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São Paulo
12/ 2001
I
Dedicatória
Bob Kane, por ter dado início ao mito do Homem-Morcego, personagem que
trevas" pois, se não fosse por ela, eu não teria conseguido retornar à vida acadêmica;
Minha doce avó Mariana que, mesmo após ter enfrentado duas guerras mundiais,
Agradecimentos
À minha orientadora, Aralys, pela sua ajuda na elaboração de algo que não é
À turma do 8ºC, muito cordial comigo, mesmo eu tendo entrado mais tarde no
Aos meus amigos, Sílvio, Simone, Júlio, pelas agradáveis horas de conversa;
irmão Rodrigo, companheiro na leitura de quadrinhos, à minha mãe, pelo grande amor
que nutre por mim, e ao meu pai, que além de sempre ter me dado apoio nas horas mais
II
SUMÁRIO
Introdução.............................................................................................01
1.1 - Semiologia..............................................................................04
3.1 - A criação..................................................................................16
Conclusão.............................................................................................28
Bibliografia...........................................................................................29
Apêndice
III
TÍTULO DO TRABALHO: Cavaleiro das Trevas: uma análise sócio-cultural e
RESUMO
Batman, que vem sendo constantemente reformulada desde a sua criação, atingindo
sempre uma nova geração de leitores, além de estar presente não apenas nas histórias
em quadrinhos, mas em todas as mídias existentes. Para tanto, foi feito um panorama da
trajetória do herói, ressaltando suas fases mais importantes. Além disso, realizou-se uma
herói, a fim de que fosse demonstrada sua importância, já que produziu grandes
"Batman: o cavaleiro das trevas", a idéia de que ler histórias em quadrinhos era algo que
IV
EPÍGRAFE
V
INTRODUÇÃO
estudos, principalmente ressaltando seus aspectos negativos, como pode ser verificado
no artigo de Jô Soares que faz parte do livro "Shazam!". Isso ocorre principalmente pelo
fato de ser dito que elas só propagam ideais norte-americanos. Este estudo, seguindo o
esse respeito, ainda mais se for considerado a perspectiva que será dada: histórico-
ideológica.
veículo de comunicação de massa e não serem tratadas como tal. Isso pode ser
1
"Cavaleiro das Trevas", de João Paulo Liam Martins, ambos publicados na revista
quadrinhos e artigos de revistas especializadas que tratam deste assunto como, por
Trevas". São levantadas duas hipóteses. Na primeira, Batman seria uma espécie de
anarquista, lutando contra o sistema (autoridade do Poder) e por isso teria de ser
excluído. Nessa luta, é apoiado pelo povo pois faz justiça com as próprias mãos. Na
segunda, o herói em questão tanto reflete momentos históricos como abarca anseios da
desde a sua origem até os dias atuais, ressaltando suas fases mais significativas. Além
"Batman: O Cavaleiro das Trevas", mostrando por que o herói entra em conflito com o
que é idolatrado pelo povo de Gotham City que o tem como seu maior defensor.
sua criação, em 1939, vem sendo adaptado a novos leitores. No entanto, em 1986,
surgiu a mini-série "Batman: O Cavaleiro das Trevas", escrita e desenhada por Frank
Miller, que é vista por inúmeros especialistas em quadrinhos como sua versão
2
definitiva. Nesta história, Bruce Wayne, com cinqüenta e cinco anos de idade, deixou de
ser o Batman, devido à morte de Robin, ocorrida já há alguns anos. Entretanto, Gotham
City vive uma era de caos pois, devido à grande proliferação de gangues urbanas, a
violência varre suas ruas e a polícia mostra-se incapaz de deter essa ameaça. Na
empregada por ele para combater os malfeitores, contudo, faz com que entre em conflito
com o Presidente dos Estados Unidos e com o próprio Super-Homem, ao mesmo tempo
comparativo.
Para tanto, urge que se aplique à pesquisa bibliográfica à análise dos quadrinhos
3
CAPÍTULO 1 - REFERENCIAL TEÓRICO
História Geral.
1.1 - Semiologia
De acordo com Lopes (1995: 15), a semiologia é "a ciência que estuda os
sistemas de signos, quaisquer que eles sejam e quaisquer que sejam as suas esferas de
seguinte concepção de Magnoli (1995: 16): "a ideologia constitui uma visão de mundo
coerente, formada por um sistema de conceitos interligados e aceita por uma parcela da
1.2 - Século XX
de Nova York, no dia que ficou conhecido como "quinta-feira negra". Muitas pessoas,
temiam viver na pobreza. Aqueles que optaram por enfrentar a realidade tiveram que
conviver com o desemprego em massa ocasionado pela maior crise econômica que os
4
Estados Unidos já tinham enfrentado até então. E, mesmo com o advento do New Deal,
país, o crack da Bolsa deixou marcas profundas nos norte-americanos, pois as pessoas
De acordo com Magnoli (1995: 39) "o crack da Bolsa de Nova Iorque encerra o
curto período de aparente prosperidade dos anos vinte, precipitando o mundo capitalista
em sua maior depressão". Em outras palavras, a quebra da Bolsa de Nova York acabou
temor era Adolf Hitler que, após tornar-se chanceler alemão em 1933, assume a
"Em 1935, Hitler ignorou as cláusulas militares do tratado de Versalhes e recomeçou a rearmar o
exército alemão, sob a vista grossa dos aliados, que nada fizeram para impedi-lo. No ano seguinte, Hitler
invadiu a região do Reno e recuperou a região industrial de Ruhr que supostamente era uma espécie de
zona neutra entre a Alemanha e a França (...)".
maio de 1945, mas principalmente pela explosão de duas bombas atômicas no Japão,
imediatamente, além das 120 mil que ficaram feridas e morriam diariamente pelos
5
efeitos da explosão" (HISTÓRIA ILUSTRADA DO SÉCULO XX, 1996: 293). Assim,
mais importante potência comunista. Era o início da Guerra Fria. Um marco desse
período foi a divisão da Alemanha em duas partes, Ocidental e Oriental, em 1949, sendo
que a última estava sob julgo da União Soviética que, para evitar a constante migração
1961.
era o monopólio da bomba atômica. Em 1949, porém, a União Soviética criou a sua
própria bomba, o que trouxe um certo equilíbrio bélico entre as duas nações. Aliás, a
acusações pela televisão, afirmando que havia comunistas infiltrados no governo dos
Estados Unidos, o que gerou uma onda de pânico na população que passou a ver
comunistas em todos os lugares. De acordo com Magnoli (1995: 60), "o pequeno
6
Wertham, em 1954, que faz uma série de acusações contra os personagens dos comics
e Robin. O livro causou tanta repercussão que, de acordo com Moya (1997, 71-72):
"(...) levantou-se uma onda de protestos dos famigerados representantes dos pais, professôres, da
família unida, do casamento (tão desprestigiado nos quadrinhos), das Filhas da Revolução - Daughters of
Revolution - das Marchadeiras, da religião, dos verdadeiros Capitães e Coronéis, da castidade sexual, da
América, do patriotismo, do conformismo, da escola, da velhice, do reacionarismo, do 'no-meu-tempo-
não-era-assim', do passado, tudo isso e mais alguma coisa, em fúria contra o mundo dos quadrinhos".
outra saída a não ser criar um código regulador para os quadrinhos - o Comics Code
começam a enviar tropas para aquele país. Inúmeros jovens norte-americanos são
mortos a cada ano nas florestas do Vietnã do Norte. Em conseqüência disso, ocorrem
inúmeros movimentos pacifistas nos Estados Unidos clamando pelo fim da guerra.
Durante uma convenção hippie no Central Park, em 1967, milhares deles "empinaram
pipas, soltarem balões e bolhas de sabão, fizeram anéis de fumaça com os mais variados
outras palavras:
mais evidente da guerra foi a morte de 45.997 soldados americanos, além dos mais de
300 mil feridos, de acordo com o Pentágono. Isso sem mencionar o custo da guerra que
7
ultrapassou a cifra dos U$ 100 bilhões (HISTÓRIA ILUSTRADA DO SÉCULO 20,
1996: 463).
Após a Guerra do Vietnã, os Estados Unidos não desfrutam uma paz muito
exemplo, podem ser citadas as campanhas militares que realizou em alguns países da
ainda se fazia presente. Prova disso foi o anúncio, feito pelo presidente Reagan, em
1983, do ambicioso projeto militar denominado Guerra nas Estrelas. De acordo com
D'Ávila (1996: 28) "o objetivo era desenvolver um escudo espacial defensivo que fosse
capaz de destruir um míssil antes que esse atingisse o alvo". E, apesar de muitos terem
considerado esse projeto fantasioso pois "um míssil intercontinental ICBM demorava
apenas trinta minutos para ser lançado da União Soviética e atingir o seu alvo nos
Estados Unidos" (D'Ávila, 1996: 28), os Estados Unidos investiram bilhões de dólares
Convém ressaltar que a União Soviética não dispunha de muito dinheiro pois, além dos
gastos com a corrida armamentista com os Estados Unidos, o país despendia muito
capital para manter as revoluções comunistas no exterior (D'Ávila, 1996: 29). Assim, a
8
CAPÍTULO 2 - O UNIVERSO DE BATMAN
No final dos anos 30, o mundo vivia em um clima de incerteza devido à ameaça
dos quadrinhos em que foram criados muitos heróis brilhantes e até imortais como Flash
Gordon, Mandrake e tantos outros" (Faerman, 1989: 5). Um desses outros heróis foi
Batman.
jovem desenhista Bob Kane de criar um herói que vendesse tanto quanto o Homem-de-
Aço. Assim, em maio de 1939, o personagem Batman faz a sua estréia na revista
"pulps" (romance policial popular) tais como o Sombra, o vilão "The Bat", do cinema,
baseado no romance homônimo de Mary Robert Richards, e Zorro, dentre outros. Além
personagem.
último é um terráqueo, não dispondo de qualquer tipo de superpoder. Isto fez com que
os leitores se identificassem mais com ele pois, de acordo com o desenhista e editor da
área de quadrinhos Dick Giordano (1988: 7), comentando sobre o seu primeiro contato
9
"Eu sabia que podia ter a pretensão de ser o Batman, mas nunca poderia ser o Super-Homem.
Não havia jeito de conseguir poderes iguais (eu precisaria ter nascido em outro planeta para isso), mas
nada me impedia de treinar como o jovem Bruce Wayne havia feito e, talvez algum dia, ser igual ao
Batman".
O comentário de Dick Giordano traz à tona uma dúvida: o que levou o jovem
Filho dos milionários Thomas e Martha Wayne, Bruce levava uma vida comum,
em Gotham City. Aos sete de idade, seus pais foram mortos, após uma sessão de cinema
do filme do Zorro, por um bandido no local que ficou conhecido como Beco do Crime,
ficando sob os cuidados de Alfred Pennyworth, mordomo da família. Naquele dia, ele
jurou vingar a morte de seus pais combatendo o crime em todas as suas formas a fim de
que outras pessoas não sentissem a dor da perda de um ente querido. Assim, aos doze
anos de idade 1 , a fim de cumprir seu juramento, Bruce Wayne viajou pelo mundo todo,
não apenas estudando nas melhores universidades, mas também tendo aula com os
grandes mestres das mais variadas artes marciais e com os maiores detetives do mundo.
No entanto, não sabia como vingar a morte de seus pais. De volta à propriedade de sua
família, a Mansão Wayne, Bruce Wayne, certo dia, vê um grande morcego entrando
pela janela de sua biblioteca. Neste momento, a decisão é tomada. "Os criminosos são
medrosos: sem uma arma não são nada. Tenho de fazê-los tremer sendo uma criatura da
noite" 2 . Assim surgiu o Batman e iniciou-se a tão esperada Guerra ao Crime. Duas
regras principais regem seu modus operandi: nunca usar armas de fogo e nunca matar.
Batman, trazendo algumas inovações para o personagem. No ano seguinte, Jerry criou o
Robin, fazendo com que os leitores mais jovens tivessem com quem se identificar,
1
Informações do site www.darknight.ca/heroes/batman/html.
2
Informação do site sites.uol.com.br/mcastro/introdução/htm
10
Bruce adotou Dick Grayson (Robin), como seu pupilo após a morte da família
Além de Robin, Jerry Robinson criou toda uma galeria de vilões memoráveis
morcego" (Batman), dirigido por Lembert Hillyer, com Leslie Wilson (Batman) e
Douglas Groft (Robin) em 1943 e "A volta do Homem-Morcego" (Batman and Robin),
com Robert Lowery (Batman) e Robin (John Duncan), ambos produzidos pela
Colúmbia.
Nos anos 50, ocorre o declínio dos quadrinhos dos super-heróis, que começam a
ter seu lugar tomado pelos quadrinhos de terror, de faroeste e outros gêneros. A
personagem já dava sinais de estagnação, mas ainda poderia se tentar algo novo, como
revista "World Finest", em 1954. Até então, os dois heróis eram publicados em histórias
bruxas' do senador Joseph McCarthy, que também queria instaurar a censura em todos
Batman e Robin:
3
WERTHAM, Frederic. The seduction of innocents. New York, Rinehart House, 1954.
11
Grayson. Bruce é descrito como um grã-fino e o relacionamento oficial é que Dick é pupilo de Bruce.
Vivem em aposentos suntuosos como lindas flores em grandes vasos... Batman é, às vezes, mostrado num
robe de chambre... é como um sonho de dois homossexuais vivendo juntos". 4
A conjugação destes dois fatores fez com que Batman fosse enquadrado no
Comics Cods Authority, um código regulador de quadrinhos, algo que colaborou com a
Guellam, Carmine Infantino, Sid Grainer, dentre outros, tentaram revitalizar o herói, em
1964, e "visualmente até que houve uma pequena melhora, porém todo o resto parecia
estréia da série de tevê "Batman", estrelada por Adam West (Batman) e Burt Ward
(Robin). Contudo:
"O produtor William Dozier não queria (...) rechear as telinhas com um herói amargurado. A
solução foi transformar Batman em comédia, colocando um liquidificador à linguagem das historias em
quadrinhos, os clichês dos antigos cine-seriados da década de 40, e a estética psicodélica daqueles
tempos. Tudo com muito exagero". (Sabadin, 1999: 18)
completamente da concepção sombria dado por seu criador, Bob Kane, já que ela seguia
a estética "camp". A série durou dois anos e, apesar do grande sucesso que ela fez,
tornou ainda mais difícil a reconstrução da personagem, pois Batman havia virado
motivo de piada.
Frank Robbins e Bob Hanney (argumentistas) e os desenhistas Neal Adams, Jim Aparo
e a dupla Irk Novik e Dick Giordano fizeram com que o herói se tornasse novamente
uma criatura das trevas. A personagem estava mais violenta, aplicando sua própria
4
Trecho do livro The seduction of the innocents que está disponível no livro "Shazam", de Álvaro de
Moya.
12
justiça, em uma volta às suas origens. Prova disso é que Robin (Dick Grayson),
grupo de heróis juvenis: Os Novos Titãs. Como resultado, Batman volta a ser um
vigilante solitário, ficando cada vez mais sombrio. Dentre as personagens secundárias
dessa época, destaca-se o famigerado vilão Ra's Al Ghul e sua filha, Tália, namorada
eventual de Batman. Batman torna-se mais humano. Entretanto, no final dos anos 70 e
início dos 80, a constante troca de argumentistas e desenhistas causou uma queda na
"Batman: o cavaleiro das trevas", escrita e desenhada por Frank Milller em que "(...)
Bruce Wayne era um senhor de 50 e poucos anos, que havia aposentado a capa e a
máscara há 10, mas que devido à violência em Gotham City julgou que era vital
encarnar de novo o homem-morcego" (Pitombo, 1999: 26). Batman segue sua própria
justiça, combatendo violência com violência. É importante ressaltar que esta história,
que se passa em um futuro alternativo, faz com que Batman volte a ser uma personagem
tarefa de recontar a origem da personagem, adaptando-o aos eventos da saga "Crise nas
terras infinitas" 5 , uma mini-série que fez com que a cronologia do universo DC partisse
do zero. Essa origem foi recontada, em 1987, na revista, "Batman, Ano Um", escrita por
Coringa na história "Morte em Família", escrita por Jim Starlin e desenhada por Jim
5
De acordo com Pitomba (1999: 25) "Crise nas infinitas terras" é uma mini-série que teve o objetivo de
zerar a cronologia do universo DC. Em outras palavras, "Crise nas infinitas terras" gerou uma nova
realidade e o que aconteceu com os heróis antes da saga foi desconsiderado. Assim, os personagens
puderam ser reformulados.
13
Aparo. Dick Grayson, o primeiro Robin, abandonara este uniforme, anos atrás, para se
Burton e estrelado por Michael Keaton (Batman) e Jack Nicholson (Coringa), que faz
um grande sucesso, provocando a volta da bat-mania. Nos anos noventa, mais três
Robin".
Nos quadrinhos, entre 1993 e 1994, ocorre a "Queda do Morcego", uma mega-
série em que, acometido por uma crise de estafa e depressão, Batman é derrotado por
Bane, um inimigo novo e perigoso, que lhe quebra a espinha, deixando o Batman
aleijado por mais de um ano. No período de sua recuperação, um outro homem, Jean
Paul Valley, assume o manto do morcego lutando contra o crime ao lado do terceiro
Robin, o hacker Tim Drake. E, como não poderia deixar de ser, "Jean-Paul foi deposto
do cargo pelo próprio detentor do mesmo, quando este se recuperou" (Pitombo, 1999:
29).
que dizimou grande parte da população da cidade, Gotham City foi abalada por
terremotos, sendo quase que totalmente destruída. Até mesmo a Mansão Wayne e a Bat-
Caverna foram atingidas. Bruce Wayne foi a Washington angariar fundos para a
que liga Gotham City aos Estados Unidos, por considera-la uma cidade condenada
devido à onda de crimes, e ela se torna uma Terra de Ninguém6 , onde o dinheiro não
serve para nada, a alimentação é escassa, não há energia elétrica e a população esta
6
Eventos mostrados na mini-série 'Terra de Ninguém'.
14
dividida em feudos comandados por vilões e pelo o próprio Batman. É a volta da Idade
das Trevas.
Apesar de todas estas mudanças pelas quais a personagem passou, ela continua
atraindo muitos leitores pois "o herói criado por Bob Kane simplesmente não
envelheceu e sua temática 'dark', intimista e circunspeta está tão em evidência hoje
como estava naquele sombrio 1939, quando o mundo começava a entrar na II Guerra
Bob Kane morreu no dia 3 de novembro de 1999, aos 83 anos, e seu nome
sempre estará associado a Batman, sua maior criação. E assim, o homem que criou o
Assim sendo, o próprio Bob Kane experimenta, graças ao seu personagem, um pouco do
15
CAPÍTULO 3 - O CAVALEIRO DAS TREVAS
3.1 - A criação
No início dos anos 80, havia um artista que começava a se destacar no mundo
1957, desenhou sua primeira história do Batman em 1979, "Procura-se Papai Noel, Vivo
ou Morto", quando tinha apenas 22 anos de idade. Sua fama começou aproximadamente
comando da revista do Demolidor (o herói cego que se veste de demônio), que estava
além de às vezes também atuar como desenhista, fez com que a revista passasse a ser
disputada pelos fãs. O momento mais marcante de Miller na revista foi a saga
história definitiva do Homem Sem Medo, na qual o vilão Rei do Crime destrói o herói
atingindo sua identidade secreta, o advogado Matt Murdock, fazendo com que ele caia
fazer alguns projetos especiais. O primeiro deles, em 1983, foi a minissérie "Ronin", na
qual foi responsável por toda a revista. De acordo com Faerman (1989: 4-9), "agora ele
era roteirista, desenhista, colorista, editor, e ainda ia acompanhar tudo na gráfica". Teve
liberdade total de criação e "aproveitou a carta branca para beber em fontes européias,
sul-americanas e japonesas" (Martins, [1997?]: 15). Isto foi um preparativo para o que
16
viria depois: um projeto especial envolvendo o Batman, nos mesmos moldes de
"Ronin", ou seja, total liberdade de criação. E, de acordo com Martins ([1997?]: 14):
"A obra de Miller, antes mesmo de ser lançada, começou a atrair a atenção de gente que nunca
tinha lido gibi. Como um furacão, foi invadindo todas as mídias, ganhando páginas de jornais, sendo
comentada na tevê e no rádio. De uma hora para outra, todo mundo falava no novo Batman".
É possível notar, pelo comentário acima, como era grande a ansiedade pelo
marasmo criativo, apesar do empenho de artistas como Marshall Rogers, Mike Grell,
Tom Mandrake, Gene Colan, voltou, de uma hora para outra, a ter grande destaque na
mídia. Com o seu lançamento no Brasil, em 1987, verificou-se um outro fenômeno: uma
"Uma pesquisa realizada na época mostrou que universitários e profissionais liberais - leitores
mais velhos que os habituais fãs de quadrinhos - haviam devorado a publicação. Gente que nunca tinha
lido HQs e outros que abandonaram os gibis aos 14 anos estavam extasiados com aquele material e
queriam mais. Um nicho de mercado, até então ignorado, tornou-se evidente da noite para o dia"
(Martins, 1997?: 17).
Esse nicho de mercado era o quadrinho voltado para o público adulto. Ou seja, a
heróis, era algo restrito a crianças e adolescentes, começava a fazer parte do passado. E
isso fez com que a editora Abril, responsável pelo lançamento de "Batman: o cavaleiro
das trevas" no Brasil, e outras editoras nacionais lançassem cada vez mais publicações
voltadas para um público adulto com ótima qualidade gráfica. Contudo, ainda resta uma
dúvida: o que fez desta publicação uma obra tão importante capaz não apenas de
próprio herói?
17
3.2 - História e ideologia
alternativo, um futuro negro. A Guerra Fria, "expressão que define o período marcado
FOLHA, 1996: 427), ainda está em vigor, fato este que coincide com o período em que
a revista foi escrita. Na história, Estados Unidos e União Soviética estão em prestes a
entrar em guerra para garantir o domínio de um pequeno país da América Central, Corto
Maltese, que, de acordo com Brito 1 , faz alusão a Cuba. Em conseqüência disso, a
ameaça de uma hecatombe nuclear paira no ar, fazendo com que pessoas mais
pessimistas andem com placas com os dizeres "o fim está próximo", o que leva um
"Estou caminhando pelas ruas de uma cidade que está se acabando como o resto do mundo"
(Miller, 1989: 6).
Nesse pensamento, não está inserido apenas o perigo da guerra atômica mas,
principalmente, o fato do crime ter tomado conta de Gotham City devido a proliferação
por jovens impiedosos que matam pelo simples prazer de matar, e a polícia não
conta que, durante toda a história, não é mostrada uma única manchete de jornal, o que
1
BRITO, Carlos. O morcego voa alto. Pretensão: 1989. Disponível no site
www.geocities.com/Athens/Delphi/3340/batman.htm
18
demonstra a força do jornalismo televisivo que é "o espelho do mundo visto por olhos
nos quais você confia" (Magnoli, 1995: 19). É importante ressaltar que, de certa forma,
a frase de Andy Warhol afirmando que "no futuro, todo mundo vai ser famoso por
quinze minutos", tornou-se verdade pois são inúmeras as pessoas anônimas, das mais
Como pôde ser visto, Gotham City agoniza e o sangue dos inocentes jorra sobre
dez anos atrás, devido à morte do segundo Robin, Jason Todd. Agora, com 55 anos, seu
Krugman, isto ocorre porque "Bruce, who for many years had been indulged in the
crime fighting, now seeks another kind of adventure, death." 2 (Bruce, que por muitos
anos entregara-se à luta contra o crime, agora procura outro tipo de aventura: morte.).
Em outras palavras, Bruce Wayne sente falta dos riscos que corria atuando como
Batman e agora, aposentado, põe sua vida em jogo em coisas menos nobres, como
corridas de automóvel. Tudo para cumprir o juramento que fizera devido à morte de
Jason de nunca mais encarnar o Homem-Morcego. No entanto, Bruce Wayne "é produto
da hybris 3 , mantendo em si essa duplicidade de deus e homem " (Kothe, 1987: 73).
2
Informação disponível no site www.members.aol.com.com/zooberies/bat/htm
3
De acordo com Kothe ( 1987: 73), hybris é a duplicidade de deus e homem que os heróis clássicos
possuem e que acaba se revelando no decorrer de seu percurso. Além disso, ele afirma que essa
característica também está presente nos super-heróis das histórias em quadrinhos.
19
"Ele gargalha de mim, amaldiçoa meu ser. Ele invade meu sonho e zomba de mim, arrastando-
me até aqui (a Bat-Caverna) quando a noite é longa e minha vontade fraca. Ele se debate de maneira
incansável e raivosa para se libertar... Mas eu não permitirei. Eu dei minha palavra. Por Jason. Nunca.
Nunca mais" (Miller, 1989: 13).
Contudo, o próprio Bruce Wayne sente falta da sua contraparte pois, como ele
próprio afirma: "Eu sou um zumbi, um Holandês Voador, um cadáver..., morto há dez
anos" (Miller, 1989: 6). Ou seja, Batman tornou-se uma lenda, devido aos dez anos sem
atuar em Gotham City, uma lenda que vive no coração de Bruce Wayne que,
das cinzas. Isso ocorre na noite em que Bruce Wayne assistia à televisão e em que o
filme do Zorro iria ser exibido. O mesmo filme que ele havia assistido com seus pais na
noite em que eles foram assassinados. Julgando que o filme não iria lhe causar nenhum
mal, decide vê-lo, sendo atormentado pelas lembranças daquela noite. Além disso, ao
policial:
"-As crianças foram vistas pela última vez com dois jovens trajando o uniforme dos mutantes.
É importante notar que, entre essas manchetes, aparece o colar de pérolas da mãe
causada pela morte de seus pais. É nesse momento que o Morcego se manifesta,
"O momento chegou! Em seu íntimo, você sabe pois sou sua alma! Não há como escapar de
mim!"(Miller, 1989: 19)
20
E assim, devido à conjugação dos fatores acima expostos, ou seja, a violência
que assola a cidade, a lembrança da morte dos seus pais e o Morcego que o atormenta,
Bruce Wayne volta a ser o Batman, após dez anos afastado da luta contra o crime.
Hook (1962: 12) afirma que "durante um período de guerras e revoluções a sorte
de povos parece estar visivelmente suspensa daquilo que só uma pessoa, talvez algumas
pessoas, decidam". Essas pessoas são os heróis, cujos gestos são capazes de alterar o
destino de toda uma nação. E é principalmente por isso que Batman retorna: para tirar
sua cidade da situação de caos em que ela vive, fazendo justiça com as próprias mãos
por julgar as leis tolerantes demais. Em outras palavras, o herói mudou pois, como
"(...) nessa história, Batman é muito mais o Morcego do que o Homem. Ele luta contra o mal
usando o mal. Ele nem bem distingue o bem do mal. (...) Batman é um herói velho, pesado, histérico,
alucinado, cheio de pesadelos - e o mundo inteiro é um pesadelo onde se desloca o herói que nem parece
um herói... Ele é o Morcego total".
questão, está com cinqüenta e cinco anos e, conseqüentemente, não possui mais a
mesma agilidade física que costumava ter no auge de sua carreira como combatente do
crime. Por essa razão, passa a fazer uso da força bruta, não poupando os malfeitores,
como pode ser visto na cena em que Batman, tendo uma arma apontada em sua cabeça,
reflete: "Há sete tipos de defesa nesta posição. Três delas desarmam com o mínimo
contato. Outras três matam. A restante aleija" (Miller, 1989: 33). Sua escolha é a
última opção. Além disso, ele age como uma criatura da noite, rugindo para amedrontar
os criminosos, como pode ser visto a seguir, no momento em que está perseguindo
21
"- Grrrrr!
Outro fator que fez Batman alterar seu modo de agir é a mudança que
ocorreu em sua ideologia. De acordo com Magnoli (1995: 16) "a ideologia
malfeitores, cabendo à lei puni-los. Por isso, quando entrava em confronto direto
com facínoras, tentava não fazer uso de uma violência extremada. Agora,
contudo, com Gotham City "totalmente dominada pela violência, com gangues
armas para a gangue mutante (Miller, 1989: 64), Batman passa a aplicar a sua
própria lei, chegando até mesmo a matar os malfeitores, como faz, por exemplo,
com o Coringa (Miller, 1989: 145) e a usar armas de fogo (Miller, 1989: 58),
algo que não fazia parte de seu modus operandi. Outra mudança, também
causada pela alteração em sua ideologia, foi seu critério na escolha do novo
Robin.
órfãos, que Bruce Wayne acolheu em sua mansão e que, só depois de passarem
contra o crime. O Robin que atua ao seu lado em "Batman: o cavaleiro das
trevas", no entanto, é uma garota, Carrie Kelley, "uma inocente criança" (Miller,
4
Brito, Carlos. O morcego voa alto. Pretenão. Disponível no site
www.geocities.com/athens/delphi/3340/batman.htm
22
1989: 87) como diz Alfred, mordomo de Bruce Wayne. Apesar de não ser órfã,
mais importante: não passa por nenhum tipo de treinamento específico, o que
Batman reflete, durante sua luta com o líder da gangue mutante (Miller, 1989:
76): "Dick... onde está você... Dick... Você sempre foi minha melhor arma...".
Alguns afirmam que Batman "... é um vigilante monstruoso e sem piedade que
fizeram de nossa nação a mais nobre e generosa do mundo!" (Miller, 1989: 59),
enquanto outros afirmam estarem surpresos "de que não ha cem iguais a ele! A
pessoas que apóiam as ações do Batman são pessoas de classes populares que
moram nas regiões onde a criminalidade é muito alta, enquanto as pessoas que
criticam suas ações, muitas vezes acusando-o de ser fascista, geralmente fazem
23
Já o porta-voz da Casa Branca, Chuck Brick, justifica a omissão do
presidente em comentar a respeito de Batman por acreditar que ser tudo uma
Lang, se mostra favorável ao Batman por ele tentar fazer justiça em uma
imprensa já que Lana afirma que o poder está em "nossas mãos", ou seja, está
com aqueles que se mantém informados pela mídia (Miller, 1989: 60).
se tinha uma religião, ele diz que guarda sua fé na Igreja (Miller, 1989: 105).
atitude, principalmente naqueles que a usam apenas como rótulo. Sob tal ponto
de vista, a reflexão mostra que a religião tem pouca importância na vida das
pessoas.
vencê-lo por ele ser um "velho" e seus músculos estarem decadentes e que,
apesar disso, não faz uso de arma, preferindo o combate corpo a corpo. Apesar
fica contente com o retorno do herói por considerá-lo um antigo aliado na luta
contra o crime. Tanto que, na primeira oportunidade que surge, reativa o Bat-
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sinal, para que "(...) todo mundo saiba (...)! Todo mundo!" (Miller, 1989: 39). O
termo todo mundo tanto pode ser aplicado para os malfeitores, que irão refletir
muito antes de cometer um crime, sabendo que poderão ser punidos pelo
Cavaleiro das Trevas, quanto para os cidadãos, que poderão se sentir mais
"Embora Gotham esteja tomada pelo crime, acredito que nosso único recurso é o
cumprimento da lei! Assim sendo, como nova comissária de polícia, emiti um mandado de
prisão contra Batman... pelas acusações de assalto, agressão, e ameaça ao bem-estar público!"
(Miller, 1989: 110)
polícia em seu encalço. Algo que remonta ao início de sua carreira, como ele
"Enfrentar a lei. Faz tanto tempo...mais de vinte anos" (Miller, 1989: 117).
Homem-Morcego não fica restrita apenas a Gotham City, chegando até a Casa
Branca. De acordo com Hook (1962: 190), "se definirmos o herói como um
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aliados entre o povo. E, durante a conversa do presidente com o Super-Homem,
pessoas (cavalos) podem até ser diferentes. Contudo, quando algumas pessoas
colocá-las em seu devido lugar (cerca) afim de evitar que os outros cavalos
ele aceita, devido ao seu grande espírito patriótico, como pode ser visto na
seguinte reflexão de Batman (Miller, 1989: 184): "Você sempre soube dizer o
palavras, "o problema do super-herói é que ele nunca teve dúvidas existenciais e
sempre aceitou a ideologia do meio oeste americano, onde foi criado" (Medeiros,
1998: 1). Por essa razão, o Super-Homem não foi banido como o restante dos
Como pôde ser visto, a principal diferença ideológica entre os dois heróis
mesmo quando este toma atitudes contrárias no que diz respeito aos heróis, pois
o Homem-de-Aço julga que "eles não devem ser lembrados de que gigantes
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caminham sobre a Terra!" (Miller, 1989: 124) por reconhecer o perigo da
"inveja daqueles que não são superdotados!" (Miller, 1989: 114). Batman, por
sua vez, age a margem da lei, criando sua própria lei, lutando pelo o que
considera certo, como um verdadeiro herói. Isso faz com que ele não respeite
uma morte grandiosa, já que foi o único homem que derrotou o Homem-de-Aço,
divino" 4 . Bruce Wayne age assim por ter descoberto que um homem só não
pode operar grandes mudanças no meio em que vive e que a "morte" vai lhe dar
a privacidade de que ele necessita para agir, como ele próprio reflete:
"Nós temos anos. Quantos forem precisos. Anos... pra treinar, estudar e planejar... aqui,
na interminável caverna, longe dos despojos de um justiceiro cujo tempo já passou. Aqui tem
início um exército... pra trazer sentido ao mundo infectado por algo pior do que ladrões e
assassinos". (Miller, 1989: 193)
menos com marginais para se voltar contra inimigos mais perigosos, como o
governo.
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PRADO,Caroline,NAOMI,Roberta.Ideologia.Disponível no site: temas/comunicaçao/quadrinhos/htm
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CONCLUSÃO
reformulado desde a sua criação até os dias atuais, sempre de acordo com o
característica do herói.
lutando contra o sistema (autoridade do Poder) e teria de ser excluído. Fato que
se deve ao Presidente dos Estados Unidos temer que a revolução provocada pelo
toda a sua estrutura de poder. Convém lembrar que o temor do Presidente resulta
governo, enquanto que Batman age a margem da lei, criando sua própria lei, ou
cavaleiro das trevas" um marco das histórias em quadrinhos e a razão pela qual,
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1996
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