvimento da personalidade própria de Norman e a diferenciação dele com sua mãe.
A anima torna-se consciente projetando-se no mundo externo. Nos casos em que a
primeira projeção (a mãe) não foi superada, ela se manifestará por meio de seduções e
fantasias eróticas (Kast, 1997). Quando Norman fantasia com sua mãe fazendo sexo com
Romero, ele está projetando na imagem da fantasia desejos inconscientes. De acordo com
Silva, “Podemos então olhar, e como num espelho, vermos a nós mesmos. A dificuldade está
em reconhecer que as características que estamos vendo no outro são na verdade nossas.” (p.
26, 2008). Nesses tipos de situação, surge a perda da estabilidade.
No caso de Norman, suas fantasias ocorrem em momentos de dissociação e, tão logo
começam, são interrompidas por “Norma”. Ela também aparece quando ele se sente atraído
por alguém ou está se envolvendo emocionalmente ou sexualmente com alguém. Pode-se
constatar que ela o impede de superar sua primeira projeção, por medo de se tornar
irrelevante.
Jung (2000) aponta que os efeitos do complexo materno diferem em filhos e filhas.
No caso do homem, os efeitos deste complexo podem gerar um aprisionamento inconsciente
à figura da mãe, tornando-os incapazes de se comprometer. Apesar da diferença no sexo, a
mãe é a primeira figura importante com a qual o homem entra em contato, tornando-se assim
um elemento significativo na sua futura identidade.
Porém, esta influência poderá afetar o instinto masculino e a sexualidade normal. Jung
enfatiza que, “no filho, as simples relações da identidade ou de resistência no tocante à
diferenciação são continuadamente atravessados pelos fatores de atração ou repulsa erótica.”
(p. 95, 2000). Além disso, outros produtos deste complexo dizem respeito a produção do
desenvolvimento do bom gosto e da estética, dons de educador aperfeiçoados pela intuição e
tato femininos e/ou um espírito histórico conservador.
Norman é afetado pelo complexo materno originalmente negativo. As pessoas
afetadas dessa forma são muito ligadas à relação com a mãe, mesmo que essas não as tratem
como gostariam. Sempre esperam uma “benção” para suas ações, pois são muito inseguras e
precisam de validação. Há um poderoso sentimento de não pertencer a outras pessoas,
embora se esforcem para serem indispensáveis, o que causa uma grande dificuldade nos
relacionamentos devido a essa expectativa de falharem e serem rejeitadas e repelidas pelos
outros. A desconfiança primordial, característica desses indivíduos, faz com que qualquer
mudança de caráter emocional por parte dos outros, por mais ínfima que pareça, seja
interpretada como repulsa e rejeição e a reação a isso é de grande fúria e agressividade.
Somada a isso, vem a sensação de desamparo, de não pertencimento e participação, o que
gera um isolamento do mundo externo. Além disso, nota-se uma impotência que gera grande
necessidade de controle (Kast, 1997).
Norman evita de se vincular a outras pessoas, além de sua mãe. Qualquer mudança
em Norma o desestabiliza, o tornando paranoico, fazendo-o achar que perdeu seu amor. Com
isso, ele precisa se assegurar a todo momento que ela ainda o ama, fazendo-a garantir que
seus sentimentos por ele não mudaram. Quando ele acha que perdeu seu único amor, há um
grande pessimismo acompanhado por ameaças de suicídio. Em uma ocasião Norman fala a
sua mãe: “Nós não pertencemos mais a esse mundo. Estamos quebrados. Só queremos paz e
felicidade, mas o mundo não permite. Então vamos nos retirar da equação. Pois, depois
disso, teremos paz e estaremos juntos para sempre".

Considerações Finais
Esse trabalho buscou desenvolver um estudo do caso sobre a série Bates Motel, a luz
da Psicologia Analítica, sobre o Transtorno Dissociativo de Identidade e sua relação com o
complexo materno. Com isso, pôde-se perceber que a Psicologia Analítica consegue
descrever toda a temática envolvida neste transtorno, a partir do conceito de Dissociação
Patológica descrito por Jung, explicitando a importância do complexo materno do tipo
negativo no caso do personagem.
Os três objetivos específicos selecionados foram atingidos e auxiliaram uma melhor
compreensão do caso. Percebeu-se que a relação entre Norman e sua mãe era muito próxima
e fez com que sua identidade não se desenvolvesse adequadamente, misturando-se com a de
sua mãe. Também se observou, no que diz respeito ao Transtorno Dissociativo de Identidade,
diferenças na visão da Psiquiatria, que apenas lista sintomas, com a visão de Jung, que
explicava o porquê de eles acontecerem. Por último, notou-se a relevância dos complexos
autônomos dentro dessa patologia, o que possibilitou compreender a prevalência do
Complexo Materno na psicopatologia do personagem. A partir de um exame pormenorizado,
foi possível verificar que a psique do personagem foi influenciada por um complexo materno,
do tipo negativo, forte e não resolvido que adquiriu dominância e muita intensidade, fazendo-
o perder o controle do seu psiquismo.
Este trabalho fornece algumas opções no que diz respeito a continuidade do
desenvolvimento de trabalhos futuros. Dentro desse tema, podem-se desenvolver estudos
sobre a teleologia do transtorno, assim como sobre os sentidos simbólicos das manifestações
sintomáticas do personagem.
Dado ao aumento da frequência de psicopatologias na atualidade, torna-se necessário
o estudo delas a partir de um enfoque que visa, não apenas medicar os seus sintomas, mas
entendê-los em profundidade. A partir do desenvolvimento de estudos de casos, consegue-se
compreender, dentro de diversas abordagens, psicopatologias pouco conhecidas e que não são
muito estudadas, com a finalidade de melhorar o entendimento delas, proporcionando um
tratamento mais adequado e personalizado ao paciente.

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