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JUSSARA BRAGA BASTOS

2021704259

Doutorado em Artes - UFMG

AV3 – Resenha Crítica

Disciplina: Teatro Digital

Profa. Mariana Muniz

Belo Horizonte

Fevereiro - 2022

PROGRAMA DE PÓS -GRADUAÇÃO EM ARTES. ESCOLA DE BELAS ARTES – UFMG


AV. ANTÔNIO CARLOS, 6627. BELO HORIZONTE -MG. BRASIL. CEP 3127 0-901
FONE: (31) 3409-5260 | FAX: 3409 -5270 | POS@EBA.UFMG. BR
RESENHA CRÍTICA DA PEÇA “O AUTO DA BARCA DO INFERNO”

Essa resenha crítica analisa o processo criativo da peça “O Auto da Barca do Inferno”,
adaptação da obra homônima de Gil Vicente realizada pelo grupo Em Sena, grupo amador de
teatro da cidade de Mercês – MG.
A peça foi elaborada em 5 episódios e conta a seguinte história:
Episódio 1: As narradoras apresentam e contextualizam o início da história nos
dizendo que há duas barcas, sendo que uma leva ao paraíso e oura ao inferno. Alguns dos
personagens principais que estão na barca que leva ao inferno, o Diabo e a Diabete, são
apresentados e aparecem preparando a barca para receber visitantes.
Episódio 2: Dois homens avistam a barba do inferno e o Diabo os reconhece como
Coronel João Torrão junto com seu capanga. O Diabo os convida a entrar dizendo que o
destino deles era mesmo o inferno e eles tentam convencer o Diabo que não foram tão
perversos assim, porém sem sucesso. Eles avistam a outra barca, onde estão o Anjo e a Dona
Anjenta, e rapidamente tentam negociar o embarque de ambos, mas também sem sucesso.
Sendo assim, Coronel João Torrão faz um último pedido ao Diabo: voltar à Terra para
acalmar sua amada esposa que estava sofrendo muito com a sua perda. O Diabo muito
contente o informa que ele está enganado, que sua esposa nunca esteve tão feliz e mostra a ele
sua esposa comemorando a morte do marido e fazendo planos para viver ao lado do seu
verdadeiro amor: o Tião.
Episódio 3: O Parvo aparece vestido e maquiado de palhaço e diz ao Diabo que está
com muita dor de barriga e que morreu “cagando”. O Diabo debocha de sua morte e o
convida a entrar na barca e remar junto ao inferno, porém Parvo se nega e o Diabo se irrita e
empurra Parvo. Ao se levantar, Parvo avista a barca do paraíso e fica deslumbrado! O Anjo e
Dona Anjenta ficam estarrecidos com o cheiro forte e ruim ao se aproximarem de Parvo, que
pergunta de pode embarcar. O Anjo analisa a situação, diz que não é nenhum crime morrer
“cagando” e Parvo embarca rumo ao paraíso. Em seguida chega o Padre, que tem absoluta
certeza que irá para o céu exatamente por causa de seu ofício. O Diabo ri do Padre e pergunta
se ele já se esqueceu da mulher que vivi com ele e, muito sem graça o Padre vai rapidamente
tentar embarcar na barca do paraíso. O Anjo diz que lá não tem lugar para ele e pede à Dona

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Anjenta que confirme no livro sagrado o passado do Padre e ela afirma de sua própria
memória que ele roubava os fiéis e contava a todos as confissões que lhe eram confiadas.
Assim, o Padre aceita que terá que pagar pelos seus pecados e vai de bom grado embarcar na
barca do inferno, onde é recebido com música e festa ao som de “Aquarela do Brasil”
Episódio 4: Brígida Vaz chama o Diabo, que estava passando distraído, e ele o chama
para entrar na barca. Ela prontamente diz que não, pois a santidade a espera. Ele, rindo
bastante, pede a ela para dizer o que ela carrega em sua bagagem e ela muito docemente diz
carregar mentiras, traições, falsidades, saudade das amigas e também um colar que mostra a
tentativa de seduzir o Diabo. Em seguida chegam duas de suas amigas, a Kate e a Pery e as
três ficam muito felizes por estarem juntas. Brígida se nega a entrar na barca e diz que vai
entrar na basca que leva ao paraíso, porém o tentar entrar, o Anjo diz não ter lugar para elas.
Brígida afirma que ajudou muita gente como senadores, deputados, vereadores, jogadores de
futebol e muitas meninas que estavam perdidas na vida. O Anjo pede ajuda à Dona Anjenta
que afirma que o pecado delas é perceptível ao olhar e que ali elas não entrariam. Elas
aceitam que terão que embarcar com o Diabo que, por sua vez, fica muito feliz.
Episódio 5: O senador João Lalau aparece contando e jogando dinheiro para o alto e
atrai Diabete que logo começa a recolher enquanto o Diabo diz ser amigo dela de longa data.
O Diabo o chama para seguir com ele para o inferno e João agradece, mas diz que já
enfrentou o inferno durante sua candidatura quando teve que conviver diretamente com os
pobres. Afirma que vai à outra barca e que lá, com toda certeza, haverá um lugar de primeira
classe para um homem honesto como ele. Conversa rapidamente com Dona Anjenta, que não
vai com a cara dele, e então começa a negociar com o Anjo a sua entrada na barca dando sua
mala de dinheiro. João fica bravo e diz que pegará o cargo do Anjo e logo é indagado sobre o
que ele fará com as almas atormentadas. Em resposta ele faz um típico discurso político
prometendo melhorias na barca em tom de vitória. O Diabo interfere e diz ser um comício de
quinta categoria, manda Diabete buscar o político e levá-lo para a barca do inferno. Ao chegar
lá, João Lalau reconhece Brígida e afirma que se soubesse que ela e as amigas estavam na
barca, teria aceitado antes o seu embarque.
Final: O Anjo e o Diabo conversam sobre o fato de Deus não pertencer a nenhuma
religião e como algumas pessoas lidam de forma equivocada com isso. O anjo pergunta

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diretamente para a câmera qual será o caminho escolhido por nós, que estamos assistindo a
peça. Ele lamenta que sua barca esteja vazia e o Diabo comemora que a sua está cheia e
afirma, olhando para a câmera, que a barca dele é igual coração de mãe: sempre cabe mais
um!
O grupo Em Sena foi criado em 2019 a partir da disciplina de artes, ministrada pela
arte-educadora Mariana Tavares na escola estadual Sena Figueiredo, nome que serviu de
inspiração para a nomeação do grupo. Tem o objetivo de trabalhar a arte como linguagem e
como campo de formação. Com o advento da pandemia e a necessidade de distanciamento
social, as aulas de arte foram remodeladas para o ambiente online e os alunos continuaram
demonstrando imenso interesse em manter os estudos voltados ao teatro. Com isso, a
professora sugeriu que o grupo se reunisse como uma atividade à parte não mais vinculada à
disciplina. Assim, com encontros semanais virtuais, o grupo começou a elaborar seus
encontros e se propuseram a fazer uma peça online, experiência ainda inédita para todos os
integrantes.
Para a elaboração da peça online “O Auto da Barca do Inferno”, foi proposto à
Evanize Siviero, professora do Curso de Dança da Universidade Federal de Viçosa, que a
turma da disciplina DAN 334 – Dança e Educação Especial fizesse uma parceria junto ao
grupo para que a acessibilidade também estivesse presente no processo criativo. Com essa
parceria, a peça passou a contar com audiodescrição e tradução em libras, reforçando, junto à
formação artística, a importância e urgência de elaborarmos obras acessíveis e lutarmos por
um mundo que celebre e dê voz à diversidade. Vale considerar aqui que esse intercâmbio
entre alunos/artistas amadores de ensino médio, fundamental e de graduação se configura
como um encontro rico e cheio de desdobramentos, pois os graduandos conseguem entender
na prática a importância da acessibilidade nas artes e possíveis modos e lugares de sua
aplicabilidade, e os alunos do ensino médio aprendem sobre o contexto da arte enquanto
campo de conhecimento e campo profissional, se aproximando da universidade e do cotidiano
de um curso de arte em uma universidade federal, possibilitando traçar caminhos futuros de
interesse e continuidade de estudo na área.
Todo o processo de criação, que teve início em março de 2020 e estreou em setembro
de 2021 no canal do YouTube do grupo, foi dirigido em conjunto pelas professoras Mariana

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Tavares e Evanize Siviero, porém cada etapa do processo foi realizada pelos alunos de
graduação, ensino médio e fundamental. A equipe se organizou por áreas de interesse desde a
pré-produção até a pós-produção, dando autonomia e respeitando a individualidade e interesse
dos integrantes pelas diferentes formas de contribuições no processo criativo.
As cenas foram gravadas na plataforma digital Google Meet na qual os integrantes
acessavam individualmente a partir de seus próprios equipamentos e de suas casas. Fica
bastante claro ao longo da peça como a mediação da plataforma ditou o ritmo das cenas,
sendo essa uma das discussões elaboradas ao longo do semestre acerca do teatro digital. Por
se tratar de uma plataforma de reunião, apenas uma tela é ouvida por vez, sendo que quando
há uma tela com fala ou som, o áudio das demais é abafado, não sendo possível ouvir duas
pessoas ao mesmo tempo. Outra característica é que a tela de destaque é ativada pelo som ou
pela fala de modo que o jogo de transição entre as telas dos personagens fosse guiado pelo
próprio texto ou por algum barulho realizado em cena. É muito interessante perceber que,
mesmo se tratando de um grupo amador com adolescentes que estão iniciando seus estudos no
teatro, como a mediação digital foi bem resolvida no tempo de fala dos personagens e nas
suas movimentações e manipulações dos objetos nas cenas. Os atores também tiveram boas
soluções para os barulhos feitos ao acaso, como no episódio 5, onde uma das galinhas bate as
asas e se movimenta em cena, fazendo com que a tela se altere sem que fosse o esperado para
aquele momento. O uso da plataforma e a elaboração da peça no espaço virtual também
possibilitaram repensar a noção de presença, tanto entre os integrantes do grupo quanto da
presença de um público, que é assumido quando os personagens quebram a “quarta parede” e
falam diretamente com o espectador. Inclusive até a noção de “quara parede” é aqui colocada
entre aspas porque entendo que, de fato, possivelmente os atores e o público estão todos
dentro de 4 paredes que seriam as paredes da casa do público que essa peça almeja alcançar
no momento de pandemia em que é elaborada.
Todo o processo de gravação permitiu que diversas questões cênicas viessem à tona
para serem discutidas ao longo do processo de criação. Recursos de iluminação, figurino,
cenário, sonoplastia, entonação da voz, ângulo de câmera e edição e tratamento das imagens
foram aspectos trabalhados nas aulas e solucionados pelo diálogo coletivo. As soluções eram

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apresentadas e discutidas pelos alunos que, em seguida, faziam testes de gravação para, então,
prosseguirem com a gravação final das cenas.
O grupo Em Sena segue atualmente realizando seus encontros semanalmente e está em
processo de realização de um novo projeto intitulado “Hiato”, que foi contemplado pela Lei
Aldir Blanc do município de Mercês - MG. O grupo se encontra no início do processo criativo
que estreará em abril também em formato online.
Justifico a escolha desse trabalho, pois vejo nele um encontro de diferentes aspectos
do campo educacional, social e artístico, que são frequentemente discutidos no ambiente
acadêmico. O grupo Em Sena se constrói e elabora seu fazer numa lógica dialética entre teoria
e prática, o que faz com que a sua existência e permanência de seu trabalho sirvam de
exemplo e inspiração para professores de artes de diferentes contextos de ensino formal e não-
formal, para outros alunos, para a comunidade local, que se valoriza e se reconhece nos
integrantes do grupo (vide comentários no YouTube), e para as políticas públicas culturais do
município e do estado, no entendimento de que se produz arte nos interiores de Minas Gerais
e de que é necessário que haja mais incentivo, fomento e descentralização de recursos.

Links para acesso à peça “O Auto da Barca do Inferno” do grupo Em Sena, dividida em 5
episódios:
Episódio 1: https://www.youtube.com/watch?v=PU2AY8fYyz0
Episódio 2: https://www.youtube.com/watch?v=yKbgowi0rhE&t=172s
Episódio 3: https://www.youtube.com/watch?v=kZy0q-xv4Jo
Episódio 4: https://www.youtube.com/watch?v=djDVUJRx_Uk
Episódio 5: https://www.youtube.com/watch?v=A9jYoljWGUA&t=1s

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