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Belo Horizonte
2006
ii
CDU 157
COPYRIGTHS:
Todas as referências ao Batman e demais personagens citados neste estudo, incluindo
imagens e características, têm os seus direitos reservados: DC Comics, divisão Warner
Brothers, companhia do grupo norte-americano AOL Time-Warner.
iii
Belo Horizonte
2006
iv
Agradecimentos
Ao Miguel, meu orientador, que me ensinou que a vida se faz na troca de experiências e
que cada um de nós tem muito a ensinar, mas também muito a aprender.
A minha mãe e a minha irmãzinha, Cris, que cuidaram de mim com muito amor, carinho e
paciência, ajudando nas pequenas e grandes coisas do dia a dia e me fazendo ter forças
para seguir sempre em frente.
A meu pai, Luiz, que mesmo quando estava geograficamente distante, sempre tinha uma
palavra de apoio.
Às minhas tias Li e Sil, por ajudarem na transposição do texto para a tela e pixels desta
escritora de caderno e caneta.
Ao meu irmão João, que além de ajudar também nessa transposição, muitas e muitas
vezes foi meus braços, olhos e pernas, buscando livros, entregando textos, quando a
labuta de escrever não me permitiu fazer por mim mesma. E pelas palavras certas na
hora certa.
A Erika, minha irmã de coração, com quem compartilhei os primeiros e tímidos passos no
estudo da fenomenologia, pela força que sempre me deu.
Aos queridos amigos do LAPS, que me ajudaram a crescer como pesquisadora e como
pessoa, e aos meus alunos da disciplina Psicologia e Cultura que muito me ensinaram
em nossos meses de convivência.
A manya Regina por ajudar na revisão do texto. A Luzinha, minha "imouto"; Sammy e
Dani, minhas amigas queridas, pelas aulas de Photoshop que me ajudaram imensamente
na hora de transpor os recortes das imagens necessárias à analise.
A minha maninha Luci, minha grande amiga Ju; minha prima Letícia e também a Sabrina,
Joacélio, Heitor, Alexandre, Silvio Ribas e muitos outros amigos aficcionados pela nona
arte, como eu. Graças à boa vontade de vocês, seja através de indicações, seja através
de empréstimos, consegui os livros, as revistas e textos necessários para concretizar
esta dissertação.
E a muitos outros amigos que estiveram comigo direta ou indiretamente durante todo
esse caminhar.
vi
Resumo
Abstract
Comics are cultural productions intensive diffused in the whole world and read by people
of all ages and different nationalities. The objective of this research is to apprehend the
referring aspects to the changes of elaboration of justice in the course of 20th century
contained in comics of Batman. We also see the cultural productions as study material of
Social Psychology, not only because they are rich in elaborations, but because
Psychology can contribute with significant forms for the understanding of culture too. Our
approach is in the production of meanings present in that cultural manifestation while
elaboration of the justice experience. Batman, besides being an emblematic character of
this media, don't have super-powers, but decided to be a hero, propitiating a specific
entailing with the common man. We analyzed Batman's Comics as a life experience, as
it's understood by the light of phenomenology. The selection of the analyzed material was
made after the reading of specialists' research of the genre. Eight histories of distinct
times had been analyzed, indicated by the specialists as marking in the trajectory of the
hero. We searched to make explicit the structure of the research object, examining the
interaction between image and text in histories to apprehend the direction communicated
for them. The final results indicate that, even so the factor that led to the transformation of
Batman in super-hero has been the death of his parents when he is a child; this isn't the
motivation that takes him to search for justice. His motivation is the protection of the
innocents who inhabit the city of the personage. The justice is understood in all the
trajectory of the hero as right of all. It demands a social profit, not a personal profit. Justice
also is comprehended as a combat to crime. In first histories, of years 30 and 40, the
criminal's destiny is usually chain or death. They were understood as creatures at the
edge of society and incapable to be reintegrated to it. Later, the criminals are divided in
normal, destined to the chain, and mad psychiatric, and, sometimes, with recovery
possibility. The relation of Batman with the authorities also changed with the time: in the
principle, he combats the crime without involving with the police, was until pursued for
they; too little it starts to help the authorities directly.
Introdução.......................................................................................................... 2
Apresentação..................................................................................................... 2
Objetivos........................................................................................................... 5
1- Marco Teórico....................................................................................................7
1.1- Justiça.........................................................................................................7
1.2 -Cultura..................................................................................................... 10
1.21 – O que é cultura?............................................................................... 10
1. 22 – Cultura como mundo-da-vida...........................................................13
1.3- Psicologia da Cultura e Estudos Culturais............................................ ..16
1.4 – Histórias em Quadrinhos....................................................................... 20
1.41 – Quadrinhos como manifestação cultural do séc. XX........................ 20
1.42- A Linguagem das Histórias em Quadrinhos....................................... 20
1.43 – Quadrinhos de super-heróis............................................................. 23
1.44- A escolha do Batman como objeto de pesquisa.................................24
1.45 – Quadrinhos como Literatura.............................................................27
1.46 – Quadrinhos, Leitores e História.........................................................34
2- Metodologia................................................................................................... 43
2.1- Referencial teórico para a interpretação dos dados...............................43
2.2- Procedimentos metodológicos................................................................47
2.21- A escolha do material a ser analisado...............................................47
2.22 - O percurso trilhado...........................................................................51
3- A análise das histórias...................................................................................54
3.1- The Case of the Chemical Syndicate.……………………………………...55
3.2- Introducing Robin, The Boy Wonder……………………….……………….71
3.3-The Batwoman.…………………….………………………………………….89
3.4- The Million Dollar Debut of Batgirl………………………………………...109
3.5-One Bullet too many!..............................................................................131
3.6- Dark Knight returns…………………………………………………………155
3.7-A Death in the Family………………………………………………….……199
3.8 - A Lonely Place of Dying……………………………………………………244
3.9 - Conclusões...........................................................................................281
4- Referências bibliográficas ............................................................................297
2
Introdução
Apresentação
Os quadrinhos sempre fizeram parte de minha vida, desde muito pequena, quando me
deparava, ainda sem nem ao menos saber ler, com as figuras de revistas como Turma
da Mônica ou Pato Donald, Mickey e Margarida. Inventava, em minha cabeça, história
e diálogos para completar a falta que o reconhecer das letras me fazia. À medida que
fui crescendo, a alfabetização descortinou o mistério que no começo existia para mim.
A barreira fora quebrada e o mundo daquelas revistas se tornou completo e
reconhecível, e ainda mais fascinante.
Com o passar dos anos, meus gostos por tipos de histórias em quadrinhos foram se
diversificando. As histórias protagonizadas pela menina de vestido vermelho que
levava seu coelhinho à tira colo, a sempre famosa Mônica, não mais prendiam a minha
atenção. E, por um breve momento, cogitei abrir mão desse mundo quadriculado que
foi meu companheiro nos primeiros anos de vida. Foi então que eu li, pela primeira
vez, graças a um amigo, uma minissérie em quatro edições estrelada pelo Batman.
Chamava-se Batman – Cavaleiro das Trevas, escrita e desenhada por Frank Miller em
1986. A história se passava em um futuro alternativo, em que a personagem, semi-
aposentada, retornava à vida de combatente do crime. A história era carregada de um
teor denso e tenso, de uma temática adulta e forte, criticando em suas páginas a
sociedade de consumo, os meios de comunicação em massa e a política mundial, na
época, regida pela Guerra Fria.
Tal texto trouxe um impacto enorme para mim. Tinha 15 anos na época e me lembro
de me perguntar, ainda estupefata e parcialmente confusa: era aquilo uma história em
quadrinhos? Onde estavam as aventuras leves e divertidas? E a separação nítida
entre bandidos e mocinhos? E, afinal, onde estaria exatamente a verdadeira justiça:
em seguir fielmente as leis instituídas como o Superman fazia na série, ou em
questionar aquilo com que não concordava, como fazia Batman? E ainda, aquele que
eu via nas páginas daquelas revistas era o Batman? Mas ele não era aquele herói que
3
costumava lutar com um monte de vilões malucos e engraçados como eu vira nos
desenhos e na série de TV? E que mundo era aquele, tão próximo do meu, em que as
pessoas sofriam, mas persistiam? Em que um homem decide voltar a usar uma
fantasia de morcego em parte para fazer alguma coisa diante daquele mundo caótico
e desordenado que o cercava? O que era tudo aquilo, enfim, que aquela história me
mostrava, que era maior que a minha compreensão e ainda assim totalmente
compreensível para mim?
Passei a ler livros diversos sobre o tema. Sobre sua origem, história, gêneros,
construção de história, estilo de escrita e desenho... Mas isso também começou a se
mostrar pouco diante dos meus anseios e, graças ao convite de um outro amigo,
responsável por uma revista eletrônica sem fins lucrativos chamada Abacaxi Atômico,
e posteriormente, também para o site A Galáxia, passei não só a ler, mas também a
escrever sobre o assunto.
Comecei a notar, através de minha escrita, que aquelas histórias continham em si algo
inerente não apenas ao enredo e às personagens propriamente ditas, mas também
relativo ao período histórico em que foram escritas, à sociedade da época, e ao
mesmo tempo a cada um de nós, no momento presente. Algo que captava a nossa
atenção e paixão a ponto de muitos dos heróis que estrelam várias dessas
publicações perdurarem por mais de 60 anos.
Havia naquele meio algo que dizia tanto do sujeito humano, não apenas de seus
autores e leitores, quanto da sociedade em que fora concebido. Assim sendo, quanto
mais me envolvia com os quadrinhos, mais percebia que havia ali algo de significativo,
que merecia ser estudado e compreendido. E não apenas ao que dizia respeito aos
quadrinhos.
Com esse respaldo, tratei de delinear o meu objeto de pesquisa, conforme será
mostrado no decorrer deste trabalho, levando em consideração o que minha pesquisa
poderia trazer de significativo e original para o campo. Na elaboração deste trabalho,
então, retomei uma pergunta que havia me ocorrido nos primeiros passos dessa
caminhada. A intencionalidade se fez valer nesse momento, ao perceber que a
pergunta de pesquisa já se fazia presente em mim desde que comecei a adentrar o
universo dos quadrinhos de super-heróis: a questão da justiça.
questionar-me acerca do que era exatamente tomado por justiça. Ela seria
compreendida apenas na sua relação com a extinção do crime ou abrangeria um
significado mais amplo? Existiria uma variação da concepção de justiça através dos
anos? Como isso refletia a vivência de cada época? Enfim, com esses
questionamentos em mente, propus-me a realizar o presente trabalho.
Objetivos
Objetivo Geral
1
A justificativa para a escolha deste período encontra-se na seção 2.21 desta dissertação.
6
Objetivos específicos
1- Marco Teórico
1.1- Justiça
Inúmeros são os estudos e tratados sobre esse tema dentro da Filosofia, do Direito, da
Antropologia ou da Sociologia. A concepção de justiça variou no decorrer da História,
sendo compreendida, pelos gregos, em uma tradição oral mais antiga, como uma
virtude divina (thémis), algo estabelecido pelos deuses em nossa alma, cuja
responsabilidade ficava em última instância a cargo dessas divindades (ESPÍRITO
SANTO, 2003). Com Platão, passa-se a considerar a justiça como uma virtude central
que coordena todas as demais virtudes humanas e distribui cargos e encargos sociais
de acordo com o mérito e a aptidão individual de cada indivíduo; enfim, ela serve para
proporcionar a manutenção da ordem das coisas. Essa idéia de Platão de justiça como
“virtude coordenadora” das demais virtudes humanas demonstra que, com ele, os
gregos evoluíram o pensamento do aspecto puramente divino da justiça para uma
mescla entre o divino e o humano (MORA, 2001).
Aristóteles toma o conceito de justiça ainda como virtude, mas uma virtude social de
caráter humano (diké). Para este filósofo, é a justiça, tomada enquanto um hábito
moral, que leva as pessoas a fazerem e desejarem aquilo que é justo, aquilo que é
moralmente aceito dentro de uma sociedade especifica. (SILVA, 2000).
quando de sua aplicação pura, pode trazer conseqüências injustas; daí a necessidade
de aliar-se a ela a eqüidade e a justiça concreta. (MORA, 2001)
Existe também uma visão formal (ou positiva) da justiça, em que esta se vê
completamente atrelada ao Direito, que é a formalização das leis que regem a
sociedade (leis positivas). A justiça seria, portanto, um ingrediente dentro desse
caráter formalizado de leis (ESPÍRITO SANTO, 2003; MORA, 2001; SILVA, 2000).
A justiça é ainda compreendida por alguns filósofos, dentre os quais Hume, como
regras de acordo com o interesse de todos os membros de uma sociedade, que
convergem para o bem da maioria. A justiça é, portanto, concebida enquanto utilidade
pública (visão material), pois se funda na realidade concreta e visa o maior bem
possível para o maior número possível de pessoas (MORA, 2001).
Atualmente, a maior discussão acerca do tema da justiça diz respeito ao que é justo
para um indivíduo dentro de uma sociedade, e envolve tanto a questão da ética quanto
o conceito do que é ser cidadão. Ou seja, implica em um posicionamento do sujeito
dentro da sociedade e em relação aos demais membros da mesma (BORGES;
DALL’AGNOL; DUTRA, 2002). Tal idéia entra em consonância com a nossa proposta.
A correlação entre ética e justiça não é uma novidade; já entre os gregos, Platão
apontava a justiça como a única possibilidade de felicidade para o homem. Aristóteles
também fazia essa ponte entre ética e justiça, tomando a última enquanto um costume
moral (MORA, 2001).
A mudança atual do conceito está justamente no enfoque social, que privilegia tanto a
relação dos sujeitos que compõem a sociedade, quanto a própria tomada de atitude do
sujeito frente a essas questões.
10
Sob essa perspectiva, temos a proposta de Levinas (cf. FABRI, 2003), que nos atenta
para a importância de se compreender a justiça como um fenômeno:
1.2-Cultura
Um dos primeiros a cunhar uma definição para Cultura foi Tylor, no livro Primitive
Culture, em 1871. Segundo esse autor, a Cultura deveria ser reconhecida como todo o
conjunto de conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer
capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade
(LARAIA, 1997).
Conforme Laraia (1997), tal conceito era por demais abrangente, o que levou os
teóricos do campo a buscar alternativas para melhor definir e especificar o conceito.
Tal busca, segundo o autor, resultou em três concepções mais freqüentemente aceitas
do termo Cultura.
A primeira diz respeito à definição da Cultura como um sistema cognitivo, no qual ela é
percebida como “um conjunto de práticas e dos comportamentos sociais inventados e
transmitidos no grupo: a língua, os ritos e os cultos, a tradição mitológica, mas também
11
Em seu livro A Interpretação das Culturas, Geertz (1989) nos atenta para o caráter
dinâmico da Cultura e do papel fundamental dos sujeitos nesse processo. De acordo
com esse teórico, a Cultura não é algo particular, mas sim público, sendo criada pelos
componentes de uma determinada sociedade. Como estamos imersos nessa
sociedade, muitas vezes não estamos atentos às transformações ocorridas, mas estas
2
FAVROD, CH. A antropologia. Lisboa: Dom Quixote, 1977, p. 70.
12
Sendo assim, não podemos deixar de concordar também com Augras (1995, p. 19), ao
afirmar:
Retomando Geertz (1989), tal autor concebe o ser humano como um animal
inacabado e incompleto que só se completaria através da Cultura. Tal afirmação é, de
certo modo, compartilhada por Ales Bello (2001; 2004), que nos lembra que é através
da atividade humana que saímos da natureza e passamos para a cultura. A atividade
humana produz cultura e é a cultura que nos torna humanos.
Como Ales Bello (2001) aponta em Culturas e Religiões, o termo Welt (mundo) pode
ser tomado de formas distintas: Welt é entendido não apenas como o mundo material
ou o mundo das coisas físicas, mas também como a bagagem de experiências e
vivências que cada ser humano possui e compartilha com o grupo ao qual pertence.
Welt seria a conjunção do mundo físico, intelectual e cultural no qual estamos imersos
e que tomamos como natural.
Ser humano, portanto, significa viver em um mundo, em uma realidade que está
ordenada e dá sentido à vida. Tal mundo é o mundo-da-vida, caracterizado como um
mundo essencialmente social, tanto nas suas origens quanto na sua manutenção, pois
os sentidos são estabelecidos coletivamente e se mantêm ou se transformam através
de um consentimento coletivo (Berger, 1979; ALES Bello, 2001):
Cada indivíduo possui um modo único de se relacionar com o mundo que o cerca, mas
o faz de forma compartilhada através de formas socialmente estabelecidas, pois existe
algo essencial e estrutural que possibilita que os membros de uma mesma sociedade
compartilhem os mesmos credos e valores, apesar do posicionamento pessoal de
cada um diante da realidade. E é esse compartilhamento que se constitui em Cultura.
como humano que nos possibilita deslocarmo-nos da nossa posição e nos colocarmos
não exatamente no lugar do outro, mas o mais próximo possível para
compreendermos seus valores, comportamentos, escolhas, entre outros. Através da
entropatia nos é possível estabelecer relacionamentos com outrem, e, assim, construir
um mundo social e cultural.
Husserl (cf. MASSIMI, 2000) também nos lembra a importância dos atos psíquicos
nesse processo. Os atos psíquicos são o “movimento da consciência” (p.15). Ou seja,
são atos que possuem certa intencionalidade. Dentro da fenomenologia, a consciência
é compreendida como intencional. O sujeito está sempre voltado para algo.
Na vida estamos sempre ocupados com algo, ora isso, ora com
aquilo e num nível mais baixo com aquilo que não é psíquico.
Por exemplo, percebendo, nós estamos ocupados em olhar o
moinho percebido, voltados para ele e somente para ele; na
lembrança, nós estamos ocupados com o lembrado; no pensar,
com o pensamento; na vida sensitiva e avaliativa com aquilo
que é bonito. [...] Tudo aquilo que é através da reflexão nos é
acessível e tem um caráter comum, notável. Aquilo da
consciência de algo, de ser consciente de algo [...] estamos
falando de ‘intencionalidade’. E o caráter é o caráter
fundamental da vida psíquica no seu significado pleno e,
3
portanto, indivisível dela (HUSSERL apud MASSIMI, 2000).
3
HUSSERL, E. Conferenze di Amsterdam. Psicologia fenomenologica. (org. P. Polizzi). Roma: Pietro
Vittorietti Editore, sd. (tradução da autora).
16
Em suma, existe uma estrutura comum de significação que é compartilhada e que nos
permite tomar uma expressão cultural única de um povo específico - ou mesmo de um
indivíduo - como vivência, compreendê-la e falar dela de modo que faça sentido não
apenas para aquela pessoa ou povo em questão.
Os sujeitos refletem a estrutura social ao mesmo tempo em que reagem sobre ela,
conservando-a ou transformando-a. Somos também reflexos do momento histórico em
que vivemos, sem que esqueçamos que também somos produtores desse momento.
À medida que a História, a sociedade e o indivíduo se modificam, novos valores e
comportamentos são tomados como parâmetros de convivência social. Tais mudanças
freqüentemente são expressas através de uma produção que é fundamentalmente
humana: a produção cultural.
Portanto, nessa nova perspectiva, tais produções são acolhidas como expressões
dessa relação dialética entre o sujeito e a sociedade e nos possibilitam compreender a
pessoa enquanto membro participante de uma cultura e o significado deste
pertencimento para ela.
Dentro da Psicologia Social brasileira, existem duas abordagens distintas dos estudos
de produções culturais. A primeira, cuja principal representante no país é Neusa
Guareschi, é inspirada nos Estudos Culturais britânicos. A outra é conhecida por
Psicologia da Cultura, cujos representantes de destaque são Monique Augras e Miguel
Mahfoud.
17
A Cultura passa a ser encarada pelos teóricos dos Estudos Culturais tanto como forma
de vida, (um conjunto de idéias, atitudes, línguas, práticas, instituições, estruturas de
poder), quanto como práticas sociais (formas, textos, cânones, arquitetura,
mercadorias). A Cultura é o lugar social no qual são estabelecidas as divisões que
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Assim como no caso dos Estudos Culturais, a Psicologia da Cultura tenta dialogar com
outras disciplinas das Ciências Humanas, tais como a História e a Antropologia,
procurando apreender conceitos e métodos que possam enriquecer sua atuação e
simultaneamente contribuir para o enriquecimento dessas disciplinas através de uma
nova visão das relações psicossocias expressas nas produções culturais. A Psicologia
da Cultura pretende uma relativa autonomia e um reconhecimento como disciplina
independente (AUGRAS, 1995). A Psicologia da Cultura busca essa troca de
experiências e diálogo com outras disciplinas, mas seu ponto primordial está
assentado na idéia de que não se pode perder o foco de qual seria a contribuição
específica da Psicologia para o estudo dos processos culturais: “[...] o enfoque do
psicólogo é diferente. O que me interessa, são as pessoas concretas" (AUGRAS,
1995, p. 20, grifo nosso).
Esse enfoque na pessoa e no modo como a realidade subjetiva de cada sujeito se faz
através de sua relação dialética com a sociedade nos faz perceber a Psicologia da
Cultura conforme proposta por Monique Augras como mais atrativa, e nos levou a
adotá-la como fonte de inspiração para o nosso trabalho. Tal proposta traz em si a
importância de como as pessoas se “constroem e expressam” dentro da cultura, ou
seja, a importância das elaborações dos sujeitos dentro da cultura. E é a compreensão
dessas elaborações enquanto vivências, conforme detalharemos posteriormente, que
nos interessa na análise do nosso objeto de pesquisa.
19
O que vêm a ser as histórias em quadrinhos? Para alguns, elas são histórias
engraçadas publicadas nas seções de entretenimento e cultura dos jornais. Para
outros, são histórias cheias de figuras e balões que liam quando crianças; outros
afirmam que quadrinhos são as histórias de super-heróis lidas pelos adolescentes.
Realmente todos esses aspectos são aplicados às histórias em quadrinhos, mas não
21
Scott McCloud (1993) fez um estudo detalhado das peculiaridades das histórias em
quadrinhos enquanto produção, explicitando seus aspectos, revelando a gramática
dessa manifestação. Segundo McCloud (1993, p. 9), os quadrinhos são “juxtaposed
pictorial and other images in deliberate sequence, intended to convey information
and/or to produce an aesthetic response in the viewer4”.
Os sentidos das histórias se apresentam através dessa união entre imagem e texto,
apesar de ocasionalmente o texto escrito poder ser abolido do processo narrativo. O
texto usualmente se refere aos diálogos das personagens, podendo também trazer
informações adicionais à trama. Algumas vezes eles reforçam o sentido da imagem ao
qual estão associados, outras vezes expressam o contrário do que se vê, denotando
uma nova acepção à cena que não é possível sem a junção de texto e imagem. Nos
quadrinhos, os textos, em geral, estão restritos às áreas dos balões, legendas ou
recordatários, ou ainda se mostram sob a forma de onomatopéias.
As imagens nos quadrinhos não se limitam apenas aos desenhos que compõem a
história em quadrinhos, mas também a outros elementos que são típicos dessa
produção e auxiliam no desenvolvimento da história e na compreensão do enredo por
parte dos leitores: os “balões”, legendas, títulos e onomatopéias. Embora cada um
desses elementos esteja aparentemente relacionado apenas com a parte textual das
histórias em quadrinhos, o modo como graficamente se apresentam (por exemplo, o
4
“imagens pictóricas justapostas em uma seqüência deliberada com a intenção de fornecer
informação e/ou produzir uma resposta estética no observador” (tradução nossa).
22
formato e as cores dos balões ou das legendas, o estilo / tamanho / inclinação das
letras do título ou das onomatopéias) se liga ao código de imagens e também denotam
um sentido que reforça, complementa ou nega o significado expresso na parte textual.
Até 1938, quando se deu a publicação da Action Comics nº 01, em que surge pela
primeira vez a personagem Super-Homem, criada por Jerry Siegel e Joe Shuster, as
histórias de aventuras eram protagonizadas por detetives e aventureiros comuns.
Os motivos que levam esses heróis a combaterem o crime são os mais diversos,
desde o trauma pela morte de um parente próximo até pelo sentimento de patriotismo.
Mas a busca pela justiça os une todos como super-heróis.
5
http://www.omelete.com.br/quadrinhos/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=675
6
www.eca.usp.br/agaque/agaque/ ano3/numero3/agaquev3n3_edit.htm
25
Por mais de 60 anos, os três vêm sendo publicados de forma ininterrupta, e já foram
adaptados para outras mídias, como rádio, cinema e TV (DIXON, 2001).
Embora vários outros tenham surgido na década de trinta ou mesmo antes, o Batman,
o Super-Homem e a Mulher-Maravilha formam a tríplice representação máxima dos
super-heróis dos quadrinhos. Status que eles mantém até hoje.
Sua luta pela justiça e pela verdade ecoa nas pessoas dos mais diversos países, a
ponto de, como afirmam diversos autores, entre eles Eco (1977), Brooker (2000),
Boichel (1996), Pearson e Uricchio (1991), estes heróis se tornarem, no decorrer de
mais de 60 anos de publicação, personagens mitológicas e parte do imaginário da
cultura ocidental.
Mesmo quem nunca leu alguma história em quadrinhos do Batman conhece o herói e
sabe o que ele representa. De acordo com Ribas (2004), pesquisas apontam que
Batman está entre as personagens de ficção mais conhecidas em todo o mundo. "A
exposição de Batman na mídia, ampla e perene, fez com que ele se tornasse uma
referência cultural bem democrática, até no Brasil" (RIBAS, 2004, p. 13).
A Mulher-Maravilha é uma princesa amazona, cujos poderes lhe foram dados pelos
deuses para que ela se tornasse diplomata da Ilha Paraíso (lar das Amazonas) no
mundo dos homens. Ela pode flutuar, tem força sobre-humana e resistência maior que
as pessoas comuns. Como o Super-Homem, ela possui superpoderes e os usa para
fazer o bem.
Já o Batman não é como nenhum deles: não tem superpoderes, nem foi escolhido
pelos deuses para fazer o bem. O Batman é um homem comum, sem poderes, sem
capacidades especiais sobre-humanas. Uma pessoa como qualquer um de nós que
decidiu, por escolha própria, se tornar um herói, um combatente do crime.
Existem, é claro, características básicas de quem seja o Batman: Bruce Wayne, um
milionário que perdeu os pais quando criança e resolveu dedicar sua vida ao combate
ao crime, para isso se aprimorando física e intelectualmente, já que não possui
nenhum superpoder (BEAUTY, 2001; Brooker, 2001; maroto, alboreca, 1999;
PEARSON; UriCchio, 1996; RIBAS, 2004).
Mas, mesmo essas características não estão na essência de quem seja o Batman: ele
é um herói que usa uma roupa de/ou tem a forma de um morcego, geralmente está
associado a características sombrias e trágicas, é devotado a aterrorizar criminosos e
proteger inocentes. Mas antes de tudo ele é o homem comum que decidiu combater o
crime.
Como Dick Giordano (1989), ex-escritor e ex-editor das histórias do Batman, afirma na
edição comemorativa dos 50 anos de publicação da personagem:
E esse é um dos principais motivos que nos fez escolher Batman como nosso objeto
de pesquisa. O fato de ele ser uma pessoa comum e não alguém possuidor de
poderes especiais - quase um semideus – o torna, de certo modo, muito mais próximo
de seus leitores e seus criadores.
Muitas são as histórias protagonizadas por ele em que as ameaças que o Batman
enfrenta são as mesmas que afetam a maioria de nós: assaltantes, traficantes,
seqüestradores, policiais corruptos...
27
Ele combate o crime nas ruas de uma grande cidade, Gotham City, inspirada
claramente na cidade de Nova York (BEAUTY, 2001; BROOKER, 2000; PEARSON;
URICCHIO, 1991), mas que sem esforço algum poderia ser substituída por qualquer
um dos grandes centros urbanos ocidentais.
Existe, já há um bom tempo, um amplo debate sobre o caráter literário dos quadrinhos.
Tratou-se desde a dificuldade de se definir o gênero até sobre o valor do conteúdo
apresentado por essas produções (CARDOSO, 2002; ECO, 1977).
Cardoso (2002) aponta que, mesmo dentro dessa classificação periférica, ainda é
difícil definir a posição da banda desenhada, ora chamada de paraliteratura, ora de
literatura de entretenimento, ora definida como literatura de massa.
Em síntese, todas essas definições nos levam a crer que as histórias em quadrinhos
seriam uma literatura de segundo escalão, menor, por ser voltada essencialmente
para o entretenimento, atingindo grandes audiências em tempo relativamente curto e,
portanto, destituída de valor.
Opinião compartilhada tanto por Cardoso (2002) quanto pela presente autora.
Infelizmente tal tipo de discussão encontra-se sem uma solução definitiva. Isso nos
leva a questionar se apenas obras de caráter reconhecidamente acadêmico e de elite
devem ser consideradas como literatura.
Tal questionamento é compartilhado pelo autor polonês Roman Ingarden (1979), que
apregoa a necessidade de se ampliar o conceito de literatura não apenas para obras
reconhecidamente clássicas, como, por exemplo, o Fausto de Goethe, mas também
para um poema escrito por um adolescente apaixonado.
Em seu livro, A Obra de Arte Literária (1979), o autor polonês compreende o texto
verbal artístico como uma representação plástica da realidade.
Para definir o que é uma obra literária, Ingarden parte do princípio daquilo que não se
encontra na obra (1) “o próprio autor com todos os seus destinos, vivências e estados
psíquicos”; (2) “o leitor” (p. 39), (3) “nem a esfera dos objetos e das situações que
porventura constituem o modelo das situações que ‘aparecem’ na obra” (p. 42). Em
outras palavras, uma obra sobre Roma não é a própria cidade.
30
A obra literária seria um objeto intencional criado pelo escritor com o intuito de se
tornar um objeto de apreciação estética para o leitor, que, por sua vez, possui também
um importante papel nesse processo, o qual trataremos detalhadamente um pouco
adiante (BORDINI, 1990; INGARDEN, 1979; 1985; RUDNICK, 1976).
O que Ingarden (1979; 1985) propõe é a concepção da obra literária como um ente
autônomo. Ele é contra o uso de um psicologismo para a interpretação da obra.
Entenda-se que, para o autor, psicologismo e Psicologia não são termos coincidentes.
Certos estudiosos adeptos desse psicologismo observam a obra literária com o intuito
de encontrar a “personalidade” do autor naquela obra, ou seja, buscam a estrutura
mental do autor presente em sua criação. Não há como negar, é claro, que existem
nas obras literárias certas marcas características vindas daquele que a escreveu. Mas
reduzir a obra apenas a esses aspectos é empobrecê-la e, por conseguinte, também
simplificar demasiadamente seu próprio criador. Ainda nessa vertente “psicologista”,
existem também aqueles que procuram reduzir a obra literária às vivências individuais
dos leitores, considerando não apenas o modo como esses leitores se encontram
emocional e afetivamente no momento da leitura, mas também seus valores pessoais,
morais, religiosos, etc. Como se a obra se constituísse única e exclusivamente nessa
sua relação com leitores (INGARDEN, 1979; 1985).
Contudo, para ele, a obra literária não se reduz nem ao conjunto de multiplicidades de
vivências psíquicas do autor nem à multiplicidade de vivências experimentadas pelos
leitores no decorrer do processo de leitura.
Ao mesmo tempo, Ingarden afirma que não é possível retirar da obra nem as vivências
dos autores nem as vivências dos leitores (BORDINI, 1990; INGARDEN, 1979;
RUDNICK, 1976). O texto literário origina-se nos atos de consciência de seu autor,
tornando-se depósito dos mesmos. Posteriormente, o leitor reativa e reinterpreta esses
atos, tomando-os em sua consciência. Destarte, a obra de arte literária não fica
reduzida nem à “psicologia” do autor nem à do leitor. Ela constitui-se nesse espaço de
encontro entre autor-leitor, transcendendo a ambos.
Não apenas isso: a obra literária é idêntica em si mesma (1979, p. 32), ela é o que ele
chama de objeto de imaginação. Ela realmente veicula uma vivência, que não é nem
apenas a vivência do autor, nem apenas a vivência do leitor, e sim o reflexo da
vivência de uma época.
Partindo dessas afirmações, ele concebe a idéia de que um texto nos permite quatro
níveis de análise.
O primeiro diz respeito à dimensão física que está no nível das palavras, ou melhor,
dos sons ou letras no papel. No caso específico das histórias em quadrinhos
poderíamos também incluir as imagens, considerando-se os traços e as cores. Esta é
a parte verdadeiramente física (concreta) da obra.
Essas quatro dimensões estão interligadas. A junção delas é que leva ao sentido da
obra. O contato do leitor com esse sentido suscita nele uma provocação. Ele não fica
impassível diante desse contato. É a partir dessa provocação que Ingarden toma a
obra literária enquanto vida. Para ele vida se define como:
Mas a concretização só é possível devido ao fato de que existe algo na obra literária
que possui um significado para aqueles leitores. Se o leitor tomar aquela obra como
algo completamente descolado de sua realidade, ele não apreende a obra, pois surge
um distanciamento entre eles, e a obra não se torna viva. Por isso, uma produção
literária enquanto viva reflete algo próprio do sujeito. Mesmo em obras de cunho
meramente fantasioso, como as histórias de super-heróis, podemos encontrar
qualquer resquício de realidade, pois, de outro modo, elas não ressoariam nos sujeitos
que as lêem e não teriam sobrevivido a décadas de publicação ininterrupta.
A partir do momento em que a obra perde o sentido, se torna estranha aos leitores, ela
morre, terminando seu processo de vida. Existe, é claro, a possibilidade de a obra ser
retomada, anos depois, pois uma nova leva de leitores pode redescobrir o significado
da obra ou outros significados que não eram conhecidos pelos primeiros leitores.
Sendo assim, o contexto histórico não influi apenas na construção da obra pelo próprio
autor, mas também pelo significado e importância dela pelos seus leitores em seus
processos de concretização, e, conseqüentemente, do estabelecimento da obra como
um processo de vida.
33
Como também nos lembra Alfonso Quintás (1997), uma obra literária é independente
de seu autor, ela é fruto de “un encuentro [...] entre el autor y un aspecto de la
realidad, [...] puede abrirse a los lectores, ofrecerles possibilidades para compreender
algún aspecto importante de la vida”7 (p. 11).
A função referencial seria a mesma para todos os leitores, mas o modo como alguém
toma uma determinada sentença estaria na alçada da função emotiva e se relacionaria
com as experiências pregressas do receptor em questão. Eco (1986) cita como
amostra a frase: Aquele homem veio de Milão (p. 75). Tal frase, aparentemente
simples, provocaria denotações diferenciadas em, por exemplo, uma pessoa nascida
em Milão e outra que nunca visitou a cidade.
7
“fruto de um encontro [...] entre o autor e um aspecto da realidade, [...] podendo abrir-se aos
leitores e oferecer-lhes possibilidades para compreender algum aspecto importante da vida”
(tradução nossa).
34
8
www.eca.usp.br/agaque/agaque/ ano3/numero3/agaquev3n3_edit.htm
9
“A proximidade (dos quadros) nos quadrinhos leva a uma intimidade que ultrapassa a
linguagem escrita, a um silencioso e secreto contrato entre criador e audiência” (tradução
nossa).
35
Tendo essa questão em vista, pretendemos, neste tópico, explanar essa relação entre
os quadrinhos, seus leitores e as mudanças históricas.
10
http://www.omelete.com.br/quadrinhos/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=507
36
Batman é o milionário Bruce Wayne, que, após assistir ao assassinato dos pais por um
assaltante, jura combater crime, se tornando, depois de adulto, protetor de sua cidade
natal, posteriormente batizada de Gotham City. Para realizar tal intuito, adotou um
uniforme e uma máscara que se assemelhasse a um morcego gigante para, assim,
aterrorizar os criminosos da cidade (BEAUTY, 2001; BROOKER, 2001; MAROTO,
ALBORECA, 1999; PEARSON; URICCHIO, 1996; RIBAS, 2004). As histórias iniciais
do Batman eram sombrias e relativamente assustadoras quando comparadas, por
exemplo, com as protagonizadas pelo Superman:
A criação de Robin visava atrair uma nova leva de leitores, uma vez que, durante esse
período, grande parte da audiência dos quadrinhos era composta principalmente por
crianças, a quem Robin poderia se tornar ponto de identificação (PUSTZ, 1999).
A Segunda Guerra não trouxe apenas o acréscimo de uma forte temática militar para
os quadrinhos, mas acabou, também, por resultar em uma mudança no perfil de seus
leitores. Segundo Pustz (1999), nas bases militares, durante o período do conflito, os
comics eram as publicações mais lidas, superando outras de renome, como as
revistas Life e Reader's Digest. Quando esses soltados retornaram da Europa, houve
uma tentativa por parte das editoras de tentar manter essa audiência madura. Com
esse intuito, em alguns títulos, começou-se a introduzir insinuações sexuais mais
fortes em suas tramas, e alguns heróis ganharam novas e curvilíneas parceiras
femininas em substituição a seus usuais parceiros mirins.
O maior propagador das idéias antiquadrinhos foi o psiquiatra Frederic Wertham, que
iniciou, ainda no fim dos anos 40, uma campanha contra esse tipo de publicação,
culminando com a publicação de seu livro The Seduction of Innocent, em 1954
(GUBERN, 1980; MAROTO, ALBORECA, 1999; PARSONS, 1996; PUSTZ, 1999;
VERGUEIRO, 1985).
Uma das personagens mais prejudicadas pelo livro de Wertham foi o Batman, pois o
psiquiatra enxergava a relação estabelecida entre o herói e o seu pupilo, Robin, como
uma relação homoerótica, e, portanto, do ponto de vista de Wertham, um exemplo
capaz de corromper a juventude adepta da leitura daquele material. Para amenizar as
acusações do psiquiatra, surgiu em 1956, na revista Detective Comics nº 253, a
39
Nas décadas de 60 e 70, quando as lutas pelos direitos civis, o feminismo, a revolução
sexual e os movimentos estudantis estouraram em todo o mundo, isso também se
refletiu nos quadrinhos.
Durante esse período, a editora Marvel Comics (que acabou por se consolidar como a
maior concorrente da DC Comics - a responsável pela publicação do Batman) surgiu
com uma proposta de trazer para as páginas de suas revistas heróis cheios de
dúvidas e angústias que, apesar de seus problemas pessoais, mantinham-se
empenhados em lutar para sanar as mazelas do mundo (PUSTZ, 1999; RIBAS, 2004).
A filosofia da Marvel era buscar uma humanização das personagens, um realismo, ou,
pelo menos, segundo Pustz (1999, p. 51), o que "his writers and artists saw as
realism".11 Como reflexo dessa busca por realismo, muitos heróis dessa editora
tiveram a origem de seus poderes vinculada a acidentes radioativos, uma vez que os
anos 60 foram o auge da corrida de armamento nuclear durante a Guerra Fria. A
Marvel proclamava trazer para as suas páginas um reflexo do mundo em que os
criadores e leitores de fato viviam (PUSTZ, 1999).
Mas essa não foi a única inovação que a Marvel apresentou para o meio. As seções
de cartas de suas revistas passaram a ser designadas como um espaço mais amplo
de discussão e troca de opiniões entre os leitores e criadores das revistas. A
preocupação com a opinião dos leitores, obviamente, sempre existiu. O que de novo a
Marvel Comics trouxe para essa relação entre a equipe criativa e os leitores foi fazer
com que os últimos se sentissem efetivamente parte do processo criativo, e que sua
opinião era considerada fator importante para o encaminhamento das histórias
(PARSONS, 1996; PUSTZ, 1999).
11
"seus escritores e artistas viam como realismo" (tradução nossa).
40
A minissérie Dark Knigth returns, escrita por Frank Miller, é tomada como uma
verdadeira revolução do gênero, sendo destaque na mídia norte-americana não-
especializada em quadrinhos. Dark Knigth returns é uma obra significativa não apenas
pela qualidade e teor de seu texto, mas também por estar relacionada a um dos mais
importantes personagens da editora DC Comics. O tipo de narrativa de teor mais
adulto e aprofundado já vinha sendo feito experimentalmente em revistas de segunda
linha tanto da DC Comics quanto da Marvel, mas era a primeira vez que um
personagem icônico do porte de Batman protagonizava uma publicação considerada
adulta (BROOKER, 2001; MAROTO, ALBORECA, 1999; RIBAS, 2004).
apresentando outros novos, como a carismática Robin / Carrie Kelley, Dark Knigth
returns se mostrou como uma intrigante e por vezes brutal reinterpretação do Batman
e de suas motivações. Tal caracterização mostrou-se tão marcante que influenciou
todas as outras composições da personagem na década seguinte, seja nos
quadrinhos, no cinema ou na TV (BROOKER, 2001; MAROTO, ALBORECA, 1999;
PEARSON; URICCHIO, 1996; RIBAS, 2004).
Dessa forma, Dark Knigth returns, juntamente com a maxissérie Watchmen, escrita
pelo inglês Alan Moore, com discussão similar à da obra de Miller, revolucionaram a
própria visão dos quadrinhos como entretenimento capaz de proporcionar reflexão
(RIBAS, 2004).
No que diz respeito ao foco principal de nossa pesquisa, o Batman, Dixon (2001 p. 6)
explicita como a passagem do tempo se refletiu nas mudanças de representação da
personagem:
42
Ao passo que Ribas (2004, p 38) enfatiza não se tratar apenas de mudanças de
passagem de tempo, mas principalmente de transformações sociais e
comportamentais, que, levando em consideração tudo o que foi até aqui discutido, são
reflexos dessa rica confluência entre momento histórico, leitores e criadores.
12
"De fato, cada década parece nos trazer um novo Batman; nunca modificado, mas adaptado para a
época. Ele nasceu na Grande Depressão e seus primeiros contos eram sombrios e tensos. Nos anos 40, ele
tornou-se mais otimista, mais patriótico com ênfase no trabalho de detetive ao lado de seu parceiro,
Robin, o Menino Prodígio. Nos anos 50 vimos ele viajando para o espaço ou lidando com estranhas
anomalias científicas da Era Atômica. No trágico "hip" anos 60 suas aventuras se aproximaram das
paródias. Nos anos 70, vimos um retorno de seu lado sombrio com uma aproximação mais rígida em
relação ao crime. Nos anos 80, vemos seu lado sombrio ser transformado em uma fantasmagórica e
solitária obsessão por seu voto aos falecidos pais. Nos anos 90, vemos uma ênfase maior nas histórias de
escalas grandiosas e apocalípticas. E, apesar disso, Batman e companhia permanecem essencialmente os
mesmos (tradução nossa).
43
2- Metodologia
Sob essa perspectiva, é o sujeito quem doa sentido à experiência vivenciada por ele,
conforme sua “visão-de-mundo”, entendida aqui como significados socialmente
compartilhados, ou, conforme Amatuzzi (2001) e Ales Bello (2001) nos lembram, são
significados pertencentes ao “mundo-da-vida”.
Ales Bello (2004) aponta para o caráter universal das estruturas das vivências. A
nossa vida é constituída de uma estrutura em comum dentro da qual se apresentam
experiências com conteúdos diversos, o que leva à superação de um relativismo.
[...] nós não possuímos os mesmos conteúdos de experiência; porém
há um aspecto de universalidade presente em todos os seres
45
O vivido nos permite apreender não apenas os sentidos particulares de cada sujeito,
mas também os significados coletivos (compartilhados), nos revelando tanto as
experiências pessoais quanto os padrões culturais. Desse modo é que podemos nos
voltar para um conjunto de publicações como as protagonizadas pelo Batman, e tentar
encontrar ali uma estrutura que possa nos revelar a concepção de justiça que permeia
as histórias da personagem, apesar das diferenças individuais dos autores e dos
leitores das revistas do Batman.
Busca-se o acesso ao vivido através de suas manifestações, que se dão por meio de
pensamentos, ações e expressões culturais. As manifestações do vivido são
denominadas de depoimentos, quando são utilizadas como apoio para as pesquisas.
Usualmente, tais depoimentos são relatos verbais, especialmente colhidos para uma
pesquisa específica. Contudo, Amatuzzi (2001, p. 59) aponta que não é necessário
que o depoimento seja especificamente um relato verbal, de modo tal que:
(2) Inserção: não se pode evitar inserir o fenômeno na nossa própria vida. Tal inserção
não é um empecilho para a compreensão do objeto; ao contrário, ao permitirmos que o
objeto seja conhecido por nós tal qual ele se mostra, evitamos que o objeto se torne
uma abstração e começamos a nos encaminhar para a compreensão do sentido
apresentado por ele.
(7) Reconstrução: é falar do que nos foi dito. O que queremos falar é da estrutura da
experiência. Queremos falar da experiência e não de algo externo a ela. E, como já
afirmamos anteriormente, só é possível alcançar um fenômeno a partir do processo de
reconstrução, ou seja, de uma segunda experiência vivida.
Por meio desses procedimentos, podemos chegar àquilo que van der Leeuw (1964)
chama de experiência-tipo. O tipo é uma conexão compreensível. Ela não é a média
daquilo que as concepções de justiça encontradas nas histórias analisadas nos
apresenta, mas sim aquilo que se mostra como fundamental, essencial em todas elas.
Enfim, é a conexão de sentido global que abrange todas as histórias analisadas.
Assim, ao chegarmos a essa experiência-tipo é que poderemos apreender tanto aquilo
que se manteve invariável no decorrer das mudanças históricas e sociais, quanto
aquilo que se modificou nessa passagem de tempo.
Batman, vários outros títulos vieram se somar, como Batman Adventures, Batman &
Robin Adventures, Batman Family, Batman: Legends of the Dark Knights, The Batman
Chronicles, entre tantos outros exemplos. Além destas há outras dezenas de
minisséries, edições especiais e revistas dedicadas a trabalhar com o herói em
universos alternativos, conhecidos no Estados Unidos como Elseworlds, e no Brasil
como Túnel do Tempo (BEAUTY, 2001; RIBAS, 2004). Assim, dada essa enorme
variabilidade de histórias, nos vimos diante de um problema de ordem prática e
metodológica.
Nosso ponto de partida para essa busca foram os livros The Many Lives of the Batman
(1991) e Batman Unmasked (2000), ambos obras acadêmicas dedicadas a
compreender o fenômeno do herói nas mais diversas mídias em que ele já foi
personificado. A eles, posteriormente, somaram-se novos textos: os livros Batman: de
Bob Kane a Joel Schumacher (1999) e Dicionário do Morcego (2004).
Tais transições não apenas referem-se à saída ou entrada de uma personagem, mas
como demonstram Pearson e Uricchio (1991), Maroto e Alboreca (1999), Brooker
(2000) e Ribas (2004), também trazem em si uma nova concepção do Batman, a
ponto de mudar, inclusive, o teor e a temática dos enredos. Portanto, para fins de
realização deste estudo, optou-se por adotar um recorte temporal que vai desde 1939
a 1990, correspondendo tanto ao período de publicação das histórias apreendidas
49
13
Os títulos em português em parênteses correspondem aos nomes que essas histórias
receberam ao serem publicadas no Brasil.
50
*5 One Bullet too many! (Três Balas e um mistério), escrita por Frank Robbins,
desenhada por Irv Novick; publicada originalmente em Batman, nº 217, 1969:
saída do primeiro Robin, Batman volta a atuar sozinho.
Existem também questões técnicas, tais como o formato das revistas utilizado durante
longos anos no Brasil, bem menores que as norte-americanas, obrigando à exclusão
ou simplificação de parte dos textos originais, assim como a colorização das revistas
que, durante um bom tempo, era completamente refeita no Brasil. Portanto, era
bastante comum que, por exemplo, uma personagem ruiva aparecesse
ocasionalmente com os cabelos castanhos em edições nacionais. O caso mais notório
é do personagem Fantasma, de Lee Falk, cujo uniforme original é roxo, mas foi
repintado em tons de vermelho no Brasil (PAVANI, 1996).
(1) Em um primeiro momento, cada uma das histórias foi lida, cronologicamente, do
começo ao fim. Cada quadro e diálogo compondo a história foi lido como um todo (em
conjunto), sempre com a nossa pergunta de pesquisa em mente, já nos questionando
quais diálogos e cenas particularmente pareciam poder nos revelar algo sobre a
experiência da elaboração da concepção de justiça.
(2) Uma segunda leitura de cada história foi feita, agora assinalando efetivamente as
cenas e diálogos observados como relevantes (recortes) para nossa pergunta. Tais
recortes foram devidamente anotados e descritos em detalhes, considerando-se não
apenas os diálogos propriamente ditos, mas também os elementos de composição da
seqüência observada (cor, enquadramento, luz, sombra, etc.) que auxiliaram na
construção de um sentido.
esses temas sob frases, trechos e cenas que encerrassem em si o significado principal
de cada tema (categorias de análise). Uma vez feito esse processo, elaboramos uma
síntese, articulando todos os elementos da experiência vivida em linguagem
psicológica e levando em conta o sentido do todo.
Partindo da leitura dessas revistas, nos foi possível perceber as seguintes categorias
de análise, que nos possibilitaram a explicitação da estrutura de "quem é o Batman" e,
conseqüentemente, a apreensão da estrutura da concepção de justiça contida no
material analisado.
Categoria 1: Função
Categoria 2: Características
Para uma discussão mais clara dessa categoria, ela foi subdividida em quatro
subcategorias: (1) Batman na relação com as autoridades legitimadas, (2) Batman na
relação com colaboradores, (3) Batman na relação com as vítimas e (4) Batman na
relação com os criminosos.
Essa categoria refere-se a aspectos de reflexão mais abstratas nas histórias, mesmo
quando não nomeadas, sobre as relações e limites entre três conceitos que se
mostraram como sustentação da luta do Batman contra o crime, e que não puderam
ser abarcados completamente nas categorias anteriores: lei, vingança e justiça.
A análise das revistas que levaram à elaboração das categorias de análise acima
citadas será apresentada detalhadamente na próxima seção.
54
Figura 1
Nesta apresentação, já temos definido a que veio Bat-Man, qual seria a sua função
principal no decorrer desta história.
Ele é, antes de tudo, um lutador, alguém que combate solitariamente as forças do mal
existentes na sociedade.
56
O modo como ele se apresenta no quadro, indefinido, com as asas abertas sobre a
cidade no alto do edifício, além da indefinição de quem exatamente seria ele (uma
figura misteriosa), também reforça esse sentido de combatente. As "asas" abertas
lembram o movimento de um predador prestes a entrar em ação, em combate, à caça
de suas presas. Como não é possível ver os braços da personagem, a impressão de
que essas "asas" pertencem a ela, e que a intenção de um vôo é iminente, torna-se
maior.
A própria capa da revista, conforme vista abaixo (figura 2), já ressalta essa
funcionalidade de Bat-Man como alguém que captura os vilões. Ele é observado
segurando alguém, sendo observado por duas outras figuras que não sabemos definir
se são outros criminosos ou policiais. Mas, a figura apreendida por Bat-Man é
seguramente um antagonista da personagem. Ele o segura de forma agressiva,
comprimindo-lhe o pescoço.
Figura 2
Antes de se ler a história, apenas pela observação da capa, não há como definir Bat-
Man como o herói ou o vilão, mas sua definição através do recordatário inicial
esclarece parcialmente as dúvidas sobre suas intenções, uma vez que o designa
como alguém que combate àqueles que propagam o mal.
No decorrer de toda a história são recorrentes as cenas em que ele aparece lutando
contra os bandidos, sempre em combate franco, atacando-os física e diretamente.
57
Figura 3
Figura 4
No caso acima, Bat-Man, escondido nas sombras, aparece quando Stryker, o chefe
criminoso da história, ameaça a outra vítima com uma faca, deixando claro que iria
matá-la e jogá-la em um tanque de ácido. É essa ameaça efetiva que faz Bat-Man sair
das sombras em direção ao criminoso.
Figura 5
59
A proteção das vítimas é também colocada acima da própria proteção do herói. Bat-
Man desce pelo teto e adentra a cúpula de vidro. Com um lenço, ele tapa o orifício
pelo qual o veneno sairia para matar o homem, preso. Usando uma ferramenta que
pegara no meio do caminho, quebra a cúpula, salvando o homem e impedindo que ele
fosse morto.
Assim, vemos no decorrer da história esse duplo movimento do Bat-Man, que luta
contra os criminosos, mas também salva ou repara os danos causados àqueles que
foram vítimas desses infratores.
Figura 6
Figura 7
Não apenas as características físicas são destacadas, mas também o fato de Bat-Man
se mostrar destemido frente ao perigo. Embora os bandidos sejam em maior número
(figura 3) e estejam armados (figuras 3, 4, 7), Bat-Man se joga sempre frente a eles,
não se importando com esse perigo. Ele é alguém que não teme.
Figura 8
Vitima (Rogers): What's the idea? Why did he try to kill me? (Qual é a
idéia? Por que ele tentou me matar?).
O modo como Bat-Man explicita o plano engenhoso sem que o criminoso sequer diga
uma palavra demonstra essa capacidade intelectual superior frente ao inimigo.
62
Bat-Man também não parece buscar um reconhecimento pessoal pelos seus atos.
Após revelar os planos malignos do vilão da história e salvar sua última e derradeira
vítima, Bat-Man sai, clarabóia afora, sem esperar um agradecimento. Quando o
homem salvo vira-se e pergunta: "How can I ever thank yo... Why - Gone", ele olha
para cima e vê a silhueta de Bat-Man já ao longe.
Figura 9
Assim como Bat-Man é apresentado como um mistério, também o é Bruce, porque sua
presença não é clara, mesmo sendo identificado como amigo do comissário de polícia.
Quando o comissário é colocado a par de que um crime ocorreu, mostrando tensão ao
escutar o relato, ele acaba decidindo chamar o amigo para acompanhá-lo. Bruce não
demonstra empolgação ou interesse, mantendo uma postura relaxada semelhante à
vista na figura 9, respondendo que acompanha Gordon à cena do crime por não ter
nada melhor para fazer (Well, nothing else to do, might as well).
63
Apenas ao fim da história é que temos a revelação de que Bruce e Bat-Man são a
mesma pessoa. Uma revelação surpreendente, pois deixaria o Comissário amazed to
learn that he [Bruce] is the 'Bat-Man' (espantado ao saber que ele é o Bat-Man), uma
vez que nada, até aquele ponto da história, levaria à dedução de que Batman e Bruce,
representados de modo diferenciado, opostos em seus comportamentos, seriam a
mesma pessoa.
Figura 10
Figura 11
Enquanto travestido de Bruce, ele fica em segundo plano em relação aos policiais.
Mesmo nos quadros em que aparece, é apresentado ao fundo da cena, quase
insignificante. Ele é apenas um observador, não ajuda nem atrapalha os policiais.
Mas, ainda assim, parece ter um papel. É essa observação que faz com ele recolha as
primeiras informações que o possibilitarão, no decorrer da história, desvendar o crime.
Figura 12
Ou, como o comissário se refere a ele no segundo quadro (figura 9), quando conversa
com Bruce: this fellow they call "The Bat-Man", he pluzzes me (esse sujeito que eles
chamam de Bat-Man, ele me intriga); ou seja, há uma indefinição do próprio Gordon
sobre a conclusão a qual chegar em relação às intenções do Bat-Man, sobre como
defini-lo.
Tal aspecto não se apresenta nesta história, uma vez que Bat-Man aqui trabalha
sozinho.
foi o Bat-Man quem atacou o vilão quando este tentou fugir e sacou uma arma para
tentar desvencilhar-se do herói.
Figura 13
Em comum todos eles têm o desprezo pela vida humana, colocando a ganância em
primeiro lugar. Os assassinos que roubam e matam agem desta forma porque foram
pagos para isso. Os mandantes fazem isso para colocarem as mãos em um dinheiro
maior, na propriedade das indústrias químicas dos sócios, conforme pudemos
comprovar na explicação de Bat-Man ao desvendar o crime (He figured by killing you
and stealing the contracts, he wouldn´t have to pay this money - Ele percebeu que
matando vocês e roubando o contrato, não teria que pagar esse dinheiro). Tudo o que
importa é o lucro, o valor do dinheiro se sobressai sobre o valor da vida humana.
Assim, entre os bandidos existe uma desvalorização da vida; o crime mor, o
assassinato, é cometido sem nenhuma ponta de remorso aparente.
Um deles chega a comparar a vida de sua vítima à das cobaias (guinea pigs) que usa
em experimentos (now you are my guinea pig - agora você é minha cobaia),
explicitando que para ele tudo o que importa é o lucro e o poder que a morte dessa
pessoa irá trazer: Soon, I will control everything (logo, eu controlarei tudo [na indústria
química]).
68
Figura 14
Contudo, neste ponto, a atitude do Bat-Man pode parecer paradoxal: afinal, do mesmo
modo que ele combate assassinos, na seqüência em que um bandido o ataca, Bat-
Man o soca, deixando-o cair em um tanque de ácido. O mesmo tanque de ácido em
que o criminoso pretendia jogar sua vítima. (figura 15).
69
Figura 15
Bat-Man não impede a queda do criminoso, chegando até mesmo a afirmar: A fitting
ending for his kind (Um fim merecido para alguém como ele). Embora não tenha
jogado o bandido no tanque, conforme visto na figura, a queda e conseqüente morte
do infrator foi decorrente da luta com Bat-Man. O que, então, diferenciaria Bat-Man,
que chega a exprimir certa satisfação com a morte do criminoso, dos assassinos que
ele combate? Duas coisas: as vítimas mortas e os motivos que induziram a essas
mortes.
As vítimas dos assassinos são supostamente inocentes e nada fizeram para merecer
o término abrupto de suas vidas via assassinato. Já os criminosos cometeram
homicídio com o intuito de obterem um ganho pessoal, lucro e poder, e o fizeram para
usurpar algo que não lhes pertencia. Bat-Man, por sua vez, deixa claro em sua fala
que o homem que ele permitiu que caísse no ácido merecia aquele fim. A morte do
criminoso, da perspectiva de Bat-Man, não é gratuita; é uma compensação pelos
crimes que cometera.
70
Quando Bat-Man deixa o bandido cair no tanque de ácido e morrer (figura 14), em um
primeiro momento poderíamos pensar que o destino sofrido pelo criminoso poderia
estar em oposição à lei, assim entendida como as regras formais no trato dos
criminosos. Contudo, apesar da violência e frieza diante daquele ato, expressos na
fala da personagem (A fitting ending for his kind - Um fim merecido para alguém como
ele), seus atos não contradizem completamente o que a lei da época apregoava. O
bandido deixa bem claro que, se fosse preso, ele iria para "a cadeira" (chair) (figura
13), seria executado com a pena capital. Assim, a punição máxima pelo crime máximo
ocorreria seja pelas mãos do Bat-Man, como de fato foi, seja pelas mãos das
autoridades instituídas. O que Bat-Man faz, e que pode ser tomado como um ato de
ilegalidade, é o fato de tomar para si uma resolução, ainda que possivelmente não
proposital, que, do ponto de vista socialmente instituído, caberia apenas aos
responsáveis pela execução da lei.
71
Figura 1
Figura 3
Figura 4
74
No cassino (figura 4), um homem acaba recuperando o que perdeu graças ao Batman
(Here´s my chance to get back what I lost - Esta é minha chance de recuperar o que
eu perdi); todavia, esse não é o mote principal. Inclusive, nesta cena, a fala desse
senhor é mostrada em um canto da página, em meio a vários outros comentários,
inclusive ao de dois empregados de Zucco. O quadro em questão é a conclusão da
seqüência do ataque ao cassino, que ocupa quase duas páginas, e foca,
principalmente, a luta de Batman com os associados do gangster.
Cada uma das vítimas acaba ganhando um lucro subseqüente nos ataques do
Batman, talvez apenas à exceção do homem responsável pelos caça-níqueis (figura
3), que exclama: but, what I'll tell to Zucco's men (mas, o que vou dizer aos homens de
Zucco?). Mas o alfaiate deixa de ser espancado, o sorriso de satisfação no rosto do
açougueiro indica o mesmo, assim como a felicidade do senhor do cassino ao
recuperar seu dinheiro. Assim, os ganhos imediatos de proteção das vítimas, embora
ocorram, são conseqüências secundárias dos combates de Batman com os bandidos.
Uma vez que a intenção dele é atingir um alvo maior, Zucco, e desestruturar o poder
dele na cidade.
Mesmo no que diz respeito a Dick Grayson, futuro Robin, as funções de proteção e
captura dos bandidos se mesclam. Após o assassinato de seus pais, o garoto
descobre que Zucco foi o responsável pelo ocorrido e decide chamar a polícia. É
impedido por Batman, que diz:
I want to help you get those murderers! They put acid on the trapeze
ropes! But you can't go to the police (…) this whole town is run by Boss
Zucco. If you told what you knew you'd be dead in an hour. I'm going to
hide you at my home for a while. (Eu quero ajudar você a pegar esses
assassinos! Eles colocaram ácido nas cordas do trapézio! Mas você
não pode ir até a policia (...) A cidade inteira é controlada por Zucco. Se
você contar o que sabe, estará morto em uma hora. Vou escondê-lo
em minha casa por algum tempo).
Assim, Batman esconde o garoto para protegê-lo e impedir que seja morto pelos
homens de Zucco, mas, simultaneamente, promete pegar os assassinos dos pais do
menino.
Get out of town, Zucco. I know you are also trying to get protection
money from the company that is putting up the Canin Building. Stay
way. I’m protecting that building from your protection mob (Saia da
75
Figura 5
Embora esses dois fatores proteção e eliminação dos bandidos co-existam no trabalho
da personagem, no recorte acima mostrado o próprio Batman deixa claro para Dick
qual o ponto central de sua missão.
Figura 7
Batman: -- and swear that we two will figth together against crime and
corruption and never to swerve from the path of rigthteousness (e jura
que nós dois vamos lutar juntos contra o crime e a corrupção e nunca
nos desviar do caminho daquilo que é correto).
Figura 6
Suas capacidades físicas são ressaltadas no decorrer da narrativa. Ele luta contra
bandidos armados se jogando destemidamente contra eles (figuras 1, 2, 3). Domina
dois ao mesmo tempo, completamente desarmado. (figura 1).
Figura 7
Nocauteia três bandidos armados com um único soco. Levanta sozinho uma mesa de
roleta de um cassino, que aparenta ser muito pesada, em um único impulso, e a
arremessa sobre os demais vilões. É quase sobre-humano em suas habilidades.
Mas, ao mesmo tempo, essas habilidades não são adquiridas ao acaso. É preciso se
preparar para combater o crime, como mostra a seqüência em que ele e Robin treinam
as mais diversas lutas e acrobacias (boxe, jiu-jitsu, trapézio).
78
Figura 8
É preciso treino e preparo físico para lutar contra o crime. Robin só entra em ação
muitos meses depois, após trabalho e estudos extenuantes (many months later... after
strenuous work and study).
Ele usa de inteligência, fazendo com que Robin se infiltre entre os jornaleiros e
descubra novas informações sobre as artimanhas de Zucco. Como os demais
trabalhadores da cidade, os jornaleiros também precisam pagar uma taxa a Zucco.
Fingindo-se de assustado e ameaçado, Robin consegue seguir os bandidos e obter
informações que levam Batman a atacar sistematicamente os negócios do gangster
(figuras 1, 2, 3 e 7). Quem protege a cidade é Batman e não Zucco, conforme o herói
deixa claro no bilhete enviado ao gangster. Assim, Batman atinge o chefe em seu
ponto fraco, o orgulho:
Zucco: Oh Yeah! I’m boss of this town, see! No one can talk to me like
that and get away with it. C'mon, boys, were going to the Canin
building. I’m still boss Zucco, see! (Oh, sim! Eu sou o chefe dessa
cidade, falou! Ninguém pode falar comigo desse jeito e se safar. Vamos
rapazes, vamos para o Edifício Canin. Eu ainda sou o chefe Zucco,
falou!)
Batman faz, assim, com que o gangster caia na armadilha preparada para finalmente
derrotá-lo. E quando confronta Zucco no Edifício Canin, o gangster acaba por matar
um de seus comparsas, que decidira traí-lo. Aproveitando a oportunidade, Batman tira
fotos do bandido matando seu comparsa para ter provas contra ele e, assim, derrotá-
lo.
79
Figura 9
Robin, como Batman, é apontado como extremante habilidoso e corajoso. Tanto nas
descrições do recordatário inicial: an exciting new figure whose incredible gymnastic
and athletic feats will astound you (…) young daredevil who scoffs at danger (uma
excitante nova figura cujas habilidades ginásticas e atléticas vão impressionar vocês
(...) um jovem audacioso que se lança ao perigo), quanto nas cenas subseqüentes de
treinamento (figura 8), a ponto de o próprio Batman elogiá-lo no quesito das
habilidades acrobáticas, em um reconhecimento do valor do rapaz: As far as swinging
ropes go, you could probably teach me a trick or two (No que diz respeito a balançar
nas cordas, você poderia provavelmente me ensinar um truque ou dois).
Assim como as habilidades físicas de Robin são reforçadas nas cenas de treinamento,
estas, associadas à sua coragem, também são enfatizadas nas cenas em que luta
contra os bandidos. Mesmo em desvantagem física, numérica e sem armas de fogo,
ele combate e ganha, usando as habilidades físicas extraordinárias que possui.
80
Figura 10
Figura 11
Mas, apesar dessa duplicidade de identidades, de seu esconder sob uma máscara,
Batman não é misterioso ou indefinido ao leitor (ou a Robin). Ele deixa claro não
apenas a que veio (combater o crime), mas também aquilo que o motivou (a morte dos
pais) (figura 5).
Batman não deseja ocupar o lugar das autoridades legitimadas. Apesar de não
aparecem policiais durante a história, sendo apenas mencionados, Batman não
permite Dick chamá-los, porque Zucco controla a cidade e a polícia não possui
ferramentas ou evidências para se aproximar e incriminar Zucco.
Batman: But you can't go to the police (…) this whole town is run by
Boss Zucco. If you told what you knew you'd be dead in an hour. (Mas
você não pode ir até a polícia (...) A cidade inteira é controlada por
Zucco. Se você contar o que sabe, estará morto em uma hora).
Figura 12
Portanto, a intenção do Batman é abrir caminho para que a lei oficial seja feita, para
que a autoridade oficialmente reconhecida (governador) assuma seu lugar de direito,
usurpado pela ditadura mafiosa de Zucco sobre a cidade.
É Batman quem autoriza e legitima a entrada de Robin naquele mundo de luta contra
o crime, seja nessa cena que abre a história, seja quando Dick pergunta se pode lutar
e Batman permite, embora avise que é perigoso. Batman também é o professor,
aquele que treina, ensina (figura 8) e diz como agir. (figura 11 - Good! Continue to act
frightened so that they don't suspects you. Now listen... - Bom! Continue fingindo
medo, então eles não suspeitarão de você. Agora ouça...)
Mas, apesar de tantas habilidades, apesar das ferramentas que Batman proporciona a
ele, Robin ainda é indefeso e desprotegido, ainda uma criança. Quando enfrenta os
83
Figura 13
Figura 14
A lua cheia ao fundo, os dois balançando pela corrente e acertando um chute em seus
inimigos: a similaridade dessas imagens reforça visualmente a relação de identificação
Batman-Robin e a aproximação existente entre os dois, mas simultaneamente
84
apresenta uma hierarquia entre eles. Robin, o auxiliar de Batman, ataca os auxiliares
de Zucco, enquanto o Batman chega atacando o próprio chefão.
A vítima dos bandidos nesta história é a cidade como um todo, a cidade que Batman
tenta libertar da influência de Zucco; mas a vítima destacada em meio às atrocidades
do gangster é Dick Grayson, que assistiu à morte de seus pais.
Aqui temos uma relação de identificação entre Batman e o menino, que revela ter
também os pais mortos por criminosos (figura 5). Quando Dick se propõe a combater
o crime, Batman se apresenta relutante, mas o rosto perturbado do menino o toca
profundamente (The Batman is reluctant but the troubled face of the boy moves him
deeply).
Figura 15
Figura 1: Na alfaiataria: If you see Boss Zucco, tell him the Batman
was here (Se virem o Chefe Zucco, digam que Batman esteve aqui).
Ou quando manda o bilhete para Zucco dizendo que ele, o Batman, é o verdadeiro
protetor. Ou ainda na fala do Batman quando chega à construção e chuta Zucco pelas
costas:
Figura 16
Figura 17
Ele faz contraponto com a figura atlética, imponente e racional que Batman apresenta
no decorrer da narrativa.
Sempre cercado de auxiliares (figuras 10, 13, 14 e 17), sua figura grande se destaca
entre seus capangas, todos franzinos se comparados a ele, reforçando a autoridade
87
de Zucco não apenas através da nomenclatura boss (chefe), com a qual é chamado
por seus subordinados, mas também visualmente.
O gangster é ambicioso (It isn't enough! See! You've got to get more money out of our
customers - Não é o bastante! Vejam! Vocês precisam pegar mais dinheiro de nossos
clientes), o ganho nunca é o suficiente, nunca o satisfaz. Mesmo essa representação
obesa da personagem pode ser associada a uma idéia de gula, voracidade, como se
nada a saciasse (tanto em termos de alimento, quanto em termos de dinheiro).
Desvaloriza a vida humana em relação ao dinheiro, não se preocupando em ferir o
próximo ou mesmo em matar (no caso dos Flying Graysons), e também coloca o bem-
estar próprio frente ao dos demais, mesmo que para isso precise matar também
aqueles que podem prejudicá-lo, como Blade, seu comparsa, quando este o trai. O
destino do vilão por matar o comparsa é a cadeira elétrica: a pena máxima para o
crime máximo.(figura 9)
Figura 18
Após prenderem Zucco, o mandante da morte dos pais de Dick, Bruce aproxima-se do
garoto perguntando-lhe se now that your parents' deaths have been avenged, are you
going back to circus life? (agora que a morte de seus pais foi vingada, você vai voltar
para a vida circense?).
mortos, Blade pela mão de Zucco, e Zucco pelas mãos das autoridades que o
enviaram para a cadeira elétrica. Se a intenção de Dick era apenas vingar os pais,
resolver uma questão que dizia apenas respeito a ele, já poderia voltar para a sua
antiga vida.
Porém, Dick responde: No, I think Mother and Dad would like me to go on fighting
crime.
Escrita em 1956, The Batwoman (ou Mulher-Morcego) introduz Kathy Kane nas
histórias do Batman. Ex-trapezista de circo, Kathy sempre sonhou em usar suas
habilidades para algo mais que o mero espetáculo circense. Ao herdar a fortuna de um
parente distante, ela decide abandonar a vida de artista e empregar seu dinheiro para
realizar seu sonho de se tornar uma campeã da lei como Batman. Em Gotham City,
ela assume a identidade de Batwoman e passa a rivalizar com Batman e Robin no
combate aos criminosos da cidade.
Batwoman frente a ele é intrépida e já deixa clara sua função na trama através da
afirmação: Don´t worry Batman and Robin -- I’ll save you! (Não se preocupem,
Batman e Robin -- eu vou salvar vocês!) (figura 1 - detalhe).
Esse caráter de salvar aqueles que estão em perigo, ou pelo menos evitar que a
pessoa entre em perigo desnecessariamente é recorrente em toda a história.
Batwoman salva a vida de Batman duas vezes. Primeiro, ela ofusca um bandido que ia
atirar no Batman usando um espelhinho (figura 2); depois, usando seu perfume (Tear
Gas n° 51 , em uma referência a perfumes de marcas famosas como o Chanel Nº 5),
ela impede dois bandidos de atropelar Batman e Robin (figura 3). Posteriormente
Batman também salva sua vida, afastando-a do golpe de um gigantesco robô (figura
4) enquanto procuram os criminosos que atacaram o futurístico Tomorrow Club,
colocando seu próprio bem-estar à frente do dela e, conseqüentemente, perdendo
momentaneamente os sentidos em decorrência do golpe.
Figura 2
91
Figura 3
Figura 4
Robin: Batman, she’s making you looking bad. (Batman, ela está fazendo você
parecer mal).
Batman: I don’t care about that but I do worry about the risks she’s taking! She
doesn’t realize that she's been successful thus far because of good luck! And
she's so reckless that some criminal is bound to find out her identity. Then,
when that happens, she'll be in bad danger. (Eu não me importo com isso, mas
realmente me preocupo com os riscos que ela está correndo! Ela não percebe
que está tendo tanto sucesso por sorte! E ela é tão descuidada que algum
criminoso está próximo de descobrir a sua identidade. Então, quando isso
acontecer, ela vai estar em sério perigo).
Robin: Yet she said that if we exposed her, it would expose you too! (Mas, ela
disse que se você a expuser, ela exporá você também).
Batman: I’ve got to risk that, and reveal her identity - to prove to her she can’t
keep this up! (Eu vou correr o risco e revelar a identidade dela - para provar
que ela não pode continuar com isso).
Proteger uma vida parece ser mais importante que combater o crime. Fato que é
reiterado no seguinte diálogo entre Kathy Kane e Bruce Wayne, logo após ele revelar
a ela que sabe sua identidade secreta:
Figura 5
Figura 6
Robin: I though I glimpsed Batwoman patrolling too, but I'm not sure
(Acho que eu vi de relance Batwoman patrulhando também, mas não
tenho certeza).
94
Batman: But I do see a known jewel-thief down there and here comes
a star with famous diamonds! Quick, if he tries to grab… (Mas eu
realmente vi um conhecido ladrão de jóias lá embaixo e chegou uma
estrela com famosos diamantes! Rápido, se ele tentar pegá-los...).
Figura 7 Figura 8
Cada uma dessas situações reitera o papel de combatente do crime de Batman, Robin
e Batwoman, mostrando-os como aqueles que capturam e impedem os bandidos.
Figura 9
Kathy Kane também é mostrada em seu pleno ofício de trapezista para enfatizar seu
pré-requisito físico, sendo apontada como a fine trapeze performer - and our best
motorcycle stunt rider too (uma excelente trapezista e nossa melhor motociclista
também) - figura 10.
Figura 10
96
Na cena de ataque ao clube futurista Tomorrow Club, após Batwoman prender o vilão,
surge a necessidade de interrogá-lo para se descobrir os motivos existentes por trás
do vandalismo ali ocorrido - ou seja, há que se encontrar um sentido para o crime.
Porém, quando Batman tenta interrogar o bandido, ele se recusa a falar (the defiant
captive refuses to talk). Inútil, pois Batman, valendo-se de sua memória excepcional e
de sua grande capacidade intelectual, lembra-se do bandido por sua ficha criminosa: I
know your record, you are one of Hugo Vorn's Mob! (Eu conheço sua ficha, você é do
bando de Hugo Vorn!).
Figura 11
Batman: Vorn só teria uma razão para ordenar que este lugar
[Tomorrow Club - onde eles e Batwoman foram investigar] fosse
destruído - para nos atrair aqui enquanto ele cometia um roubo em
algum outro lugar.
Ela responde a esse desdém através de seus atos, atacando os bandidos com
métodos próprios e eficazes, dominando-os com apetrechos tipicamente femininos: o
pó de arroz para os criminosos aspirarem e não conseguirem usar as armas, e os
braceletes para prendê-los (figura 6).
da cena afirmam que ela o prendeu sozinha (She stopped that crook all by herself),
além de ter salvado a vida do Batman (She also saved Batman's life). Isso lhe credita
a capacidade de, mesmo mulher, também lutar contra o crime, ser uma campeã da lei.
Nos quadros seguintes, mostra-se a luta dos três heróis contra os bandidos.
Batwoman pega a fivela de sua bolsa e, com ela, laça os fugitivos para fazer a fine
bat-bolo to stop thugs like you (um requintado bat-bolo para parar assassinos como
vocês) (figura 12). Nesse momento, chega a receber um elogio de Batman: Good
work! (Bom trabalho!).
Figura 12
Ou seja, cada uma das cenas evidencia que a mulher também poderia lutar contra o
crime usando seus próprios meios (representados, de certo modo, nesses utensílios
tipicamente femininos que ela usa para capturar criminosos), o que, de certo modo,
99
Figura 13
Inclusive, saindo do Tomorrow Club, Robin menciona que ligou para o comissário para
saber se havia algo de anormal acontecendo na cidade, evidenciando uma vez mais a
relação de cordialidade entre os heróis e a polícia; não havia notícia de nenhum crime
em andamento.
Figura 14
Batman, Robin e Batwoman chegam para atuar em um momento em que a polícia não
é capaz de agir, por estar rendida pelos bandidos; os heróis chegam mesmo a salvar a
própria polícia.
Figura 15
101
Ela aparece, com sua moto, na frente do Batmóvel, sorrindo para Batman e Robin
como se estivesse satisfeita por estar um passo à frente deles. O garoto replica: Hurry,
Batman. The Batwoman is beating us on this mission (Rápido, Batman. A Batwoman
está nos derrotando nesta missão). A fala de Robin e a construção da cena, que
remete-nos a uma corrida, já são um indicativo de uma competitividade na relação da
Batwoman com os demais heróis.
There's only one Batman! That’s been said many times, and has been
true... For no other man has ever rivaled Batman as champion of law
(…) Batman finds he has a great rival in the mysterious and glamorous
girl… The Batwoman. (Há apenas um Batman! Isso foi dito várias
vezes, e é verdade... Nenhum outro homem pode se rivalizar a Batman
como campeão da lei (...) Batman descobre que ele tem seu grande
rival em uma glamurosa e misteriosa garota... A Batwoman.).
E é como rival que ela praticamente se coloca durante toda a história. Não se
apresenta como uma aliada, nem como uma auxiliar, mas sim como alguém que
compete. Mais de uma vez se mostram seqüências onde ela ultrapassa Batman e
Robin com sua moto, para chegar primeiro ao local dos crimes.
Figura 16
102
Todavia, é interessante notar aqui que Batman não mais a vê como uma rival,
propriamente, mas alguém que não deveria lutar contra o crime, uma vez que poderia
se machucar.
(1)
Robin: A girl saving you? It´s ridiculous! (Uma garota salvando você? Isso é
ridículo!).
Batman: She did, though. But we've got to see she takes no more such risks!
(Ela fez, sim. Mas nós temos que evitar que ela corra mais riscos).
(2)
Robin: Batman, she’s making you looking bad. (Batman, ela está fazendo você
parecer mal).
Batman: I don’t care about that but I do worry about the risks she’s taking! She
doesn’t realize that she's been successful thus far because of good luck! And
she's so reckless that some criminal is bound to find out her identity. Then,
when that happens, she'll be in bad danger. (Eu não me importo com isso, mas
realmente me preocupo com os riscos que ela está correndo! Ela não percebe
que está tendo tanto sucesso por sorte! E ela é tão descuidada que algum
criminoso está próximo de descobrir a sua identidade. Então, quando isso
acontecer, ela vai correr sério perigo).
Mas, mesmo sendo apresentada como rival do Batman, essa rivalidade é construída
através de uma similaridade tanto em termos de semelhanças pessoais entre as duas
personagens, quanto em associações de imagens que reforçam essa eqüidade entre
os dois, ou melhor, entre os três, incluindo também Robin.
A fim de impedir o crime, Batman e Robin pulam do prédio. Batwoman chega à cena
do crime do mesmo modo que eles, em uma corda (figura 17, abaixo). São cenas
distintas, porém mostradas em seqüência, criando uma aproximação visual entre as
personagens.
103
Figura 17
Figura 18
Para pôr fim à ação criminosa, Batman, Robin e Batwoman chegam do alto, numa
relação de equivalência de meios e estratégias, ainda que Batman e Robin apareçam
em primeiro plano com mais destaque, grandes, e os bandidos sejam retratados no
fundo da cena.
104
Outra similaridade da Batwoman com Batman: ela também é uma socialite. Rica,
Kathy Kane precisa das festas para manter as aparências e para que ninguém
desconfie de que ela é a Batwoman; por sua vez, Bruce Wayne precisa comparecer e
oferecer esses eventos pelos mesmos motivos. Mas também, assim como ele, se
chamada ao dever, substitui rapidamente o alter-ego civil pelo de combatente ao
crime.
Figura 19
Ainda assim, apesar de todas essas aproximações, a relação entre eles é apoiada
principalmente na rivalidade, especialmente no que diz respeito ao posicionamento
dela e de Robin.
105
Mesmo quando lutam juntos essa rivalidade se mantém, e ainda quando ela salva
Batman e Robin. Apenas em dois momentos Batwoman deixa totalmente a rivalidade
de lado. Quando Batman a salva da mão robótica, ele é nocauteado. Ela cogita, então,
tirar-lhe ou não a máscara para descobrir sua identidade. A questão ética se faz
presente quando Batwoman desiste de desmascarar Batman: afinal, ele salvou sua
vida, não seria justo trair-lhe a confiança.
Quando Batman e Robin retornam para casa, ele revela que sabia do dispositivo, pois,
com sua capacidade de dedução e de inteligência, observara que os olhos do quadro
da Batwoman pareciam diferentes, e, assim, expôs o filme, de modo que não pudesse
revelar quem ele realmente era. Batman demonstra que, além de mais inteligente que
Batwoman, também é mais cuidadoso.
Já Batman se preocupa com o perigo que ela pode correr. Ele, em determinado
momento, menciona o fato de ela ser uma garota e que deveria se afastar desse tipo
de trabalho: This is no place for a girl, please let me handle this (Esse não é lugar para
uma garota, me deixe cuidar disso).
106
Figura 20
Contudo, mais de uma vez ele deixa claro para Robin e para a própria Batwoman,
quando revela que sabe a sua identidade, que sua preocupação é com a segurança
da jovem. Ele admite que ela o salvou, admite até que ela faz um bom trabalho,
chegando a elogiá-la (Good work, Batwoman! - figura 12).
Figura 21
Algumas vezes aparecem apenas como meras silhuetas indistintas (figura 18, figura
20, ao fundo), denotando sua pouca importância na trama.
As vítimas ali estão apenas para mostrar que existe um problema ocorrendo, seja o
roubo de uma jóia, um vandalismo em um clube ou um assalto a um depósito.
Problemas que são resolvidos por Batman, Robin e Batwoman que, invariavelmente,
prendem os responsáveis.
O tipo de crime que cometem é similar: roubo de jóias, roubo em um aeroporto, roubo
de um depósito. Mesmo a confusão no clube futurista era relacionada a um roubo.
Como Batman deduziu, tratava-se apenas de um embuste para desviar a atenção do
roubo que ocorreria no depósito, com o uso do zepelim.
Nem mesmo o chefe dos bandidos, Vorn (chapéu de feltro, terno roxo xadrez, arma
em punho, na figura abaixo), se destaca visualmente dos subordinados:
108
Figura 22
Só deduzimos que ele é o chefe, anteriormente mencionado por Batman como o líder
da gangue, pela fala do companheiro de chapéu de feltro e terno verde que o elogia
pelo plano: A swell idea, Vorn! (Uma boa idéia, Vorn!).
Essa fala e o plano de distração no clube são, pelo menos, dois indicativos de que
Vorn é um bandido inteligente, mas não tão inteligente quanto o Batman, que
facilmente deduz o plano observando o trajeto do dirigível.
Em suma, os criminosos não apresentam outra motivação que não o ganho financeiro
puro e simples (roubo), mas estão presentes na história para serem combatidos por
Batman, Robin e Batwoman, sendo, no fim, capturados e entregues à polícia.
Escrita em 1966, The Million Dollar Debut of Batgirl marca a entrada de Barbara
Gordon nas histórias do Batman. Filha do comissário de polícia, ela é uma jovem
bibliotecária que decide, por brincadeira, fantasiar-se de Batgirl para o Baile de
Fantasia da Polícia de Gotham, e, assim, surpreender o pai e seus conhecidos. No
caminho para a festa, surpreende o milionário Bruce Wayne, alter-ego de Batman,
sendo atacado por uma trupe de vilões fantasiados, liderada pelo Killer Moth (o
Mariposa Assassina). Sem hesitar, investe contra os bandidos. Após esse incidente,
decide assumir a identidade de Batgirl, e, apesar da oposição inicial de Batman,
continua trabalhando no caso.
Assim, tanto para Batman e Robin, quanto para a nova Batgirl, a primeira função seria
combater o crime e a injustiça.
A motivação que levou a jovem a se fantasiar de Batgirl foi apenas o baile à fantasia
da polícia, uma vez que ela é filha do comissário e uma das convidadas do evento.
Porém, enquanto se dirigia para a festa, viu alguém sendo atacado.
Figura 1
Batgirl: Ohhh! Costumed men gang up on that driver! I’ve got to help
him (Ohhh! Uma gangue de fantasiados encurralou aquele motorista!
Eu tenho que ajudá-lo).
Figura 2
Aqui ela assume o papel de combatente do crime, com o qual foi designada desde o
recordatário introdutório, cuja função e responsabilidade é cuidar dos bandidos. Mas
assume ainda o papel de protetora, pois pede que o atacado (Mr. Wayne) fuja para
não se ferir. As duas funções acabam se confundindo e mesclando. Luta-se contra
bandidos para proteger as pessoas.
Quando Bruce foge para assumir seu lugar como Batman, seu primeiro pensamento é
de se trocar para ajudar e também proteger Batgirl, uma vez que ela talvez não seja
tão boa quanto ela pensa que é (new Batgirl may not be as good as she thinks she
is).
Também quando Killer Moth, o chefe dos bandidos, foge após prender Batgirl, a
questão do bem-estar de outrem aparece mais uma vez e é colocada em contraponto
em relação a capturar o bandido. Impossibilitado de ir atrás de Killer Moth, Batman
primeiro se preocupa em libertar Batgirl e verificar se ela está realmente bem (figura
3, abaixo), ao mesmo tempo em que garante que os demais comparsas do vilão sejam
presos.
112
Figura 3
Percebe-se aqui que existe, primeiro, uma preocupação com a vítima do assassino do
que com o assassino propriamente dito. O mais importante é salvaguardar o cidadão.
Figura 4
Como o próprio título de abertura deixa explícito (The Million Dollar Debut of
Batgirl), o enfoque principal da história é a figura da Batgirl. Ela é apresentada em
relação ao Batman, uma vez que foi através dele que she models herself (ela se
moldou), colocada assim em similaridade a ele em termos de qualidades e atributos. E
como ele, que é um superstar, ela possui características tão fantásticas, e "combate o
crime de um modo tão estupendo que merece até configurar nas manchetes de
jornais" (she too battles crime and injustice in a manner wondrous enough for
newspaper to proclaim in banner headlines 'The Million Dollar Debut of Batgirl’)
Ela é, como o Batman, alguém que possui capacidades físicas notáveis, as quais
demonstra ao lutar e derrotar simultaneamente dois bandidos em mais de uma
ocasião.
114
Figura 5
Figura 6
Essas capacidade e vigor físicos já são visíveis no modo como as personagens são
ilustradas, mesmo Batgirl.
115
Figura 7
Figura 8
Figura 9
No que diz respeito às identidades civis de Batman e Robin, a separação entre elas
acontece apenas na hora de entrar em ação propriamente dita. No ambiente privado
de sua casa, com aqueles que conhecem suas identidades secretas, essa separação
é inexistente e os heróis se permitem pensar e agir como os combatentes do crime
que são.
Figura 10
117
Na seqüência acima (figura 10), Bruce Wayne descobre as intenções de Killer Moth.
O bandido lhe enviou uma carta avisando que ocorreria um seqüestro, numa forma de
extorquir do milionário a importância de 100 mil dólares. Bruce Wayne e Dick, apesar
de mostrados à paisana, já têm a postura de heróis: o semblante sério, a posição
física que lembra reflexão e raciocínio, ressaltando os aspectos detetivescos de suas
atividades.
É essa fala de Bruce que explicita a cisão entre os alter-egos no ambiente público e
privado, pois, para combater o crime, Bruce Wayne e Dick Grayson dão lugar a
Batman e Robin; e é em suas personificações mascaradas que eles investigam e
visitam os milionários ameaçados (figura 4).
O mesmo ocorre com Batgirl - Barbara Gordon. Em seus afazeres civis, Barbara
precisa visitar Bruce Wayne, para levar-lhe um livro. Chegando à mansão do
milionário, escuta um tiro. Ainda assim, à paisana e desarmada, ela não hesita em
correr na direção de onde veio o barulho, demonstrando a sua coragem e seu desejo
de proteger. Ao perceber que os bandidos mataram Bruce Wayne, the girl librarian
freezes (a bibliotecária congela). Isso mostra como Batgirl se sente diante do que viu,
demonstrando abertamente sua reprovação aos atos dos bandidos. Mas, mesmo
congelada de horror, ela investe contra os assassinos e tenta prendê-los, a fim de que
não escapem impunes. Porém, antes, faz os devidos ajustes para que Batgirl, sua
identidade de heroína mascarada, substitua sua identidade civil de Barbara Gordon. É
como a Batgirl que ela age contra os criminosos.
118
Figura 11
Mas, assim como Bruce Wayne e Dick Grayson, no ambiente privado, sozinhos ou
entre aqueles que conhecem suas identidades, essa cisão desaparece ou, pelo
menos, é amenizada. Batgirl, em sua identidade civil de Barbara Gordon, é mostrada
treinando, fazendo exercícios e arrumando o uniforme, para, segundo ela mesma, be
ready... just in case (deixá-lo em ordem... por precaução).
119
Figura 12
Contudo, a seqüência acima mostrada não denota apenas essa relação entre as
identidades civis de Barbara e Batgirl, mas também uma necessidade de preparação
para sua missão. Ela não apenas conserta o uniforme, mas treina e se aprimora
fisicamente (I'm stronger and harder than I've ever been, thanks to my special protein
diet and intense exercise - Eu estou mais forte e durona que nunca, graças à minha
dieta especial de proteínas e exercício intenso). Essa necessidade de preparação
também é mencionada quando ela enfrenta os homens-mariposa pela primeira vez e
proclama ser: first kyu judo expert (especialista faixa marrom no judô - figura 5).
Ou seja, para combater de forma eficiente o crime, é preciso estar sempre em regime
de preparação e aprimoramento.
aventureira que a Batgirl evoca para aqueles que estão de fora. Entretanto, o que
começou em brincadeira tornou-se um trabalho sério, uma responsabilidade.
Figura 13
Ela concebe um plano usando o ímã em suas botas, prendendo-se na base da câmara
antigravitacional, para libertar os outros dois combatentes mascarados. Não apenas
isso, ela ainda reverte a aparente desvantagem – pois Batman e Robin estão à deriva,
flutuantes - a favor deles, arremessando-os contra os inimigos.
se crucial na captura de Killer Moth, pois fareja o bandido que perseguiam: ela nota
que seu perfume havia se impregnado no bandido.
Batman: When Batgirl was fighting Killer Moth back at Wayne Manor
- some of her perfume adhered to him, when they came into bodily
contact! As she walked around the room, she was 'scenting' him down
by smell! (Quando Batgirl estava enfrentando Killer Moth na Mansão
Wayne - um pouco do perfume dela aderiu a ele quando eles tiveram
contato corporal! Quando ela caminhou pela sala, ela o 'farejou' pelo
cheiro).
Todavia, é Batman quem deduz o que ela fez, demonstrando assim sua sagacidade,
colocando-se sempre um passo à frente inclusive em relação aos seus próprios
colaboradores.
Também para a armadilha da sala antigravitacional, Batman oferece sua própria saída
para a questão.
Batgirl: Nice deduction, Batman! But I'll bet you were glad to see me
when you and Robin were up in the air in that gravity-free chamber!
(Boa dedução, Batman! Mas eu aposto que você ficou feliz ao me ver
quando você e Robin estavam no ar naquela sala antigravitacional).
Batman: Well, since you brought the subject up - I could have escaped
- and was about to when you appeared - by firing my laser torch, using
the principle of action and reaction to reach safety. (Bem, já que você
trouxe o assunto à tona - eu poderia ter escapado - e estava a ponto de
fazer isso quando você apareceu - acendendo minha chama laser,
usando o princípio de ação e reação para alcançar a segurança).
Indicando que, apesar de Batgirl ser esperta, Batman é ainda mais. Ou seja, Batgirl
surge não para substituir o Batman, mas para reforçá-lo e complementá-lo.
Contudo, ele não contava com a interferência de Batgirl. Ocultos, ele e Robin
assistiam à investida de Batgirl contra os assassinos.
Robin: Holy interference! She's ruining all our plans! (...) (Santa
interferência! Ela está arruinando todos os nossos planos!).
Batman: Still - We can’t let Batgirl fight our battles, now can
we? (Calma - nós não podemos deixar Batgirl lutar as nossas
batalhas, podemos?).
122
Um herói não pode deixar outra pessoa desamparada. Mesmo possuindo um plano
global para resolver a situação – pois já é sabido que Batman e Bruce são a mesma
pessoa e sua morte é um engodo para distrair Killer Moth – Batman e Robin não
podem deixar Batgirl se arriscar sozinha. Eles não podem se revelar, mas, em
contrapartida, não podem deixar de ajudar. Assim, ainda escondidos, atacam os
bandidos arremessados em sua direção, mostrando, simultaneamente, astúcia e
inteligência associadas a habilidades físicas (figura 9). Mais uma vez essas duas
características se completam.
Figura 14
Vale ressaltar que Batgirl é apresentada como filha do comissário. Sua identidade civil
é próxima a ele, quase como uma herdeira, o que vem demonstrar os laços estreitos
que existem entre eles.
Pode-se apontar também que Batman e Robin trabalham em paralelo com a polícia,
não para substituí-la, mas auxiliá-la naquelas circunstâncias em que esta não pode ser
acionada.
Figura 15
Embora o recordatário aponte Batgirl como uma combatente do crime, assim como
Batman e Robin, cuja relação de cooperação já está solidificada, a primeira reação
entre ela e Batman é de estranhamento.
Batman: But who are you? How come you are wearing that -- that
Batgirl costume? (Quem é você? Por que está usando esse - esse
traje de Batgirl?).
Batgirl: I thought not! (Eu achei que não) - diz ela, enquanto pensa:
For all I know this is the debut and farewell of Batgirl! It was fun while it
124
lasted. (Pelo que eu sei este é a estréia e o adeus da Batgirl! Foi bom
enquanto durou).
Há um confronto entre os heróis. Ainda não há confiança entre eles, não há troca de
informações sobre suas respectivas identidades secretas.
Batgirl: I’m going along with you. (Eu vou com vocês)
Batman: No, Batgirl! This is a case for Batman and Robin! I’m sorry --
but you must understand that we can’t worry ourselves about a girl.
(Não, Batgirl! Esse é um caso para Batman e Robin! Sinto muito, mas
você precisa entender que não podemos nos preocupar com uma
garota).
Entretanto, mesmo rechaçada, Batgirl decide ir atrás de Batman e dos bandidos, a fim
de provar que também ela é capaz de combater o crime, ainda que seja uma mulher.
Tanto que diz: Worry about a girl, eh? Hah! If they think they can cut me off from where
action is, they’re mistaken! (Preocupados com uma garota, é? Hah! Se eles pensam
que vão me deixar fora da ação, eles estão errados!).
E isso se reforça à medida que, no decorrer da história, Batgirl se mostra tão capaz
quanto Batman e Robin, apesar da diferença de ser uma garota, seja em batalha, seja
salvando os outros heróis da câmara antigravidade, seja farejando Killer Moth, o que
possibilitou a prisão do criminoso.
Não há, necessariamente, uma competitividade entre eles, como era flagrante no caso
de Batwoman, na história anteriormente analisada. Ao contrário da Batwoman, que
desejava ultrapassar Batman e Robin, Bartgirl queria ir com eles (going along with
you), em sinal de colaboração.
Batman: I'll welcome her aid, Commissioner Gordon - when and where
the occasion arises! From what I've seen she doesn’t have to take a
back seat to anybody! (Eu vou dar boas-vindas à ajuda dela,
comissário Gordon - quando e onde a ocasião surgir! Pelo que eu vi,
125
É interessante ressaltar a cena final, onde o comissário Gordon faz um paralelo e uma
contraposição entre Barbara e Batgirl, e esta cena específica remete indiretamente à
cena da primeira história do Bat-Man.
Figura 16
Desse modo, Batgirl e Batman são aproximados e conectados não apenas por
questões de nome ou ideais. A própria estrutura da história de introdução da Batgirl,
tão similar à estrutura daquela que introduz o Batman, a coloca como a contraparte
feminina de Batman, somando-se a ele nessa missão de proteger e limpar a cidade.
Depois que Bruce Wayne recebe o bilhete de ameaça de Killer Moth, ele e Dick,
travestidos de Batman e Robin, partem atrás de outros milionários e descobrem que
também eles sofreram ameaças. Os milionários não podem ser ajudados pela polícia
em razão das ameaças, que os fazem temer por suas vidas (figuras 4 e 15 -
novamente reproduzidas abaixo).
Figura 15
Figura 4
Tanto os capangas de Killer Moth, quanto o próprio, são mostrados desde o começo
como pessoas traiçoeiras, com armas em punho, que permanecem à espreita para
atacar.
Figura 17
O Killer Moth ataca Batgirl pelas costas, pegando-a de surpresa, impedindo que ela
128
Figura 18
Quando Bruce se recusa a entregar-lhe o dinheiro, Killer Moth decide dar-lhe uma
lição para impressionar os outros milionários da lista.
Killer Moth: So, Bruce Wayne advises me he won’t pay! He’s going to
stay put in his house - surrounded by the police! I warned him that to tip
off would mean his death. Larva, you and Pupa keep an eye on Wayne
Mansion! Sooner or later, those cops will finally leave! We'll move in
when they go! What will happen to Wayne will guarantee us full
cooperation from those other millionaires still on the list! (Então, Bruce
Wayne avisa que não vai me pagar! Ele vai ficar em sua casa - cercado
pela polícia! Eu avisei a ele que se negar significaria sua morte. Larva,
você e Pupa mantenham um olho na Mansão Wayne. Cedo ou tarde,
esses policiais vão finalmente sair! Nós entraremos quando eles se
129
forem! O que vai acontecer com Wayne vai nos garantir completa
cooperação dos outros milionários da lista).
Desta forma, com esse intento, o Mariposa concebe um plano. Manda seus
subordinados vigiarem a mansão, denotando também sua inteligência e sua
capacidade de planejamento.
Figura 19
Mas, ainda assim, não é contraponto à altura de Batman, que possui um contra-plano
para descobrir onde é o esconderijo de Killer Moth e, assim, prendê-lo. Usa um
boneco para simular a morte de Wayne e, ao mesmo tempo, instala um localizador no
carro do criminoso.
O bandido não tem escrúpulos em matar um ser humano para reforçar o terror nos
demais milionários ameaçados e, assim, aumentar seu lucro.
Ao dizer isso, o Mariposa comprova que, sob seu ponto de vista, a vida humana
importa muito menos que o seu lucro pessoal, não passando de um mero meio através
130
Assim como Batman, Killer Moth usa um uniforme para esconder sua verdadeira
identidade e possui apetrechos similares aos do herói, inclusive um Mariposamóvel
(Mothmobile) e uma mansão.
O que marca a diferença que existe entre eles são as suas intenções: enquanto o
Mariposa deseja extorquir dinheiro e matar, Batman e Robin dedicam suas vidas a
defender e proteger os cidadãos.
A saída de Dick Grayson (Robin) marca um novo começo de vida para Bruce Wayne
e, conseqüentemente, para Batman, mudança que se complementa com um outro fato
relevante: as mudanças do mundo.
Bruce: It's time we all started a new way of life! A new way of
everything. (…) Batman too! Dick's leaving brought home the stark
fact that our private world has changed! We're in grave danger of
becoming outmoded! Obsolete dodos of mod world outside! Our best
chance for survival is to close up shop here! (É tempo de nós todos
começarmos um modo de vida! Um novo modo para tudo! (...) Batman
também! A saída de Dick trouxe o rígido fato de que nosso mundo
privado mudou! Nós estamos em grave perigo de nos tornarmos
ultrapassados! Obsoletos dodos para o mundo lá fora! Nossa melhor
chance de sobreviver é fechar o negócio aqui).
Ao discutirem sobre essas mudanças, Alfred, seu mordomo, pergunta: H-how will – er
-- we function as crimefigthers of old? (Como vamos funcionar como os combatentes
do crime de sempre?), estabelecendo, assim, uma das primeiras funções de Batman
na história, a de crimefigther (combatente do crime).
Figura 1
Ele busca atualização no que pode ser aproveitado do passado, trazendo a marca do
velho Batman para fazer valer a sua função de aterrorizar os criminosos de Gotham,
ao passo que, simultaneamente, se muda do "santuário do subúrbio para o coração
urbano da cidade para desentocar os criminosos de onde eles vivem e prosperam às
custas dos inocentes" (We're moving out of this suburbian sanctuary to live in heart of
that sprawling urban bligth - to dig them where they live and fatten on the innocent!).
Figura 2
Bruce: (...) como Bruce Wayne eu vou manter os olhos nas questões
da fundação durante o dia e "mostrar isso a eles" durante a noite. E é
aí onde Batman e a Fundação Wayne começam a unir forças!
Durante o dia, à paisana, ele cuida da fundação Wayne para auxiliar as vítimas e, à
noite, cuida do crime, combatendo-o como Batman. Essa dualidade entre as tarefas
diurnas e noturnas aparece em negrito no texto, para reforçar a diferenciação de
papéis; contudo, o termo join (unir) também é escrito em negrito para nos atentar que,
embora ocorram em espaços separados, as duas se complementam.
A função de lutar contra o crime passa a ser compartilhada por Batman e por Bruce.
Então, não apenas o herói, mas também o próprio cidadão comum, adquirem essa
função. O modo como agem é que marca a diferença entre seus métodos. Batman
aterroriza os criminosos, enquanto Bruce, com a fundação Wayne, auxilia as suas
vítimas. Ou seja, o herói utiliza suas duas facetas, de modo complementar, para
proteger os cidadãos.
Batman e Bruce passam a ter papéis complementares, o que faz com que as funções
de cada um venham a se conectar, e não mais a se contrapor.
Como Bruce Wayne, atua através da fundação Wayne, com a criação de um programa
de assistência social para auxiliar as vítimas dos crimes, especialmente daqueles não
resolvidos:
Alfred: Worthy idea, Sir! While these poor victims are forgotten by the
public -- to us they are very important people! V.I.P.'s you might say!
(Boa idéia, senhor! Enquanto essas pobres vítimas são esquecidas
pelo público -- para nós elas são pessoas muito importantes! VIP’s,
pode-se dizer!)
Como Batman, ele atua em campo, caçando os criminosos, mas também protegendo
ao seu modo as vítimas dos crimes.
Figura 3
Figura 4
Batman: (...) Eu preciso dessa bala fora agora!
Susan: M-mas, por que?
Batman: Porque eu percebi que a resposta completa para esse
mistério depende da identificação desta bala.
Mas, não apenas por essa razão essas duas funções se mostram intrinsecamente
conectadas. Quando Batman diz que pretende "desentocar os criminosos de onde
eles vivem e prosperam às custas dos inocentes" (we're moving out of this suburbian
sanctuary to live in heart of that sprawling urban bligth - to dig them where they live and
fatten on the innocent!), ele deixa claro que sua caçada aos criminosos é motivada
especialmente pela proteção às vítimas desses vilões.
Quando este ameaça a vida de Susan, valendo-se de sua habilidade física e coragem
o herói salta consultório adentro, desarmado, para proteger Susan, investindo contra o
assassino que mantém seu revólver em punho.
Figura 5
Batman ataca o assassino com socos e chutes, agora se valendo de suas aptidões
físicas, acertando-o e derrubando-o algumas vezes.
137
Figura 6
Figura 7
Contudo, apesar dessas habilidades, Batman ainda é um ser humano comum, não
sobre-humano, a ponto de fraquejar momentaneamente diante de um forte golpe
aplicado pelo assassino.
138
Figura 8
Ainda assim, Batman demonstra uma alta resistência física e determinação, mostrada
na seqüência em que leva o tiro e pede à médica para extrair a bala.
Figura 9
Fielding case, the real killer, "Stub" Sartel, was captured early this morning (foi graças
à brilhante dedução de Batman no insolúvel caso do Dr. Fielding, o assassino, "Stub"
Sartel, foi capturado nesta manhã).
Figura 10
de seu marido para Bruce Wayne, Bruce pensa como Batman. Mesmo que
externamente seja Bruce Wayne quem está em cena, nesse momento é o combatente
do crime, o detetive, que está em ação, analisando os fatos, refletindo sobre eles, a
fim de alcançar conclusões que possam levar à solução do crime. Ou seja, os fatores
de inteligência, raciocínio e pensamento, usualmente enfatizados como substanciais
para o combate ao crime, uma vez mais são retomados aqui.
Com os dados relatados pela médica, Batman deduz que o assassino retornará caso
suspeite que Susan pode identificá-lo. Desse modo, Batman concebe um plano,
ratificando, mais uma vez, a importância do uso do raciocínio e da inteligência
dedutiva.
Figura 11
Figura 12
É também graças a essa inteligência dedutiva que Batman, de seu posto (figura 12),
desconfia que algo está errado ao ver sair correndo o menino que recém entrara no
consultório da médica com o "pai". E assim descobre que o assassino mordeu a sua
isca e está, naquele momento, ameaçando Susan.
Figura 13
Com o auxílio do técnico de perícia da polícia, Batman consegue descobrir que as três
balas apreendidas (a extraída de seu braço, a encontrada no corpo do médico e a que
o Dr. Jonah extraiu do criminoso que o visitou - conforme relato de Susan na figura
10) são iguais, provenientes da mesma arma de fogo.
144
Com essa informação Batman deduz não apenas quem é o criminoso, mas também
que ele matou seu parceiro de crimes e, posteriormente, assassinou o Dr. Fielding
para que este não pudesse identificá-lo. Assim, mais uma vez, Batman dá provas de
sua "brilhante" inteligência detetivesca.
É importante notar que o uniforme do Batman toma conta de toda a página, mostrando
a força da imagem do mesmo. O uniforme é apresentado maior que o próprio Bruce,
denotando a grandiosidade não só da vestimenta como também do que ela
representa: a marca registrada, o símbolo, do velho Batman.
Outro momento em que se nota a idéia de Batman como símbolo está na cena em que
a Dra. Susan pergunta a Bruce por que um combatente do crime tão brilhante como
Batman ajudaria alguém tão sem importância como ela; ao passo que Bruce responde
que:
145
Figura 14
Batman vê todos como iguais; todos os desprotegidos, todos aqueles que precisam de
auxílio são iguais para ele, pessoas anônimas ou não.
Existe aqui uma relação de cooperação mútua entre Batman e os policiais. Ele
aparece visto como um aliado, a ponto de causar inquietação no policial que o vê
baleado.
146
Figura 15
Não apenas a pergunta do policial (Batman? Dr. Fielding - is it bad?- Batman? Dra.
Fielding, é muito ruim?) como também a expressão apreensiva em seu rosto mostram
essa preocupação para com o bem-estar de Batman.
Ressalte-se que, mesmo quando o herói assume o papel de Bruce Wayne, filantropo
pela Fundação a quem empresta o nome, criador do programa de assistência às
"these poor victims are forgetten by the public" (essas pobres vítimas são esquecidas
pelo público), seu programa e suas intenções vêm em complementação e não em
substituição às autoridades oficiais, reforçando sua relação cordial e de cooperação
com a polícia. O próprio Bruce deixa isto bem claro na seguinte passagem:
Bruce: (…) And until we can arrange a lobby in the state capital to
campaign for public funds, we're setting up a special assistance
program here to aid these people. (E até que possamos arranjar um
lobby no capital estatal para uma campanha para fundos públicos, nós
vamos arranjar aqui um programa de assistência para ajudar essas
pessoas).
Daí se conclui que a ajuda de Wayne não descarta a ajuda "oficial"; não oferece
contraponto, mas complemento.
Tal aspecto não se apresenta nesta história, uma vez que Batman aqui trabalha
147
sozinho.
Bruce, entregando um jornal para Alfred: Read it, Alfie (...) (Leia
isso, Alfie).
Alfred: V.A. Victims anonymous (...) latest victim in the unsung case -
history of innocents in the war against crime -- Dr. Susan Fielding,
pediatrician and wife of Dr. Jonah Fielding, slain last week while
treating an unknown gun-shooting patient! In this unsolved tragedy…
(A. V. Vítimas anônimas (…) a última vítima em um não-relatado caso
de inocentes na guerra contra o crime - Dra Susan Fielding, pediatra e
esposa do Dr. Jonah Fielding, morto na semana passada enquanto
tratava um desconhecido paciente baleado! Uma tragédia insolúvel!)
Com esse trecho, Batman explicita aqueles a quem deseja proteger, quem são as
vítimas para as quais ele dedicará a sua missão de combate ao crime.
Batman não faz distinção entre aqueles que se sente no dever de proteger. Ele agirá
em defesa de qualquer cidadão. Não importa se a vítima é anônima, porque ela
sempre será uma vítima em meio à guerra contra o crime. Na história em questão,
trata-se da Dra. Susan, cujo marido foi assassinado.
Trata-se de uma tragédia, um crime sem motivo aparente que ainda não está
resolvido; e, conseqüentemente, o que é ainda mais inaceitável para Batman, o
criminoso permanece impune.
Os criminosos não escolhem vítimas. E estas vítimas geram outras vítimas: esposas,
mães e até mesmo crianças, que não possuem, muitas vezes, recursos para se apoiar
após a tragédia. Batman deseja proteger a todas, seu compromisso é agir em defesa
de todas as vítimas inocentes e indefesas, sem distinção.
148
Como Bruce Wayne, ele fará isso através da fundação que leva seu nome. Precisely
what Wayne Foundation intends to correct! (...) we're setting up a special assistance
program here to aid these people (Precisamente o que a Fundação Wayne pretende
corrigir! (...) nós vamos arranjar aqui um programa de assistência para ajudar essas
pessoas), diz ele, ao que Alfred completa que, para eles, apesar de esquecidas pelo
público, essas vítimas são "very important people" (pessoas muito importantes).
Bruce: Innocent victims such as Dick and I were - when our parents
were brutally slain! Their deaths were the births of Batman and Robin!
We were in the fortunate position to claim justice for ourselves - but
what of the less fortunates? (Vítimas inocentes como Dick e eu fomos -
quando nossos pais foram brutalmente mortos! Suas mortes foram o
nascimento de Batman e Robin! Nós estávamos na privilegiada
posição de clamar justiça por nossa conta - mas, e quanto aos menos
privilegiados?).
Batman, porém, se pergunta: "Mas, e os outros?" Bem, os outros, que não tiveram a
sorte, ou a determinação, ou a desenvoltura de se tornarem combatentes do crime
como Batman e Robin, serão duplamente auxiliados por Bruce Wayne, seja enquanto
Batman, caçando criminosos nas ruas da cidade, seja enquanto o milionário,
assistindo pessoas através da fundação Wayne.
Quando Bruce Wayne, ainda travestido de sua identidade civil, se encontra com a
vítima pela primeira vez, seu primeiro sentimento é de pena, de compaixão; "pobre
garota, a tragédia é tão recente (poor gal, the tragedy is so fresh)", ele pensa.
A jovem viúva é retratada como alguém descrente de receber qualquer ajuda, mesmo
da polícia. Desolada com a tragédia, acaba por receber com hostilidade qualquer
pessoa que dela se aproxime nesse momento, pré-julgando suas intenções.
Figura 16
Não apenas por sua fala, mas seu dedo em riste, expressão de raiva, caindo
facilmente em pranto no momento seguinte indicam o quanto ela se sente
desesperada e desamparada frente ao que lhe ocorreu.
Todavia, ao invés de apenas consolar a vítima, Bruce a obriga a buscar forças e tentar
reagir ao assassinato de seu marido, numa forma de honrar-lhe a memória: "perhaps if
you weren´t so full of self-pitty - you could aid your husband's memory more" (talvez,
se esquecer um pouco a autopiedade, possa ajudar mais à memória de seu marido).
Esta situação aflita atormenta Susan até a chegada de Bruce Wayne, que,
independentemente das reações negativas iniciais da jovem viúva, persiste em
oferecer seus préstimos: "posso ser um amigo, se me deixar" (I could be a friend if
you'll let me - primeiro quadro abaixo), diz ele, segurando-a reconfortantemente pelos
ombros.
Figura 17
151
Bruce deixa claro que a Fundação Wayne não é uma instituição de caridade (We want
to aid people like you--- victims of injustice (...) We' re no "do-gooders" - we want to
help - Nós querermos ajudar pessoas como você -- vítimas da injustiça (...) Nós não
somos samaritanos. Nós queremos ajudar).
A filantropia promovida por Bruce Wayne tem como objetivo oferecer a quem precisa
meios de se estabelecer ou de se recuperar de alguma situação desvantajosa para
que, posteriormente, quem foi ajudado possa manter-se ou desenvolver-se por conta
própria.
Bruce Wayne torna, assim, ainda mais amplo seu campo de ação ao oferecer proteção
e ferramentas para que as vítimas do crime possam agir por conta própria,
defendendo-se e reerguendo-se de per si. Isso reforça a idéia de que Bruce Wayne
não oferece caridade aos cidadãos, mas sim apoio e direcionamento.
É uma ajuda que vai além de um benefício pessoal para, também, pelo menos no caso
de Susan, trazer um benefício para a própria sociedade, benefício semelhante aos
ideais de Batman de ajudar os inocentes, embora a doutora vá realizar esse serviço de
ajuda humanitária através de sua função de curandeira. Ou seja, Bruce ajuda os
outros para que eles possam também ajudar terceiros, caso estejam dispostos a isso.
É o que ele afirma à viúva do médico assassinado: "mas você tem um futuro à sua
frente para servir à humanidade - se você quiser encarar isso" (but you have a future
ahead of you, serving mankind - if you want to face it - figura 15).
E, mesmo quando se trata do combate ao crime propriamente dito, Batman tenta tirar
a vítima de seu papel passivo de ser apenas protegida ou salva por ele. I need your
help! (Eu preciso de sua ajuda!), é uma das primeiras coisas que ele diz, travestido de
Batman, quando se encontra com Susan Fielding. Ele solicita a ajuda da vítima para,
em conjunto, capturarem o criminoso: “sem você - eu e o esquadrão inteiro da polícia -
não teremos nenhuma chance de encontrar o assassino desconhecido” (without you -
152
I and the entire police force - don't have a chance of finding the unknown assassin).
Ele chama a vítima ao envolvimento com a captura de seu agressor, fazendo com que
se torne responsabilidade também dela, e não apenas do Batman - defensor. Assim, a
vítima passa à função de colaboradora, capaz de, como Dick e Bruce fizeram um dia,
clamar ela própria por justiça (claim justice for ourselves).
Assim, Batman oferece à Dra. Susan recursos para que ela possa agir, libertar-se da
apatia e da auto-comiseração. Essa mudança da atitude passiva e desamparada com
a qual Bruce/Batman a encontrou para uma nova posição pró-ativa é explícita na cena
em que a própria médica vem em socorro a Batman, atacando o assassino do marido
com um bisturi (figura 7) e impedindo que este recupere a arma, favorecendo o
momento ideal para Batman nocautear o bandido.
Em termos gerais, quem são os criminosos que Batman agora combate? Quem forma
essa nova safra de bandidos? O próprio herói esclarece:
Figura 18
Bruce: Hoje, essa nova safra de ratos usa armas modernas, falsa
respeitabilidade, grandes negócios de fachada, coberturas legais - e se
esconde nas fortificadas torres da metrópole de Gotham. Nós estamos
nos mudando desse santuário suburbano para viver no coração da
cidade - para desentocá-los de onde eles vivem e prosperam às custas
de inocentes.
criminosos terem se modernizado que Batman decide se atualizar para estar apto a
enfrentá-los.
Figura 19
Figura 20
Mas não é tão esperto quanto o Batman, pois, invariavelmente, após a "Batman's
brilliant deduction" (a brilhante dedução de Batman), acaba sendo identificado e, seu
destino, a prisão.
Com essa afirmação, Bruce faz uma crítica ao modo como a lei acaba por proteger os
criminosos - "inocentes até provarem a culpa" - enquanto as verdadeiras vítimas que
deveriam ser protegidas, os antigos cônjuges, pais e órfãos daqueles que foram
mortos ou mutilados, ficam desguarnecidos, sem recursos ou sequer apoio. A
verdadeira justiça deveria, portanto, estar apoiada no auxílio e proteção desses
"inocentes comprovados", as vítimas, ao invés de preocupar-se em salvaguardar os
criminosos.
155
Publicado em 1986, Dark Knight returns traz a volta de Batman ao combate ao crime.
Depois de dez anos de aposentadoria, Bruce Wayne retoma suas atividades em uma
Gotham City imersa no crime e no caos. Ele precisa lidar com uma nova leva de
criminosos, denominados Mutants, ao mesmo tempo em que enfrenta velhos
arquiinimigos como Joker (Coringa) e Two-Face (Duas Caras). Suas atividades não
são bem quistas nem pelo governo norte-americano, nem pela nova comissária de
polícia. Para realizar a sua missão, Batman conta com a ajuda de uma nova aliada,
Carrie Kelly, a Robin.
Quando a história se inicia, já faz dez anos que Batman desapareceu. A notícia é
anunciada em um quadro que simula uma transmissão de televisão:
[...] today also marks the tenth anniversary of the last recorded sighting
of the Batman. Dead or retired, his fate remains unknown. Our younger
viewers will not remember the Batman. A recent survey shows that
most high schoolers consider him a myth. But real, he was. Even today,
debate continues on the right and wrong on his one-man war on crime.
([...] hoje também marca o décimo aniversário da última vez em que
Batman foi visto. Morto ou aposentado, seu destino permanece
desconhecido. Nossos jovens telespectadores não lembram do
Batman. Uma pesquisa recente mostra que a maioria dos colegiais
consideram-no apenas uma lenda. No entanto, ele foi real. Ainda hoje,
os debates continuam sobre os erros e acertos de sua solitária guerra
contra o crime).
Bruce está assistindo à televisão, quando é anunciada a reprise de The Mark of Zorro,
o filme que ele assistiu com os pais na noite em que ambos foram assassinados.
Imediatamente ele recorda suas mortes. Em paralelo, surgem na televisão notícias de
pessoas que sofreram violência e morte brutal. As notícias são intercaladas com a
lembrança, enquanto Bruce tenta mudar de canal para fugir daquelas tragédias. A
cada mudança de canal, porém, uma nova história surge, ainda pior, e ocorre o
156
Figura 1
Figura 2
(2) impede uma prostituta de ser retalhada por seu cafetão enquanto um taxista aceita
suborno para deixar que isso aconteça;
Figura 3
158
(3) salva duas meninas de serem mortas pela gangue dos Mutants.
Figura 4
Ao mesmo tempo em que salva essas pessoas, ele pune cada um dos criminosos que
as atacou. O estuprador é puxado pelo vidro (figura 2), o cafetão tem sua mão
prensada na janela do carro (figura 3), os Mutants são atacados por Batman, que
inclusive arremessa um deles contra um painel de neon, eletrocutando-o (figura 4).
O único que não é espancado é o taxista, possivelmente por não ter usado de
violência. Seu crime foi aceitar o suborno para ignorar o crime que ocorria no banco
traseiro de seu carro - o cafetão que retalhava a prostituta. Assim, o castigo infligido
por Batman é proporcional ao crime cometido. Quem usa de violência é espancado,
quem ganha suborno perde o dinheiro.
159
Figura 5
As atividades de Batman continuam sendo narradas pelos jornais: duas crianças que
desapareceram foram encontradas salvas e ilesas em um depósito à margem do rio.
Um telefonema anônimo levou a polícia até lá; as meninas foram achadas ao lado de
seis membros da gangue Mutant, todos exibindo múltiplos cortes, contusões e fraturas
expostas. Fica-se subentendido que Batman salvou as crianças, puniu os bandidos e
os entregou às autoridades. Essas duas funções de Batman (punir e proteger), que
surgem imediatamente com o seu retorno, parecem estar atreladas uma à outra.
Pouco depois, ao enfrentar um dos criminosos que se aproxima com arma em punho,
o Batman o ataca. Ele possui “seven working defenses from this position: three of them
disarm with minimal contact, three of them kill” (sete tipos de defesa nessa posição:
três desarmam com mínimo de contato, três matam). A restante (escolhida por ele
conforme a figura abaixo), aleija (hurts).
160
Figura 6
Se Batman podia simplesmente desarmar o criminoso, por que não o faz? Ele mesmo
responde, ao ser inquirido pelo jovem policial: He's young [o criminoso]. He'll probably
walk again. But he'll stay scared, won't you punk? (Ele [o criminoso] é jovem. Ele vai
provavelmente andar de novo. Mas ele vai estar aterrorizado, não vai, punk?).
Batman aterroriza os bandidos com o intuito de que esse medo os impeça de voltar a
cometer crimes. Esse mesmo propósito é mostrado na seqüência em que Batman
tenta impedir que o vilão Two-Face coloque bombas nas Torres Gêmeas de Gotham
City. Ele joga um gás especial contra os auxiliares de Two-Face:
This stuff [...] a light dose like this and you spend twenty or thirty
minutes reliving your least favorite nightmare. The only after effect I've
noticed is a marked aversion to guns, knives and crime-fighters. (Esta
substância [...] uma dose pequena e você passa vinte ou trinta minutos
revivendo seu pior pesadelo. O único efeito colateral que eu notei foi
uma forte aversão por armas, facas e combatentes do crime).
Ou seja, a função de aterrorizar os bandidos não serve apenas para criar vantagem ao
Batman em relação a eles em sua missão de combatente, mas para amedrontá-los a
ponto de se tornar um fator capaz de impedi-los de retornar à vida criminosa.
Com a volta do Batman, a gangue Mutant, que aterroriza a cidade, manda um vídeo
para a televisão, ameaçando-o. Nas palavras da repórter:
161
With that videotape message, the Mutant leader - whose name and
face remain a secret - has declared war on the city of Gotham... and in
its most famous champion (Com uma mensagem de vídeo, o líder
Mutant - cujo nome e rosto ainda são desconhecidos - declarou guerra
à cidade de Gotham e ao seu campeão mais famoso).
Mais uma vez o caráter da luta contra o crime ressalta a função de Batman como
guerreiro; mais do que isso, ele é designado como campeão da cidade. Campeão,
remetendo à idéia de cavaleiro medieval, é aquele que luta para defender o reino ou,
no caso, a cidade de Gotham. Essa correlação entre Batman e a idéia de cavaleiro já
é apontada no próprio título da minissérie: Dark Knight returns: A Volta do Cavaleiro
das Trevas.
Figura 7
Figura 8
A própria imagem do Batmóvel reforça uma vez mais o cenário de guerra. Sua
estrutura (modificada para "enfrentar alguns tumultos quinze anos atrás") lembra um
tanque.
Carrie Kelly, quando decide usar o uniforme de Robin depois de se ver capaz de saltar
entre prédios, tem como primeiro pensamento next up figthing crime (agora combater
o crime), tomando também para si essa função de combatente, compartilhada por
Batman.
Após a derrota do líder Mutant em uma luta contra o Batman, parte da extinta gangue
assume a alcunha de Sons of Batman (Filhos de Batman), também se propondo essa
missão de lutar contra os criminosos.
Son of Batman: The mutants are dead. […] Do not expect any further
statements. The Sons of Batman do, not talk. We act. Let Gotham's
criminals beware. They are about to enter hell. (Os Mutants estão
mortos. [...] Não esperem declarações futuras. Os Sons of Batman
fazem, não falam... Nós agimos. Que os criminosos de Gotham se
preparem. Eles estão prestes a entrar no inferno).
Batman hasn't killed anybody (Batman não matou ninguém), diz Lana
Lang, jornalista e principal defensora de Batman, em debate na
televisão sobre o herói.
163
Quando ele enfrenta o líder Mutant e o tem sob sua mira, "uma espécie de mal com o
qual ele nunca sonhou", Batman cogita em apertar o gatilho:
And there's only one thing to do about him makes any sense to me...
just press the trigger and blast him from the face of earth. Though that
means crossing a line I drew for myself thirty years ago... (E há
somente uma coisa a fazer com ele que faz algum sentido para mim,
apenas apertar o gatilho e eliminá-lo da face da Terra. Só que isso
significa ultrapassar uma linha que me impus trinta anos atrás).
Joker: I'm really... very disappointed with you, sweet… The moment
was… perfect… and you didn't have the nerve… paralysis… really…
just an ounce or two more of pressure… and… (Estou realmente muito
desapontado com você, doçura... O momento era... perfeito... e você
não teve coragem... paralítico... é verdade... apenas um pouco mais de
pressão e...)
Batman não consegue matar, talvez porque ultrapassar essa linha seja o que o separa
dos criminosos, de alguém como o homem que assassinou seus pais. Matar é tornar-
se criminoso, como Batman (disfarçado de mendigo) deixa claro para o dono de um
mercadinho que o auxilia a capturar alguns criminosos e ameaça assassinar um deles,
que está inconsciente.
164
Figura 9
Figura 10
Há também uma certa desproporcionalidade nas suas ações e punições: "The Sons of
Batman have struck again in front of a dozen witnesses, they accosted a shoplifter
and… chopped his hands off…The shoplifter is said to have been carrying several
magazines and a candy bar… (Os Sons of Batman atacaram novamente na frente de
várias testemunhas, eles impediram um assaltante e... amputaram suas mãos... O
assaltante estava levando algumas revistas e uma barra de chocolate...).
Figura 11
Batman: Não.
Eles desejam purificar a cidade, livrá-la daquilo que acreditam ser o mal; as tochas
remetem a essa idéia de fogo purificador. Batman chega e diz: "NÃO!", porque aquele
não é o seu modo de agir. Arrasar a cidade daquela maneira, com o intuito de
“purificá-la”, não é o que Batman se propõe a fazer. Ele está ali para ensinar-lhes o
que fazer e como fazer.
Figura 12
Gotham está um caos: pessoas comuns lutando entre si por armas, por comida,
gritando umas com as outras, enquanto a cidade se consome em chamas. É quando
Batman chega, com Robin, os Sons of Batman e os Mutants remanescentes,
impedindo a confusão.
Batman traz a ordem ao caos: é nesse sentido que se auto-intitula como lei. Assim,
mais importante que "purificar" a cidade, como queriam os Sons of Batman - o que,
talvez, traria um caos ainda maior -, é impedir que as pessoas machuquem umas às
outras. Ou, em outras palavras, trazer segurança à cidade, conforme o comentário da
jornalista após o incidente.
tomadas por uma onda de pânico nacional -- com apenas uma única
exceção. Certo, Tom?)
Tom: That's right, Lola. Thanks to the Batman and his vigilant gang,
Gotham's streets are safe - unless you try to commit a crime. (Certo,
Lola. Graças ao Batman e sua gangue de justiceiros, as ruas de
Gotham estão seguras... a menos que se tente cometer um crime).
A síntese desse caráter protetor de Batman está na seqüência em que ele salva um
bebê de seus seqüestradores, membros da gangue dos Mutants. A criança chora alto,
desesperadamente, conforme se vê pela expressão de seu rosto e por seus gritos,
cuja representação escrita toma praticamente todo o quadro para indicar a altura do
choro.
Figura 13
Figura 14
O modo como Batman a envolve em seus braços demonstra também certo cuidado e
preocupação em relação àquela criança, reforçando o seu caráter protetor.
168
A história se inicia com Bruce Wayne no meio de uma corrida. Seu carro entra em
pane e começa a se incendiar.
Mesmo com a pane geral do carro, mesmo com o fogo ao redor, com a linha de
chegada tão próxima, Wayne não desiste; é alguém que, por conta disso, pode até
colocar sua própria segurança à prova.
Figura 15
Figura 16
Mas, apesar de manter parte dessas habilidades da juventude, a idade também pesa
para Batman. Ele ainda é, como Superman diz em determinado ponto da história,
quando ambos se enfrentam: Bruce -- this is idiotic -- you’re just bones and meat -- like
all the rest (Bruce, isso é idiotice - você é apenas carne e ossos, como todo o resto).
Ou como, em uma seqüência na qual Batman encurrala quatro criminosos em um
prédio abandonado, um deles lembra que, se for o Batman, he’s got to be pretty old
(ele deve estar bem velho).
Para compensar essas limitações trazidas pela idade, Batman usa da estratégia e das
vantagens que as situações que enfrenta apresentam.
emocional é uma vantagem para o Batman. Ele pega os bandidos um a um, usa o
medo deles para que se descontrolem.
Figura 17
Essa característica é compartilhada por Carrie Kelley, a nova Robin, descrita por
Batman como smart (esperta); além disso, é young (jovem) e brave (corajosa). A
inteligência de Carrie é sublinhada na cena em que, vendo Batman cercado por
policiais, ela reprograma o computador de bordo do helicóptero de Batman, que antes
seguia apenas os comando de Bruce, para resgatá-lo.
172
Figura 18
Sua coragem também é vista na cena em que, ao fugirem da polícia utilizando asas-
delta, a correia que prendia Robin é rompida por uma bala e ela cai em pleno vôo,
segurando-se na capa de Batman: she doesn´t make a sound (ela não solta um único
grito - figura 19).
Figura 19
Como Batman, ela também possui capacidades físicas notáveis; salta de prédios, se
desvia de armas, ainda com a vantagem de possuir a juventude a seu favor.
173
Figura 20
O que falta a Robin, além dos anos de experiência de Batman, é paciência; o que,
segundo o próprio Batman, é importante para a missão deles:
Robin: Figure we've been doing the spider here for less than three
years... (Parece que estamos bancando as aranhas aqui por pelo
menos uns três anos).
Batman: Patience, Robin. It'll keep you alive. Abner isn't home.
(Paciência, Robin. Isso a manterá viva. Abner não está em casa).
Figura 21
174
Figura 22
A impulsividade de Robin não apenas quase a matou como também custou a vida de
doze pessoas, mortas na explosão do dispositivo criado por um dos comparsas do
Joker. Assim, um descuido não prejudica apenas o combatente do crime, mas ainda
outras pessoas. Paciência é essencial para salvaguardar-se e também aos outros.
Na seqüência que precede o retorno de Batman (figura 1), o texto do recordatário traz
a “fala” desse Batman “interior” existente em Bruce: You try to drown me out, but your
voice is weak... (você tenta me abafar, mas sua voz é fraca).
175
Figura 23
Um morcego chega voando pelos céus. Bruce observa, fecha os olhos, o morcego se
aproxima ainda mais. Bruce encara o morcego, seu rosto denota frieza, seriedade e
calma, sugerindo uma resignação. Como se a chegada daquele morcego, que
arrebenta o vidro da janela, fosse uma espécie de chamado, um destino do qual ele
não pode mais fugir.
Power lines are down all over suburbs. It's a mean one [tempestade] --
and it's headed straight for Gotham, like the wraith of God it's headed
for Gotham (houve um blecaute em todo o subúrbio. É uma
[tempestade] violenta - e está se dirigindo diretamente para Gotham,
como se a fúria de Deus se dirigisse para Gotham).
O repórter fala da chuva que chega, mas isso pode ser também tomado
metaforicamente como a volta de Batman, que seria como aquela tempestade: uma
fúria de Deus que cai, implacável, sobre a cidade.
176
Figura 24
A seqüência de quadros reforça essa idéia de Batman como tempestade, como força
da natureza. Como já mencionamos, mostra-se ele, em seu retorno, atuando em três
tempos: salvando uma mulher de ser estuprada e morta, uma prostituta de ser
retalhada por seu cafetão e duas meninas de serem mortas.
Batman não é mostrado diretamente, apenas seus atos, exatamente para indicá-lo
como um reflexo da wraith of God (fúria de Deus). Cada aparição sua é precedida por
um trovão e/ou raio, remetendo ao que o jornalista disse e reforçando a idéia de
Batman como tempestade.
177
Metáfora que é retomada na cena em que a cidade está na penumbra graças ao pulso
eletromagnético, e o Batman chama os Sons of Batman para auxiliá-lo a conter o
pânico em Gotham.
Robin observa a cena, os olhos bem abertos, em direção ao alto. No recordatário (em
amarelo para indicar que é um pensamento dela):
Only feels like there's a storm coming. It's just his voice. (Parece que
vai começar uma tempestade. Mas é apenas a voz dele).
Figura 25
O comissário Gordon também evoca essa característica do Batman como algo que vai
além da pessoa que usa a máscara, como representante de algo maior. Ao ser
questionado por sua sucessora no cargo, Ellen Yindel, sobre os motivos do comissário
apoiar um vigilante, este responde:
Gordon: I'm sure you've heard old fossils like me talk about Pearl
Harbour [...] We were scared […] and there was Roosevelt on the radio,
strong and sure, taking fear and turning it into a fighting spirit [...] We
won the war. [...] A few years ago, I was reading a news magazine -- a
178
lot of people with a lot of evidence said that Roosevelt knew Pearl
Harbour was going to be attacked -- and that he let it happen. […] I
couldn't stop thinking how horrible that would be. […] a lot of innocent
men died, but we won the war. It bounced back and forth in my head
until I realized I couldn't judge it. It was too big. He was too big. (Tenho
certeza de que já ouviu fósseis como eu falando de Pearl Harbour [...]
Todo mundo estava apavorado [...] então Roosevelt falou no rádio,
forte e firme, transformando medo em espírito de luta. [...] Nós
vencemos a guerra [...] Alguns anos atrás estava lendo uma revista --
um monte de gente com um monte de evidências de que Roosevelt
sabia que Pearl Harbour estava prestes a ser atacada - e deixou
acontecer. [...] Eu não pude deixar de pensar o quão horrível aquilo
poderia ser. [...] muitos inocentes morreram, mas nós vencemos a
guerra. Essa idéia zumbiu na minha cabeça até eu perceber que não
podia julgá-la. Era coisa grande demais. Ele era grande demais).
Ellen: I don't see what this has to do a vigilant. (Não vejo o que isso
tem a ver com o vigilante).
Na relação com Gordon, existe uma mútua cooperação. Quando um criminoso preso
por Batman é libertado graças ao seu advogado, e Gordon se vê impossibilitado de
fazer o que quer que seja, e também sabendo o quanto esse criminoso é importante
para uma investigação envolvendo o vilão Two-Face, é a Batman que ele recorre.
179
Batman age onde Gordon e a polícia não podem legalmente agir, mas Batman age
também em conjunto com Gordon. A existência do Batsinal (um holofote com o sinal
do morcego colado a ele e projetado no céu) é o indicativo público dessa relação
estreita:
Merkel (assistente de Gordon): But ins't there some other way to call
him? (Mas não tem outro jeito de chamá-lo?).
A cena em questão se passa logo após o retorno de Batman à ativa. O Batsinal no céu
é para mostrar a todos que Batman realmente voltou e também que está ajudando a
polícia.
Gordon: She will face a man who is the living spirit of... something we
need. She may be his enemy. She may learn from him. (Ela enfrentará
um homem que é o espírito vivo de... algo que precisamos. Ela poderá
ser sua inimiga. Ela poderá aprender com ele).
Já a posição da nova comissária é oposta a de Gordon. Yindel acredita que, por ser
Batman um vigilante, alguém que não é um combatente do crime legalmente instituído
como os policiais, é um criminoso; e, por isso, deve ser perseguido, não tomado como
aliado:
Desse modo, de aliado Batman passa a ser perseguido pela polícia, que o confronta
diretamente algumas vezes. Ainda assim, Batman não vê a polícia como sua inimiga.
Seguindo a trilha do Joker, ele descobriu que o criminoso agirá em dois lugares
diferentes, ameaçando a vida dos freqüentadores da “Feira da Amizade” e atentando
contra a vida do governador. Incapaz de impedir os dois crimes, ele contata a
comissária.
Figura 26
Batman não chega a ser tomado como aliado pela nova comissária, todavia não é
mais caçado como inimigo.
Figura 27
Presidente: [...] Bem, tem uma polêmica que eu gostaria que você
resolvesse, com pulso firme, para mim em Gotham City. Cá entre nós,
estou preocupado com um amigo seu. [...] Gosto de pensar que eu
aprendi tudo o que eu sei sobre governar este país no meu rancho [...]
Em um rancho não tem problema nenhum que os cavalos tenham
tamanho e cor diferentes, desde que fiquem dentro da cerca. Não tem
problema ter um garanhão meio louco de vez em quando [...] mas, se
esse animal salta e dá coice na cerca, e deixa os outros cavalos
agitados, bem, isso é mau para os negócios. O mundo mudou, filho.
Não é como nos velhos tempos. Eu queria que fosse. Eu daria uma
medalha para ele. [...]
quer dizer, que isso seja da minha alçada!, o presidente responde ao ser questionado
sobre o assunto). Extra-oficialmente, a posição do governo é a de inibir as ações do
Batman, pois elas despertariam um sentimento de inquietação nos demais habitantes
do país.
Desse modo, para o governo norte-americano Batman é uma ameaça ao status quo.
Um cavalo bravo que atiçaria os outros a fazerem algo parecido ou, pelo menos,
levaria a discussões sobre a situação do país no que diz respeito à capacidade do
governo. O que, de fato, acaba ocorrendo em diversos debates televisivos. Após o
pulso eletromagnético, com grande parte das cidades entrando em caos, exceto
Gotham - graças ao Batman, não aos governantes -, não resta outra opção a não ser
acabar com o problema, o que leva ao confronto entre Batman e Superman.
Robin surge inicialmente na história em sua identidade civil, Carrie Kelly. Ela é uma
das duas meninas que Batman salvou dos Mutants.
Inspirada pelo Batman, ela decide assumir a identidade de Robin e combater o crime
por conta própria, atacando pequenos trapaceiros; até que ela escuta alguns Mutants
conversando sobre uma grande reunião. O primeiro encontro deles, Robin e Batman,
se dá justamente quando Batman está sendo derrotado pelo líder Mutant (Figura 18).
O fato de Batman confundir Carrie com Dick Grayson, o primeiro Robin, de certo modo
já a aproxima de seu antecessor, e fala também da relação que se estabelecerá entre
os dois. Robin é alguém que vem em auxílio de Batman, que o ajuda (you were always
my little monkey wrench - você sempre foi a minha melhor arma), mas ao mesmo
tempo não chega a superá-lo (you're lucky I'm always here to bail you out - você tem
sorte que eu estou perto para socorrer você...).
Essa relação de Robin como trunfo e também como alguém a ser protegido pelo
Batman, conforme ele aponta ao se referir a Dick, é reiterada no decorrer da história:
183
por duas vezes é Carrie quem salva Batman, durante o confronto com a polícia (figura
20); mas, também, é ele quem a impede de ser morta em uma explosão, ao entrar em
um prédio desobedecendo às ordens dele (Figura 22).
Figura 28
Nas palavras de Batman, Carrie é perfect. She's young. She's smart. She's brave. With
her, I might be able to end this mutant nonsense once and for all (perfeita. Ela é jovem.
Ela é esperta. Ela é corajosa. Com ela, talvez eu possa acabar com essa insanidade
mutante de uma vez por todas). Batman precisa de auxílio, de alguém que possa agir
próximo a ele, uma ajuda mais direta que aquela que tem de Gordon. Essa pessoa é
Carrie, que substitui Dick como a “melhor arma” de Batman.
O que Batman faz é dar a Carrie a preparação que ela precisa para poder realizar a
missão de combater a crise, porque as habilidades essenciais ela já possui (é esperta,
jovem e corajosa).
Existe uma confiança de Batman nas habilidades e capacidades de Robin (figura 20):
“Eu sabia que ela ia conseguir. Eu conseguiria, na sua idade”. Existe, também, por
parte de Batman, uma admiração em relação à menina.
Figura 29
Essas duas seqüências remetem à idéia de que Batman veria Robin como uma
sucessora em sua missão. Ao dizer que ele teria conseguido na idade dela, ele a
equipara a si próprio. Ela tem aquilo que ele não tem mais: a juventude. Ela ainda tem
décadas inteiras pela frente para continuar lutando contra o crime.
À exceção de Carrie Kelly, a Robin, a interação de Batman com as pessoas que ele
protege é mínima. Batman é apenas alguém que salvou as vítimas de serem
roubadas, espancadas, violentadas ou mortas, ao mesmo tempo em que castiga e
pune seus agressores.
(1)
Vítima 1: (mulher vítima de quase estupro): Wild animal. Growls.
Snarls. Werewolf. Surely. (Um animal selvagem. Ele rosna. Rosna. Um
lobisomem. Com certeza).
185
(2)
Vítima 2: (Michelle - menina atacada por Mutants I): Monster! Like
fangs and wings and it can fly. (Um monstro! Com presas e asas e
podia voar).
(3)
Vítima 3: (Carrie - atacada por Mutants II): Reality check, Michelle. Talk
about composure. Total lack of. He's a man -- about-- twelve feet tall.
(Se atenha à realidade, Michelle! Que exagero. Ele era um homem - de
cerca de - uns quatro metros de altura).
(4)
Vítima 4: (mulher espancada): This one. He'd been working the nerve
up for weeks before he was horny enough, no, horny he wasn’t. He was
just looking to hurt somebody and he's the kind who hurts women […]
He gave himself an excuse, so now he's giggling like he's turned on! I
figure he's serious enough to run after me […] The creep's pulling out
his weapon when there's this shriek. Straight out of hell there's this
shriek. It turns a growl -- flapping of wings -- big wings ---something wet
happens to the creep - a side of beef slams into the lamppost -- a
switchblade snars open. Bones start popping inside the creep. He's
screaming and begging what grabbed him is laughing and so am I.
(Tinha um fulano. Ele vinha me irritando fazia semanas antes de estar
excitado o bastante. Não, ele não era um tarado. Ele estava
procurando alguém para machucar e era do tipo que machuca
mulheres [...] Ele se deu uma desculpa e então começou a me
espancar e a rir feito doido! Eu sabia que ele era sério o bastante para
me matar. O esquisitão estava puxando sua arma quando houve esse
zunido. Um zunido que parecia estar vindo do inferno. E isso se tornou
um rosnado - o barulho de asas batendo, asas enormes - alguma coisa
aconteceu ao esquisitão - um golpe jogou-o contra o poste. O canivete
pulou para longe. Os ossos começaram a estalar dentro do esquisitão.
Ele estava gritando e implorando, mas aquilo que o tinha agarrado
gargalhava e eu também).
Repórter: And the man who assaulted you? (E o homem que atacou
você?).
A única ocasião em que Batman apela para o auxílio dos cidadãos de Gotham é
durante o blecaute. Apavorados, imersos em uma disputa por comida, vítimas e
agressores se confundem. Com a ajuda dos Sons of Batman e dos Mutants, eles
controlam o tumulto.
Essa proximidade entre Batman e as vítimas dos criminosos já havia sido apontada na
seqüência que precede ao retorno de Bruce como Batman (figura 1).
O primeiro embate do Batman com os criminosos dá-se quando ele ainda não
reassumiu a identidade e função de Batman. É aniversário de dez anos de sua
aposentadoria, e Bruce se encaminha para o Beco do Crime, local em que seus pais
foram mortos e a Batman nasceu. Bruce, divagando sobre aquela noite de quarenta
anos atrás, é cercado por dois criminosos. Armas (facas) na mão, seus rostos apenas
sombra e escuridão, indefinidos.
187
Figura 30
Essa indefinição das feições denota um mal sem rosto, uma ponte entre o passado e o
presente.
Ou seja, ainda existe o tipo de criminoso que ocasionou os eventos que levaram à
criação de Batman.
Batman não se importa em ferir aqueles que ele acredita serem realmente
merecedores desse tipo de punição física. Conforme na já apontada seqüência de seu
retorno, o taxista subornado apenas perdeu seu dinheiro. A violência usada por
Batman, portanto, não seria, dentro de sua perspectiva, gratuita. Ele é violento com
quem merece esse tipo de tratamento. Embora Batman tenha estabelecido uma linha
que não pretende cruzar (o assassinato), tampouco se lamenta se um criminoso
morre: leaving the world no poorer -- four men die (deixando o mundo um pouco mais
pobre, quatro homens morrem). É o que ele pensa sobre os comparsas de Two-Face
que morrem na explosão de um helicóptero, graças à bomba implantada pelo vilão.
Ainda sob essa ótica, percebe-se o tratamento mais humanitário que o Batman
reserva a Harvey Dent. O criminoso conhecido como Two-Face é um ex-promotor
público que se tornou obcecado pelo número dois após ter metade do rosto destruído,
fazendo-o crer que seu lado desfigurado revelou seu lado maligno e passou a cometer
crimes brilliantly pathological (brilhantemente patológicos), até ser detido pelo Batman
e internado durante doze anos no Asilo Arkham, instituição para criminosos insanos.
Figura 31
Aqui, como no caso do assassino do pai de Bruce, é possível ver remorso e sofrimento
em Harvey, em sua expressão de consternação quando diz: take a look (olhe para
mim). E também aqui há uma compreensão de Batman, expressa nessa fala: "eu vejo
um reflexo, Harvey, só um reflexo”, entremeada pela imagem do “morcego-animal”, a
representação do "demônio interno de Bruce".
Ao passo que agora chegamos na terceira parte da fala de Bruce ao se referir aos
Mutants na cena inicial do Beco do Crime: these are his children. A purer breed... and
this world is theirs. (Esses são suas crianças... Uma linhagem mais pura... e este
mundo é deles).
Os Mutants são essas crianças a quem Bruce se refere, identificáveis pelo tipo de
roupas que usam (figura 4). Seus crimes são considerados hediondos, pois não
respeitam nada, nem ninguém, matando até mesmo freiras (representantes de algo
sacro) e famílias inteiras por motivos banais (doze dólares). Seus atos beiram a
selvageria.
Líder Mutant: We will kill the old man Gordon. His women will weep for
him. We will chop him. We will grind him. We will bathe in his blood. I
myself will kill the fool Batman. I will rip the meat from his bones and
suck them dry. I will eat his heart and drag his body through the street.
Don't call us a gang. Don't call us criminals. We are the law. We are the
future. Gotham belongs to the Mutants. Soon the world will be ours.
(Vamos matar o velho Gordon. Suas mulheres vão chorar por ele.
Vamos mastigá-lo. Nós vamos triturá-lo. Vamos tomar banho no seu
sangue. Eu mesmo vou matar o idiota do Batman. Quero arrancar a
carne dos seus ossos e chupá-los até secarem. Eu vou comer seu
coração e arrastar seu corpo pelas ruas. Não nos chame de gangue.
Não nos chame de criminosos. Somos a lei. Somos o futuro. Gotham
pertence aos Mutants. Logo o mundo será nosso).
Figura 32 Figura 33
Uma vez afastada a ameaça dos Mutants, após a derrota de seu líder pelas mãos de
Batman (It all gets down to their leader. They worship him -Tudo está apoiado no líder
deles. Eles idolatram-no), a gangue se divide em várias facções, entre elas, os Sons of
Batman. E, no caso deles e de outros Mutants remanescentes, é Batman quem
também traz uma possibilidade de direcionamento e propósito fora do âmbito do crime.
Os Sons of Batman já haviam assumido o ideal de punir criminosos (figura 10), mas é
Batman quem ensina o que fazer, como fazer e qual seu verdadeiro propósito,
conforme visto no categoria 1 (figura 12).
A história traz uma discussão sobre a relação entre Batman e os criminosos que
combate: se a atuação do Batman não estaria propagando o crime, ao invés de contê-
lo.
192
Dr. Wolper: Fico feliz que tenha perguntado isso, Ted. É verdade que
Batman aterroriza pessoas economicamente deficitárias e socialmente
marginalizadas. Mas os efeitos de suas atitudes estão longe de serem
positivos. Tente visualizar a psique pública como uma vasta membrana
úmida; através da mídia, Batman desferiu um violento golpe nessa
membrana e ela se contraiu... Daí sua estatística ilusória (...) Cada ato
social possuía uma origem comum. A mídia irresponsável (...) da
mesma forma que Harvey Dent agora em lenta recuperação... assumiu
o papel de reverso ideológico do Batman, uma nova geração irá se
curvar ante a matriz do delírio patológico do homem-morcego! Batman
é, neste contexto, uma doença social.
Não há uma negação de que as atividades de Batman possam também gerar novos
atos criminosos, o que é ilustrado pelo retorno do Joker. A crítica está na tentativa
meramente psicologicizante de compreensão das causas da criminalidade, sem levar
em conta outros fatores, recaindo e reduzindo tudo a apenas uma única questão:
Batman.
Figura 35
Figura 36
Joker: Senhor, eu peço que rejeite a sugestão do Dr. Wolper [de deixar
o Joker participar de um programa de televisão]. Eu não mereço essa
caridade.... Meus crimes... são horríveis além de todas as palavras...
Eu estou além da redenção. Por favor -- apenas me encarcerem para
além da memória humana.
Joker não possui o mínimo apreço pela vida humana, matando em grande escala,
como fez com toda a platéia do programa de TV a que foi convidado a participar após
sua suposta regeneração, ou com as crianças da feira de amizade. E ainda com
outras crianças inocentes, como o grupo de escoteiros que ele mata com algodão
doce envenenado.
Figura 37
195
Existe, inclusive, um prazer por parte do Joker em realizar esses assassinatos, nunca
sendo o suficiente.
Joker: They could put me in a helicopter and fly me up into air and line
the bodies head to toe on the ground in delightful geometric patterns
like an endless June Taylor dancers routine -- and it would never be
enough. No I don't keep count. But you [Batman] do. And I love you for
it. (Eles poderiam me colocar em um helicóptero para sobrevoarmos
pelo ar, e alinharem todos os corpos no chão das cabeças aos pés,
dispostos em um adorável padrão geométrico como os dançarinos das
coreografias de June Taylor, nem assim não seria o bastante. Eu perdi
a conta. Mas você [Batman] não. E eu adoro você por isso).
Batman possui consciência dessa relação que o Joker estabeleceu com ele e se sente
culpado por isso: I'll add them to the list, Joker. The list of all the people I've murdered
by letting you live. (Vou pôr todos na lista, Joker. Na lista de pessoas que eu
assassinei por ter deixado você viver).
Comissário: Your client has been in and out of prison since he learned
to walk. Your client fled the scene of a felony and fired on policemen
with an illegal weapon. […] (Seu cliente entra e sai da cadeia desde
que aprendeu a andar. Seu cliente fugiu da cena de um crime e baleou
um policial com arma ilegal). [...]
Assim, a mesma lei que serve para proteger os inocentes também pode beneficiar os
criminosos.
Batman: You've got rights. Lot of rights. Sometimes I count them just to
make myself feel crazy. (Você tem direitos. Um monte de direitos. Às
vezes eu contava todos só para ficar furioso).
A fala de Batman revela sua insatisfação com o modo como a lei formal age
protegendo e garantindo direitos a esses criminosos. Direitos que levariam
indiretamente à perpetuação do crime ("seu cliente entra e sai da cadeia desde que
usa aprendeu a andar"), conforme Gordon aponta. A questão levantada é até que
ponto a lei serve a quem merece ser protegido.
que, na prática, nem sempre isso é o suficiente, e que, às vezes, outros recursos são
necessários. No caso específico, a ajuda de Batman.
Existiria uma distinção entre a prática e a teoria. Em teoria, o combate ao crime está
atrelado ao cumprimento da lei; na prática, em determinados casos, nem sempre isso
seria o suficiente.
(1)
Batman, pensamentos em recordatário: We could have changed the
world... now... look at us. I've become a political liability and you, you're
a joke. (Poderíamos ter mudado o mundo, agora... olhe só para nós...
eu me tornei um risco político e você, uma piada).
(2)
Superman, pensamentos sobre o Batman: "Sure we're criminals",
you said. "We've always been criminals. We have to be criminals" [em
inquérito promovido pelo governo antes do vigilantismo tornar-se ilegal]
("Claro que somos criminosos", você disse, "Nós sempre fomos
criminosos. Nós temos que ser".)
Assim, para Batman, o propósito deles era transformar o mundo em um lugar onde
pessoas como os seus pais não mais morreriam sem razão alguma; porém, para que
pudessem fazer isso, eles teriam que ser criminosos, porém no sentido de atuarem à
margem da lei, sem servir a um governo específico, para terem a liberdade de agir da
forma que melhor lhes conviesse.
199
Publicada em 1988, a trama mostra o segundo Robin, Jason Todd, cada vez mais
descuidado e rebelde após saber que seu pai, um criminoso, fora assassinado por seu
chefe, o criminoso Two-Face (Duas Caras); em face disso, Jason foge de casa em
busca de sua verdadeira mãe. Ele descobre três possíveis candidatas: Sarmin Rose,
uma espiã israelense, Shiva Woosan, uma mercenária, e a Dra. Sheila Haywood, uma
médica que trabalha em um campo de refugiados etíopes.
Em um segundo momento, ao ficarmos sabendo que o Joker fugiu mais uma vez do
Asilo Arkham, o comissário chama Batman em seu auxílio para capturar o Joker.
Assim, Batman começa a investigar a fuga do Joker para trazê-lo de volta ao Arkham.
A situação é grave (The mind boggles at the possible uses he'd put it to - Minha mente
fica alucinada ante os possíveis usos que ele pode dar a isso). E Batman decide ir
atrás do Joker para impedir que o louco (madman) venda as armas aos terroristas.
Para cumprir esse propósito, ele entra em combate com ambas as partes: Joker e
seus aliados, e os terroristas libaneses.
Figura 1
201
Figura 2
Joker: Claro, Jamal. Aqui está, amigo. Bastante ansioso para atirar seu
novo brinquedo em Tel Aviv, não?
Desse modo, sabendo-se que o propósito dos xiitas é lançar o míssil sobre Tel Aviv,
ao lutar com estes Batman também está prevenindo o ferimento e a morte de
centenas e, talvez, milhares de pessoas da cidade israelense, protegendo-as. Esse
caráter de proteção em relação ao possível atentado à vida de pessoas se repete em
outros momentos da história. Quando Robin (Jason) descobre que a mulher que ele
achava ser sua mãe na verdade é sua madrasta, ele passa a investigar o paradeiro de
sua verdadeira progenitora. Uma das três candidatas é Shiva Woosan, que está no
Líbano, para onde Batman também se dirigiu atrás do Joker. Contudo, a mulher foi
seqüestrada.
Atendente do hotel: Miss Woosan was standing right here! All sudden
this car pulled up! Four men with machine guns jumped out. They
kidnapped Miss Woosan. Unfortunately, such things are uncommon in
Beirut. (A senhorita Woosan estava parada bem aqui! De repente
apareceu um carro! Quatro homens armados saíram dele. Eles
seqüestraram Miss Woosan. Infelizmente esse tipo de coisa é comum em
Beirute).
Bruce (Batman): Steady, Jason. We'll find her. In fact, I know just where
to look. (Calma, Jason! Nós vamos achá-la. Na verdade, eu sei até onde
procurar).
Assim sendo, Batman sai em resgate a alguém que precisa de sua ajuda: a mulher
seqüestrada, provável mãe de Jason. Enquanto procuram a mulher no acampamento
dos terroristas xiitas, eles se deparam com um grande arsenal de explosivos.
202
Figura 3
Figura 4
Continuando sua busca pela mãe de Robin, eles acabam em um campo de combate à
fome na Etiópia.
204
Figura 5
Os parâmetros de Bruce Wayne sobre a situação dos famintos que ele vê ali dizem
dos limites da função do Batman. O trabalho de Batman se relaciona à contenção do
crime; diante do sofrimento dos famintos ele não sabe como agir, não há o que ele
possa fazer a não ser: “enviar outro cheque e tentar esquecer o que vi aqui”. Ele
próprio assume que "há tanto que nem mesmo Bruce Wayne -- e o Batman -- podem
fazer". Embora a expressão no rosto de Bruce denote que ele se apieda do sofrimento
daquelas pessoas, aquele problema não é de sua alçada.
Enquanto estão na Etiópia, Tim descobre que o Joker também está lá, e que trocou
um carregamento de remédios pelo seu letal gás do riso.
Robin: The Joker's trunk [com remédios roubados] had covered cargo
areas! These trunks are open flatbeds! They've got to be the famine
relief workers taking a load of supplies to a refugee outpost. (O
caminhão do Joker tinha a carroceria coberta! Estes caminhões são
descobertos! Eles devem ser de trabalhadores de combate à fome
levando suprimentos a um posto externo de refugiados).
Batman: We've got to warn them about the deadly cargo they carrying
[…] Stay here and keep an eye on that warehouse [onde o Joker está]
until I return. (Nós temos que avisá-los sobre a carga mortal que
carregam. Fique aqui e mantenha um olho no depósito até eu voltar).
Batman parte imediatamente para impedir o comboio que contém o veneno, pedindo
que Robin (Jason) fique de tocaia vigiando o armazém onde o Joker está. Apesar de
saber a localização do vilão, Batman opta por primeiro impedir que o gás do riso
chegue a seu destino e mate todos aqueles que acreditavam estar recebendo
medicamentos. Impedir o potencial assassinato em massa é mais importante e
urgente que prender o responsável pelo incidente.
Mais uma vez surge a questão da preocupação com a segurança de outras pessoas.
A função de Batman de assegurar e garantir o bem-estar de alguém (ver se Jason
está bem) acaba se sobressaindo sobre a função de caçar o criminoso (ir atrás do
lunático).
Figura 6
Shiva: When last we met, I was not able to put your prowess to a
proper test. A chance to test one's skills against talents is indeed rare. I
can't let an opportunity as golden as this pass by. (Quando nos
encontramos da última vez, eu não fui capaz de submeter suas
habilidades a um teste apropriado. Uma chance de testar minhas
habilidades contra um talento é verdadeiramente rara. Eu não posso
deixar uma oportunidade de ouro como essa se perder).
206
Essa capacidade física é também compartilhada por Robin. Na figura abaixo, Robin é
mostrado saltando sobre os criminosos.
Figura 7
Contudo, essas habilidades não são o mais importante. Apesar de Robin possuir
capacidades para derrotar os inimigos, ele precisa saber como e quando usá-las.
207
Figura 8
Mesmo eles, combatentes do crime, precisam seguir certas regras; é preciso ter
paciência e cuidado em seus procedimentos para não se arriscar
desnecessariamente. A person's got to have his head screwed on right for this line of
work. (Uma pessoa tem que ter sua cabeça no lugar certo para esse tipo de trabalho),
diz Bruce para Jason, em outro momento da história.
Essa necessidade de ter cuidado é ressaltada nas duas seqüências em que Batman e
Robin enfrentam os libaneses, primeiro para impedir que o Joker vendesse o míssil, e
depois para resgatar Shiva Woosan de um acampamento de terroristas xiitas, antes de
saberem que ela era instrutora deles.
208
Figura 9
Figura 10
209
Saber falar a língua dos terroristas denota também certa preparação intelectual, uma
aprendizagem daquilo que pode ser útil. Aprendizagem e preparação também no
âmbito das habilidades físicas, conforme se pode ver no quadro que mostra Bruce
(Batman) treinando Jason. Essa preparação é prévia e necessária antes de se entrar
numa missão.
210
Figura 12
Assim, quando Robin descobre que sua mãe verdadeira está viva e foge de casa para
procurá-la, Batman se vê diante de um impasse, pois o Joker viajou para o Líbano
com um míssil nuclear.
Batman não nega suas emoções, é doloroso tomar aquela decisão; mas, avaliando a
situação com a cabeça fria que esse trabalho exige, pensando racionalmente, um
menor fugitivo, ainda que próximo a ele, é menos importante que um louco com uma
arma nuclear ameaçando diversas vidas.
O único momento em que Batman se deixa levar pela emoção é após a morte de
Jason Todd. Batman decide ir atrás do Joker, apesar de este estar protegido pela
imunidade diplomática. Mesmo Batman tentando pautar suas atitudes racionalmente,
existe um limite neste posicionamento.
Outro aspecto que emerge em Batman é sua preocupação em agir baseado em pistas
e evidências, de modo a não tomar decisões equivocadas.
Dra. Sheila: But what's Batman going to do when he finds out what
you've done to his little friend? (Mas, o que Batman vai fazer quando
descobrir o que você fez com seu amiguinho?)
Joker: Hadn't thought of that. He's a vengeful one, that Batman. This
could get a bit sticky; maybe it would be best if I didn’t leave behind
any evidence of my presence. What Batman doesn't know can't hurt
me. Too bad you had to witness this little display of my temper. (Não
tinha pensado nisso. Ele é muito vingativo, aquele Batman. Isso pode
trazer problemas. Talvez seja melhor eu não deixar nenhuma
evidência de minha presença. O que Batman não sabe não pode me
ferir. Pena que você testemunhou essa pequena exposição de meu
temperamento, Sheila).
Joker: Perhaps the authorities will figure their deaths were caused by
something disagreeable that that ate... Doesn't matter. There won't be
any direct evidence connecting me to the bird boy’s death. That's
one of the most fascinating aspects of the Batman. The righteous
boob insists on solid evidence before going on. (Talvez as
autoridades achem que suas mortes foram causadas por algo
desagradável que eles comeram. Não importa. Não vai existir
nenhuma evidência direta ligando-me à morte do menino-pássaro.
Esse é um dos aspectos mais fascinantes do Batman. O bolha certinho
insiste em evidência sólida antes de agir).
Como o Joker ressalta, após espancar Robin quase até a morte, Batman ficará
perturbado ao ver seu parceiro morto, e, certamente, irá atrás de quem fez aquilo a
Robin. Contudo, fará isso apenas se tiver “evidências sólidas” de quem foi o
responsável pelo crime. A presença do Joker na região seria um indício dele como
suspeito, mas não seria uma prova definitiva de sua responsabilidade pela morte de
Robin. Para agir contra o Joker no que dissesse respeito especificamente a Robin, ele
precisaria da evidência, o que implica numa racionalização dos atos do Batman,
mesmo quando é pessoalmente atingido.
212
Batman: I'm giving you one last chance. Return to Arkham Asylum
and turn yourself in. (Estou dando uma última chance. Volte para o
Asilo Arkham e se entregue).
Joker: And if I don't? What are you going to do about it… let your
assistant handle it!? (E se não voltar? O que pretende fazer? Deixar
seu ajudante cuidar disso?)
Joker: I'd loved to have seen your face when you found what was left of
the brat! Set you off the deep end, did it? You see, even a madman can
add 2 plus 2... (Eu teria amado ver sua cara quando você encontrou o
que restou do fedelho. Foi deprimente, não? Sabe, até um louco
consegue somar dois mais dois...)
Joker: Or maybe you're glad to be rid off the little darling? (Ou talvez
você esteja feliz por ter se livrado do pequenino?)
(...)
Batman: I'll be seeing you around. By the way, thanks. (Eu estarei de
olho em você. A propósito, obrigado).
Figura 13
Ao viajar para o Líbano atrás do fugitivo, Batman trabalha lado a lado com agentes da
CIA, a Central de Inteligência Norte-Americana, para recuperar um avião cargueiro
roubado pelo Joker para transportar o míssil nuclear.
Batman se refere ao agente da CIA como amigo, indicando uma proximidade entre
eles. O trato feito indica uma troca de favores em benefício mútuo. Batman ataca os
terroristas abrindo caminho para os agentes da CIA, enquanto ganha a possibilidade
de verificar se o autor do roubo é o Joker.
A relação de cooperação muda a partir do momento em que Jason Todd morre nas
mãos do Joker.
Bruce: The cops continue their search for the cause of this tragedy.
Evidence I've already removed from scene. Let them write it off as an
accident. There's no reason for them to be involved. This is a personal
matter. It's something the Joker and I should have settled between us a
214
long time ago. (Os guardas continuam sua busca pela causa dessa
tragédia. Evidência que eu já retirei da cena do crime. Deixe que eles
relatem isso como um acidente. Não há razão para envolvê-los. Isso é
um assunto pessoal. Algo que eu e o Joker deveríamos ter resolvido
muito tempo atrás).
Quando Batman toma o assunto como algo pessoal ele rompe com essa colaboração,
inclusive prejudicando as investigações da polícia (The cops continue their search for
the cause of this tragedy. Evidence I've already removed from scene - Os guardas
continuam sua busca pela causa dessa tragédia. Evidência que eu já retirei da cena
do crime).
Ralph Bundy (agente da CIA): It's like this, Batman. You take out the
Joker and it's going to cause a major international incident. The State
Department's currently in the middle of some very delicate negotiations
with Iran. (É isso, Batman. Você ataca o Joker e cria um imenso
incidente internacional. O Departamento de Estado está atualmente em
negociações delicadas com o Irã).
Batman: Another arms for hostage deal? (Outra troca de reféns por
armas?)
Ralph Bundy: That's none of your business. Guys like us should just
do our jobs and let the "big shots" do theirs. They know what's doing
when they say hands off Iran's new U.N. ambassador. (Não é de sua
conta. Caras como nós devem apenas fazer nossos trabalhos e deixar
os "grandões" fazerem os deles. Eles sabem o que estão fazendo
quando dizem para não tocar no embaixador do Irã, entendeu?)
É interessante apontar que o mesmo agente da CIA a quem Batman se referiu como
amigo e que proporcionou ao herói vistoriar o avião do Joker é quem agora o inibe de
ir atrás do criminoso, em uma atitude contrária à anteriormente mostrada, chegando
até mesmo a ser ríspido com Batman (That's none of your business - não é da sua
conta).
Ralph Bundy: The president has asked this gentleman to keep you in
line. You misbehave, he'll slap you down. (O presidente pediu para
esse cavalheiro te manter na linha. Se não se comportar, ele vai te
botar nos eixos).
215
O próprio presidente, a autoridade maior do país, apontou Superman para tomar conta
de Batman. Esse sentido de Superman apontado como um guarda para vigiar o outro
herói já surge na primeira imagem da conversa entre Batman e o agente da CIA. A
imagem do Superman aparece de pé, logo atrás de Batman, na semipenumbra,
braços cruzados sobre o peito, como a vigiar a conversa que se desenrola; mais
especificamente, por estar atrás dele, sua atenção parece ser para o Batman.
Figura 14
Superman: I read on the telex about your ward, Jason Todd, being
killed in an ethiopian warehouse fire. Was he Robin? (Eu li no telex que
seu protegido, Jason Todd, foi morto em um incêndio de um depósito
na Etiópia. Ele era o Robin?)
Superman: I'm sorry to hear that. He seemed like a really nice kid (Eu
sinto ouvir isso. Ele parecia ser um garoto muito bom).
O conflito está calcado no desejo de Batman em vingar a morte de Jason nas mãos do
Joker em relação aos "interesses de seu país", nas complicações que poderiam
resultar para a nação caso Batman decidisse atacar o Joker, agora intocável perante a
lei.
Superman: You can't put your thirst for revenge above your country's
best interests. (Você não pode colocar a sua sede de vingança acima
dos interesses de seu país).
216
Figura 15
Joker: Superbobo! Não é justo! Você não pode se meter nos meus
negócios. Não é justo! Não é justo! Não é justo!
Figura 16
Robin: Aquilo que fui treinado para fazer: chutar alguns traseiros.
218
Figura 17
Robin é mostrado como alguém impaciente, indisciplinado, que não consegue seguir
as ordens de Batman ("eu não falei para esperar?"), tampouco preocupado com o
próprio bem-estar ("você foi quase morto" - pergunta Batman, "os quase não contam",
retruca Robin) ou com a seriedade do trabalho que estão fazendo ("a vida é um jogo").
Robin deixa-se levar pelo lado emocional de modo bastante forte. A sua tragédia
pessoal - a morte de seus pais - e o modo como isso influi nele acabam interferindo no
seu modo de agir.
Batman: The kid's losing it. He dived into those thugs like someone
looking to die. In other words, I may have started Jason as Robin before
he had a chance to come grips with his parent's death. (O garoto está
se perdendo. Ele mergulhou na frente dos bandidos como se quisesse
morrer. Em outras palavras, eu talvez tenha iniciado Jason como Robin
antes de ele ter a chance de se conformar com a morte dos pais).
(...)
Batman: Then I must try to rectify the situation. Jason's going off active
duty immediately. (Então eu preciso retificar a situação. Jason vai sair
da ativa imediatamente).
220
Figura 18
Bruce tenta proteger o menino, ajudá-lo a lidar com esses sentimentos conflituosos.
Por um lado, porque isso está afetando o trabalho de Robin; por outro, porque existe
entre eles uma relação de proximidade que vai além do trabalho como combatente do
crime. Uma relação que demanda preocupação: a expressão preocupada de Bruce, o
modo como ele coloca protetoramente as mãos sobre o ombro de Jason (figura 18 e
figura 19), mesmo seus pensamentos em relação ao menino (I try to keep my temper
in check. I remind myself Jason's just a kid - Tento manter a calma. Eu lembro a mim
mesmo que Jason é apenas uma criança), todas essas cenas constroem e indicam
essa proximidade entre eles. Mas, ao mesmo tempo em que isso pontua a relação dos
dois, simultaneamente reforça o caráter rebelde de Robin: apesar de Bruce tentar
conversar com ele, Jason prefere não aceitar a ajuda que lhe é oferecida.
O menino não é capaz, como Batman, de sobrepor o lado racional ao emocional, não
consegue ter a "cabeça no lugar certo". Ele também coloca suas questões pessoais
como prioridade: quando descobre que sua mãe verdadeira ainda está viva, ele sai em
busca das prováveis candidatas. Uma delas é Sharmin Rose, espiã de Israel. Para
descobrir a localização dela, ele invade uma instalação de segurança nacional daquele
país.
Bruce: The nuclear threat fad to be dealt with first. You understand,
don’t you? (A ameaça nuclear tinha que ser resolvida primeiro. Você
entende, não?)
Batman: Stay here and keep an eye on that warehouse [onde o Joker
está] until I return. Take no action until I get back! I repeat: no action!
Just for once, please listen to me, Jason! Don't tangle with the mad one
alone! Wait for me to get back, please! The madman's just too
dangerous for you to handle. Do you read me? (Fique aqui e mantenha
um olho no depósito até eu voltar. Não entre em ação até eu voltar. Eu
repito: não entre em ação. Pelo menos uma vez me escute, Jason! Não
enfrente aquele louco sozinho! Por favor, me espere voltar! O louco é
perigoso demais para você enfrentar. Entendeu?).
Jason: Loud and clear! Just hurry back! (Alto e claro. Apenas volte
logo).
Mesmo com o pedido enfático de Batman (pelo menos uma vez me obedeça), mesmo
sendo avisado que o Joker era perigoso demais, Robin mente para Batman, o
desobedece novamente e morre pelas mãos do Joker em decorrência de sua rebeldia.
As vítimas são apenas mencionadas; portanto, não foi observado nenhum aspecto na
história relativo essa relação.
para obter informações é procurar os criminosos e espancá-los até que eles lhe digam
exatamente o que o herói precisa saber.
Figura 19
Figura 20
Figura 21
Embora a maioria dos criminosos seja tratada de forma rígida e até violenta pelo
Batman, uma exceção se destaca: Jason Todd. Quando Batman o conheceu, ele
estava roubando os pneus do Batmóvel.
226
Figura 22
Figura 23
Figura 24
Gordon: Por anos eu venho falando para o Asilo Arkham reforçar sua
segurança. É adequada para seus psicopatas tradicionais, mas para
alguém como o Joker... bem... Aparentemente, o Joker foi capaz de
acessar ao depósito do zelador. Nunca ocorreu a ninguém que ele
fosse capaz de criar uma versão do gás do riso misturando apenas
produtos comuns de limpeza. Ele saiu daqui tranqüilamente pela porta
da frente e deixou oito mortos em sua fuga.
Figura 25
Comissário Gordon: I've put out an APB on the Joker and have
alerted the Justice League and the Titans [grupo de super-heróis]. [...] I
doubt he'll remain on the loose very long this time not even with every
law enforcement agency in country making him their number one
priority. (Lancei um boletim de alerta público e mandei um alerta para a
Liga da Justiça e os Titãs. (...) Duvido que ele fique muito tempo à
solta, não com todas agências de execução da lei no país fazendo dele
sua prioridade número um).
229
Joker é uma ameaça tão grande, sua liberdade é algo tão preocupante que toda a
polícia, os principais heróis do mundo (a Liga da Justiça e os Titãs) e as principais
agências de segurança do país estão em seu encalço.
Ele também é apontando como alguém amoral e inescrupuloso, que não sente
remorsos por seus atos e tampouco compreende por que estes são vistos como
hediondos pelas demais pessoas. Ele chega a ser irônico e sarcástico ao mencionar
suas vítimas.
Rupert (capanga do Joker): They was pretty ticked off at what ya did
to Gordon's daughter, boss. (Eles estão bastante ferrados com o que
você fez com a filha do Gordon, chefe).
Joker: That's awfully petty of them. The woman only got what she
obviously asking for. (Isso é terrivelmente trivial da parte deles. A
mulher só teve o que ela obviamente estava pedindo).
Capanga: But boss, ya left her a cripple! (Mas, chefe, você deixou a
moça aleijada!)
Joker: Well, remind me to send her a handful of pencils and a tin cup.
(Bem, lembre-me de enviar para ela um punhado de lápis e uma
caneca).
Essa atitude de descaso pelas pessoas é vista em outros pontos da história, como
quando o Joker faz chantagem com a Dra. Sheila Haywood, mãe de Robin, forçando-a
lhe dar os remédios destinados aos famintos da Etiópia.
230
Figura 26
Joker: Não, contém uma mistura de meu letal meu gás do riso!
Imagine a surpresa quando um de seus trabalhadores sociais de
coração-mole abrir uma dessas caixas. Cada caixa contém gás
suficiente para cobrir uma área de quatro acres. Apenas considere
isso como minha contribuição para a guerra contra a fome. Não fique
triste, Sheila. Estou fazendo a você um favor. Pense nisso como um
modo de diminuir o número de bocas que você tem para alimentar. O
Joker sempre gosta de deixar sua marca aonde ele vai.
Se não bastasse roubar os remédios, ele decide também substituí-los pelo letal gás do
riso, propositalmente transformando roubo em assassinato. A imagem do Joker com
os olhos recobertos por sombras reforça seu aspecto maligno e a desumanidade de
seus atos, especialmente quando associada à fala da médica (seu monstro).
231
Figura 27
Figura 27
Ou quando ele está se preparando para o seu discurso na ONU, já como embaixador:
Batman: The man's hopelessly insane. How can I hold him responsible
even for what happened to Jason? (O homem é insano além de
qualquer esperança. Será mesmo que posso responsabilizá-lo pelo
aconteceu a Jason?)
Ainda assim, para Batman, o Joker, ao matar Robin, ultrapassou um limite, a ponto de
fazer com que o mesmo herói que colocou um bando de terroristas em valas para
assegurar que eles não fossem mortos em uma explosão cogite tomar uma atitude
mais drástica.
(1)
Batman: Looks like this is it. The final showdown between the Joker
and myself. Guess I always knew it would someday come to this. One
of us is going to die. But is that really I want to see happen? (Parece
que é isso. A batalha final entre mim e o Joker. Acho que eu sempre
soube que aconteceria um dia. Um de nós vai morrer. Mas é isso que
eu realmente quero ver acontecer?)
(2)
Batman: I've lost track of how many he's murders over the years. But it
all ends tonight. No more killings. No more Joker. […] I should have
terminated his vile existence years ago. But I didn't. I couldn't. His
insanity gained a stay of execution. But no longer. He's become too
dangerous, his crime too heinous. Jason's dead. (Perdi a conta de
quantos foram os ele matou ao longo dos anos. Mas tudo acabará hoje
à noite. Sem mais assassinatos. Sem mais Joker. [...] Devia ter
acabado com sua vil existência anos atrás. Mas eu não fiz. Não
consegui. Sua insanidade ganhou um status de execução. Mas não
mais. Ele ficou perigoso demais, seus crimes hediondos demais. Jason
está morto.).
Batman sente-se responsável pelos crimes do Joker, tanto por Jason quanto pelas
demais vítimas:
233
(1)
Batman - pensamentos em recordatário: […] I should have
terminated his vile existence years ago. But I didn't. I couldn't. ([...]
Devia ter acabado com sua vil existência anos atrás. Mas eu não fiz.
Não consegui).
(2)
Batman - pensamentos em recordatário: I'm already regretting
leaving Jason behind. Something deep inside me is screaming that was
the wrong move. I should have had him come after the convoy [ao invés
de ter ficado para trás, vigiando o Joker].(Eu já estou arrependido de
ter deixado Jason para trás. Algo dentro de mim grita que isso foi uma
decisão errada. Eu deveria ter feito ele vir atrás do comboio [ao invés
de ter ficado para trás, vigiando o Joker]).
(3)
Batman - pensamentos em recordatário, pouco antes de encontrar
o corpo de Robin: I guess the truth is that I was lonely… Didn't want to
go it alone. So what do I do? I bring a young innocent into this mad
game... I must be insane. (A verdade é que eu estava sozinho. Não
queria continuar sozinho. Então, o que eu fiz? Eu trouxe um inocente
para esse jogo louco... Eu devo ser insano).
(4)
Batman - pensamentos em recordatário: I manage to avoid the
deadly fusillade. The delegate behind me is not so lucky. Another
innocent sacrifice to the Joker's mania. Wherever he goes... death...
another hopeless victim to haunt my sleep. Let there be an end to it. No
more! Running will do you no good, Joker! I will be right behind you! No
escape! You killed Jason... Jason... Jason... Jason... Jason... (Consigo
evitar o fuzilamento mortal. O delegado atrás de mim não é tão sortudo.
Outro inocente morto pela loucura do Joker. Por onde ele passa há...
mortes. Mais uma miserável vítima para assombrar meus sonhos. Deve
haver um fim para isso. Nunca mais! Correr não adianta, Joker! Eu vou
estar bem atrás de você. Você matou Jason... Jason... Jason... Jason...
Jason...)
Outro inimigo presente nesta história são os terroristas. Primeiro os xiitas libaneses,
depois os iranianos. Em ambos os momentos em que são introduzidos na história, são
apresentados em relação ao Joker. Os libaneses surgem negociando a compra do
míssil cruiser nas mãos dele, enquanto no caso dos iranianos, o próprio Aiatolá
Khomeini, chefe de estado do Irã na época, requisita os serviços do Joker.
234
Figura 28
Figura 29
Figura 30
Joker: It's a great honor for me to be here tonight. I'm proud to speak
for the great Islamic republic of Iran. That country's current leaders and
I have a lot in common. Insanity and a great love of fish. But
unfortunately, we also share a mutual problem. We get no respect.
Everyone thinks of Iran as the home of terrorist zealot! They say even
worse things about me, would you believe? We've both suffered
unkind abuse and belittlement! Well, we aren't going to take it anymore!
In fact, you aren't going to be able to kick anyone around ever again!
Say Good-night, Gracie! (É uma grande honra para mim estar aqui
esta noite. Sinto orgulho de falar pela República Islâmica do Irã. Os
atuais líderes desse país e eu temos muito em comum. Loucura e
grande paixão por peixes. Mas, infelizmente, nós também
compartilhamos do mesmo problema. Não somos respeitados. Todos
acha que o Irã é o lar do terrorismo fanático. Eles dizem coisas ainda
piores de mim, acreditam? Nós dois já sofremos brutais abusos
demais. Bem, não vamos mais tolerar isso! De fato, vocês não mais
serão capazes de menosprezar alguém novamente! Digam boa-noite,
Gracie!)
Figura 31
Assim, ao dizer que ele, Khomeini e os demais líderes do Irã possuem muito em
comum, especialmente a loucura, coloca-os todos em um mesmo patamar. Khomeini e
os demais iranianos seriam maníacos homicidas tão hediondos quanto o Joker.
A afirmação é jogada como uma provocação para quem está lendo a história, já que
não é dada uma resposta porque Batman e Robin estão "ocupados demais para
aprender". Contudo, da mesma forma que Batman e Robin são alvos dos dois grupos
de bandidos em conjunto, eles os enfrentam indistintamente. Os criminosos são
mostrados em semelhança de atitudes apesar das nacionalidades distintas, evocando
a idéia que são muito mais iguais entre si do que a princípio se poderia negar.
Na história em questão esses três temas são abordados, tentando-se pontuar uma
diferenciação entre eles.
A lei nem sempre coincide com a justiça. No caso de Lady Shiva, apesar de ser
comprovado que ela está treinando terroristas, Batman não pode prendê-la nem ao
menos entregá-la às autoridades.
Shiva: But you are planning on leaving me bound up like this? (Mas
você planeja me deixar amarrada assim?).
Batman: With your abilities, you'll have yourself free and be on your
way back to civilization within one hour. (Com suas habilidades, você
vai se libertar e chegar à civilização dentro de uma hora).
Como Batman não possui meios de entregar Lady Shiva à lei, já que, da perspectiva
jurídica daquele país, o que ela faz é legal, assim ele, por conta própria e por não
concordar com as suas atividades, acaba por dar-lhe uma espécie de punição. Ao
invés de levá-la consigo, a deixa amarrada no deserto. Batman conhece as
habilidades de Lady Shiva, sabe que ela irá sobreviver. Enfim, ele pode não ter meios
de encarcerá-la e impedir que ela continue treinando terroristas, mas não se vê na
obrigação de ajudá-la a voltar para a civilização.
Contudo, o delineamento maior entre lei e justiça dá-se após a morte de Robin.
Quando o Joker é nomeado embaixador do Irã e ganha imunidade diplomática, o que,
segundo informa o Superman, also covers any violations of the law he might have
committed before being appointed to the post (também cobre qualquer violação de lei
que ele possa ter cometido antes de ter sido indicado para o cargo), inclusive a morte
de Robin, Batman questiona: This is law, not justice. (Isso é lei, não é justiça).
238
(1)
Ralph Bundy: We’ve got no hard evidence to prove that. Until we do,
the Joker has to be treated like any other delegate. (Nós não temos
nenhuma evidência concreta que prove isso. Até que tenhamos, o
Joker deve ser tratado como qualquer outro delegado).
(2)
Haveria, assim, uma contradição na lei. A mesma lei que deveria proteger aquelas
pessoas que a ela servem - os delegados da ONU - acaba por colocá-las em perigo ao
se empenharem em executá-la.
Contudo, a discussão aqui é um pouco mais complexa. Se por um lado é sabido que o
Joker é um criminoso perigoso, por outro, ameaçá-lo sem provas naquele momento
poderia levar a um incidente internacional que viria a prejudicar muito mais pessoas
que aqueles delegados, com um índice de mortes possivelmente superior ao das
vítimas do Joker caso uma guerra fosse deflagrada.
(1)
Ralph Bundy (agente da CIA) para o Batman: It's like this, Batman.
You take out the Joker and it's going to cause a major international
incident. The State Department's currently in the middle of some very
delicate negotiations with Iran. (É isso, Batman. Você ataca o Joker e
cria um imenso incidente internacional. O Departamento de Estado
está atualmente em negociações delicadas com o Irã).
(2)
239
Assim, as limitações entre justiça e lei não são completamente claras. Se, por um lado,
seria justo punir o Joker pelos assassinados por ele cometidos e também prevenir a
morte dos delgados da ONU, por outro lado a lei é usada aqui para também tentar
salvaguardar as pessoas de uma possível guerra, o que, de certo modo, não deixa de
ser justiça. Contudo, caso qualquer ameaça ao Joker não levasse a um incidente
internacional, a lei que o protege iria desfavorecer a todas as vítimas comprovadas de
seus atos assassinos, sendo, portando, injusta.
A história não nega que um envolvimento emocional e um fato pessoal não possam
ser motivadores para se lutar contra o crime e levar um criminoso à lei. Quando o
Joker foge, o fato de ele ter recentemente baleado a filha do comissário seria um
estímulo a mais para os heróis, especialmente para Batman, se empenharem em
capturá-lo.
Comissário Gordon: I've put out an APB on the Joker and have
alerted the Justice League and the Titans [grupo de super-heróis].
(Lancei um boletim de alerta público, e mandei um alerta para a Liga da
Justiça e para os Titãs).
O mesmo acontece quando Jason descobre que seu pai foi assassinado pelo
criminoso Two-Face, e ele e Batman decidem investir contra a quadrilha do mesmo:
240
Figura 32
Figura 33
Ainda há uma última tentativa do Batman de se ater ao seu lado racional. (Não seria
melhor deixar Superman cuidar disso? Assim você não faria nada de que se
arrependesse pelo resto de sua vida). As mãos na cabeça reforçam idéia de conflito
interno; ele é mostrado olhando para o uniforme, denotando dúvida. O olhar raivoso,
punho erguido, junto com o pensamento (ele matou Jason), associado ao quadro
seguinte que mostra a roupa de Bruce no lugar onde antes estava o uniforme, denota
que a emoção prevaleceu, e ele decidiu ir atrás do Joker.
Quando Robin é morto, ele deixa claro que aquilo é "pessoal" e não teria motivos para
envolver a polícia. Ele chega, inclusive, a prejudicar as investigações oficiais,
removendo evidências do local do crime.
Bruce: The cops continue their search for the cause of this tragedy.
Evidence I've already removed from scene. Let them write it off as an
accident. There's no reason for them to be involved. This is a personal
matter. It's something the Joker and I should have settled between us a
long time ago. (Os guardas continuam sua busca pela causa dessa
tragédia. Evidência que eu já retirei da cena do crime. Deixe que eles
relatem isso como um acidente. Não há razão para envolvê-los. Isso é
um assunto pessoal. Algo que eu e o Joker deveríamos ter resolvido há
muito tempo).
Superman: You can't put your thirst for vengeance above your
country's best interests. (Você não pode colocar sua sede de vingança
acima dos melhores interesses do país)
O terceiro aspecto da vingança em relação à lei e à justiça é que nela haveria uma
atitude por parte do executor que ultrapassaria um limite socialmente instituído, que
seria a de tomar para si a punição do criminoso, sob o aspecto de pena capital.
Figura 34
243
Se, por um lado, nem sempre a lei coincide com a justiça, conforme no caso do Joker,
parece existir, aqui, uma aproximação maior entre as duas do que entre elas e a
vingança (o querer sangue), uma vez que a vingança seria algo além da justiça (Jason
wanted more than justice - Jason quisesse mais do que justiça). Mas, para que a
justiça fosse feita, o criminoso foi entregue à lei (he let Two-Face's punishment be
determined by the law - ele deixou que a punição de Two-Face fosse determinada pela
lei).
244
Publicada entre 1989 e 1990, a história passa-se alguns meses depois da morte do
segundo Robin, Jason Todd, pelas mãos do Joker (Coringa). Batman continua seu
combate ao crime, porém mais selvagem e descuidado, a ponto de necessitar de
constantes cuidados médicos vindos de Alfred, seu mordomo. Um garoto, Timothy
Drake, que ainda criança descobriu a identidade de Batman e de Robin, procura Dick
Grayson, o primeiro Robin e atual Nigthwing (Asa Noturna), para que ele possa ajudar
Batman. Enquanto isso, o criminoso Two Face (Duas Caras) retorna à cidade de
Gotham, planejando matar Batman.
Figura 1
Soma-se a ela também prender esses infratores depois de derrotados, como mostram
as manchetes de jornais que destacam a atuação do Batman:
Batman collars dope ring - five arrests in one night (Batman prende
traficantes - cincos presos em uma noite)
Isso também resta claro na cena que em que ele captura dois assaltantes em um
depósito, e os deixa embrulhados para a polícia.
Figura 2
Figura 3
Tal função também é atribuída a Dick Grayson, o primeiro Robin, usando aqui a
alcunha de Nightwing (Asa Noturna), ao representarem-no postado em um prédio em
posição similar à que Batman foi visto anteriormente, associando os dois nessa
semelhança de imagem e construindo através dessa associação a idéia de que Dick
também é um vigilante e compartilha a mesma função de Batman.
Figura 4
Batman luta contra os criminosos, mas protege e salva, conforme a seguinte situação
delineada na história. Ele concebe um plano para prender o vilão Two Face (Duas
247
Two Face: There -- You hear that? That's my story. My crime. And I
left enough clues for even police realize I´m the culprit. Kids in
jeopardy! If that doesn't draw out Batman, nothing can (Aqui -- Escutou
isso? É minha história. Meu crime! E eu deixei pistas bastantes para
mesmo a policia perceber que eu sou o culpado. Crianças em perigo!
Se isso não atrair o Batman, nada mais pode).
Batman, de prontidão no cassino, ao saber do seqüestro dos garotos fica divido entre
salvar as crianças e prender Two Face.
(1)
Batman: The Wrigth Twins? Of course that's him. But I can’t follow it up
now. (Os gêmeos Wright? Claro que foi ele, mas não posso cuidar
disso agora!).
(2)
Batman, pensamentos enquanto está de tocaia no cassino: If I
know Harvey, he won't be able to resist. Now to sit here and wait. He'll
come to me. He'll be here. The Wrigth Twins. I can't leave. He'll be
here. Capturing him is my first priority. I simply can´t leave. (Se eu
conheço Harvey, ele não vai resistir. Agora basta sentar aqui e esperar.
Os gêmeos Wright. Eu não posso ir. Ele virá aqui. Capturá-lo é minha
primeira prioridade. Eu simplesmente não posso sair).
Apesar de dizer que capturing him is my first priority (capturá-lo é minha primeira
prioridade), Batman acaba indo salvar as crianças que corriam perigo de vida, pois
Two Face amarrou-lhes uma bomba ao corpo. Portanto, na prática, a proteção dos
garotos mostrou-se mais importante que a captura do bandido.
Nas lembranças de Timothy Drake, garoto que se tornará o Robin ao fim da história,
esse caráter protetor do Batman também é ressaltado. Tim, ainda muito criança,
assistiu ao acidente - depois revelado assassinato - dos pais de Dick Grayson.
248
Figura 5
Batman é uma figura que, por sua caracterização negra e sombria, evoca uma
indefinição inicial, transmitindo uma idéia de algo aterrorizante, e, possivelmente, ruim
para quem não o conhece. A expressão sobressaltada de Tim reforça esse fator
assustador do Batman.
249
Figura 6
Os atos de Batman é que revelam suas verdadeiras intenções. Quando ele coloca as
mãos nos ombros de Dick criança em sinal de conforto e permanece ao seu lado
enquanto os corpos de seus pais são removidos pela ambulância, Timothy percebe
que Batman está ali para ajudar, não para ferir.
250
Figura 7
Tim: My parents sent a copy of the picture they took [junto com os
Grayson antes do acidente] to you and then they forget all about it.
Trouble was, I didn't forget. I never told them, but for years I kept having
the same nightmare over and over again. First, I'd watch you do your
quadruple somersault, then your parents would fall, and fall. But they
never land. Then Batman appeared and just as I'd start crying, He'd
save me. First alone, then, after he met you, with Robin. (Meus pais
mandaram para você uma cópia da foto que eles tiraram [junto com os
Grayson antes do acidente] e esqueceram o assunto. O problema era
que eu não esqueci. Eu nunca contei a eles, mas, por anos, eu
continuei tendo o mesmo pesadelo de novo e de novo. Primeiro eu
assistia a você dando seu salto mortal quádruplo e então seus pais
251
Enfim, Batman e Robin são aqueles que vão ao socorro de quem necessita. Atitude
que Tim também assume ao decidir adotar a identidade de Robin. Batman e Nigthwing
são pegos em uma armadilha de Two Face, ficando presos sob os escombros de uma
casa demolida graças a uma bomba implantada pelo vilão.
(1)
Tim: We can’t just leave him [Nigthwing, que acionou seu localizador
antes do acidente] there. Alfred, come on… We've got to do
something! (Não podemos simplesmente deixá-lo lá. Alfred, por
favor... Precisamos fazer alguma coisa!).
(2)
Tim: What do we do? (O que nós fazemos?)
Tim: But you know he [Batman] and Dick've gone after Two Face. You
know the danger. How can you just put it out of your mind? (Mas você
sabe que ele [Batman] e Dick foram atrás de Duas Caras. Você sabe
do perigo. Como consegue tirar isso de sua cabeça?).
Tim: [...] but right now we know where he and Dick are. And I keep
thinking they're in trouble. I've got to do something. ([…] mas neste
exato momento nós sabemos onde ele e Dick estão. E eu continuo
achando que eles estão em perigo. Tenho que fazer alguma coisa).
(3)
Alfred: This is wrong. I shouldn't be doing this. (Isso está errado. Eu
não deveria estar fazendo isso) [levando Tim, de carro, até onde
Batman e Nigthwing estão].
Tim não só assume a função de alguém que precisa socorrer aqueles que necessitam,
mas também tenta colocar em ação alguém que está passivo, acostumado àquela
situação de espera, de ficar para trás, como é o caso de Alfred, mordomo do Batman,
cujas funções até aquele momento eram apenas a de esperar o retorno de Bruce e de
252
cuidar dele quando necessário. Tim faz com que Alfred o leve até o local onde Batman
e Nigthwing estão para que possam socorrê-los.
Figura 8
Já se assumindo como Robin, Tim ataca Two Face. Aqui ele retoma a função de
combate aos criminosos, ao mesmo tempo em que se preocupa com o bem-estar de
Batman e Nigthwing. Enquanto lutam, Two Face reverte a situação e passa a
espancar Robin. Nesse momento, Alfred intervém no combate, deixando,
completamente, a situação de observador passivo.
253
Figura 9
Batman pode ser o protetor de Gotham, mas mesmo ele, quando em perigo, precisa
ser salvo, ser socorrido. E o interessante de se notar é que quem faz isso são uma
criança (He's just a boy! - Ele é só um garoto - diz Alfred antes de segurar Two Face) e
um velho ( That's his problem, old man - Isso é problema dele, velho - diz Two Face,
retrucando o mordomo), denotando a idéia de que não apenas indivíduos como
Batman e Nigthwing (homens adultos) podem assumir essa função de combatentes e
protetores, mas qualquer um: adultos (como Batman e Nigthwing), velhos (como
Alfred) e crianças (como Tim), desde que tenham predisposição para assumir essa
postura.
Na seqüência que abre a história (figura 1), conforme já mencionamos, Batman luta
contra o Ravager. O texto do recordatário indica o estado físico da personagem:
He feels it numbing his leg...The water rushing like icy shards just
inches below. His thigh wound throbs, scarlet smearing grey-black. A
phlegm pit lodges in his throat as calluses-fists hammer up into solar
plexus. If he were anyone else, he'd give in to his wounds with a final
gasp of blood-spattered air. But he is The Batman and this just makes
him determined. (Ele sente sua perna se entorpecendo. A água
jorrando como cacos afiados. O ferimento da coxa lateja - vermelho
manchando o cinza-escuro. Uma cova fleumática se aloja em sua
garganta quando punhos calejados o atingem no plexo solar. Se ele
fosse qualquer outra pessoa, já teria sucumbido aos ferimentos com
254
Figura 10
Tim: He was hurt, but that didn't stop him. Nothing stops him. (Ele
estava machucado, mas nem por isso parou. Nada o pára).
Batman não é como um indivíduo comum, pois qualquer outra pessoa teria desistido.
Ele é alguém determinado, resistente. Alguém que, mesmo ferido, prossegue lutando.
Como Tim aponta: Nothing stops him (Nada o pára).
Resistência e determinação também são mostradas por Robin (Tim) na cena em que
ele tenta libertar Batman e Nightwing dos escombros.
255
Figura 11
Outro atributo físico destacado em Robin (Tim), Nigthwing (Dick Grayson) e Batman
(Bruce Wayne), são as habilidades acrobáticas. Dick, inclusive, era trapezista de circo
antes de se tornar Robin.
256
Figura 12
Embora esses atributos físicos sejam repetidas vezes apontados, são os aspectos
intelectuais os ressaltados como os mais importantes para o trabalho de combate ao
crime.
Ao retornar do embate com o Ravager, Batman, bastante ferido, é cuidado por Alfred.
As conseqüências da luta levam a personagem a um sofrimento árduo, conforme
mostram as imagens. Bruce contorce-se na cama, aparentando sentir muita dor. Os
quadros inclinados reforçam a sensação de que algo está errado. Passam horas -
mostradas pelo relógio ao lado da cama - até que ele consiga ficar relativamente
257
Figura 13
senhor foi alvejado e teve seu sangue derramado por inimigos que,
antes, você derrotaria sem dificuldades. Lembro-me claramente
quando você iniciou mestre Dick no combate: "Nós não somos
brutamontes. Nós pensamos com nossas cabeças, não com nossos
punhos").
Figura 14
Tal seqüência retoma e reforça a idéia de que a inteligência é mais importante que as
habilidades físicas. Não basta ser forte, ágil; é preciso pensar, pois só assim se pode
descobrir quem são os inimigos e como derrotá-los.
Dick: These pictures. Two Face is back in town, isn't he? (Estas fotos.
Duas Caras está de volta à cidade, não é?)
Tim: You can tell just from them? Wow! You're better than I ever
though. (Você pode dizer isso apenas por elas? Uau! Você é melhor do
que eu sempre pensei).
Tim: C'mon Dick -- that flip you did as Robin. It was a quadruple
somersault. The circus ringmaster said only three people could do that.
I knew that somersault. Knew it like I knew my own name. And it all
made sense. Batman showed up at circus and took you with him. About
six month later, Robin made his first appearance. If you were Robin,
and you were Bruce Wayne's ward -- I realized Bruce Wayne was
Batman (Por favor, Dick -- Aquela manobra que você fez como Robin.
Era um mortal quádruplo. O mestre de cerimônias do circo disse que só
três pessoas no mundo poderiam fazer aquilo. Eu conhecia aquele
salto. Conhecia-o como conhecia meu próprio nome. E tudo fez
sentido. Batman apareceu no circo e levou você com ele. Cerca de seis
meses depois, Robin fez sua primeira aparição. Se você era Robin e
era pupilo de Bruce Wayne, eu percebi que Bruce Wayne era Batman).
(1)
Tim (pensamentos em recordatário): Bruce hasn't been the same
since he [Jason] died. The newspapers don't know about Robin's death
260
but even they've had stories about Batman acting… well, acting
differently. He seemed happier with Dick. Now, I guess it's like he just
doesn't care. (Bruce não parecia mais o mesmo desde que ele [Jason]
morreu. Os jornais não souberam da morte de Robin, mas mesmo eles
tinham histórias sobre Batman agindo... bem, agindo diferente. Ele
parecia mais feliz com Dick. Agora, eu acho que é como não se
importasse com nada).
(2)
Dick: Tim is right -- Batman's acting like a bull in a china shop. But he's
not invulnerable and he's barely paying attention to the danger. (Tim
está certo -- Batman está agindo como um touro em uma loja de
porcelana chinesa. Mas, ele não é invulnerável e mal está se atentando
ao perigo).
Ao mesmo tempo, ao lado desse aspecto humano, também temos Batman como
símbolo. Quando Timothy tenta convencer Dick a voltar a ser Robin, esse sentido de
símbolo começa a ser delineado:
Dick: When Jason died, he took Robin with him. And no matter how
much anybody wants it, you can't bring back the dead. (Quando Jason
morreu, ele levou Robin consigo. E não importa o quanto alguém
queira, você não pode trazer os mortos de volta).
Tim: […] I... I was only thinking of the team… of what Batman and
Robin meant! You can't let a legend die like that, Dick. (...) (Eu... Eu só
estava pensando na equipe, no que Batman e Robin representam.
Você não pode deixar uma lenda morrer assim, Dick).
Figura 15
261
Tim, para Batman: Batman has to have a Robin. (…) Then if not for
you -- for those criminals you hunt down. You want them to think they
can get away with murder? Batman, if they think they can kill someone
like Robin -- who are they going to hunt down next? I don't know why
you decided to wear that costume -- but it makes you a symbol. Just as
Robin was a symbol. Or Superman. Or Nigthwing. Or the policeman
who wears his uniform. And this isn't just a symbol of law. It's a symbol
of justice. When one policeman is killed, others take his place because
justice can't be stopped. And Batman needs a Robin. No matter he
thinks what he wants. (Batman precisa de um Robin (...) Se não por
você - pelos criminosos que você caça. Quer que eles pensem que
podem se livrar de assassinato? Batman, se eles acharem que podem
matar alguém como Robin, quem eles vão caçar da próxima vez? Não
sei porque decidiu usar esse uniforme, mas ele faz de você um
símbolo! Assim como Robin era um símbolo. Ou Superman. Ou
Nigthwing. Ou qualquer policial que usa seu uniforme. E isto não é só
um símbolo da lei. É um símbolo da justiça. Quando um policial é
assassinado, outros tomam o seu lugar porque a justiça não pode
parar. E o Batman precisa de um Robin, não importa o que ele pense
que quer).
Batman e Robin são mais que as pessoas que usam os uniformes. Eles representam
algo (lei, e principalmente justiça), são lendas, o que remete a algo grandioso, imortal,
que transcende aqueles que usam as máscaras e as alcunhas, como o próprio
Batman admite:
Ao prender dois criminosos, Batman deixa um bilhete para Gordon (figura 2), como se
eles fossem um presente de Batman para a polícia (For Gordon. Keep under wrap. -
Para Gordon. Mantenha embrulhado).
E embora Batman não trabalhe na polícia, eles trocam informações entre si. Quando
Batman descobre que quem está por trás de todos os crimes da história é Two Face, o
herói visita Gordon, para avisá-lo.
Figura 16
Do mesmo modo que, quando Two Face seqüestra os irmãos Wrigth, Gordon entra
em contato com Batman para pedir ajuda.
Desse diálogo podemos apreender que a relação entre Batman e Gordon é estreita, a
ponto de o comissário ter acesso à freqüência de rádio utilizada pelo vigilante, mas
também que, apesar dessa proximidade entre Batman e Gordon, nem todos os
policiais são confiáveis. Alguns deles, mesmo supostamente servindo à lei, estariam
agindo como criminosos ao trabalharem como informantes de Two Face.
Figura 17
Batman vai até o local do crime, a casa dos meninos seqüestrados; a primeira cena
mostrada é a paisagem externa, com o Batmóvel e as viaturas estacionados lado a
lado, indicando mais uma vez a proximidade entre a personagem e a polícia.
Dentro da casa, é com Gordon que ele observa a cena do crime. Contudo, Batman
compartilha com o comissário apenas o que acha necessário, partindo quando lhe
convém.
264
Figura 18
Essas saídas abruptas de Batman, tanto nesta cena quanto na figura acima, dão um
sentido de independência da personagem em relação à polícia. Ele trabalha com ela e
não para ela.
A relação que Batman estabelece com seus colaboradores vai além do auxílio ao
combate ao crime.
Tim: Alfred, did Dick and Alfred always act like that? I mean, I never
expected Batman and Robin to fight like they were in competition. […]
(Alfred, Dick e Bruce sempre agiram assim? Quer dizer, eu nunca
esperava que Batman e Robin se enfrentassem como se eles
estivessem em uma competição [...]).
Alfred: [...] no, they were far more like father and son than rivals. I've
long felt when Master Dick moved to New York, master Bruce took on
265
Jason Todd not only to replace his partner -- but surrogate son as well.
It's armchair psychology at best, lad, but as much as he would
probably deny it -- I believe master Bruce is almost as obsessive about
family as he is preventing crime. ([...] não... eles eram mais como pai
e filho do que rivais. Eu senti que quando o mestre Dick mudou-se
para Nova Iorque, mestre Bruce não aceitou Jason Todd apenas como
substituto de um parceiro -- mas como filho também. Sei que parece
psicologia barata, rapaz, mas, mesmo que ele provavelmente negue
isso - acredito que o mestre Bruce é quase obcecado com família
como o é com sua prevenção ao crime).
Figura 19
A expressão no rosto de Dick, denotando raiva, o modo quase violento como ele
segura Tim, reforça sua fala (I´ve gone through hell with him and because of him - eu
passei pelo inferno com ele e por causa dele), indicando que seu relacionamento com
Batman não é fácil, e sim, conturbado. Entretanto, ainda assim, foi Bruce que o criou,
quem o ensinou a se tornar homem.
grupo de super-heróis chamados New Titans], ao passo que Dick tenta mostrar para
Bruce que é alguém tão capaz quanto Batman.
Nightwing: I was taught by the best. So what's up? (Eu fui ensinado
pelo melhor. E aí, o que aconteceu?).
Batman: I think Two Face may be waiting for us (Eu acho que Duas
Caras deve estar esperando por nós).
Nightwing: No. I meant why did you contact me? (Não, eu quis dizer
por quer você me contatou?).
Batman: I nee... I could use your help (Eu preci... Eu poderia usar sua
ajuda).
Batman: No, we can't permit him an escape route. You take the rear
entrance. I'll take the front. (Não, nós não podemos permitir a ele uma
rota de fuga. Você cuida da saída dos fundos. Eu cuido da frente).
Nightwing: Why not let me take the direct route and throw him a loop?
He knows you're coming. (Por que não me deixa ir pela frente e pegá-lo
no laço? Ele sabe que você está vindo).
Esse diálogo deixa expressa essa relação tensa entre eles. Nightwing tentando se
provar para Batman (Not even impressed that I put it all together? – Não está nem um
pouco impressionado por eu ter juntado tudo?), e, apesar de admitir o talento de Dick
(I expected you would, though not this quickly - Eu já esperava que o fizesse, mas não
tão rápido), Batman não consegue explicitar que precisa (I nee...) de Nigthwing e se
coloca como autoridade inquestionável (If you want to be with me, you follow my
orders. Now do as I say. - Se quiser vir comigo, obedeça às minhas ordens. Agora
faça como eu disse).
267
Apesar desse conflito, existe uma relação de cooperação entre eles; quando precisa
de ajuda, Bruce entra em contato com Dick. Ambos preocupam-se também com o
bem-estar um do outro:
(1)
Dick: But you [Tim] are right -- Batman needs me. And maybe instead
of arguing with him, I should try to help him. (Mas você [Tim] tem razão
-- Batman precisa de mim. E talvez ao invés de brigar com ele eu
deveria tentar ajudá-lo).
(2)
Bruce (pensamento, dentro da casa de Two Face, que ele e
Nightwing invadiram juntos): And where's Dick? Why isn’t he
following my orders? I can't protect him unless... (E onde está Dick?
Por que ele não segue minhas ordens? Eu não posso protegê-lo a não
ser que...).
(1)
Tim (para Dick): And then there were all those reports about Batman
on the rampage. He seemed to get so much more violent after Jason
died. (E então, havia todos esses relatos sobre os excessos de
Batman. Ele parecia muito mais violento depois que Jason morreu).
(2)
Alfred (para Dick): Master Bruce has not been the same since he lost
Robin a second time. (Mestre Bruce não tem sido mais o mesmo
desde que perdeu Robin uma segunda vez).
A frase I can't protect him unless... (Eu não posso protegê-lo a não ser que...) denota
essa preocupação de que tragédia similar aconteça com Grayson. Também leva a um
repúdio inicial de Batman ao novo Robin, Tim, quando o garoto decide se tornar o
Robin.
268
Figura 20
Batman: Não sei quem você é, mas não é o Robin. Não existe mais
Robin.
Batman: [...] one boy died wearing that costume. I'm not taking that
risk a third time. ([…] um garoto morreu usando este uniforme. Não
vou me arriscar uma terceira vez).
Mas, como Tim ressalta várias vezes no decorrer da história, para Dick, para Alfred e
para o próprio Batman: Batman precisa de um Robin. A questão é: por quê? Além da
questão de os dois representarem um símbolo que transcende as pessoas que usam
os uniformes, conforme vimos na categoria 2, existe um aspecto pessoal nessa
relação:
Tim: But since Jason died, everyone's noticed how you've changed.
You need someone to make you slow down just a bit and wonder what
could happen. I mean, how many times have you been hurt these past
months? (Mas desde que Jason morreu, todo mundo percebeu como
você mudou. Você precisa de alguém para conter você um pouco e
pensar no que pode acontecer. Quero dizer, quantas vezes você foi
ferido nesses últimos meses?).
Batman: So, for my safe, I should put some child in danger? (Então,
para minha segurança, eu devo pôr uma criança em perigo?)
Tim tenta explicar que a chave da questão não está no fato de colocar uma criança em
risco pelo bem de Bruce; contudo, ele próprio já dera a resposta para a importância de
269
Robin serve também como alguém que lembra a Batman esse seu aspecto humano e
vulnerável. Alguém que o lembre que ele mesmo tem limites e que há pessoas
próximas que se importam com ele e com quem ele precisa se importar.
No que diz respeito a Tim, tanto Alfred quanto Dick elogiam seu desempenho a Bruce.
Elogio que sintetiza as características necessárias a um combatente do crime
(inteligência e habilidades físicas), e, simultaneamente o aproxima de Dick, seu
antecessor como Robin.
Alfred: Sir, you should have seen him confront Two Face. You would
have been proud. (O senhor precisava ter visto Tim brigando com
Duas Caras. Teria ficado orgulhoso.
Dick: His instincts for detective work are astounding. (Seus instintos
de detetive são impressionantes)
Outra a aproximação entre Dick e Tim é feita na história. Quando Batman, ainda
relutante, diz para Tim: What I do is dangerous! (O que eu faço é perigoso!), o garoto
responde: I know. And that's exactly why you need me. (Eu sei. E é por isso que você
precisa de mim). Mesmo sabendo dos riscos que poderá correr, Tim insiste em
mostrar a Batman a necessidade de tê-lo (ou pelo menos de ter um Robin) como
parceiro.
Esse diálogo é similar ao que ocorreu entre Batman e Dick na história que introduz o
primeiro Robin, em 1940:
Batman: [...] I'll make you my aid, but I warn you, I lead a perilous life.
(Eu vou fazer de você meu ajudante, mas devo avisá-lo, eu levo uma
vida perigosa).
Essa similaridade conecta as duas gerações de Robins e reforça a idéia de que Tim é
o candidato ideal para ser parceiro de Batman.
270
São utilizadas para mostrar que tipo de pessoas são alvo da preocupação de Batman
(Kids in jeopardy! If that doesn't draw out Batman, nothing can - Crianças em perigo!
Se isso não atrair o Batman, nada mais pode), e, sendo crianças, são o exemplo
máximo de desprotegidos.
Também são usadas para fazer uma conexão com Jason Todd, o falecido Robin, e
reforçar o quanto essa perda pessoal afetou o Batman.
Figura 21
Batman mostra o cuidado com essas vítimas. Além de resgatá-las e afastar o fator que
ameaça suas vidas (a bomba), existe a preocupação de acalmá-las, fazê-las sentirem-
se seguras (If you listen to me, you´ll make it out alive. - Se você me escutar, vai sair
dessa vivo).
271
Na história são apontados os tipos de criminosos que Batman enfrenta: (1) assassinos
fortes, cujas motivações são incompreensíveis (Ravager, o assassino de dois policiais,
que seguiu suas vítimas até suas casas e ceifou suas vidas sem nenhuma razão
aparente, e ainda matou um casal de irmãos cantores diante de seus fãs sem mostrar
nenhuma conexão entre os crimes - figura 1); (2) quadrilhas e traficantes, de acordo
com as manchetes de jornais que mencionam as atuações do Batman; (3) mafiosos
italianos como Giuseppe Scalatto, que acumulou fortuna entrando para os negócios da
família (The Family), outra designação para Máfia; (4) ou ladrões, como aqueles que
invadiram um depósito para roubar livros.
A loucura de Harvey Dent (Two Face) é revelada ao se destacar essa cisão de sua
personalidade, já implícita em seu nome, como o próprio Batman aponta ao se referir
272
ao criminoso (He has psychotic need to achieve two goals with each crime - Ele tem
uma necessidade psicótica de traçar duas metas em cada crime), ou através da
própria representação física do personagem. Metade do corpo normal, fisicamente
intacta, usando roupas claras; a outra metade com a face destroçada e monstruosa,
vestida com roupas escuras. É como se Two Face possuísse um lado maligno e um
outro benigno, apesar de a sobrevalência do seu lado ruim sobre o bom fosse maior e
o levasse a cometer os crimes.
Voz no rádio: Who am I? Better ask who we are. C’mon, pal -- I'm you,
you're me. Ta ta Guess what? Congratulations! You've succeed! You're
officially Schizoid. […] Look in the mirror, pal. You're talking but your
lips aren't moving. If that ain't proof that you're several chapters shy a
book, nothing is. (Quem sou eu? Melhor perguntar quem somos nós.
Vamos lá, cara -- eu sou você e você sou eu. Ta ta adivinha?
Parabéns! Você conseguiu! Você é oficialmente esquizofrênico [...].
Olhe só no espelho, cara. Você está falando mas seus lábios não estão
se movendo! Se isso não for prova de que você é maluco, eu não sei o
que é).
Figura 22
Two Face: I don't want to any more. (Eu não quero mais).
Voz no rádio: Sure you do. You just don't know it. (Claro que quer. Só
que você não sabe disso).
273
(...)
Two Face: Okay, okay. We’ll kill Batman (Está bem, está bem. Nós
vamos matar o Batman).
Figura 23
Enquanto as falas do diálogo indicam essa loucura do criminoso (You're talking but
your lips aren't moving. If that ain't proof that you're several chapters shy a book,
nothing is. -- Você está falando, mas seus lábios não estão se movendo! Se isso não
for prova de que você é maluco, eu não sei o que é), as imagens mostram o conflito
em ceder a esse lado criminoso, expresso na fala: "Eu não quero mais". As mãos
postadas sobre a cabeça e traços tremidos ao redor do corpo, como se a personagem
estivesse se forçando a raciocinar melhor, a não escutar a voz; o punho cerrado,
levemente tremido, indica inconformidade ao admitir (Okay, okay. We’ll kill Batman. --
Está bem! Nós vamos matar o Batman), a expressão corporal cabisbaixa com a mão
cobrindo parte do rosto, denotando desconsolo ao ceder a este lado maligno.
Embora ao final da história descubramos que Two Face era manipulado por uma outra
pessoa, possivelmente o Joker (pela caracterização física mostrada no detalhe do
último quadro da história: pele clara, boca vermelha e risonha, marcas registradas da
personagem), este fato não diminui a insanidade de Two Face nem o conflito entre
suas duas metades.
Voz do rádio (Joker): Dent, you're such a fool. You were hiding out,
safe and sound. Your ridiculous coin told you to give up crime, forever.
And you would have, if I hadn't found you. (Dent, você é um tolo. Você
estava escondido, são e salvo; sua moeda ridícula tinha mandado você
desistir do crime para sempre. E você teria, se eu não o tivesse
achado).
274
O Joker apenas manipulou essa dualidade interna do Two Face, fingindo ser a
contraparte maligna, anulando a decisão da contraparte benigna de deixar o crime
(Your ridiculous coin told you to give up crime, forever - Sua moeda ridícula tinha te
mandado desistir do crime para sempre).
Mesmo sem a voz do Joker a manipulá-lo, Two Face continua mostrando essa cisão
interna e desequilíbrio mental:
Two Face: You see? I´ve done it. I told I could make it work. Set up a
mystery. Get them involved with solving it than worrying about their own
safety. Then, when they're congratulation themselves on their
discovery... (Você viu? Eu consegui! Eu disse que eu poderia fazer dar
certo. Armei um mistério. Fiz com que eles ficassem mais envolvidos
em solucioná-lo que com sua própria segurança. Então, enquanto
estavam se parabenizando por suas descobertas...)
Figura 24
Two Face: Bum. Mas ainda não acabou, acabou, Harvey, garoto? Nós
ainda temos milhas pela frente antes de descansarmos. Por que você
diz 'nós'? Você sou eu. Meu outro eu! Eu estou falando sozinho de
novo, não estou? Não estou? Responda!
Figura 25
Two Face: M - mas... eu não posso. Não sem minha moeda me dizer o
que fazer. Vinte e dois milhões dependem disso. Deus, há muita coisa
em jogo.
Figura 26
276
Two Face: Batman espera que eu roube algo grande, mas não
exagerado (...) Sim. Claro! Amanhã será seu último dia de vida,
Batman!
Batman: Preciso atraí-lo com algo que ele possa roubar (...) Sim!
Claro! Sua vida de crimes termina amanhã, Two Face.
Apesar dessa semelhança de linha de raciocínio, as diferenças entre eles já são logo
assinaladas. A mais visível está nos objetivos finais de cada um. Two Face deseja
cometer um crime, matar o Batman, (amanhã será seu último dia de vida, Batman),
enquanto Batman pretende capturar o criminoso (sua vida de crimes se encerra
amanhã, Two Face).
Two Face toma suas decisões baseadas no seu comportamento patológico (“vamos
deixar a moeda decidir”), enquanto Batman tenta usar a lógica, o conhecimento prévio,
para guiar seu raciocínio ("Eu sei como ele pensa e preciso aproveitar isso").
Mas, a diferença entre eles também é pautada através das imagens. Elas os
apresentam em situações similares, porém os detalhes que os representam também
os diferenciam. Suas imagens, colocadas lado a lado, não são correspondentes, mas
sim espelhadas, ou entram em oposição uma em relação à outra.
277
Figura 27
Essa composição de imagens transmite e reforça a idéia de que Batman e Two Face
são opostos entre si, apesar de possuírem uma conexão. Levando-se em
consideração o contexto da história e da própria personagem Two Face, pode-se
pensar na metáfora de "dois lados de uma mesma moeda", ou o lado bom
(representado pelo Batman) e o ruim (representado pelo Two Face).
Figura 28
Batman: Bruce Wayne teve que garantir o prêmio, mas valeu a pena.
Two Face: Queimei todos os meus cartuchos para fechar essa ponte,
mas valeu a pena.
Por fim, Batman opta por salvar os gêmeos, ao passo que Two Face resolve roubar os
vinte e dois milhões de dólares no clube, destacando o que é realmente importante
para cada um: salvar as crianças, no caso do Batman, e o lucro, no caso de Two Face.
279
Embora Batman consiga apreender a linha de raciocínio de Two Face, existe um limite
de compreensão.
Figura 29
Este limite existe exatamente porque Batman consegue tentar pensar como o
criminoso, mas não pensa exatamente igual a ele. Enquanto Batman usa a lógica
("ignorar o mistério e colocar todas as pistas juntas"), Two Face está imerso na
loucura. Ele possui uma racionalidade diferente, que ultrapassa até mesmo a
compreensão do Batman.
Uma diferença entre justiça e lei é esboçada na história, mas a diferença entre elas
não chega a ser classificada.
Tim, para Batman: I don't know why you decided to wear that costume
-- but it makes you a symbol. Just as Robin was a symbol. Or
Superman. Or Nigthwing. Or the policeman who wears his uniform.
And this isn't just a symbol of law. It's a symbol of justice. When one
policeman is killed, others take his place because justice can't be
stopped. (Não sei porque decidiu usar esse uniforme, mas ele faz de
você um símbolo! Assim como Robin era um símbolo. Ou Superman.
Ou Nigthwing. Ou qualquer policial que usa seu uniforme. E isto não é
só um símbolo da lei. É um símbolo da justiça. Quando um policial é
assassinado, outros tomam o seu lugar porque a justiça não pode
parar).
280
3. 9 - Conclusão
Categoria 1: Função
Conforme nos foi possível apreender através da análise das histórias, pode-se
perceber que duas funções principais se destacam: a luta contra o crime e a
necessidade de proteger e salvaguardar as vítimas.
A única exceção explícita se faz em relação a Dick Grayson, futuro Robin, a quem
Batman leva para a sua casa com o intuito de impedir que venha a ser morto por
criminosos. Ainda assim, Robin não é apenas protegido, mas futuramente se converte
em um combatente do crime. Embora a luta possa se configurar, às vezes, como um
modo de proteção, ainda assim ela se destaca como o cerne das atitudes da
personagem. Não que o fator de ser um protetor não seja significativo, mas a principal
motivação de Batman, nesse período, é resolver o crime, derrotar o criminoso.
A própria fala da personagem explicita sua missão nesse período: My parents too were
killed by a criminal, that's why I've devoted my life to exterminate them. (Meus pais
também foram mortos por um criminoso, é por isso que eu devoto a minha vida a
exterminá-los).
embora continuem lutando contra o crime, seus atos destacados na história envolvem
primordialmente o salvamento de outras pessoas, principalmente um ao outro. Desse
modo, a primeira função que demonstram é a de salvadores. E é interessante notar
que não são apenas salvadores de qualquer pessoa, mas, principalmente, daqueles
que são os campeões da lei, aqueles que protegem e lutam pelas regras (leis)
estabelecidas; enfim, protegem alguém que possui os mesmos ideais que eles
próprios.
A partir das histórias dos anos 60, essa mudança se intensifica. Batman ainda se
apresenta como um lutador contra o crime, mas suas motivações principais passam a
ser as vítimas. Ele deseja dar-lhes uma oportunidade, se não a mesma, mas similar,
que ele e Dick tiveram ao se tornarem combatentes do crime em decorrência da morte
de seus respectivos pais. Ele almeja dar a essas vítimas uma chance de obterem
recursos para se reerguerem de suas tragédias.
Bruce: Innocent victims such as Dick and I were - when our parents
were brutally slain! Their deaths were the births of Batman and Robin!
We were in the fortunate position to claim justice for ourselves - but
what of the less fortunates? (Vítimas inocentes como Dick e eu fomos -
quando nossos pais foram brutalmente mortos! Suas mortes foram o
nascimento de Batman e Robin! Nós estávamos na posição
privilegiada de clamar justiça por nossa conta - mas, e quanto aos
menos privilegiados?).
Em ambas as situações, Batman menciona a morte dos pais como fator motivador de
sua transformação em combatente do crime; contudo, o foco de sua missão muda. Na
história de 1940, a ênfase está no extermínio dos criminosos, enquanto na história de
1969 recai sobre o auxílio às vítimas, naqueles que são menos privilegiados. Batman
continua sua caça aos criminosos, mas não para exterminá-los, e sim para "para
desentocá-los de onde eles vivem e prosperam às custas de inocentes". Esses
283
inocentes passam a ser o principal fator motivador do combate aos criminosos, e não
apenas o seu mero aniquilamento.
Batman é aquele que traz estabilidade ao caos, que traz segurança a quem se sente
inseguro, mesmo que, para isso, recorra à violência extrema como método (aleijar um
criminoso para que ele fique tão aterrorizado a ponto de não querer mais cometer
delitos, caso volte a andar).
Por vezes a proteção se faz não apenas através do ato de salvar ou resgatar a vítima
sob risco; o caráter preventivo se mostra presente através do embate com os
criminosos. Destarte, Batman persegue o Joker, que está de posse de uma arma
nuclear, para impedir que esta seja usada por ele ou pelos terroristas para quem o
criminoso a venderia. Assim como também explode um arsenal de munições
encontrado em um acampamento terrorista para não ser utilizado posteriormente por
estes, ou impede que um comboio do letal gás do riso seja entregue para os famintos
desabrigados da Etiópia.
O elemento punitivo apresenta-se sempre ligado ao combate aos criminosos. Ele pode
ser a finalidade desse embate, ou aparecer como um ganho secundário do
afastamento das ameaças. Inclusive o próprio ato de prender pode ser encarado tanto
como punição quanto como afastamento de ameaças.
Essa mudança de foco se torna ainda mais clara na comparação que fizemos entre as
falas de Batman em 1940 e 1969. Mesmo considerando um trecho de 1986, em Dark
Knight returns, onde Batman também se refere aos pais mortos - afirmando que agora
sabia de modos adoráveis para punir o criminoso que os assassinou -, é a sua relação
com as vítimas que o faz deixar seu retiro, bem como o impacto das notícias dos
crimes associado às lembranças que carrega da morte dos pais.
A questão da proteção está presente em todas as histórias, seja de forma difusa, seja
de forma direta. Difusa, porque mesmo quando Batman combate apenas os
criminosos, ele não deixa de estar, indiretamente, tentando proteger a cidade das
ameaças criminosas. Contudo, nota-se claramente que, com o passar do tempo, a
posição de protetor, seja de uma população, seja de alguém próximo, torna-se mais
destacada e delineada como uma função do herói, configurando-se como sua principal
atribuição.
285
Categoria 2: Características
Tim, para Batman: Batman has to have a Robin. (…) Then if not for
you -- for those criminals you hunt down. You want them to think they
can get away with murder? Batman, if they think they can kill someone
like Robin -- who are they going to hunt down next? I don't know why
you decided to wear that costume -- but it makes you a symbol. Just as
Robin was a symbol. Or Superman. Or Nigthwing. Or the policeman
who wears his uniform. And this isn't just a symbol of law. It's a symbol
of justice. When one policeman is killed, others take his place because
justice can't be stopped. And Batman needs a Robin. No matter he
thinks what he wants. (Batman precisa de um Robin (...) Se não por
você - pelos criminosos que você caça. Quer que eles pensem que
podem se livrar de assassinato? Batman, se eles acharem que podem
287
matar alguém como Robin, quem eles vão caçar da próxima vez? Não
sei porque decidiu usar esse uniforme, mas ele faz de você um
símbolo! Assim como Robin era um símbolo. Ou Superman. Ou
Nigthwing. Ou qualquer policial que usa seu uniforme. E isto não é só
um símbolo da lei. É um símbolo da justiça. Quando um policial é
assassinado, outros tomam o seu lugar porque a justiça não pode
parar. E o Batman precisa de um Robin, não importa o que ele pense
que quer).
Assim, no decorrer das histórias, foi possível apreender que Batman apresenta-se em
dois níveis: como pessoa, cujas características de maior destaque são as habilidades
físicas, intelectuais, a determinação, a ênfase na racionalidade, o planejamento, o
cuidado e a paciência, e também como representante de um ideal, estando ligado a
ele, mas não necessariamente coincidindo com ele. Pois, como símbolo, Batman é
depositário de algo maior que ele próprio: a justiça.
Nos anos 50, a relação de proximidade é, inclusive, figurada na existência de uma lei
que determina que nenhum outro homem, além do próprio Batman, pode envergar o
uniforme de Homem-Morcego na cidade onde ele atua. A existência de uma lei com tal
teor não deixa de indicar que, naquele momento, Batman é visto como um
representante legitimado da lei. Considerando a onda de conservadorismo que
288
dominou o mundo e os Estados Unidos nos anos 50, é apreensível que este seja o
período, dentre todos, em que foi possível notar uma proximidade maior entre Batman
e a lei.
Dois outros significados importantes são atribuídos a esses colaboradores: (1) são
aqueles que darão continuidade ao trabalho de Batman, (2) se constituem como
família para Batman. Eles se fazem presentes não apenas para auxiliá-lo no combate
ao crime, mas se constituem como objeto de afeto para Batman. Essa relação mostra-
289
Na maioria das histórias, a relação de Batman com as vítimas fica restrita aos
aspectos salvador-resgatado, protetor-protegido. Batman é aquele que resgata
pessoas em situações de perigo, que impede que algo de ruim lhes aconteça, que lhes
restitui o que lhes foi tirado, seja dinheiro, seja segurança, seja liberdade.
Nos anos 70, esse papel de Batman como provedor das vítimas se torna mais
evidenciado e expandido. Através da Fundação Wayne, ele passa a fornecer recursos
para as vítimas dos crimes terem a possibilidade de se recuperar do ocorrido. Batman
oferece apoio não apenas no sentido financeiro; esse caráter filantrópico e de
assistência social nas ações de Bruce Wayne corresponde aos próprios movimentos
sociais do período. Lutar pela justiça é efetivamente auxiliar os destituídos, tanto em
termos de proteção - que ganha aqui um sentido mais amplo de fornecer às vítimas
ferramentas para que elas próprias possam se reerguer -, assim como também é
digno de nota que Batman convoca a própria vítima em auxílio à caça do criminoso,
ressaltando a idéia de que a luta pela justiça é algo que não se restringe apenas às
autoridades instituídas, mas a todos os membros da sociedade, idéia em voga no
período.
As motivações de seus crimes são o lucro e a busca pelo poder, nem que para isso
precisem matar; em outras palavras, colocam tais predicativos acima da vida humana.
A diferença entre estes criminosos e Batman, que deixa um dos vilões morrer no
começo, está exatamente nas vítimas atingidas e nas motivações de seus atos.
291
Vale apontar aqui um dos tipos de criminosos combatidos por Batman neste começo
de trajetória. Em Introducing Robin, the Boy Wonder, de 1940, o principal vilão da
história é o Boss Zucco, assassino dos pais de Robin. Chefe do crime local, ele
controla a cidade e cobra "proteção" a todos os comerciantes locais; caso contrário,
manda assassiná-los. Seu nome, de origem notadamente italiana, faz uma dupla
referência ao italiano como "inimigo" quando se pensa no contexto histórico em que a
história foi concebida. Se, por um lado, os métodos de extorsão de Zucco são
característicos dos gangsters, problema da época e cujos maiores representantes
eram de origem ítalo-americana, por outro, estando em plena Segunda Guerra
Mundial, temos a ditadura fascista de Mussolini, com a qual poderíamos fazer um
paralelo com a ditadura a que Zucco submete a cidade de Gotham. Dessa forma,
pode-se pensar em um conflito externo (a guerra contra os italianos na Europa)
refletido em um conflito interno (a guerra de Batman e Robin contra o mafioso italiano
em sua cidade natal).
Chega-se a levantar o questionamento sobre até que ponto pessoas como estas
podem ser responsabilizadas por seus crimes. Mas, mesmo para esse tipo de
bandido, embora se cogite tal possibilidade, Batman não se permite cruzar a linha que
se impôs de não matar. Ultrapassar essa linha o tornaria também um criminoso.
No que diz respeito à explicitação das temáticas lei, justiça e vingança, talvez seja a
categoria em que as transformações são mais notáveis. Nas primeiras histórias ainda
havia um "esforço" de Batman em fazer cumprir as leis, para que houvesse justiça;
todavia, com o passar das histórias, perceber-se, em maior ou menor grau, um
questionamento sobre até que ponto o cumprimento da lei é o suficiente para se fazer
justiça, tomada neste caso em especial como proteção dos inocentes. Em
determinado momento, questiona-se se essas leis não deveriam se adequar às
necessidades das pessoas, e não o inverso. Ao passo que também se levanta a
necessidade de se pensar no bem da maioria e não em casos especificamente
293
pessoais, no que diz respeito à temática da vingança, que é tomada como uma
apropriação pessoal de julgamento dos criminosos.
Mas a vingança apresenta outro aspecto que a distingue tanto da lei quanto da justiça:
a soberania das emoções em detrimento da razão. A vingança denota esse domínio
de sentimentos, especialmente de raiva e ódio, nublando as decisões. A justiça seria
baseada na racionalidade e embasada em provas, sobre ter "a cabeça no lugar certo".
A vingança atribui para si uma função que seria da lei: o destino final do criminoso.
Nela há um desejo de aniquilação.
A lei nem sempre seria justa, pois contém brechas que possibilitariam salvaguardar
um criminoso comprovado. Percebe-se também a dificuldade de se realizar
plenamente a justiça através da lei, sendo a justiça compreendida como a proteção ou,
pelo menos, uma atenção maior àqueles comprovadamente inocentes: as vítimas dos
crimes. As leis não seriam necessariamente justas por muitas vezes beneficiar os
criminosos, como Batman deixa explicitamente claro em suas falas:
294
Batman: You've got rights. Lot of rights. Sometimes I count them just to
make myself feel crazy. (Você tem direitos. Um monte de direitos. Às
vezes eu contava todos só para ficar furioso).
Embora a lei e a justiça possuam uma grande proximidade, com o passar do tempo
não são mais tomadas como sinônimos. A lei é uma tentativa de se fazer justiça, mas
não é equivalente a esta. Questiona-se, especialmente nas histórias posteriores à
década de 60, até que ponto a lei realmente serviria à justiça, mais uma vez
compreendida como proteção àqueles considerados inocentes. Do mesmo modo o
pessimismo dos anos 80 é explicitado através do questionamento da falência do
sistema legal vigente. Batman é apontado como o contestador das regras instituídas, e
própria figura de Batman e seus atos de combate ao crime apontam, aqui, para uma
"falência" no sistema legal organizado e normatizado. A justiça é, nesse contexto de
pessimismo da década de 80, compreendida por Batman e por aqueles que o apóiam
como algo que deveria servir e proteger os cidadãos. Ou seja, para realmente as leis
fazerem justiça, deveriam se adequar às necessidades das pessoas, e não o inverso.
A justiça se constitui também como algo maior que a própria lei, maior até mesmo que
as pessoas que a servem. Quem serve a ela se torna parte de um símbolo. Se um
policial ou Batman ou Robin morrem, devem ser substituídos para se manter a força
do símbolo.
Em suma, o que se mostrou mais evidente durante todo o decorrer das análises é que
a concepção de justiça encontrada nas obras como um todo parece repousar
primordialmente no quesito da proteção dos cidadãos, ou pelo menos daqueles que
possam ser considerados, de algum modo, inocentes.
Contudo, essa punição, para ser efetivamente considerada como justiça, deve ser
embasada em uma proporcionalidade. A punição nunca deve extrapolar o crime
cometido. Outra característica importante diz respeito ao caráter racional da justiça.
Ela estaria calcada no uso da razão e não das emoções para ser competentemente
efetuada. A punição só pode ser aplicada ao criminoso em questão se embasada em
provas. É preciso ter certeza de que aquele crime foi cometido pelo referido criminoso,
ou não, pois punir sem essa comprovação constituiria um ato de injustiça.
Contudo, também é interessante notar como cada história analisada é, de fato, reflexo
da vivência do período em que foi concebida, e como essa mudança de vivência
também se reflete em variações na concepção de justiça. Embora apresentem uma
estrutura básica, focada, como mencionamos, no caráter de proteção, no combate à
criminalidade e no afastamento das ameaças, essas variações trazem acréscimos à
296
concepção de justiça, refletindo inclusive nas relações interpessoais, seja no trato com
as autoridades, com as vítimas ou com os criminosos.
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