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SEXUALIDADE NA ETIOLOGIA DAS NEUROSES
(1906)
ÍTULO ORIGINAL: "MEINE ANSICHTEN ÜBER DIE ROLLE DER SEXUALITÃT IN DER ÃTIOLOGIE DER NEUROSEN". PUBLICADO
T
PRIMEIRAMENTE EM L. LOWENFELD, SEXUALLEBEN UND NERVENLEIDEN.WIESBADEN: BERGMANN, PP. 313-22. TRADUZIDO DE
GESAMMELTE WERKEV, PP. 149-59. TAMBÉM SE ACHA EMSTUDIENAUSGABEV, PP. 147-57.
O PAPEL DA SEXUALIDADE NA ETIOLOGIA DAS NEUROSES
Acredito que a melhor maneira de avaliar minha teoria sobre a importância
etiológica do fator sexual nas neuroses é acompanhando sua evolução.
Não pretendo absolutamente negar que ela passou por uma evolução e se
transformou no curso desta. Meus colegas profissionais podem ver, nessa
admissão, a garantia dequeessa teorianãoéoutracoisadoqueasedimentação
deuma experiênciacontínuaeaprofundada.Oqueseorigina daespeculação,ao
contrário, pode facilmente emergir de uma vez, completo, e permanecer
inalterável. Originalmente essa teoria dizia respeito apenas aos quadros
patológicos reunidos sob a designação de "neurastenia", entre os quais me
chamaramaatençãodois, queocasionalmenteaparecemcomotipospuroseque
caracterizei como "neurastenia propriamente dita" e "neurose de angústia".
Sempre se soube que fatores sexuais podem ter um papel na causação dessas
formas de doença, mas não se achava que eles atuam regularmente nem se
pensava em lhes conceder a primazia diante de outras influências etiológicas.
Inicialmentemesurpreendeuafrequênciadedistúrbiosgravesnavitasexualisdos
neuróticos;quantomaiseumepunhaaprocurartaisdistúrbios-nãoesquecendo
que todas as pessoas escondem a verdade em questões sexuais -, e quanto mais
habilidade adquiria em prosseguir na demanda, apesar da negação inicial dos
pacientes,maisconstantementesurgiamtaisfatorespatogênicosoriundosdavida
sexual, até que me pareceu faltar pouco para que fossem universais. Mas desde
logo foi preciso levar em conta que irregularidades sexuais sucedem com igual
frequência por pressão das condições sociais, e permaneceu a dúvida quanto ao
grau de desvio da função sexual normal que podia ser considerado patogênico.
Porisso,deimenosvalorà evidênciaregulardetranstornossexuaisdoqueaoutra
descoberta, que me pareceu mais clara. Verificou-se que a forma tomada pela
doença - neurastenia e neurose de angústia - mostrava relação constante com a
natu reza do distúrbio sexual.
Nos casos típicos de neurastenia, encontrava-se a masturbação regular ou a
polução frequente; na neurose de angústia, havia fatores como o coitus
interruptus, a "excitação frustrada" e outros, em que o elemento comum parecia
ser a descarga insuficiente da libido produzida.
Além disso, nas frequentes formas mistas de neurastenia e neurose de angústia
tambémsepodiaassinalarumamisturadas etiologiasqueeuhaviasupostopara
as duas formas distintas, e essa divisão no modo de manifestação da neurose
parecia se harmonizar bem com o caráter polar (masculino e feminino) da
sexualidade.
Ao mesmo tempo que atribuía à sexualidade essa importância na gênese das
neuroses simples, 1 eu sustentava, em relação às psiconeuroses (histeria e ideias
obsessivas), umateoriapuramentepsicológica,emqueofatorsexual nãocontava
mais do que outras fontes emocionais. Juntamente com Josef Breuer, e
prosseguindo observações que ele havia feito numa paciente histérica dez anos
antes, estudei o mecanismo da gênese de sintomas histéricos mediante o
despertar de lembranças em estado hipnótico, e chegamos a conclusões que
permitiam fazer uma ponte entre a histeria traumática de Charcot e aquela
comum, não traumática. 2Formamosaconcepçãodequeossintomashistéricos
sãoefeitosduradourosdetraumaspsíquicos,emqueagrandezadeafetoquelhes
correspondefoi impedidadeelaboraçãoconscientee,porisso,trilhouo caminho
anormal da inervação somática.
As expressões "afeto estrangulado", "conversão" e "ab-reação" resumem o que é
característicodestaconcepção. Porém,dadasasrelaçõesentreaspsiconeurosese
as neuroses simples, tão estreitas que o diagnóstico diferen cial nem sempre é
fácil para o profissional inexperiente, tinha de acontecer que o conhecimento
adquirido num âmbito se estendesse também ao outro. Alémdisso,e semlevar
em conta essa influência, o aprofundamento no mecanismo psíquico dos
sintomas histéricos levou ao mesmo resultado. Quando, no procedimento
"catártico" queBreuereeuintroduzimos,investigava-secadavez maisostraumas
psíquicos de que derivaram os sintomas histéricos, chegava-se finalmente a
vivências que pertenciam à infância do paciente e diziam respeito à sua vida
sexual,eissotambémnoscasosemqueairrupçãoda doençaforaocasionadapor
umaemoçãobanal,denaturezanãosexual.Semconsideraressestraumassexuais
da infância não se podia elucidar os sintomas - compreender como foram
determinados -nem impedir sua recorrência. Desse modo, a importância
incomparável das vivências sexuais na etiologia das psiconeuroses pareceu
estabelecida indubitavelmente, e esse fato permaneceu, até hoje, como um dos
pilares da teoria. Se formularmos essa teoria dizendo que a causa da neurose
histérica,queduratodaavida,estánasvivências sexuaisdaprimeirainfância,em
geral insignificantes, ela certamente parecerá estranha. Mas, se considerarmos o
desenvolvimentohistóricodateoriaelocalizarmosseu conteúdoprincipalnatese
de que a histeria é expressão deumcomportamentoparticulardafunçãosexual
do in divíduo e esse comportamento já é, de forma decisiva, determinado pelas
primeiras influências e vivências que atuam na infância, abandonaremos um
paradoxo, mas conquistaremos um motivo para dar atenção aos efeitos
posteriores das impressões infantis, extremamente signi ficativos e até agora
bastante negligenciados. Deixo para abordar mais adiante, de modo mais cui
dadoso, a questão de se é lícito encontrarmos nas vivên cias sexuais infantis a
etiologiadahisteria(edaneurose obsessiva),eretornoàconfiguraçãoqueateoria
assumiu em algumas pequenas publicações preliminares de 1895 e 1896.3
Naquele momento, a ênfase dada aos fatores etiológicos supostos permitiu
contrapor as neuroses comuns, enquanto doenças com etiologia atual, às
psiconeuroses, cuja etiologia devia ser buscada sobretudo nas vivências sexuais
de outrora. A teoria culminava nesta tese: na VITA sexualis normal éimpossívela
neurose.
Embora ainda hoje eu não veja como erradas tais afirmações, não é de admirar
que em dez anos de con tinuado esforço em compreender esses fenômenos eu
tenha ultrapassado em boa medida a minha posição de então, e agora me
acredite capaz de corrigir, median te uma experiência aprofundada, as
deficiências, os deslocamentos e mal-entendidos de que sofria então a teoria.
O material ainda escasso daquele tempo me trouxe um número
desproporcionalmentegrandede casosemqueaseduçãosexualporpartedeum
adulto ou de outras crianças maiores tinha relevante papel na infância do
indivíduo. Superestimei a frequência desses acontecimentos(inquestionáveis,de
resto), pois também não estava em condições, naquela época, de distinguir
seguramente entre as enganosas recordações infantis dos histéricos e os traços
dos eventos reais, e desde então aprendi a explicarmuitasfantasiasdesedução
como tentativas de se defender da recordação da própria atividade sexual
(masturbação infantil).
Com esse esclarecimento descartou-se a ênfase no elemento "traumático" das
vivências sexuais infantis, e restou a compreensão de que a atividade sexual
infantil(espontâneaouprovocada)prescreveadireçãoqueserátomadapelavida
sexual após o amadurecimento. A mesma explicação, que corrigia o mais
significativo de meus erros iniciais, também mudaria necessariamente a
concepção do mecanismo dos sintomas histéricos. Estes já não se
apresentavam como derivados diretos das lembranças
reprimidasdevivênciassexuaisdainfância; entreossintomase
asimpressõesinfantisseintercalavamasfantasiasdopaciente
(lembranças imaginárias), em geral produzidas na puberdade,
que se formavam a partir e em cima das recordações infantis,
porumlado, esetransformavamdiretamentenossintomas,por
ou tro lado.
Nãoestavalongeumasegundamudançana teoriaoriginal.Juntocomasuposta
frequência da sedução infantil descartou-se também a ênfase excessiva nas
influências acidentais sobre a sexualidade, às quais eu quis atribuir o papel
principal na causação da enfermidade, sem negar os fatores constitucionais e
hereditários. Esperei inclusive resolver o problema da escolha da neurose, a
decisão sobre que forma de psiconeurose acometeria o doente, mediante as
particularidades das vivências sexuais infantis, e acreditei então - embora com
reservas-queocomportamentopassivonessas cenasresultassenapredisposição
específicaparaahisteria,eoativo,naquelaparaaneuroseobsessiva.Depois tive
deabandonartotalmenteessaconcepção,embora algunsfatosexigissemquese
mantivesse, de alguma forma, o suspeitado nexo entre passividade e histeria,
atividade e neurose obsessiva.
Com o recuo das influências acidentais ligadas às vivências, os fatores
constitucionais e hereditários readquiriram a predominância, mas,
diferentementedaopiniãoquevigoravaderesto, paramima"constituiçãosexual"
tomava o lugar da predisposição neuropática geral.
EmmeusTrêsensaios sohreateoriadasexualidade,publicados
recentemente (1905), procurei descrever as variadas formas
assumidas por essa constituição sexual, assimcomoanatureza
composta do instinto sexual e sua procedência de diferentes
fontes no organismo.
defesa.4 Aessadefesaeuatribuíraacisãopsíquica-ou,comosedizia
então, a cisão na consciência - da histeria. Se a defesa era
bem-sucedida,avivênciaintolerávelesuasconsequênciasafetivas
eram expulsas da consciência e da lem brança do Eu.
Em determinadas condições, porém, o que fora expulso desenvolvia sua atividade
comoalgoentão inconsciente,eretornavaàconsciênciapormeiodossintomasedos
afetos a estes ligados, de modo que a doença correspondia a um fracassodadefesa.
Essa concepção tinha o mérito de penetrar no jogo das forças psíquicas e, assim,
aproximarosprocessosmentaisdahisteriadaquelesnormais,emvezdecaracterizara
neurose como um
distúrbio enigmático e não suscetível de maior análise. Depois que novas
indagações,sobrepessoasque haviampermanecidonormais,deramoinesperado
re sultado de que a história sexual de sua infância não se distinguia
essencialmentedaqueladosneuróticos,de quesobretudoopapeldaseduçãoera
o mesmo, as in fluências acidentais recuaram mais ainda em relação à da
"repressão" (como comecei a dizer, no lugar de "de fesa") .* O que interessava,
portanto, não era o que um indivíduohaviaexperimentadodeexcitaçõessexuais
na infância, mas principalmente a sua reação diante dessas vivências, se havia
respondido a tais impressões com a "repressão" ou não. Nas práticas sexuais
infantis es pontâneas foi possível mostrar que com frequência, no curso do
desenvolvimento, elas foram interrompidas por um ato de repressão. Assim, o
indivíduo neurótico se xualmente maduro trazia consigo da infância, por via de
regra,umquêde"repressãosexual"quesemanifestava porocasiãodasexigências
da vida real, e as psicanálises de histéricos mostravam que eles adoeciam como
resultado do conflito entre a libido e a repressão sexual e que seus sintomas
tinham o valor de compromissos entre as duas correntes psíquicas.
Sem uma discussão detalhada de minhas ideias sobre a
repressãoeunãopodereielucidarmaisessaparte dateoria.
Mas aqui deve bastar que eu remeta aos meus Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade (1905), onde procurei lançar alguma luz, ainda que tênue, sobre os
processossomáticosemquesedevebuscaraessência dasexualidade.Alimostrei
que a disposição constitu cional sexual das crianças é muito mais variadadoque
se podia esperar, que ela merece ser chamada de "poli modicamenteperversa"e
que dela provém, mediante a repressão de determinados componentes, a assim
chamadacondutanormaldafunçãosexual.Assinalandoas característicasinfantis
da sexualidade, pude estabelecer uma conexão simplesentresaúde,perversãoe
neurose.
Anormaresultavadarepressãodedeterminadosinstintosparciaisecomponentes
dadisposiçãoinfantileda subordinaçãodosdemaisàprimaziadaszonasgenitais
a serviço da função procriadora; as perversões correspondiam a distúrbios nesta
síntese, pelo desenvolvimento forte, como que compulsivo, de alguns desses
instintos parciais, e a neurose estava relacionada a uma repressão excessiva das
tendências libidinais. Como quase todos os instintos perversos da constituição
infantilpodemser evidenciadoscomoforçasformadorasdaneurose,mas nelase
encontramnoestadoderepressão,pudedesignar aneurosecomoo"negativo"da
perversão. Devoressaltarque,apesardetodasasmudanças, minhasconcepções
sobre a etiologia das psiconeuroses nunca rejeitaram ou abandonaram dois
pontosdevista: arelevânciadasexualidadeedoinfontilismo.Deresto, influências
acidentais foram substituídas por fatores constitucionais, e a "defesa", entendida
de modo pura mente psicológico, pela "repressão sexual" orgânica. Se alguém
perguntar onde se acha uma prova concludente da alegada importância
etiológica dos fatores sexuais nas psiconeuroses, dado que se vê tais doenças
irrom perem após emoções banais e até por razões somáticas, e foi preciso
abandonar uma etiologia específica, na for ma de vivências infantis particulares,
responderei que a pesquisa psicanalítica dos neuróticos é a fonte de onde vem
essa controvertida convicção. Quando se emprega esseinsubstituívelmétodode
investigação, descobre-se que os sintomas representam a atividade sexual dos
pacien tes, total ou parcial, oriunda das fontes de instintos par ciais normais ou
perversos da sexualidade. Não apenas umaboapartedasintomatologiahistérica
provémdiretamentedemanifestaçõesdaexcitaçãosexual,nãoapenasumasérie
dezonaserógenasassumeosignificadode genitaisnaneurose,porintensificação
decaracterísticas infantis,masinclusiveosmaiscomplicadossintomasse revelam
como representações convertidas de fantasias que têm por conteúdo uma
situação sexual. Quem sabe interpretar a linguagem da histeria pode perceber
que a neurose diz respeito somente à sexualidade reprimida do paciente. Mas a
função sexual deve ser entendida em sua correta extensão, circunscrita pela
predisposição in fantil. Quando uma emoção trivial tem de ser incluída entre as
causasdeumadoença,aanálisecostumademonstrarqueoinfalívelcomponente
sexual da vivência traumática exerceu a ação patogênica.
Passamos,inadvertidamente,daquestãodascausas dapsiconeuroseaoproblema
de sua natureza. Queren do-se levar em conta o que aprendemos com a psica
nálise, pode-se dizer apenas que a essência dessas en fermidades se acha em
distúrbios dos processos sexuais, aqueles processos do organismo que
determinam a for mação e a utilização da libido sexual. Em última instân cia,
dificilmente podemos deixar de imaginá-los como processos químicos, de modo
que seria lícito ver nas chamadas "neuroses atuais" os efeitos somáticos dos
distúrbiosdometabolismosexual,enaspsiconeuroses, osefeitospsíquicosdesses
mesmosdistúrbios.Asemelhançadasneurosescomosfenômenosdeintoxicação
e deabstinênciaapósousodecertosalcaloides,ecomas doençasdeBasedowe
de Addison, aparece facilmente na clínica, e, assim como não se pode mais
descrever essas duas últimas enfermidades como "nervosas", tam bém as
verdadeiras neuroses, apesar do seu nome, tal vez tenham de ser excluídasdessa
categoria em breve.
Assim, pertence à etiologia das neuroses tudo o que pode
agir de formaprejudicialsobreosprocessosque servem
à função sexual.
Em primeiro lugar, as patologias que afetam a própria função sexual, na medida
em quesejamvistascomotaispelaconstituiçãosexual,que variacomaculturae
a educação.
Emsegundolugarestãotodasasdemaispatologiasetraumas,que,sendonocivas
ao organismo emgeral,secundariamentepodem prejudicarosprocessossexuais
deste. Não esqueçamos, porém, que nas neuroses o problema da etiologia é tão
complicado, pelo menos, quanto em outras enfermidades.
Uma só influência patogênica quase nunca basta; geralmente
sãonecessáriosmúltiplosfatoresetiológicos,quefavorecemuns
aos outros e que, portanto, não devem ser contrapostos.
Também por isso o estado de doença neurótica não se diferencia
nitidamentedaquele dasanidade.Oadoecimentoéresultadodeuma
soma, e a medida deprecondiçõesetiológicaspodesercompletadaa
partir de qualquer direção. Buscar a etiologia das neuroses
exclusivamente na hereditariedade ou na constituição seria tão
unilateral quanto querer elevar à condiçãodeúnicofatoretiológicoas
influênciasacidentaisqueasexualidadeexperimentanavida,quandose
chega ao esclarecimento de que a essência dessas en fermidades
consiste apenas num distúrbio dos processos sexuais do organismo.
I "Sobre os motivos para separar da neurastenia determinado complexo de
sintomas, designado como 'neurose de angústia"', Neurologisches Zentralhlatt,
1895.
3 "Novas observações sobre as neuropsicoses de defesa", Neurolo gisch.es
Zentralhlatt, 1896; "A etiologia da histeria", Wiener klinisch.e Rundsch.au, 1896.
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