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personagens
um ator velho cômico de 68 anos, ou mais.
ATOR
(no figurino de Calchas,
personagem da peça
"Troilo e Cressilda" de Shakespeare,
sai de um camarim, com uma vela na mão,
rindo às gargalhadas)
ahahahaha
Puxa vida!
ahahahaah
Essa é boa!
ahahahaha
Essa é demais!
ahahahah
Esqueceram de mim no camarim!
Eu dormi no camarim!
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Nossa...
Ah, seu maluco,
seu doido!
dormindo que nem um cachorro surdo!
Que gênio!
Capeta!?
Capeta, você tá aí?!
Diacho!
Dagô?!
A essa hora os demônios estão roncando...
Capeta!
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(movendo a cabeça)
Ainda estou tonto!
Afe! Como eu brindei e bebi
por conta da homenagem!
Deus do céu!
Até o suor está cheirando álcool,
a língua está parecendo uma lixa...
Não tenho mais idade pra essas coisas...
estou enjoado...
Ai...
(levanta e senta)
Ai...
Tudo dói... e com som
Ai...
Som pra levantar
Ai...
Som pra sentar
Idade do condor.
(canta Idade do Condor)
Com dor... nas costas
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Condor... no ombro
Condor... nas juntas
Condor... nas articulações
e tanto arrepio pelo corpo
Com dor... nas costas
Condor... no ombro
Condor... nos joelhos
Condor... nas articulações
E por dentro nada
só um frio
sem esperança... de mudança.
Da garrafa toda
sobrou só um restinho no fundo...
Sobrou a borra...
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(Grita)
aaaahahahahahhahhahhahhahhha
que frio!!! ...
Tem Um vento encanado por aqui...
Eita lugar encantado, cheio de espíritos!
II
ATOR
(dá um grito de pavor e recua)
Quem é você?
O que é que você quer?
O que você veio fazer aqui?
SOPRINHO:
(Sopra)
Sou eu!
ATOR
Sou eu?
SOPRINHO:
(Aproximando-se dele bem devagar)
Sou eu, o ponto...
que soprava os textos dali...
o ponto, Soprinho... sou eu!
Quando vocês esqueciam o texto
Era eu que soprava.
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ATOR
(Prostrado, deixa-se cair sobre o banco, respira
com dificuldade e treme dos pés à cabeça)
Soprinho?
É você...
você, Soprinho?
Mas o que...
que você está fazendo aqui?
SOPRINHO:
Eu durmo aqui, mas ninguém sabe
fico à noite nos camarins.
Por tudo que é sagrado,
não conta pro segurança
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ATOR
Soprinho,
Teve palmas, teve flores, teve homenagens,
Todo mundo me cumprimentou...
Mas nem uma alma caridosa
pra se lembrar de mim.
Pra se preocupar em me levar pra casa
esqueceram de mim
no camarim.
O mundo é assim, Soprinho...
Malditos!!!
Esqueceram de mim!
Mundo maldito! Gente maldita!
Virei velho
Tenho 68 anos
Não tenho utilidade pra esse mundo
Vou ter que morrer.
Que medo!
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Que medo!
SOPRINHO:
(com carinho e respeito)
Vai pra casa descansar em paz...
ATOR
(Bem doce)
Nada disso, não vou!
não, não e não!
SOPRINHO:
Como assim,
esqueceu pra onde todo mundo vai depois
daqui?
ATOR
(desesperado)
Não quero ir embora, não quero!
Não quero ficar enterrado no meu canto...
Só eu, sem ninguém comigo,
nem amigos, sem amor, sem mulher,
sem filhos, nada...
Sozinho, como um mendigo na madrugada...
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SOPRINHO:
O público, o público te ama.
ATOR
O público não está nem aí pra nós.
Está dormindo
Já esqueceu que sou o bufão.
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SOPRINHO
Meu Deus do céu, Quanto drama!
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ATOR
É que eu sou uma pessoa,
um ser vivo,
o que corre nas minhas veias é sangue
e não água.
Sou uma pessoa nobre, Soprinho,
de boa origem...
Antes de cair neste buraco,
eu era outro, era um guerreiro...
Como eu era valente,
cheio de coragem,
de entusiasmo!
Deus, onde foi parar tudo isso, Soprinho?
e depois, que ator eu me tornei, hein?
(Levanta-se e apoia-se no braço do ponto)
Onde foi parar tudo isso,
o que fizeram desse tempo?
SOPRINHO:
HI, Já passou da hora de ir deitar,
ATOR
Sabe, Uma criatura se apaixonou por mim
por causa da minha arte...
Eu estava assim,
como estou agora diante de você...
vou levar pro túmulo esse olhar...
Carícia, veludo, voragem, brilho da juventude!
Ai, eu não aguento, caio a seus pés,
Te peço, por tudo.
Vamos ficar juntos?..
Sabe o que a criatura disse?
SOPRINHO:
E vamos viver de teatro!
ATOR
E vamos viver de teatro!
Está entendendo?
SOPRINHO
BONITINHA, MAS ORDINÁRIA
ATOR
O mineiro só é solidário no câncer!
Nelson Rodrigues
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SOPRINHO
– Você está alto, eu estou alto. É a hora de
rasgar o jogo. De tirar todas as máscaras.
Primeira pergunta:
Você é o que se chama um mau caráter?
ATOR
– Você está alto, eu estou alto. É a hora de
rasgar o jogo. De tirar todas as máscaras.
Primeira pergunta:
Você é o que se chama um mau caráter?
SOPRINHO
– Por que?
SOPRINHO
– (VACILANTE) Pelo seguinte.
SOPRINHO
– Fala.
SOPRINHO
– Estou precisando de um mau caráter.
Entende? De um mau caráter.
SOPRINHO
– Quem sabe?
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SOPRINHO
– Espera. Outra pergunta.
Você quer subir na vida? É ambicioso?
SOPRINHO
– Se sou ambicioso? Pra burro!
Você conhece o Otto? O Otto Lara Rezende?
O Otto!
SOPRINHO
– Um que é músico?
SOPRINHO
– músico? Onde? O Otto escreve. O Otto.
O mineiro jornalista! Tem um livro.
Não me lembro o nome. Um livro!
SOPRINHO
– Não conheço, mas...
Bola pra fora! Bola pra fora!
SOPRINHO
– O Otto é de arder! É de lascar!
E o Otto disse uma que eu considero o fino!
O fino! Disse:
“o mineiro só é solidário no câncer”.
Que tal?
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SOPRINHO
– (REPETINDO)
“O mineiro só é solidário no câncer.” Uma piada.
SOPRINHO
– (INFLAMADO) Aí é que está!
– Não é piada. Escuta, Dr. Peixoto.
A princípio eu também achei graça. Ri.
Mas depois veio a reação.
Aquilo ficou dentro de mim.
E eu não penso noutra coisa.
Palavra de honra!
SOPRINHO
– Uma frase!
SOPRINHO
– Mas uma frase que se instalou em mim.
Que está me comendo por dentro.
Uma frase roedora. E o que há por trás?
Sim, por trás da frase?
O mineiro só é solidário no câncer.
Mas olhe a sutileza. Não é bem o mineiro.
Ou não é só o mineiro. É o homem.
O ser humano. Eu, o senhor ou qualquer um,
só é solidário no câncer.
Compreendeu?
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SOPRINHO
– E daí?
SOPRINHO
– Daí eu posso ser um mau caráter.
E pra que pudores ou escrúpulos
se o homem só é solidário no câncer?
A frase do Otto mudou a minha vida.
Quero subir sim, quero vencer.
SOPRINHO
– Bem uma curiosidade:
- o que é que você faria , pra ficar rico?
Cheio do ouro? Milionário.
SOPRINHO
– Eu faria tudo!
Com a frase do Otto no bolso,
não tenho bandeira.
E, de mais a mais, sou filho de um homem.
Vou lhe contar. Quando meu pai morreu
tiveram de fazer uma subscrição,
vaquinha pro enterro.
Os vizinhos se cotizaram. Comigo é fogo.
A frase do Otto me ensinou.
Agora quero um caixão com aquele vidro, como
o do Getúlio.
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SOPRINHO
– Isso mesmo.
O Otto Lara é que está com a razão.
SOPRINHO
– (NUM REPELÃO DE BÊBADO)
O mineiro só é solidário no câncer.
E eu sou mau caráter, pronto!
ATOR
Naquele dia
entendi que não existe arte sagrada
É tudo conversa pra boi dormir
Estamos num negócio como outro qualquer,
Aplauso, sucesso, fotografia,
Não enche barriga.
Eu sou um produto
um produto pra vaidade do público
É tudo negócio.
(deixa-se cair sobre o banco)
É tudo negócio.
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SOPRINHO
Você está me deixando preocupado.
Vamos voltar? Me dá este prazer!
ATOR
Eu perdi minha ilusão
E paguei o preço pra descobrir isso.
Desde essa história... com essa criatura...
Fui atrás dos meus interesses...
sem compromisso com nada...
Fazendo qualquer papel
de bobo da corte, de gozador, de besta,
de má influência e, no entanto,
eu era um artista! Eu tinha talento!
Mas enterrei esse talento,
distorci minha linguagem,
falo sem pensar,
perdi a imagem e a semelhança divina...
Me entreguei pra um poço sem fundo.
ontem à noite eu percebi... quando acordei,
olhando para trás...
Que o que está feito está feito...
Finita la comédia!
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SOPRINHO:
Meu querido...
Vamos, sossega...
Meu Deus!
Capeta. Dagô.
ATOR
E que talento, que força!
Não pode imaginar que dicção
Quanto sentimento
Quanta elegância,
Quanta música
(golpeia o peito)
Tem dentro deste peito!
SOPRINHO
É noite, tudo é noite...
ATOR
Espera me dá um pouco de ar
O poeta Mário de Andrade,
O seu último poema:
A Meditação sobre o Tietê
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SOPRINHO
“Água do meu Tietê...
Onde me queres levar?
Rio, que adentras na terra...
E que me afasta do mar.
É noite. E tudo é noite.”
ATOR
“É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco
admirável
Da Ponte das Bandeiras o rio
Murmura num banzeiro de água pesada e
oliosa.
É noite e tudo é noite. Uma ronda de sombras,
Soturnas sombras, enchem de noite tão vasta
O peito do rio, que é como se a noite fosse água,
Água noturna, noite líquida, afogando de
apreensões
As altas torres do meu coração exausto. De
repente
O ólio das águas recolhe em cheio luzes
trêmulas,
É um susto. E num momento o rio
Esplende em luzes inumeráveis, lares, palácios e
ruas,
Ruas, ruas, por onde os dinossauros caxingam
Agora, arranha-céus valentes donde saltam
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ATOR
E aí?
Como foi?
(vivamente)
Mais uma deixa eu mostrar...
Shakespeare, pode ser?.
SOPRINHO:
Laertes, o seu filho,
está partindo para a França...
O navio está no porto,
vento favorável, pronto pra partir
Ele está conversando com filha Ofélia
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ATOR
Ainda aí Laertes, já embarcar, vai embarcar!
o vento curva os ombros tua vela,
só estão te esperando!
Toma aqui, minha benção, vai com ela.
Guarda na memória estas poucas dicas:
Cuida da imagem.
Não dê língua pro que estiver pensando,
pra um pensamento irrefletido, ação nenhuma.
seja familiar, o que não quer dizer ser promíscuo
os amigos que tiver conquistado e aprovado,
não esquece
amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete
chaves dentro do coração
mas não caleja a mão abrindo a palma atoa
pra qualquer frangote ou mau elemento que
aparecer
Cuidado, pra não comprar briga mas se comprar
segura
de tal modo que o inimigo é que venha a temer
você
dê ouvidos a todo mundo, voz a poucos
aceita as opiniões de cada um
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SOPRINHO:
Adoro!!
Shakespeare! Ham-let! Salve Polônio!
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ATOR
Vamos lá! Uma cena de Moçambique:
A CAVAQUEIRA DO POSTE,
De Sergio Mabombo!
SOPRINHO
Escuta...Tendeu!
Vamos improvisar para comermos.
Estás à Ouvir essa música?
Esses jovens que fazem música descartável
estão a comer feijão no terceiro andar,
no flat do maconde.
Chamam isso de festa de feijoada.
Então vamos lhes provocar:
logo que eles ficarem zangados,
vão nos atirar com qualquer comida
que tiverem na mão, percebe?
TENDEU
haaa já te copiei.
Mas com tanto pretexto para festa
eles foram logo para festa da feijoada...
CALVINO
Sim, e veja que até a televisão
faz cobertura total da festa da feijoada.
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TENDEU
Em ti falta vergonha, com esse tipo de
improvisos...
CALVINO
Exacto!
sem vergonha mas com fome.
Agora chega de conversa.
Vair enervar esses gajos
até te atirarem com massa esparguete,
TENDEU
...Uns velhos... (olhando para o Calvino)
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CALVINO
desculpa uma ova.
vai mas é continuar a trabalhar,
me faça essa cambada de música de máquinas
atirar comida cá para baixo.
CALVINO
- Que caraças de laranja o que?
eu não quero laranja pá!
TENDEU
- Tá bom...tá bom... o que é que vai comer?
CALVINO
- Massas
CALVINO
- Não pá! Esparguete.
TENDEU
—Mas se é festa de feijoada
como é que vão ter massa esparguete?
CALVINO
Mas se é festa da feijoada
como é que tiveram a porcaria de laranja?
Continua à trabalhar ai.
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TENDEU
- Vocês não são capazes de me acertar
com massa esparguete...
vocês não são capazes de ....
(cai mais uma laranja)
Calvino! Hoje... só tem laranjas.
CALVINO :
Um tolo como você só pode conseguir laranjas.
há...claro! é o que você gosta... laranjas.
As minhas preferências que se lixem.
(pausa)
agora quero ver quem vai descascar
essa porcaria de laranja para ti.
Pausa longa
TENDEU
(com ar irónico, de gozo)
bom... na verdade eu pedi esta linda laranja,
amarela ... da cor amarela...
só para olhá-la com os olhos.
não há melhor espetáculo para a vista
do que a delicia de só olhar uma laranja.
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CALVINO
Cala-te porra ...cala te!
estou farto das tuas ironias.
(Mais calmo)
É incrível como os tempos mudam Tendeu.
Houve tempos de fartura
em que bastava mostrar a língua de fora
para alguém num prédio,
e ele nos atirava com massas esparguete...
ovos cozidos, mayonaise,
bolos de nata, batata doce...etc etc etc.
Se tivesses talento de provocação
até podia te atirar com uma boa sobremesa.
Mas agora temos esse vírus de crise alimentar
mundial.
Os que têm comida é difícil eles deitarem
comida no meu contentor.
TENDEU
Hoje só atiram lixo mesmo.
CALVINO
Mesmo hoje se atiram essa laranjinha que tens
na mão..
TENDEU
Suca...
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CALVINO
Desculpa..
Se eles atiram essa laranjinha cá para baixo
não é porque não sabem
que este jogo de provocação é uma farsa.
eles sabem que é uma mentira, um truque..
eles só atiram essa laranjinha
por uma questão de caridade.
caridade para conosco. Os cães..
TENDEU
Já te disse que não somos cães.
CALVINO
Somos cães sim.
Não conseguimos nada.
TENDEU
já te disse que não somos cães.
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CALVINO
E eu já te disse que ... que....
(faltam-lhe palavras).
Tá bom... você não é um cão.
mesmo vivendo aqui,
sem produzir nada,
apenas pedindo,
comendo das lixeiras...
você julga que não é um cão. como?
porque você julga que não é um cão?
TENDEU-
porque não tenho essa categoria ... de cão.
um cão meu caro...
se tiver sorte de ter um bom dono,
o que é muito frequente,
encarregam um gajo...um humano...
para lhe levar a passear,
lhe dar banho,
tirar o seu cocozinho.
Há um tipo que lhe proibiram de entrar
naquele hotel da baixa não vés?
CALVINO
há 28 anos
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TENDEU
Não entrou naquele hotel porque estava mal
vestido, ao mesmo tempo
que entrava um senhor com os seus cães.
Ontem um miúdo me mostrou no telefone
um cão que estava a pinar uma mulher branca.
Agora eu em toda minha vida
nunca tive metade desses privilégios.
CALVINO
Mas tens certeza que era um cão...
animal com uma mulher branca ...
pessoa...não entendo.
TENDEU
Era um cão preto, eu vi.
CALVINO :
Há! Você confundiu com estes rastas.
Porque essas mulheres modernas gostam destes
rastas.
TENDEU
Era um cão, te digo
CALVINO
Não entendo...
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TENDEU
Mas o que é que você não entende?
Simples, fica assim
(coloca o outro inclinado)
Suponhamos que eu sou o cão
E você é a mulher moderna.
(faz um gesto obsceno por detrás do amigo e se
ri da cena)
CALVINO
Opa... opa... vê lá hem
Não gosto
Me respeita ok
TENDEU
Estou a tentar te animar, não vês?
SOPRINHO
A CAVAQUEIRA DO POSTE,
De Sergio Mabombo!
ATOR:
Que força! Grande talento! Que artista!
Mais uma... mais uma esπecial
Do fundo do passado... Manda
(Ri de felicidade)
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Que fazemos?
Sim, isto.
SOPRINHO
Bacantes, último ato,
Kadmos, o governador
diante do corpo despedaçado do neto Penteu.
ATOR
Ai, filho! Ai, filho, você só vivia para os
seus, para a nossa casa, para o nosso
palácio,
nós tínhamos os olhos voltados só pra
você. Você: “nova visão da nossa Casa!”
Nosso povo te respeitava, te temia, e
contra o velho aqui ninguém ousava fazer
nada. Só de olhar na tua cara, de medo do
castigo, o inimigo já esfriava.
Agora, daqui, da capital da dor, vou ser
exilado no escândalo, na corrupção, na
desonra.
Eu, Kadmos, o íntegro, o sério, o
reconciliador, o aliancista!
45
acreditar.
SOPRINHO:
"Tudo o que há no amor,
no crime, na guerra, na loucura,
nos deve ser devolvido pelo teatro
se ele pretende reencontrar a sua necessidade."
ATOR:
(ri às gargalhadas e aplaude)
Bravo! Bis! Bravo!
Com os diabos, quem falou em velhice?
Não há velhice alguma,
é tudo disparate, tolice.
O vigor jorra de todas das nossas veias como de
um chafariz,
- isto é juventude, viço, vitalidade!
Onde tem talento não tem velhice, Soprinho!
SOPRINHO:
Deve ser o Capeta e o Dagô.
Chegaram.
QUANTO TALENTO, QUANTO TALENTO
ATOR:
(se vira e grita na direção de onde veio o ruído)
Por aqui meus anjos!
Vamos mudar o figurino
A velhice não existe tudo isso é ficção música
(se ti alegremente a gargalha)
Mas POR QUE você está chorando Soprinho?
(soprinho vai saindo e se escondendo)
por que estão me olhando assim
O que é que está acontecendo.
chega, chega, ninguém mais vai chorar.
ONDE HÁ ARTE
ONDE HÁ TALENTO
ALI NÃO TEM VELHICE, NEM SOLIDÃO NEM
DOENÇA
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NIKITA
“Se alguém chega e te abraça,
com imensa alegria,
É teu dever tratá-lo com igual cortesia,”
ALCESTE
Eu acho tão indecente
Isso de se apresentar sem ser gente
Eu não engulo coisa tão deprimente,
Que a moda hoje em dia obriga a gente;
Não tem negocio que odeio tanto quanto
expressão corporal
as contorções de que vem se apresentar
quase em convulsões,
Que vantagem ouvir que alguém lhe ama,
Jurando consideração e amizade fama,
E lhe cobrir de elogios todo gentil,
Se lá fora ele diz o mesmo a um imbecil?
Não, pra uma alma justa, não tem sentido
um sentimento assim tão prostituído.
Quem gosta de todos não gosta de ninguém;
E se você pratica isso,
55
PHILINTE
No mundo em que se vive é preciso ceder,
Ser um pouco gentil pra poder conviver.
ALCESTE
Ao contrário, é preciso agir, com coragem,
É horrível o comércio na camaradagem.
Que a gente ao se apresentar,
Mostre o coração, na hora de falar,
Que nossos sentimentos
Não se escondam jamais em falsos movimentos.
PHILINTE
Mas em muitas praças, não dá pra abrir o
abcesso
O importante sempre é o sucesso.
Pra isso é que existe a autocensura
56
ALCESTE
É...
PHILINTE
O quê? E dizer:
Presidente deixa de ser demente!!!
Senadora seja a primeira
a parar de falar besteira?!
ALCESTE
É claro.
PHILINTE
E dizer ao capitalista:
deu na vista que você é oportunista?!
ALCESTE
Exato.
57
PHILINTE
Está brincando.
ALCESTE
Eu não brinco em serviço,
E não posso deixar de falar isso.
Coisa assim fere o meus peito, o país e a cidade
Meu fígado solta bile em quantidade.
Me deixa patinando no humor negro,
com rancor profundo
Ver uma criatura justa ter que viver num
mundo.
Onde, em toda parte, bajulação, se propaga
Injustiça, mentira, calúnia e traição;
Eu passo mal, não aguento mais,
Daqui pra frente só falo com os animais
NIKITA
Palmas vivas
Moliérè, o Misantropo...
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