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Caro slam Drica Santos

Tudo começou em uma aula da professora que dá nome ao nosso slam. Mas nossa história
começa desde antes e para isso vou contar como foi a minha experiência naquele ano de
2022.
Logo no início, durante a prática de palhaçaria, coloquei o nariz, olhei no espelho e me vi.
Nesta imagem que carrego na minha memória, que por vezes falha, carregava olhos de
trabalho, prazos atrasados, vida amorosa, todo o estresse e o medo das coisas políticas
sendo eu um comunista da UDESC durante um governo facista. Tudo isso se acumulava e
refletia na minha retina. Diluía. Senti que naquele nariz existia um trampolim, que me
permitia saltar sobre do meu corpo para adentrar naquele espelho em rodopios, feito um
salto ornamental em que os juízes me observavam por trás e em frente ao biombo, onde a
ansiedade corria solta e o Novo era um mergulho rápido em um novo corpo.
Me enxergar desta maneira, com um novo corpo, me fez lembrar que há alegrias e
incertezas as quais havia esquecido. Pude olhá-las de frente e usá-las de picadeiro para
caminhar sobre o que é perigoso para mim e experimentar como me afetam as pessoas.
Pois para quê fazer teatro se não for para afetar e ser afetado pelas pessoas?
Me foi natural traçar paralelos na miscelânea de abordagens nesse semestre. Deste
experimento chamado “Improvisação 2” deu-se minha segunda vivência de palhaçaria.
Acontece. Como diria Everton, meu primeiro professor de palhaçaria, “Donde está la
fiesta?”. Ele usava essa frase gatilho para entrar em estado de prontidão. Professora Drica,
me gustan sus fiestas.
Tenho cá para mim que meu atraso na entrega desta carta não é justificável, mas é que…
sabe como é, quando marcam um aniversário para as 15h as pessoas só começam a
chegar depois das 16h e a festa dá inicio mesmo só depois das 20h (não é verdade, sempre
chego cedo nas festas, mas não podia perder a piada).
Brincadeiras conciliadas (não aparte) o ponto de conexão entre minha prática daqui para
frente e os encontros feitos neste semestre com a professora Drica me confirmam qual é o
foco da arte que eu quero fazer. Junto aos ensinos aprendidos com o prof. Ivan no primeiro
semestre, Zilá e Tejas no segundo, eu quero afetar e ser afetado pelos meus. E o coroa de
louros desta descoberta neste semestre está no lindo Black da minha prof Drica.
Relembrar meu corpo da ginga da capoeira, experimentar o teatro Playback e viver o Slam
é algo que serei eternamente grato. Me mostra o quanto processos performáticos
afrodiasporicos não cabem dentro de um palco, porque devem ser o chão onde a
dramaturgia e o teatro supera suas contradições no Brasil atual. É onde estes devem ser
apoiados.
Capoeira, por exemplo, é luta, é dança, é jogo, sua roda é a roda da vida, seu saber é o
saber do povo. Pode ser que isso nos deixe mais confusos ao notar, durante a prática, a
distância que estamos dela. Por isso é importante que ela esteja nas salas de ensaio e nos
palcos também, mas não só. Viver a capoeira, assim como o Playback e o Slam serve para
nosso ofício. Digo ofício, pois a arte é o ofício de trabalhar com a realidade material e
subjetiva. Resgatar a ancestralidade no tempo presente é comer o passado para vislumbrar
o futuro através da modelagem do presente. É sentir o arrepio, a força e a inércia desta
força popular que move gerações e está destinada à grandeza. Ela está enraizada no solo
da árvore que desabrocha os nossos sonhos, que ainda não sonhamos.
E para finalizar o início dessa história, devo chamar: DO RISO AOS PRANTOS…
SLAM DRICA SANTOS!
"Esse mundo não tem dono
e quem me ensinou sabia.
Se tivesse dono o mundo
nele o dono moraria.
Como é mundo sem dono,
não aceito hierarquia.
Eu não mando nesse mundo.
Nem no meu vai ter chefia"
Inspirado em Paulo Cesar Pinheiro
devo dizer o que os antigo sempre me dizia
Sou menino de muitas palavras
e na língua brota a flor da poesia
Poesia é canto, quando faz o peito inchar
O coração bate mais forte um tum tum tum vai se ouvir
Quando chamo a plateia ao palco o corpo vai se arrepiar
Afrodiasporicas paisagens fazem o colono se descolonizar
Respeito a história de quem se abre
Abro o peito o quanto se pode
Abro a orelha para que o pé escute
Mas meu corpo é fechado por São Bento Grande
Não há quem dê voz ao povo, pois o povo sempre soube falar
Seja quem estava aqui, ou quem veio do além mar
Nunca pisou num palco, mas sempre soube atuar
Fingir que não via o fosso por muito tempo teve de se enganar
A aurora de nossos tempos nos traz a lembrança
o que anunciava Kuautemoc os tempos da esperança
No ritmo do berimbau, nos versos do slam é inevitável
Nas histórias do Playback dá de ver o mundo girar
E chamo a atenção de todos que se chamam de artistas
O objetivo da vanguarda é diluir-se na rua
Perceber que nossa história é a minha e é a sua
Desarmar o palco platéia é nosso jeito desde sempre
A dança, a música, o corpo, a mente
O improviso tem uma história mais antiga
E essa história é nossa, disse meu guia
Como artistas nosso trabalho é relembrar
O que o corpo vive o coração sente
Viver, lutar e amar
Wooowwwww!!!!!

Rafael Prudencio Moreira, 2022, para a disciplina de improvisação II.

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