O PATO, A MORTE E A TULIPA

De Wolf Werlbruch

Por

LUCAS QUOOS
CENA:
CORTINAS PRETAS AO FUNDO DO CENÁRIO POR ONDE OS PERSONAGENS
SAEM.

[O PATO FAZ COISAS QUE ADORA – SOZINHO.]

[REGA UMA TULIPA QUE A MORTE SEGURA POR TRÁS DA CORTINA PRETA.
COLOCA UMA MÚSICA (SOLIDÃO – TOM ZÉ) E DANÇA COM A FLOR,
PREPARA UM SANDUÍCHE, LÊ UM LIVRO (NESTA CENA, A MORTE ESTÁ
PRESENTE SEM SER VISTA, FAZENDO O LIVRO FLUTUAR ENQUANTO O
PATO PEGA UM SUCO)]
[(1 MIN E 40S) O PATO LEVANTA-SE E DESAPARECE ATRÁS DA CORTINA
PRETA.]
[(1 MIN E 43S) A MORTE APARECE COM DUAS MALAS QUADRADAS.
COLOCA-AS NO CHÃO. ENQUANTO FAZ ISSO, O PATO VOLTA E PERCEBE
SUA PRESENÇA. JOGA EXPRESSÕES COM A PLATEIA. SE ESCONDE NO
MOMENTO EM QUE A MORTE PEGA NOVAMENTE AS MALAS PARA CONTINUAR
SUA JORNADA. HÁ UM JOGO DE ESCONDE-ESCONDE AQUI, ONDE O PATO
FICA APARECENDO ATRÁS DA MORTE, DESCONFIADO. QUANDO ELA CHEGA
AO OUTRO LADO DO PALCO, O PATO A SURPREENDE.]

PATO
QUEM É VOCÊ? E PORQUE ESTÁ
SEMPRE ATRÁS DE MIM FEITO MINHA
SOMBRA?

MORTE
FINALMENTE NOTOU A MINHA
PRESENÇA. EU SOU A SUA SOMBRA.
MUITO PRAZER, ME CHAMO MORTE.

PATO
OH! A MORTE? E VEIO ME LEVAR
JUSTO AGORA?

MORTE
EU ESTOU POR PERTO DESDE QUE VOCÊ NACEU, POR VIA DAS DÚVIDAS...

PATO
POR VIA DAS DÚVIDAS?

MORTE
É, CASO ACONTEÇA ALGUMA COISA.
NUNCA SE SABE. UM RESFRIADO...
UM ACIDENTE... UMA RAPOSA...

PATO
AI! NEM ME FALE EM RAPOSAS QUE
EU JÁ FICO TODO ARREPIADO...
ENTÃO É VOCÊ QUEM CUIDA DAS
RAPOSAS E RESFRIADOS?

MORTE
[PEGANDO O LIVRO E FOLHEANDO] O
QUE ESTÁ LENDO?

PATO

[OS DOIS REPRESENTAM JUNTOS A HISTÓRIA

NARRADA PELO PATO, MIMETIZANDO UM ENCONTRO
NO BAILE COM UMA DANÇA]
UM LIVRO SOBRE UM PATO QUE
NASCEU EM UMA FAMÍLIA DE PATOS
BRANQUINHOS, QUE VIVIAM PERTO DO
RIO. AÍ, UM DIA, EM UM BAILE,
ENQUANTO DANÇAVAM NO CÉU, ELE
CONHECEU UMA PATA LINDA E
AMARELINHA, DA FAMÍLIA QUE
MORAVA PERTO DA MONTANHA.
[DANÇA] ELE SE APAIXONOU POR ELA
E ELA POR ELE, NO MESMO
INSTANTE. O PROBLEMA É QUE AS
FAMÍLIAS ERAM INIMIGAS MORTAIS E
OS DOIS NÃO PODIAM FICAR JUNTOS.
NO FINAL, ELES...

MORTE
MORREM?

PATO
AH! VOCÊ TAMBÉM LEU ESSE?

MORTE
É QUE VOCÊS, PATOS, ADORAM
ESCREVER SOBRE ESSAS COISAS. EU
MORRO DE RIR COM ESSAS
CONFUSÕES.

PATO
NÃO IMAGINEI QUE VOCÊ TIVESSE...
HUMOR.

MORTE
DIZEM QUE TENHO UM SENSO DE
HUMOR ESTRANHO. ISSO ME IMPEDE
DE TER MUITOS AMIGOS. DESCULPE.

PATO

[SORRI]
VOCÊ ATÉ QUE É SIMPÁTICA.

MORTE
VOCÊ ACHA?

PATO
ACHO. BEM, QUANDO NÃO SE LEVA EM
CONTA QUEM VOCÊ É.

MORTE
É A VIDA.

PATO
O QUE TEM A VIDA?

MORTE
O QUE VOCÊ TINHA ME PERGUNTADO.
É ELA, A VIDA, QUEM SE ENCARREGA
DAS RAPOSAS, RESFRIADOS,
ACIDENTES... E TAMBÉM DE TODAS
AS COISAS QUE ACONTECEM A VOCÊS
PATOS...

MÚSICA: LAGOA DOS PATOS – KLEITON & KLEDIR

[CORTA PARA A CENA DA MONTAGEM DO LAGO –

UM FIO AZUL ATRAVESSA O PALCO, ILUMINADO
PELA LUZ AZUL]

[PENSAR EM PARTITURAS CORPORAIS DENTRO DO

LAGO]

MORTE
[SAINDO PARA A BEIRA] ERA ISSO
QUE EU TEMIA. OLHA, SENHOR PATO,
 EU PRECISO CONFESSAR QUE NÃO
GOSTO MUITO DE ÁGUA...

PATO
[DE DENTRO DA LAGOA] E POR QUE
NÃO DISSE ANTES?

MORTE
EU... EU NÃO SEI![SURPRESA POR
NÃO SABER A RESPOSTA]

PATO
OS AMIGOS NÃO PRECISAM TER
CERIMÔIAS.

MORTE
EU NUNCA TIVE NENHUM AMIGO.

PATO
NOSSA! CRUZ CREDO... QUE COISA
HORRÍVEL VIVER SEM AMIGOS.

MORTE
E QUANTO AOS SEUS AMIGOS?

PATO
EU... EU... É QUE... BEM... EU
NÃO PRECISO DE AMIGOS. VIVO
MUITO BEM SOZINHO. [CRUZA OS
BRAÇOS EMBURRADO]

MORTE
ESTOU MORRENDO DE FRIO. ME
DESCULPE, EU PRECISO SAIR DAQUI.
[TREMENDO, A MORTE VAI SE
DEITAR]

PATO
[FICA UM TEMPO EMBURRADO, SENTE-SE SOZINHO
NO LAGO E VAI ATÉ A MORTE]
EI, DONA MORTE, ESTÁ COM FRIO?
POSSO TE ESQUENTAR?
[O PATO DEITA-SE SOBRE A MORTE. OS DOIS
ADORMECEM]
MÚSICA: NASÇA – WALTER FRANCO
[MORTE ACORDA, FAZ UM CARINHO NO PATO, O
DEIXA DELICADAMENTE DORMINDO, COMEÇA A
DANÇAR À CONTRALUZ, EM UMA CENA EM QUE
ARRUMA O CAFÉ DA MANHÃ SOBRE SUAS MALAS –
DUAS XÍCARAS E UM BULE, O LÍQUIDO É
IMAGINÁRIO]

[O PATO SEGURA UM PANO BRANCO ONDE SE PROJETAM SOMBRAS DE

SONHOS: A VIDA DE UM PATO DO NASCER ATÉ A VELHICE]

FIM DA CENA.

CENA: OS DOIS SENTADOS COM A MALA-MESA DE CAFÉ AO CENTRO. A

MORTE SERVE OS DOIS.

PATO
NÃO SEI O QUE É MAIS ESTRANHO.

MORTE
O QUÊ?

PATO
PATO QUE SONHA OU MORTE QUE
PREPARA CAFÉ DA MANHÃ. ESPERA!
EU NÃO MORRI!

MORTE
FICO FELIZ POR VOCÊ. NA VERDADE,
NINGUÉM NUNCA TINHA FEITO AQUILO
POR MIM ANTES.

PATO
O QUÊ?

MORTE
O QUE FAREMOS HOJE? ESPERO QUE
SEJA UMA COISA MUUUITO
EMPOLGANTE!

PATO
AH! QUE BOM TE VER ASSIM!
EMPOLGADA! HOJE FAREMOS UMA
COISA MUITO RADICAL. HOJE NÓS
SUBIREMOS EM UMA ÁRVORE!

MORTE
 ÁRVORE? EU NÃO FAÇO IDEIA DE
COMO SUBIR EM ÁRVORES. OLHA,
PATO, EU NÃO LEVO MUITO JEITO
PRA ESSAS COISAS...

PATO
É FÁCIL. É SÓ VOAR E POUSAR LÁ
EM CIMA.

MORTE
EU NÃO SEI VOAR.

PATO
VEM COMIGO. EU TE MOSTRO O
CAMINHO. [ENTREGA A PONTA DE UM
ROLO DE LINHA DE LÃ VERDE PARA A
MORTE E DESCE ATÉ A PLATÉIA]

MORTE
E AGORA?

PATO
AGORA VOA!

MORTE
EU NÃO SEI VOAR. NÃO DEU CERTO!

PATO
JÁ SEI. TENTA DE NOVO. DE OLHOS
FECHADOS!
[MÚSICA: BROTHER – EDWARD SHARPE & THE
MAGNETIC ZEROS]
[A MORTE DANÇA]

MORTE
EU CONSEGUI! VIU, PATO?! [A
MORTE CONTINUA COMO SE ESTIVESSE
PLANANDO AO VENTO]

PATO
TÔ VENDO! [PARA ALGUMA CRIANÇA
DA PLATÉIA: SENHOR, PRECISO QUE
SEJA A ÁRVORE. LEVA A PESSOA ATÉ
O PALCO, COLOCA UM CACHECOL DE
LÃ VERDE SOBRE OS SEUS OMBROS E
A ORIENTA A FICAR COMO SE FOSSE
UMA ÁRVORE – ENTÃO OS DOIS
POUSAM NOS GALHOS (FICANDO POR
TRÁS DOS BRAÇOS, OMBROS, ETC)]

PATO
ALGUNS PATOS DIZEM QUE QUANDO A
GENTE MORRE A GENTE VIRA NUVEM E
VAI MORAR LÁ NO CÉU, DE ONDE
PODEMOS VER TUDO LÁ EMBAIXO,
QUASE IGUAL AQUI DE CIMA DA
ÁRVORE, SÓ QUE MAIS ALTO.

MORTE
PODE SER. ASAS VOCÊS JÁ TÊM.

PATO
OUTROS PATOS DIZEM QUE QUANDO A
GENTE MORRE A GENTE VAI PARA UM
FORNO QUE TEM DEBAIXO DA TERRA E
VIRA PATO ASSADO PRA SEMPRE!

MORTE
VOCÊS PATOS... INVENTAM CADA
UMA. MAS QUEM SABE?

PATO
ENTÃO VOCÊ TAMBÉM NÃO SABE?

MORTE
NÃO...

PATO
TEM UMA BELA VISTA DO LAGO AQUI
DE CIMA... QUANDO EU MORRER ELE
VAI FICAR LÁ, SOZINHO, ASSIM,
SEM MIM.

MORTE
QUANDO VOCÊ MORRER O LAGO TAMBÉM
VAI DEIXAR DE EXISTIR, PELO
MENOS PARA VOCÊ. ENTÃO, NÃO
PRECISA SE PREOCUPAR...

PATO
EM CIMA DAS ÁRVORES A GENTE TEM
CADA PENSAMENTOS ESTRANHOS.
VAMOS DESCER.
 FIM DA CENA.
MÚSICA: dEUS – NOTHING REALLY
ENDS
CENA: COMO NA CENA DO SONHO,
MAIS SOMBRAS PASSAM DIANTE DO
PANO BRANCO. CENAS DA VIDA DALI
EM DIANTE.
A MORTE, POR SUA VEZ, TRAZ O
INVERNO. VESTIDA COM PANOS
BRANCOS, QUE REPRESENTAM O VENTO
FRIO; DE SUAS MÃOS, ISOPOR
REPRESENTANDO A NEVE. [ISSO SERÁ
REPRESENTADO NUMA DANÇA]
O PATO MORRE APÓS COLOCAR UM
PIJAMA E IR PARA A CAMA, A MORTE
O ESQUENTA, DEPOIS DE UM TEMPO
COLOCA A TULIPA SOBRE ELE.
[POR TRÁS DA SOMBRA, OUVE-SE A
VOZ DO ATOR QUE FAZ O PATO]: A
MORTE FICOU UM TEMPO OLHANDO O
PATO IR EMBORA. E POR UM
SEGUNDO, ELA QUASE FICOU TRISTE.
MAS ASSIM É A VIDA.
[A MORTE ARRUMA AS MALAS E SEGUE
A SUA JORNADA]

FIM