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PRECISA-SE DE UM PERSONAGEM ESQUETE

Livremente inspirado na obra de Luigi Pirandello, com versos de William Shakespeare


SINOPSE: este esquete apresenta uma proposta de metalinguagem teatral, agregadora de
clássicos, conjugando o texto contemporâneo de Luigi Pirandello “Seis Personagens a Procura
de um Autor”, junto com fragmentos de “O Rei Lear”, “Hamlet” e “Macbeth” – Ambas obras do
célebre Dramaturgo clássico William Shakespeare – A concepção do esquete foi elaborada
considerando possíveis perspectivas de jovem aspirantes a atores/atrizes.
O Autor *
Esquete do gênero cômico, sobre os desafios do fazer teatral e de faixa etária livre
PERSONAGENS
FAXINEIRA ____ Funcionária excêntrica de um teatro
GAROTA ____ Representação da faxineira quando criança
DIRETOR ____ Caricatura de um diretor teatral
ATRIZ _____ Jovem aspirante a atriz. Também balconista e universitária

DIRETOR – Mas o que está acontecendo aqui? Já passam das 8 horas... É nisso que dá
trabalhar com artistas amadores... Era só o que me faltava, um diretor de expressão como eu,
chegando antes do elenco... E como está sujo aqui! Faxineira! Faxineira!
FAXINEIRA – (CHEGANDO ATORDOADA) Senhor diretor! Senhor diretor! Eu estou aqui,
finalmente estou aqui! Consegui chegar sã e salva... Só agora percebo! Como é bela a vida! Como
é bom viver! Como tudo é lindo!
DIRETOR – Sai pra lá, sua desmiolada! Contenha-se! A senhora sabe por um acaso que
horas são? O ensaio devia ter começado há meia hora. Por que tanta euforia? Por acaso ganhou
na loteria?
FAXINEIRA – Nããão, imagine Sr. Diretor... (VARRENDO) O senhor não soube? O mundo,
Sr. Diretor... O mundo não acabou... Por isso eu me atrasei... Excessos, Sr. Diretor... (RI)
DIRETOR – Cabeça de bagre! Afinal de contas, onde está o elenco que ainda não
chegou para o ensaio?
ATRIZ – (SAINDO PERFORMÁTICA REPENTINAMENTE DE DEBAIXO DA MESA DO
DIRETOR) Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e setas
com que a fortuna, enfurecida, nos alveja, ou insurgir-nos contra um mar de provocações...
APLAUSOS DA FAXINEIRA
DIRETOR – Mas que insanidade é esta? Que diabos faz esta atriz dormindo em meu
cenário? O que significa isso?
ATRIZ – (ENCARANDO O DIRETOR) O Sr. por acaso sabe o que é ser atriz de teatro neste
país de noveleiros, e ainda ser universitária e ter que trabalhar como caixa de supermercado,
sabe? Isso cansa, sabia? Além do mais, o Sr. está me devendo o cachê da última apresentação...
Por isso... (BOCEJA) me-dei-xa em paaaz... (E VAI CAINDO POR CIMA DO DIRETOR).
DIRETOR – (DEITANDO-A) O que está acontecendo aqui, afinal?
FAXINEIRA – Pra mim isso ainda é ressaca do fim do mundo...
DIRETOR – Se é o fim do mundo, eu não sei, mas da minha paciência, com certeza! Fui!
FAXINEIRA – E eu, eu que sempre sonhei em ser uma atriz de teatro... Desde que era
garotinha (ENTRA A PERSONAGEM GAROTA, ELA DEVE ENCENAR TODA A HISTÓRIA CONTADA
PELA FAXINEIRA) Eu vinha aqui, neste mesmo teatro, neste mesmo palco, fingia que era o grande
Paulo Autran encenando “O Rei Lear” de Shakespeare.
GAROTA – Ouve-me, biltre! Por teu dever de vassalagem, ouve-me!
FAXINEIRA – (EM ÊXTASE) Eu me lembro como se fosse hoje, agora mesmo. Desde
aqueles tempos passei a admirar a obra de Shakespeare.
ATRIZ – (NUM ROMPANTE) Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre. Em nosso
espírito sofrer pedras e setas. Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja, ou insurgir-nos contra
um mar de provocações...
GAROTA – Gosto mais de Macbeth! (ENQUANTO ELA RECITA, A FAXINEIRA A OBSERVA
ESPANTADA. A ATRIZ VOLTA AOS POUCOS A DORMIR) Farto de tudo, chamo a paz da morte ao
ver quem de valor pena em vida.
FAXINEIRA – (APLAUDINDO E DEPOIS SE DANDO CONTA) Ei! Espere um pouco, quem
é você? De onde você veio?
GAROTA – Eu? Eu sou uma personagem em cena, e você?
FAXINEIRA – Eu? O que você acha que eu sou??? Eu sou... (OLHA PROS LADOS E
PIGARREIA) Eu sou... “uma atriz de teatro”, na verdade “uma grande atriz de teatro”! (E USA O
CABO DA VASSOURA COMO ESPADA) Mas espere aí, você disse que é um personagem?
GAROTA – Eu sou um produto da sua imaginação, você me criou.
FAXINEIRA – Eu? Não diga bobagens, eu sou apenas uma criatura e não uma criadora...
(RINDO) você é uma meninazinha bem maluquinha, hein?
GAROTA – Maluquinha, eu? Por acaso sou eu que ganho a vida fingindo ser outra
pessoa? Ao menos eu sei quem sou. Sou uma criança cheia de sonhos futuros. Você sabe mesmo
quem você é?
FAXINEIRA – (AINDA USANDO O CABO DA VASSOURA) Ora essa! É claro que eu sei
quem sou... Mas é claro que eu sei quem sou... Sei sim... Eu sei!!!
ATRIZ – (NUM ROMPANTE NOVAMENTE) Ser ou não ser, eis a questão: será mais
nobre. Em nosso espírito sofrer pedras e setas. Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja, ou
insurgir-nos contra um mar de provocações...
GAROTA – Acho que há algo de errado com esta atriz. Oi! O que há com você?
ATRIZ – O espetáculo! Já começou o espetáculo? Eu tenho todas as falas decoradas,
ensaiei bastante, estou pronta, eu vou conseguir!
FAXINEIRA – Calma! O espetáculo é só logo mais, você pode ficar calma.
ATRIZ – Tô tão nervosa! Eu sempre sonhei em ser atriz, mas minha vida é tão
cansativa... (BOCEJANDO).
GAROTA – Não desista! Você vai conseguir! Faça como eu, acredite! Eu sei que um dia
conseguirei ser uma “grande atriz”. (A ATRIZ VOLTA A DORMIR)
FAXINEIRA – (INDO PARA BOCA DE CENA) Eu reconheço essas palavras! Era o que eu
repetia pra mim mesmo na minha infância! (OLHA PARA A GAROTA) Não é possível! Sou eu!
(CONFIDENCIAL PARA A PLATEIA) E agora?
GAROTA – Seja meu livro então minha eloquência, arauto mudo do que diz meu peito...
Faxineira completa a fala:
FAXINEIRA – Que implora amor e busca recompensa. (PARA A PLATEIA) Pobre garota,
só sabe da vida a ternura.
GAROTA – Se a morte predomina na bravura do bronze, pedra, terra e imenso mar...
FAXINEIRA – Pode sobreviver a formosura, tendo da flor a força a devastar? (PARA SI)
Não sou a mesma, é diferente hoje em dia.
NESTE MOMENTO DESPERTA A ATRIZ, DESTA VEZ ATENTA A PERFORMANCE
APRESENTADA. AO MESMO TEMPO, ENTRA O DIRETOR TAMBÉM ADMIRADO.
GAROTA – (ENFRAQUECENDO AOS POUCOS) Ou que beleza o tempo não demarca?
Nenhuma! A menos que este meu amor em negra tinta guarde o seu fulgor (E MORRE).
DIRETOR – (APLAUDINDO JUNTO COM A ATRIZ) Bravo! Bravíssimo!
FAXINEIRA – (AOS PRANTOS) Não! Não se vá! Por favor, não me deixe! Eu não sou nada
sem você! Volte! Volte! Eu prometo que não desistirei nunca mais do nosso sonho! Eu acredito!
Eu acredito!
GAROTA – (RINDO) Ainda bem... Eu já estava sem fôlego!
FAXINEIRA – Você estava fingindo. Mas que boa atriz você é!
GAROTA – Não, você é que é. Eu sou só um personagem sonhador, você “É” uma
grande atriz...
DIRETOR – É verdade! Você é magnífico! Porque você não me disse antes?
A PERSONAGEM GAROTA VAI SAINDO DE MANSINHO
ATRIZ – Parabéns, colega! Foi uma grande interpretação (E VOLTA A DORMIR)!
FAXINEIRA – (PROCURANDO A GAROTA) E tudo graças a você. OBRIGADA!
(PERCEBENDO QUE NÃO HÁ GAROTA ALGUMA) Cadê ela?
DIRETOR – Ela? Não há ninguém aqui além de nos três. Uma brilhante dupla
interpretação a sua. (CONDUZINDO-A À COCHIA) Meu elenco está completo! A magia do teatro
está viva!
ATRIZ – Ser ou não ser, eis a questão: Ué? Acabou?
Fim

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