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JACAREZINHO
2021
INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ
TÉCNICO EM ARTE DRAMÁTICA
JACAREZINHO
2021
AGRADECIMENTOS
Palavras-chave:
Relatos; Experiência; Montagem teatral; Teatro na pandemia; Estudante/ator.
ÍNDICE DE FIGURAS
Depois disso só fui trabalhar com teatro pelo grupo de jovens, na igreja.
Normalmente nos apresentávamos em missas ou em datas especiais como na
Semana Santa. Na maioria das vezes eu era Jesus, tanto por ser o único menino
quanto pelas minhas características físicas. Éramos dirigidos por uma moça que já
participava do grupo há muitos anos. Ela tinha como experiência, a participação de
alguns cursos livres, de teatro, além de ter sido membro de um antigo Ministério de
Jovens, com vários outros membros que estudavam dança e teatro.
Porém ela não ficou muito tempo e logo a responsabilidade de dirigir as
peças passou para mim, mesmo sem nunca ter tido nenhuma grande experiência na
área. Na maioria das vezes eu dirigia e atuava. Nós trabalhávamos com peças que
já existiam na internet, das quais adaptávamos para nossa realidade. Eu dirigi duas
peças da Paixão de Cristo, uma delas não possuía falas, e atuei como Jesus. A
outra, era com falas e várias personagens, então fui apenas personagens
secundárias. Nesta segunda, trabalhamos com vários efeitos práticos, entre eles um
dublê de Jesus na hora em que ele apanhava, neste momento também havia um
cara que estralava chicote atrás do palco, para efeito sonoro. No momento em que
Jesus carregava a cruz, nós abrimos espaço entre os espectadores e fizemos a
procissão de Jesus com a cruz, por entre a própria plateia. No fim, a peça ficou tão
impressionante que reclamaram com o padre e no ano seguinte não houve mais
apresentação, fomos censurados.
Também durante esse período comecei a fazer aulas de violão em grupo,
oferecidas pela igreja. As aulas duraram cerca de três meses, até eu ter que parar
pois havia ingressado no seminário, onde iria estudar para me tornar padre, em
Jacarezinho/PR. Lá eu prossegui praticando o violão e comecei a acompanhar
cantando. Morei no Seminário por cerca de quatro meses até perceber que não
queria nada daquilo.
Pouco tempo depois eu fui para a faculdade em Cornélio Procópio/PR,
cursar Análise de Sistemas. No ensino médio eu havia feito Técnico em Informática
e gostado muito e quis prosseguir, passei na faculdade, porém nunca me identifiquei
muito com o curso e acabei trancando depois de quase finalizá-lo.
Nunca tive muitos amigos no curso, e os poucos que tinha feito no primeiro
semestre, acabaram desistindo. Só fui fazer mais amigos quando comecei a estagiar
em uma empresa de software, a ForLogic. Lá eu fiz amizade com uma galera que
também gostava de música, até chegamos a montar uma banda para tocar em um
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Eu tinha uma imagem de que um curso de arte dramática, seria tanto para
teatro quanto para produções cinematográficas, além de ter uma visão bem limitada
do que realmente era teatro. Tinha uma imagem do teatro como algo mais clássico,
grandes produções de histórias dramáticas e românticas, no estilo shakespeariano.
Durante o primeiro ano de curso vivi uma grande desconstrução em relação a isso e
comecei a gostar muito dessa nova visão, principalmente através das peças que
assistimos no primeiro ano do curso.
Assistir teatro foi uma importante experiência para a minha formação inicial
como ator, e continuará sendo, pois auxilia na construção desses novos
entendimentos sobre a arte teatral, como comprova Barbosa (2017, p.91.), ao dizer
que:
[...] a apreciação da obra cênica tem grande valor, também, nos
aspectos práticos do processo de ensino/aprendizagem em teatro,
pois o aluno ao desenvolver um exercício de improvisação, traria
para o jogo referências não apenas da vida e do cotidiano, mas
também do próprio signo teatral, ou seja, dos espetáculos que ele já
assistiu.
Uma peça em especial, que assisti com a turma logo no início do curso, se
chamava Dona Antônia. Era uma peça que contava a história de dona Antônia, mas
em três versões diferentes, cada uma dentro de uma realidade que ocorreria depois
dela ter tomado uma certa decisão durante sua juventude. Foi uma peça muito
incrível: tinha música, efeitos visuais, iluminação, um material sonoro muito vivo,
tudo de uma maneira que eu não havia visto até então, tinha até, café e bolo de
verdade! A peça foi realizada no Conjunto Amadores de Teatro, CAT, edifício teatral
da cidade, iniciando com parte do elenco e plateia sobre o palco italiano e depois
com todos se dirigindo para a arena, no inferior do mesmo teatro. Foi uma proposta
muito diferente, pois até então eu só havia visto peças como uma plateia mais
passiva e essa foi muito mais pessoal, mais próxima, e eu comecei a ver a
grandiosidade que uma peça teatral pode ter.
Uma das aulas do primeiro ano, que eu gostava muito, era a de Jogos
Teatrais com a professora Bárbara, ela tinha um ritmo muito dinâmico para teatro.
Ao mesmo tempo que eu gostava muito da aula ela me deixava com algumas crises.
Desde pequeno eu sempre me cobrei muito, principalmente quando precisava fazer
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algo na frente dos outros, e no teatro esse contato acontece a todo instante. Nessa
aula em especifico, éramos sempre provocados a nos experimentar, tentar coisas
novas. Foi e ainda é um processo complicado deixar o auto julgamento de lado e me
abrir, me experimentar e me deixar ser visto nesses momentos de maior
vulnerabilidade, momentos de criação.
Outra coisa que foi um aprendizado novo e difícil durante este primeiro ano,
foi enxergar os outros alunos e a mim mesmo em cada realidade e limitações. Como
antes eu sempre estudava com pessoas que não gostavam de teatro, ou que não
estavam interessadas, eu acabava sendo o único que participava, e fui criando uma
autoimagem, de que eu era alguém muito bom em teatro. O que era até um pouco
contraditório, já que eu me autocriticava muito, mas ainda assim me achava melhor.
Com as aulas eu fui desconstruindo esta imagem, e entendendo que muita coisa
poderia surgir por meio da troca com os outros, e que muitos dos meus
pensamentos estavam limitados. Teve muita coisa que eu fui entendendo durante
este primeiro ano e muitas coisas só fui entender depois que as aulas já não
estavam mais sendo presenciais, como, por exemplo, me enxergar como artista.
Para mim o artista era só aquele que tinha uma obra para poder expor, ou algum
reconhecimento externo.
Durante esse primeiro ano, tivemos aula com a professora Larissa, que
sempre nos trouxe referências de peças teatrais e contribuiu muito na minha visão
de teatro, de onde ele veio e para onde ele está indo. Lembro de termos lido
Lisístrata: a greve do sexo, durante as aulas, e a forma como ela nos instigou a fazer
a leitura, me deu uma visão totalmente diferente, da que eu teria criado caso tivesse
lido sozinho. O que me fez perceber que as interpretações de um mesmo texto são
diversas.
Ainda com a Larissa, durante algumas aulas de prática corporal, exploramos
o toque. Era comum nos revezarmos em duplas e trocar massagens. Um ato
aparentemente simples, mas que sempre nos causava as reações mais diversas,
desde risadas tímidas, até aproximações inesperadas. Acredito que esse foi um
grande fator para que nós, enquanto grupo, nos aproximássemos em pouco tempo.
As aulas também serviram para novas experiências e descobertas, sobre o
comportamento do corpo para o canto e a voz. Ao final do primeiro ano, participei do
projeto Corpo, complexidade e criação cênica: investigações sobre a integração voz-
movimento, com o professor Antônio. Tanto no projeto quanto nas aulas, nós
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trabalhávamos com a voz, mas não de maneira musical e sim de maneira mais
experimental. Fazíamos aquecimentos e exercícios bastante interessantes com a
voz, que sempre nos instigavam a explorar a voz no corpo, de forma não
convencional.
Tivemos, ainda, aulas com um professor de música, o Adrio, que trabalhava
muito com a nossa voz também. Sempre fazíamos aquecimentos, estudávamos
formas de projetar a voz, e vez ou outra pegávamos instrumentos na sala de música.
Formávamos uma espécie de orquestra improvisada, o que me abriu a mente, para
a ideia de que não precisava ser a pessoa mais experiente em algum instrumento,
para fazer música.
Durante o período em que estávamos tendo aulas presencialmente no IFPR,
eu participei de algumas apresentações com música. Teve uma durante o Balaio
Cultural, que eu havia me inscrito em duas apresentações. Em uma eu tocaria duas
músicas sozinho e, em outra, com o restante da turma, faríamos um exercício cênico
chamado Campo de Visão. Porém as apresentações anteriores a essas se
atrasaram, e enquanto eu estava tocando a primeira música, a minha turma entrou
de improviso e fez o Campo de Visão, exercício em que um estudante guia o
movimento dos demais, como detalha Lazzaratto (2001, p. 34-36):
Trata-se de um exercício de Improvisação Teatral no qual os
participantes só podem movimentar-se quando algum movimento
gerado por qualquer ator estiver ou entrar em seu campo de visão.
Os atores não podem olhar olho no olho. [...] Assim, de saída,
através dessa primeira e mais importante regra, o ator estimula
sobremaneira sua visão periférica para depois ampliar sua percepção
sensorial em 360°. Os atores são dispostos na forma de um U.
Assumem uma posição neutra, mas com seus corpos já devidamente
aquecidos e tonificados. [...]. A noção de indivíduo x coletivo é
constantemente colocada em xeque, pois é necessário o perfeito
entrosamento entre as necessidades subjetivas de cada ator e as
necessidades do todo atuante. O exercício propicia e força o ator a
saber impor sua vontade particular na mesma medida que impõe um
“abrir mão” dessa vontade em prol da vontade coletiva.
bastante da gente, algo um pouco semelhante com a exaustão, porém mais leve.
Segundo Ferracini (2012, p.95),
O trabalho de treinamento energético busca “quebrar” tudo o que é
conhecido e viciado no ator, para que ele possa descobrir suas
energias potenciais escondidas e guardadas. E como conseguir isso?
Luís Otávio Burnier, criador do LUME, embasado nas pesquisas de
Grotowski, acreditava que a exaustão física poderia ser uma porta de
entrada para essas energias potenciais, pois, em estado de limite de
exaustão, as defesas psíquicas tornam-se mais maleáveis.
estivesse fugindo de algo, até que eu me via amarrado por cordas. Não conseguia
mais mover meus braços e pernas, então caia no chão e começava a me debater,
como um peixe fora d’agua, agonizando sem ar. Com muito esforço eu me livrava
dessas amarras e me levantava. Olhava a minha volta e avistava um poço. Eu me
dirigia até o poço, juntamente com as cordas que haviam me prendido, as lançava
para dentro do poço e depois puxava. Fazia um tremendo esforço para puxar a
corda. Depois de algumas tentativas sem êxito, desistia da corda, com muito pesar.
Me dirigia até o alto de um prédio, onde, então, caminhava de forma lateral pela
borda, tateando uma parede atrás de mim. Meu corpo tremia com o medo da altura.
Dava pequenos passos, até que por fim, me lançava e caia lentamente ao chão.
Essa sequência sempre exigia muito de mim, manter a energia do começo
ao fim era um desafio. Sempre foi comum, em outras apresentações durante minha
vida, ficar muito nervoso e inseguro. Mas percebi nesse caso, que quando fazia a
sequência de aquecimentos, ficava num estado de euforia que afastava as
inseguranças. Queria muito poder ter explorado isso em outras apresentações, mas
logo veio a pandemia e não pude mais.
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Demos início ao segundo ano de forma presencial, porém logo tivemos que
parar devido a pandemia da COVID-19, também conhecida como pandemia do
coronavírus, uma doença respiratória causada pelo coronavírus da síndrome
respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2).
Inicialmente entramos em quarentena e a aulas foram pausadas. A
recomendação era que todos ficassem em suas casas. Havia uma esperança que
tudo passaria logo e poderíamos retornar em breve. Porém os casos só foram
aumentando e tivemos que permanecer em casa. As instituições de ensino, no geral,
começaram a migrar para a modalidade online. Havia até mesmo uma pressão da
comunidade externa, de que as coisas não poderiam ficar paradas. Por fim, as aulas
no IFPR também retornaram, mas as portarias internas e instâncias superiores não
tornaram obrigatórias as presenças dos estudantes, apenas era obrigatória a oferta
por parte dos professores. Devido à falta de recursos, principalmente por questões
econômicas e sociais dos estudantes, não seria possível realizar aulas síncronas.
Então as aulas e contagem de presença funcionavam através da entrega de
atividades e trabalhos online.
Para minha turma parecia uma ideia muito surreal, ter aulas de teatro online.
Havíamos acabado de completar nosso primeiro ano, estávamos com altas
expectativas para o segundo e último ano. O ano da montagem final. O trabalho de
encerramento de curso, em que teríamos a oportunidade de participar de um projeto
de montagem cênica e nos apresentarmos para uma plateia real!
Como seria continuar o curso sem ter contato físico? Depois de tudo que
vivemos enquanto grupo no ano anterior, estava cada vez mais claro que a arte do
teatro ocorre através da presença, através da troca de energia entre os colegas de
cena, entre o ator e a plateia. Havíamos aprendido que o teatro presume um árduo
trabalho com o corpo: repetitivo, exaustivo e presente. Como seria possível
continuar crescendo enquanto grupo estando todos separados? As intimidades
trocadas em aula, os momentos vividos durante as atividades, os afetos criados a
partir desses encontros que se mesclavam de forma única numa relação
estudante/ator/amigo. Que experiências eu carregaria da minha formação, para
possíveis trabalhos com teatro, caso só tivesse aulas online? Tudo isso passava
pela minha cabeça e de meus colegas em meio àquele período caótico.
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visões diferentes, foi difícil encontrar “o ponto”. Foi um período que olhei muito para
dentro de mim. Desde o princípio os professores nos instigavam a trazer ideias para
a cena. A primeira ideia de cena partiu de nós, estudantes. Eu tive dificuldade em
conseguir visualizar o que poderia oferecer. Na minha cena eu interpretava quatro
personagens diferentes, lembro que os professores reclamavam que não era
possível ver muita diferença entre eles. Quais caminhos eu poderia seguir nesse
cenário?
Um dia, já frustrados com os apontamentos dos professores e com um
desejo de evoluir nas cenas, uma mudança aconteceu. Eu e uma colega, a Helena,
através de uma chamada de vídeo, começamos a trabalhar nossas personagens:
Quem eram? Quais as idades? Como seriam as vozes?...a partir daí ficou mais
visível para onde ir. De repente, eu via a cena ganhando forma, ganhando vida. Ela
exigia mais energia e eu precisava dar essa energia. Então pouco tempo antes de
iniciarmos as aulas eu passei a fazer um aquecimento sozinho, misturando alguns
exercícios apreendidos nas aulas presenciais, o que me ajudou muito, tanto em
condensar energia, quanto em me desligar de tudo e focar na cena. Comecei a
trabalhar mais em memorizar as falas e acrescentar algumas pequenas ações à
cena. Até então a cena era feita sentada e em forma de leitura. Passei a trabalhar na
cena em pé, demarquei espaços para cada personagem (quatro posições) e por
sugestão dos professores transitava entre eles com movimentos rápidos e curtos. A
ambientação da cena, pode ser verificada na Figura 1 que se segue.
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Escala 1:30
Figura 3 – Zepo
Figura 5 – Zapo
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Por fim tínhamos três cenas, a minha e mais duas, de duas colegas, a
Helena e a Ana Paula. Infelizmente boa parte dos colegas acabaram não
participando mais das aulas por diversos motivos. Os professores sugeriram
apresentarmos essas cenas, juntamente com mais algumas do primeiro ano, e nós
aceitamos. Fizemos uma apresentação aberta, online, e foi um encerramento
excelente para todo o processo, trago abaixo o folder de convite para essa mostra
de trabalhos. Pelo menos no calendário, encerramos ali o ano de 2020.
III. NÃO SE FICA IMUNE DESSAS QUATRO PAREDES QUE NOS CIRCUNDAM
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Relato de aula – Dia 11/03/2021
Iniciamos a aula conversando sobre o que foi definido em relação às
sugestões dadas na aula passada. Falei sobre o encontro que tivemos no dia
anterior, só entre os alunos. Nesse encontro, nós testamos um método de sorteio,
onde cada ator recebe uma personagem a cada capítulo.
Relatei algumas percepções que tivemos durante o encontro e como
funcionava o sorteio. Tentei deixar mais aberto para outros colegas falarem, mas
ninguém mais se manifestava. As câmeras em sua maioria estavam desligadas, o
que parecia deixar tudo ainda mais distante do que já estava.
Decidimos reler o texto, com as câmeras abertas, desta vez usando o
método de sorteio e fazendo pausas para que os professores pudessem ir
pontuando melhorias na leitura.
Os professores nos encorajavam a ler com mais energia, firmeza e emoção!
Podendo até trazer essa leitura para o corpo. De certa forma nós experimentamos
suas sugestões, porém tudo muito desconexo, sem muito preparo, ou profundidade.
1
Os relatórios foram escritos durante ou após as aulas descritas neles. Entretanto, para a escrita aqui
neste trabalho, sofreram pequenas alterações, quando necessário, para melhor explicação e
compreensão da experiência vivida.
2
Trago, a partir daqui, meus relatos escritos em itálico, por serem registros pessoais.
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Cada um estava por si. Foram poucos os momentos em que se haviam conexões
genuínas entre os atores ao interpretarem seus personagens. O sorteio contribuiu
para que tudo fosse ficando mais desconexo e sem sentido, pois, a cada cena,
interpretar uma nova personagem provou ser um grande desafio!
Também anotei3 a necessidade de estar fazendo tudo em pé, com mais
espaço para me locomover e explorar melhor as ações das personagens, além de
imprimir a peça.
Ao fim da aula os professores nos encorajaram a ler e absorver mais
conteúdos relacionados às propostas de trabalho e teatro no geral, para termos no
que nos apoiar nos próximos estudos. Inclusive, trouxeram muitas sugestões de
leituras!
No geral, foi um encontro conturbado e disperso, com vários pontos a serem
trabalhados. Me propus a estar mais preparado para o próximo encontro, e tentar
encorajar meus colegas a fazerem o mesmo!
Nos resta aguardar e trabalhar!
3
Fiz uma anotação de tópicos em aula, e depois a desenvolvi neste relatório.
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Assim, prosseguimos com aulas ocorrendo uma vez por semana. Vez ou
outra fazíamos reuniões extras, sem os professores, para ensaios particulares e
decidirmos algumas questões, como por exemplo a divisão de personagens, citada
anteriormente. Sempre tivemos bastante abertura nas tomadas de decisões, o que
me traz um certo orgulho de pensar que a montagem é resultado de um esforço
coletivo.
Porém, nem sempre esse coletivo foi fácil. Ao contrário das cenas individuais
do ano anterior, nessa montagem, cada falta era sentida, precisávamos da presença
e empenho de todos para a evolução do trabalho. Em cada aula nos
aprofundávamos mais nas personagens e nas relações daquela família do texto, e
quem não estava presente, perdia essas novas informações. Era muito comum
termos pessoas específicas já preparadas para substituir quem faltasse, e esses
colegas ausentes, por sua vez, também costumavam ser os mesmos. Durante as
aulas/ensaios, os professores/encenadores davam instruções sobre a personagem
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Veja bem, estávamos cada um, em sua própria casa, até mesmo em cidades
diferentes. Atuávamos e éramos dirigidos com toda essa distância. Era um desafio
criar uma conexão que atravessasse essas barreiras, porém, como citado acima,
havia uma energia que nos atravessava. Muitas vezes, durante a cena, tínhamos
que trabalhar apenas com o que ouvíamos do colega, uma vez que não era possível
ficar olhando para a tela o tempo todo, para ver quais eram as expressões, quais os
movimentos de corpo, ou para que lado estavam olhando. Foi preciso aprofundar o
estudo do texto, através de diferentes maneiras de fazer as leituras, algumas vezes
mais pausadas, com um objetivo de gerar uma interpretação mais minuciosa. E seria
só através desse trabalho, que conseguiríamos expandir essa energia, a ponto de
nos contagiar, e contagiar o público.
De modo a nos ajudar na montagem, os professores/encenadores nos
davam sugestões de conteúdo, que se relacionavam com a peça, para termos mais
referências de trabalho. Também deram sugestões de obras que trabalhassem com
o conceito de teatro no geral. E foi por meio dessa sugestão, que eu vim a assistir a
minissérie brasileira, dirigida por Fernando Meirelles, Som & Fúria, de 2009. A
minissérie tinha sua trama principal desenhada em volta de uma companhia teatral
paulista, explorando seu cotidiano de ensaios, visões divergentes entre diretores,
jovens atores tentando se encaixar nos seus primeiros papéis, atores de longa data
se reinventando, rotina de apresentações e dramas pessoais, que costuravam a
história. Mesmo não sendo uma experiência que vivi, presenciar essa realidade
através da série, me trouxe uma visão do teatro, em que, vários esforços individuais
se refletem no coletivo, e nos entregam um resultado formado a partir de várias
contribuições. Um resultado único, criado a partir do diverso. Assim como nossa
montagem, que, mesmo sendo feita de uma forma não convencional no meio teatral,
trazia com ela contribuições, que apenas essa realidade podia nos proporcionar.
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4
O desejo de trabalhar a cena em pé já estava presente desde o início, como podemos observar no
relato da aula do dia 11/03/2021
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Chegamos até metade do texto, hoje fiz algumas personagens que não
costumo fazer, como a mãe. Depois, sobre minha atuação da personagem Joaquim,
a professora deu alguns toques na cena, entre eles um que eu estava me
movimentando muito de um lado para o outro o que dispersava a cena. Tentei então
trabalhar com meus pés mais plantados ao chão, fazendo movimentos mais
pontuais, e trazendo para outros lugares o desespero que a cena pede, através da
respiração, olhares e expressões.
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Observar a Figura 7.
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A personagem do Samuel não tinha um objeto para diferenciá-lo em cena, pois apenas um ator o
fazia, e este ator não fazia outras personagens.
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Uma das coisas que causou certa dificuldade no começo, era o que fazer
enquanto estava em cena, porém sem falas. Para onde olhar? Quais movimentos
realizar? Quando eu precisava interpretar a Grazi, era mais fácil de visualizar isso, já
que ela quase sempre estava dançando ao fundo, com seu headfone. Esse objeto
de cena, junto à característica de adolescente sonhadora7, me trazia uma boa
referência sobre como trabalhar os movimentos da personagem. Contudo, nas
cenas do Joaquim, eu não tinha essa ação pré-determinada para realizar. Imagino
que no teatro presencial, não-online, desenvolveríamos um desenho de cena, e
ficaria mais fácil de visualizar o que fazer. Todavia, ali eu estava parado na frente de
uma tela, que me captava somente por um ângulo, e dentro do limite de corte da
câmera. No começo me causava até certo desconforto. E foi como forma de me
ajudar a sustentar a personagem em cena, que eu trouxe uma caneca para a Cena
IV. Eu entrava em cena segurando minha caneca, e quando não precisava interagir
com outras personagens, interagia com a caneca. Assoprava como quem estava
tomando um café, tomava um gole ou outro, e trazia em alguns momentos, uma sutil
inquietação que a personagem sentia nos diálogos, em pequenos movimentos com
a caneca. E no fim, funcionou, já que tive aprovação dos professores/encenadores
para manter o objeto em cena.
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As rubricas da Grace Passô costumam ser mais subjetivas, entretanto, como a Grazi é descrita
como uma adolescente que imagina a vida como um clipe de música, e que está sempre com um
headfone no ouvido, parecia lógico que o seu movimento, muitas vezes, seria dançar.
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Ao trabalharmos por algumas cenas, notamos que nem tudo que funcionaria
no palco, era viável na modalidade virtual. Como em um trecho na Cena III, em que
a mãe passava o telefone para Samuel, sem dizer nada. Não ficava evidente que
havia essa passagem, sem nem ao menos mencionar esta ação. Então, tivemos que
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Assim como ocorre na cena de abertura da peça, descrita anteriormente.
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Como Samuel saiu de casa antes que as discussões sobre a lama acontecessem, ele não está em
cena nesse momento. Mais tarde, ele retorna para casa, dizendo que esqueceu sua máscara, e a que
é entregue a ele está, também, suja de lama.
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também. Enfim, o ensaio aberto aconteceu, e na cena com a lama, lembro de sentir
como se me faltasse apoio, como se eu buscasse uma memória, porém ela não
estava lá.
Retornando a rotina normal de ensaios, precisávamos lidar agora com a
sonoplastia. Já havíamos inserido alguns efeitos sonoros mais práticos para serem
executados em cena: um objeto que fazia muito barulho na apresentação de
Pequeno, que justificasse a Mãe e Samuel chamando atenção dele, o som de um
telefone, e o som de campainha. Contudo, foi durante uma semana de aulas
síncronas, que juntamente com o professor Adrio, discorremos sobre onde e quais
músicas iríamos adicionar ao trabalho. Já tínhamos alguma noção de quais seriam
os momentos que adicionaríamos a sonoplastia, devido a apontamentos realizados
durante os ensaios. A grande questão era: quais músicas? Mesmo tendo bastante
liberdade criativa durante o processo, havia algumas ideias que pareciam ser de
certa forma censuradas, com frases de como isso não funciona no teatro. O que é
totalmente compreensivo, havia coisas que realmente não funcionavam na cena.
Entretanto, havia coisas que simplesmente eram barradas. Que para alguns
professores/encenadores funcionava e para outros não. Tínhamos um certo receio
de que as músicas escolhidas para a peça pudessem ser barradas. Essa situação
foi descrita no relato da aula do dia 21/06/2021:
A GENTE VAI PREFERIR NÃO CASAR, MAS A GENTE VAI SER FELIZ
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS